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Trono do Arcanista – Cap. 01 – A “Fogueira”

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Nuvens de uma fumaça negra e densa queimavam os pulmões de Xiafeng toda vez que ele tentava respirar, não faltando muito para que ele ficasse inconsciente.

— Não! Aguenta firme… se eu desmaiar, eu vou morrer… eu preciso… eu preciso ficar acordado!

As chamas intermináveis finalmente desapareceram lentamente, deixando tudo na mais completa escuridão. Como um homem se afogando, Xiafeng tentou incessantemente se agarrar a qualquer coisa que pudesse alcançar, para impedir que fosse engolido por aquela escuridão quase palpável.

De repente, uma luz avermelhada apareceu, como o sol nascendo no horizonte. Sob o brilho daquela luz, Xiafeng sentiu uma pequena parte de sua força retornando, e assim ele desesperadamente tentou se aproximar dela. Quando ele conseguiu chegar perto, a luz avermelhada começou a oscilar, até que o vermelho deu lugar a um branco muito puro, que se espalhou e dissipou a escuridão, fazendo-a desaparecer em um piscar de olhos.

— Haaaa! — Xiafeng acordou abruptamente, extremamente ofegante. Ele sonhou com chamas horríveis, tão macabras que o fizeram perder a consciência devido àquela fumaça negra sufocante. Ele não teve o que fazer além de assistir as chamas se aproximando para devorá-lo. Paralisado como se por uma força sobrenatural, ele sabia que estava num pesadelo, mas simplesmente não conseguia acordar.

O sonho foi tão real que Xiafeng demorou bastante para recuperar seu folego e seus sentidos. Depois que seu coração acelerado se acalmou, ele finalmente se lembrou de que ficou trabalhando em seu projeto a noite toda na biblioteca da escola. — Não me admira ter sonhado com fogo, estou queimando tudo que eu tenho de energia esses últimos dias, — pensou Xiafeng, de uma forma depressiva.

Quando ele despertou e estava prestes a recolher os livros para então poder voltar para o quarto, Xiafeng olhou ao redor e ficou absolutamente atordoado com a estranha e inimaginável cena à sua frente. Como se tivesse sido atingido na cabeça, ele ficou chocado e sua mente travou.

Todas as escrivaninhas de madeira da biblioteca tinham desaparecido. As pilhas de livros, anotações e computadores simplesmente não estavam mais ali. A única coisa que restava era um cobertor preto velho e desfiado que o cobria. Ao invés de estar na cadeira da biblioteca, ele estava em uma cama velha de madeira.

Onde diabos eu estou?!

Nessa situação, até mesmo uma pessoa como Xiafeng, que era relativamente lento para as coisas, já podia perceber que alguma coisa estava errada. No improvável caso em que ele tivesse mesmo sido pego em um incêndio, teria sido enviado para um hospital, e este lugar definitivamente não se assemelhava em nada a uma instituição médica! Mas nem de longe!

Seu coração acelerou devido ao choque. Ele olhou ao seu redor e tentou se levantar, mas assim que colocou os pés no chão sentiu vertigem e a fraqueza de suas pernas teriam feito ele cair, o que só não aconteceu porque Xiafeng se segurou na cama para manter o equilíbrio. Seu rosto estava pálido e seu coração batia loucamente. Ele se deu conta da precariedade do lugar após uma olhada mais detalhada.

Era um pequeno barraco, e além da cama de madeira, havia ainda uma mesa de madeira, que poderia desmoronar a qualquer momento, dois bancos aparentemente em bom estado, e uma caixa com um buraco em cima. Uma porta aberta bem deteriorada de madeira mostrava a saída do cômodo, e do outro lado dela havia uma panela pendurada, além de um fogão à lenha bem velho. Havia ainda uma porta que certamente levava à parte exterior do barraco. O fogo já tinha se apagado há muito tempo, pois não havia qualquer resquício de calor nas cinzas do fogão.

Tudo lhe parecia estranho, e ele não tinha ideia de onde estava. A sensação de fraqueza e as tonturas também o incomodavam muito. — Onde é que eu estou?! Parece que acabei de me recuperar de uma doença grave… como a pneumonia que tive no colégio. — Inúmeras outras linhas de raciocínio se formaram em sua mente, mas definitivamente Xiafeng nunca tinha estado em uma situação tão estranha. Seu cérebro estava à beira de um colapso.

A única coisa pela qual ele deu graças foi que nada horripilante apareceu. Assim, Xiafeng respirou bem fundo diversas vezes e finalmente se acalmou. Foi aí que um grito alto veio de fora da cabana, aparentemente a uma certa distância dali.

— Vão queimar a bruxa! A Catedral de Aderon vai queimar a bruxa!

— Todo mundo vai lá ver!

— Queimem essa maldita bruxa até virar cinzas!

O medo e a excitação estavam misturados naquele sotaque estranho. Xiafeng esqueceu o pânico por um momento e sentiu a curiosidade o invadir. Ele pensou, — Bruxa? Que mundo é esse?

Como um adulto, Xiafeng podia prever que algo ruim iria acontecer lá. Porém, seu raciocínio foi interrompido pelo som súbito da porta da cabana se abrindo. Um menino de doze ou treze anos entrou correndo.

— Lucien! — O menino de cabelos castanhos, vestindo roupas de algodão que batiam nos joelhos, encontrou ele sentado na cama, exclamando surpreso, — Você acordou! Graças a Deus!

Olhando a roupa completamente diferente do menino, Xiafeng concordou com a cabeça inconscientemente. Uma ideia ridícula surgiu em sua mente confusa, — Lucien… Bruxa… Catedral… queimar… Eu estou em um mundo diferente ou em outra dimensão? Parece que estou na ‘Idade Média’ no meio da Europa, quando a caça às bruxas era algo comum…

Se algo pode dar errado, dará. — A Lei de Murphy veio à mente de Xiafeng de uma forma nada agradável. A cor do cabelo do menino e suas roupas eram a prova que confirmava sua suposição. Xiafeng conseguia entender e até falar aquela língua desconhecida de forma instintiva, mas estava longe de ser um linguista, e assim ele não conseguia sequer dizer que tipo de idioma eles estavam usando.

O menino, com várias marcas de sujeira no rosto, não se surpreendeu ao ver o estranho comportamento de Xiafeng.

— Minha mãe não acreditou em mim. De noite ela sempre fica lá chorando, com os olhos cheios de lágrimas, murmurando, ‘oh coitadinho do meu pequeno Evans’, como se você já estivesse enterrado no cemitério. Meu pai não sabia mais o que fazer, então ele pediu pra aquele safado do Simon levar uma mensagem para a mansão do Lorde Venn, pedindo que meu irmão voltasse de algum jeito. Agora ele é um escudeiro. Claro, o médico da comunidade não ia ter a cara de pau de cobrar aquele preço ridículo na frente de um escudeiro!

O garoto falava com o queixo levemente erguido, se sentindo orgulhoso.

— Mas olha só, eu estava certo! Eu sabia que você ia ficar bem! Eu sabia! — Ele agarrou o braço de Xiafeng. — Vamos! Eles vão queimar aquela bruxa vadia. É a mesma que te fez ir para a prisão e ser interrogado a noite toda pelos guardas da igreja!

Xiafeng queria refletir mais sobre sua situação atual e, portanto, não estava interessado em sair. Além disso, iam queimar uma pessoa viva. Isso era algo completamente inaceitável para sua natureza que era — ou pelo menos ele acreditava que era — bondosa. Porém, a última coisa que o menino mencionou deixou ele em choque. — A bruxa tinha algo a ver comigo?

Ele então mudou de ideia. Com a ajuda do outro menino, ele levantou e saiu cambaleando para fora da cabana, em direção à catedral. Xiafeng reparou nas pessoas que encontrava pelo caminho. Estava quente lá fora. A maioria dos homens usava roupas de linho com as mangas meio apertadas, calças da mesma cor e sapatos baixos, enquanto que as mulheres usavam vestidos longos sem adornos, mas com grandes bolsos. Era rudimentar e antiquado.

A maioria deles tinha cabelos e olhos castanhos, havendo alguns rostos incomuns que tinham cabelo ruivo ou preto, e olhos verdes ou azuis. — Isso é realmente a Idade Média? — Xiafeng descobriu que ele estava usando o mesmo tipo de roupas.

Logo depois que saíram da favela cheia de barracos pequenos e caindo aos pedaços, viram ao longe uma catedral de tamanho médio que passava um ar solene e imponente com o seu telhado arqueado. No ponto mais alto do teto tinha uma enorme cruz branca. As janelas da parte de baixo eram muito estreitas e pequenas.

Já haviam muitas pessoas lá. Seguindo o menino, Xiafeng se espremeu através da multidão e foi chegando perto do centro da praça. Isso fez com que algumas pessoas ficassem irritadas e olhassem para eles com raiva, mas sendo adultos não podiam se comportar mal na praça de Aderon.

Pouco depois, Xiafeng conseguiu ver o que havia adiante. Eles estavam bem na frente da multidão agora. No centro da praça, uma bela mulher de vinte e poucos anos, com o rosto tão pálido que contrastava com sua túnica preta, estava amarrada a uma cruz de madeira. As pessoas jogavam pedras e pedaços de madeira enquanto gritavam, xingavam e cuspiam nela:

— Vá para o inferno! Bruxa maldita!

— Você queria que todos em Aderon morressem!?

— Minha pobre Tracy! Ela morreu há vários meses… Com certeza foi por culpa sua! Você é má!

A mulher da túnica preta foi atingida várias vezes, mas ela apenas fechou seus lábios pálidos e finos e não deixou escapar sequer um gemido. Parada como uma estátua, ela encarava a multidão.

Na frente do público estava um homem de meia-idade vestindo uma bela túnica branca com vieses dourados, além de um kipá¹ da mesma cor na cabeça. Em uma das mãos ele segurava uma cruz, também branca. O homem permaneceu em silêncio o tempo todo, mantendo uma atitude solene e respeitosa. Vários homens e mulheres estavam em pé atrás dele, todos vestindo as mesmas roupas brancas. Seus rostos eram bem cuidados e rosados, formando um contraste nítido com a multidão pobre e suja que se fazia presente na praça. Atrás dos de branco, havia uma fileira imponente de guardas armados com espadas, usando cotas de malha em ótimo estado de conservação.

O homem de meia-idade olhou para o seu relógio de bolso e deu início ao ritual, erguendo uma insígnia da igreja que retirou de seu bolso. Instantaneamente, aquelas pessoas, que estavam em polvorosa gritando com a mulher, calaram a boca e se acalmaram.

O silêncio súbito foi tão completo que Xiafeng conseguia ouvir o som do vento nos arredores.

Ele ficou muito impressionado. Mesmo na sociedade contemporânea, a obediência absoluta das pessoas e uma resposta rápida como aquela exigiria pelo menos alguns meses de treinamento. Que tipo de autoridade ou poder poderia ser capaz de fazer todas essas pessoas pobres serem tão complacentes como um exército?

Ainda segurando sua insígnia, o homem de meia-idade começou a falar com uma voz grave, que ressoou por toda a praça:

— Pobre pecadora. Vocês são enganadas pelo diabo e se tornam gananciosas por poder. Seu corpo e alma foram corrompidos. Somente a luz poderá purifica-los. É a sua punição, mas também é a misericórdia de Deus.

— Queime a Bruxa! Queime a Bruxa! Queime a Bruxa! — Os gritos das pessoas começaram já razoavelmente coordenados e tornaram-se cada vez mais altos.

A cena daquele povo fanático gritando em uníssono fez Xiafeng estremecer. Se soubessem que ele tinha vindo de outro mundo, Lucien, ou melhor, Xiafeng, cuja alma tinha sido ocupada pelo ‘demônio’, seria o próximo a virar churrasco.

— Antes que a luz lhe julgue, — o homem ofereceu de maneira misericordiosa — confesse seus pecados! O arrependimento sincero pode salvar sua alma. Então ela poderá ascender aos céus, se colocando ao lado de Deus.

A mulher de manto negro começou de repente a rir loucamente, com uma voz muito poderosa.

— O que eu busco é a verdadeira forma da magia, não a forma de Deus! Queime meu corpo! Ainda assim eu verei os céus sendo destruídos e sua catedral ruir em meio às chamas!

— Demente!

— Perversa!

— Ela amaldiçoou o bispo! Matem todas elas! Estas malditas bruxas cúmplices de demônios!

— Queime-a até virar cinzas!

O bispo permaneceu em silêncio, mas os pobres gritavam e xingavam histericamente, enlouquecidos.

Foi a primeira vez que Xiafeng presenciou esse tipo de loucura aterrorizante. — Essa época é perigosa demais. — Ele ficou profundamente abalado. Havia nele um sentimento de compaixão por aquela mulher, mas ele não se atreveria a fazer nada por ela, ou aqueles indivíduos insanos iriam linchá-lo em praça pública. Xiafeng também ficou confuso ao perceber que não havia lenha embaixo da mulher.

Como eles vão queimar ela sem lenha?

O bispo começou a orar, sua voz era alta e ríspida:

— Você, pecadora. Sinta o poder da luz e se acovarde no Inferno!

A cruz em sua mão repentinamente se acendeu com uma luz esplêndida. A luz era tão brilhante que tudo que Xiafeng conseguiu ver foi um borrão branco. Era como se o bispo estivesse segurando um pequeno sol, solene, puro e de grande imponência. Todos, incluindo o seu amigo, baixaram a cabeça e começaram a orar.

Feixes de luz que iam para as mais diversas direções de repente se aglomeraram em direção ao inconfundível céu azul. Quando alcançaram as nuvens, a luz refletiu para baixo e caiu em cima da cruz de madeira onde estava a bruxa.

Chamas ferozes vermelhas formaram labaredas mais altas do que uma pessoa adulta e devoraram a mulher.

Impressionantemente, ela riu e amaldiçoou a todos, com uma voz insana:

— Nas chamas, eu verei seu paraíso sagrado ruir.

— Nas chamas, eu verei a casa do seu Deus desmoronar.

— Nas chamas, eu verei vocês sofrerem eternamente.

Seus gritos e maldições assolaram os ouvidos de todos até que ela estivesse completamente em cinzas. No entanto, Xiafeng já estava atordoado desde o princípio, quando a cruz emitiu aquela luz deslumbrante.

Esta não é a Europa medieval…

Este é um mundo onde a magia realmente existe!

E meu nome é… Lucien…

 


 

Tradução: Vermillion

Revisão: Barão

 

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