Um aroma refrescante invadiu meu nariz. Abri lentamente as pálpebras e me deparei com uma luz branca ofuscante que já cobria o mundo. O sol da manhã, refletido diversas vezes nas paredes de gelo, fazia a neve acumulada no chão da caverna cintilar.
Ao redirecionar o olhar, vi que havia uma chaleira posta sobre a lanterna e um vapor saía dela. Era dali que vinha o cheiro. Em frente à lanterna, havia uma pessoa sentada, vestida completamente de preto, cujo rosto eu só conseguia ver de perfil. Só de ver aquela figura senti uma chama se acender em meu peito.
Kirito se virou para mim, abriu um pequeno sorriso e disse:
— Bom dia.
— Bom dia… — devolvi as palavras.
Quando me preparava para levantar, percebi que meu braço direito, que estava para fora do saco de dormir quando caí no sono, havia sido cuidadosamente colocado de volta. Aproximei a mão que achava ainda ter vestígios de calor aos meus lábios e me pus de pé.
Eu havia acabado de rastejar para a neve quando Kirito me trouxe uma caneca fumegante. Depois de agradecê-lo, sentei a seu lado. Era um chá de aroma floral e mentolado, que eu nunca tinha tomado antes. Bebi lentamente, em pequenos goles. Meu coração estava aquecido.
Me mexi um pouco, deixando o corpo colado ao de Kirito. Quando virei a cabeça, nossos olhares se cruzaram brevemente e se desviaram logo em seguida. Por algum tempo, apenas o som de duas pessoas tomando chá podia ser ouvido.
— Sabe… — murmurei por fim, com o olhar fixo na caneca.
— Hm?
— O que vamos fazer se nunca mais conseguirmos sair daqui?
— Passar o dia todo dormindo.
— Você fala o que dá na telha, né? Pensa um pouco mais.
Eu sorri e cutuquei seu braço com o cotovelo.
— Mas até que não é má ideia…
Depois de dizer isso, fui inclinando cada vez mais a cabeça sobre o ombro de Kirito.
— Aah…?! — Kirito gritou de repente, inclinando-se para frente.
Sem ter onde me apoiar, caí e rolei pelo chão.
— Mas o que deu em você?! — reclamei, brava, endireitando-me.
Kirito, entretanto, sequer virou o rosto, e se pôs de pé bem depressa. Logo em seguida, correu até o centro do círculo no fundo da caverna.
Perplexa, também fiquei de pé e fui atrás dele.
— O que foi?
— Não, é que…
Kirito se ajoelhou sobre a neve e começou a afastá-la com ambas as mãos. Ele rapidamente abriu um buraco fundo enquanto cavava ruidosamente. E então…
— Ah!
Um clarão de luz prateado penetrou de repente meus olhos. Algo enterrado bem fundo na neve refletia a luz matinal.
Kirito desenterrou aquilo, segurou-o com as duas mãos e ficou mais uma vez em pé. Sem conseguir conter a curiosidade, dei uma espiada bem de perto.
Era um objeto transparente, branco-prateado e retangular, um pouco maior que as mãos de Kirito. Tinha um formato e um tamanho familiares… Era um lingote, mas eu nunca havia visto um daquela cor.
Movi os dedos da mão direita e dei um tapinha de leve em sua superfície. Uma janela imediatamente se abriu. O nome do objeto era “Crystallite ingot”.
— Isso aqui não é…
Quando olhei para Kirito, ele assentiu, também mostrando uma expressão confusa.
— É… Este é o metal que estávamos procurando… Acho…
— Mas por que é que tá enterrado em um lugar desses?
— Hmm…
Kirito continuou a examinar o lingote na sua mão direita, inclinando o pescoço de um lado para o outro até que soltou um curto “ah!”
— O dragão branco se alimenta de cristais… Que são refinados dentro do seu estômago… Entendi.
Ele sorriu, parecendo feliz por ter encontrado uma resposta, e então jogou o lingote para mim. Eu o peguei apressadamente com as duas mãos e apertei-o contra o peito.
— Mas o que é isso? Nem vai explicar nada pros outros?!
— Este buraco não é uma armadilha. É o ninho do dragão.
— O-O quê?!
— Em outras palavras, este lingote é o excremento do dragão. O cocô dele.
— Co…
Minha bochecha estava com um espasmo. Enquanto isso, deixei o olhar cair para o lingote, seguro contra meu peito.
— Aaargh!
Sem pensar, joguei-o de volta para Kirito.
— Opa!
Ele o repeliu com seus dedos habilidosos. Depois de jogar o lingote de um para o outro como duas crianças, chegamos a um consenso quando Kirito expandiu a janela do inventário e guardou o item.
— Bom, enfim, alcançamos nosso objetivo. Agora, a única coisa que falta é…
— Se pelo menos tivesse um jeito de sair daqui…
Ambos trocamos olhares e soltamos um suspiro.
— Por enquanto, não temos outra escolha senão tentar tudo o que vier à mente.
— É. Se a gente pelo menos tivesse asas como o dragão…
Assim que disse isso, dei-me conta de algo e fiquei boquiaberta, sem palavras.
— O que foi, Lis?
Eu me virei para Kirito, que olhava para mim com a cabeça inclinada.
— Escuta. Você disse que aqui é o ninho do dragão, certo?
— Sim. Considerando que tem o cocô dele aqui…
— Essa parte não é importante! Dragões são criaturas noturnas, então agora que amanheceu, ele deve voltar logo…
Por um curto período, Kirito e eu trocamos olhares. Ele permaneceu calado. Nós dois olhamos ao mesmo tempo para cima, para a entrada da caverna. Naquele exato momento…
Bem longe, lá no alto, uma sombra negra apareceu dentro do círculo de luz branca. Ela cresceu enquanto a observamos. Logo, consegui distinguir um par de asas, uma longa cauda e quatro pernas armadas com garras.
— É… É…
Nós nos afastamos juntos. Mas obviamente não havia para onde fugir.
— É ele! — gritamos em uníssono enquanto sacávamos nossas armas.
O dragão branco percebeu nossa presença assim que desceu dentro da caverna e, em seguida, soltou um grito agudo, parando logo antes de atingir o chão. Seus olhos com íris e pupilas vermelhas mostravam uma clara hostilidade contra os invasores que invadiram seu ninho. Mas não havia lugar para se esconder naquele buraco estreito. Eu preparei a clava enquanto tentava ignorar meu nervosismo.
Da mesma forma, Kirito preparou a espada de mão única, colocou-se à minha frente e disse rapidamente:
— Escuta bem: não sai de trás de mim. Use uma poção assim que seu HP diminuir, mesmo que seja só um pouco.
— T-Tá… — apenas assenti, sem discutir.
O dragão abriu sua grande boca e rugiu mais uma vez. Suas asas criaram um vendaval que fez a neve rodopiar. “Bang! Bang!”, fazia sua longa cauda ao bater contra o chão e, a cada golpe, ela criava uma nova cratera no gelo.
Para manter a vantagem inicial, Kirito brandiu a espada na mão direita e partiu para uma investida… Mas parou de repente.
— Ah… Pode ser que… — ele disse baixinho.
— Q-Que que foi?
— Não, é que…
Sem responder à minha pergunta, Kirito colocou a espada de volta na bainha, virou-se de repente e me segurou firme com o braço esquerdo.
— Hã?!
Sem entender nada, comecei a entrar em pânico, que só aumentou quando fui jogada sobre o ombro de Kirito.
— E-Ei, mas o que é que… Aaah!
Um “zuum” ecoou com o impacto e todo o cenário em volta ficou embaçado. Kirito correu em direção à parede com uma força violenta. Logo antes da colisão, ele deu um grande pulo e, assim como na tentativa de fuga da noite anterior, começou a correr pela superfície curva da parede. Contudo, não parecia que estávamos escalando-a, uma vez que a trajetória permanecia plana. Com o pescoço curvo, o dragão continuou a nos perseguir, mas Kirito corria mais rápido do que o monstro era capaz de acompanhar.
Alguns segundos depois, quando Kirito finalmente pousou no fundo da caverna, meus olhos estavam girando. Quando arrisquei abri-los, depois de piscar várias vezes, deparei-me com as costas do dragão. Ele havia nos perdido de vista e virava o pescoço de um lado para o outro, tentando nos encontrar.
Quando pensei que Kirito atacaria o dragão por trás, ele se aproximou do monstro silenciosamente, esticou o braço direito e agarrou com força seu rabo agitado.
Nesse momento, o dragão soltou um guincho agudo, um grito de surpresa — ou talvez fosse só minha imaginação. Mas, cada vez mais incapaz de compreender as intenções de Kirito, eu também estava prestes a gritar.
De repente, o dragão abriu as asas e começou uma subida íngreme em uma velocidade inacreditável.
— Uuf!
O vento bateu na minha cara. Sem tempo para pensar, nossos corpos foram arremessados no ar com uma força similar a um tiro. Enquanto nos agarrávamos à cauda do dragão, ela se agitava de um lado para o outro. O fundo circular da caverna foi ficando cada vez mais distante.
— Lis! Segura firme!
Ao ouvir a voz de Kirito, agarrei-me com força a seu pescoço, em transe. A luz do sol que brilhava sobre os cristais de gelo à nossa volta foi aos poucos ficando mais clara, com o som do vento cortante mudando subitamente… No instante em que achei ter visto uma explosão de luz branca, nós já havíamos voado para fora da caverna.
Por um segundo, quando abri meus olhos semicerrados, uma visão panorâmica de todo o 55º andar se abriu abaixo de mim.
Lá embaixo estava a bela montanha cônica coberta de gelo. Um pouco mais adiante, um pequeno vilarejo. Além do vasto campo coberto de neve e da densa floresta, os telhados pontiagudos da capital estavam todos alinhados. Todos esses elementos banhados pela luz cintilavam, fazendo com que eu me esquecesse momentaneamente do medo que sentia. Sem perceber, acabei gritando:
— Uaaau…
— U-hu!
O grito de Kirito também foi bem alto. Ele soltou a mão que segurava a cauda do dragão e me segurou como se carregasse uma criança, deixando-se levar pela inércia, nossos corpos dançando ao vento.
O voo durou apenas alguns segundos, mas pareceu dez vezes mais. Acho que eu estava rindo. A luz, e o vento abundantes desanuviaram meu coração. Minhas emoções foram sublimadas.
— Kirito… Eu…
— Quê?!
— Eu gosto de você! — gritei de todo coração.
— Quê?! Não consigo ouvir!
— Nada!
Eu me segurei bem firme ao seu pescoço e soltei uma gargalhada. Finalmente, o momento que parecia mais um milagre chegou ao fim e nos aproximamos cada vez mais do solo. Kirito deu uma última cambalhota e abriu bem as pernas, assumindo uma posição de pouso.
Bum! A neve voou para todos os lados. Abrimos caminho pelos cristais de gelo, deslizando como um limpa-neves enquanto desaceleravamos, parando finalmente perto do cume da montanha.
Kirito expirou profundamente e me colocou no chão. Com certa relutância, soltei os braços que estavam em volta de seu pescoço.
Quando olhamos juntos em direção ao buraco, vimos o dragão, que parecia nos ter perdido de vista, planando lentamente no céu, em círculos.
Kirito levou sua mão à espada presa nas costas, puxou-a devagar, mas a embainhou de volta logo em seguida com um tinido. Com um leve sorriso nos lábios, voltou-se para o dragão e disse em voz baixa:
— Deve ter sido um saco ser caçado por tanta gente. Uma vez que o método para conseguir o item se espalhar entre os jogadores, ninguém mais virá matá-lo. Pode viver tranquilo agora.
Até o dia anterior, eu provavelmente teria achado idiota da parte dele dizer uma coisa dessas para um monstro que apenas agia de acordo com os algoritmos como fora programado. Mas, naquele momento, senti que suas palavras sinceras penetravam em meu coração. Estiquei a mão direita e segurei de leve a mão esquerda de Kirito.
Nós dois assistimos em silêncio enquanto o dragão virou mais uma vez o pescoço, soltou um último grito e entrou de volta na caverna. Fez-se o silêncio.
Por fim, Kirito olhou para mim e disse:
— Bom, vamos embora?
— Vamos.
— Quer usar um cristal pra voltar?
— Não… Vamos a pé — respondi com um sorriso e dei um passo adiante, segurando a mão de Kirito. Então me dei conta de algo e olhei para ele: — Ah… A lanterna, os sacos de dormir! Esquecemos tudo lá, né?
— Agora que você falou… Ah, tudo bem. Pode ser que outra pessoa acabe usando.
Trocamos olhares e rimos, finalmente começando a descer a trilha da montanha que nos levaria para casa. Sem uma única nuvem, o céu que nos cercava estava completamente azul.
***
— Voltei!
Abri com tudo a porta de minha saudosa casa.
— Seja bem-vinda de volta.
A NPC de pé atrás do balcão, sempre educada, me cumprimentou, mas eu apenas acenei e dei um giro, contemplando minha loja. Tinha ficado apenas um dia fora, mas algo novo pairava no ar.
Depois de comprar comida na mesma barraca do dia anterior, Kirito entrou no estabelecimento logo depois de mim, segurando um cachorro-quente com a boca.
— Já é quase hora do almoço, vamos comer em um lugar decente.
Ao ouvir minha reclamação, Kirito deu um sorrisinho e balançou o braço esquerdo, abrindo uma janela de menu.
— Antes disso, vamos fazer logo essa espada.
Ele manipulou o menu com destreza e materializou o lingote prateado. Peguei com cuidado o item que foi jogado em minha direção — ignorando completamente sua origem — e assenti.
— Tem razão. Vamos até a oficina.
Ao abrir a porta atrás do balcão, o barulho da roda d’água ficou mais alto. Puxei uma alavanca da parede. Os foles entraram em funcionamento e começaram a soprar ar. A fornalha emitia um brilho avermelhado.
Deixei o lingote cair suavemente dentro da fornalha e virei-me para Kirito:
— Será então uma espada reta de mão única, certo?
— Sim. Conto com você.
Após assentir, Kirito se sentou no banquinho redondo reservado para as visitas.
— Entendido… Mas só avisando: a qualidade do produto final é decidida aleatoriamente, então não crie muitas expectativas, ok?
— Se não der certo, a gente pode ir lá buscar de novo. Dessa vez a gente leva uma corda.
一 É, uma bem comprida.
Ao me lembrar da altura da queda, sorri involuntariamente. Baixei os olhos para a fornalha, onde o lingote parecia já ter aquecido o suficiente. Retirei-o do fogo com um par de pinças e coloquei-o sobre a bigorna.
Puxei meu martelo favorito da parede, fiz os arranjos no menu e olhei de soslaio mais uma vez para Kirito. Sorri em resposta ao seu aceno com a cabeça e ergui o martelo bem alto.
Eu martelava com determinação, o metal cintilando em vermelho, e a cada batida, um “clang” bem claro soava, ao mesmo tempo em que milhares de faíscas se espalhavam pelo chão.
Na seção sobre metalurgia no Guia de Referência, a única descrição do processo de manufatura era: “Dependendo do tipo de arma a ser fabricada e do nível do metal utilizado na fabricação, o lingote precisará ser batido uma quantidade exata de vezes”.
Em outras palavras, durante aquele processo, não havia como o nível de habilidade do jogador afetar em qualquer coisa. Essa deveria ser a conclusão definitiva, mas havia todo tipo de boatos e teorias circulando em SAO, e uma das mais profundamente arraigadas dizia que a precisão do ritmo das marteladas e a determinação do ferreiro podiam influenciar o resultado.
Sempre me considerei uma pessoa bastante racional, então só acredito nessa teoria devido aos meus longos anos de experiência. Logo, quando estou fabricando uma arma, livro-me de quaisquer pensamentos desnecessários, foco toda minha atenção na mão direita e martelo o metal com a mente limpa. Essa é minha crença.
Contudo…
Enquanto martelava o lingote, produzindo tinidos satisfatórios, um turbilhão de pensamentos não queria deixar minha mente.
Se a espada ficasse pronta com êxito, Kirito naturalmente retornaria às linhas de frente para tentar concluir o jogo e não teríamos muitas chances de nos reencontrarmos. Mesmo que viesse fazer a manutenção da espada, ele só apareceria uma vez a cada dez dias, no máximo.
Não… Não quero que isso aconteça!, uma voz gritou dentro de mim.
Durante todo esse tempo, evitei me aproximar de qualquer homem em particular. Até agora. Mesmo ansiando por calor humano, eu tinha medo de que a semente de solidão que germinava em mim se transformasse em amor. Achava que isso não poderia ser amor verdadeiro, mas apenas uma ilusão criada dentro deste mundo virtual.
Entretanto, na noite passada, enquanto sentia o calor da mão de Kirito, eu me dei conta de que essa hesitação eram os espinhos imaginários que me prendiam. Essa sou eu. A ferreira Lisbeth, mas também Rika Shinozaki. E é a mesma coisa com Kirito. Não somos personagens de um jogo, mas seres humanos feitos de carne e osso. Logo, eu gostar dele também é um sentimento real.
Prometi a mim mesma: se conseguir forjar uma espada que me satisfaça, vou confessar meus sentimentos. Vou dizer que o quero ao meu lado, que meu desejo é que retorne para esta casa todos os dias depois de se aventurar por um labirinto. É, era exatamente o que eu queria dizer para ele.
Quando o lingote havia sido martelado o suficiente e seu brilho era ainda mais forte, eu também havia chegado a uma resolução quanto aos meus sentimentos. Senti minhas emoções fluindo pela mão direita, em direção à arma que acabara de nascer.
E, então, o momento finalmente chegou.
Não sei quantas vezes isso aconteceu — talvez umas duzentas ou duzentas e cinquenta vezes até então —, mas logo após o soar do martelo, o lingote soltou um brilho branco ofuscante.
O objeto retangular foi mudando de forma enquanto brilhava. A ponta começou a se alongar e algo parecido com a empunhadura pareceu tomar forma.
— Oh…
Kirito se levantou do banco e chegou mais perto, murmurando para si mesmo, maravilhado. Enquanto estávamos lado a lado, assistindo ao processo, a criação do objeto se completou em poucos segundos, revelando finalmente sua forma de uma espada longa de mão única.
Era realmente uma bela espada. Bastante elegante para uma espada longa de mão única, na verdade. A lâmina era pálida e delgada, mas não tanto quanto a de uma rapieira, claro. E, como se tivesse herdado as propriedades do lingote, era também cintilante e ligeiramente transparente. A lâmina exibia um ofuscante tom de branco. O cabo prateado brilhava com um leve tom de azul.
“Um mundo no qual a espada representa o jogador”. Como se quisessem sustentar a afirmação do slogan, as armas disponíveis em SAO eram inúmeras. Diziam que, se fosse para criar uma lista dos nomes de todas armas de cada categoria, ela teria milhares e milhares de linhas.
Diferente de um RPG normal, a diversidade de alcunhas aumentava conforme o rank. Armas de rank mais baixo, como espadas de mão única, por exemplo, como Bronze Sword ou Steel Blade, existiam aos montes, mas as de alta classe como aquela que eu acabara de forjar ou a rapieira de Asuna, Lambent Light, eram únicas, assim como seus títulos.
É claro que deviam existir outras rapieiras de mesmo nível, fossem elas criadas por jogadores ou dropadas por monstros. Mas cada uma delas tinha nome e aparência diferentes. Além disso, as de nível mais alto eram fascinantes, verdadeiras companheiras com quem se divide o espírito.
Como o nome e a aparência da arma são decididos pelo sistema, nem nós, artesãos, sabemos qual será o produto final. Ergui com as duas mãos a espada que ainda brilhava sobre a bigorna — ou tentei, mas fui surpreendida por seu peso, que não combinava com a aparência refinada e elegante. O esforço necessário para levantá-la era similar ao aplicado à Elucidator que Kirito utilizava. Coloquei força nas costas e, com determinação, trouxe-a para a frente do peito.
Estiquei o dedo indicador da mão direita, que segurava o cabo da espada, dei um clique e observei a janela que apareceu em seguida.
— Er, o nome é Dark Repulser. É a primeira vez que vejo esse nome, então não acho que esteja listado em nenhuma loja de informações. Pode testar.
Kirito assentiu, estendeu a mão direita e pegou o cabo da espada. Ele a ergueu com facilidade, com movimentos que pareciam não ser afetados pelo peso dela. Ele balançou a mão esquerda, abriu o menu principal, manipulou a figura do equipamento, usando a espada branca como alvo. Com isso, a arma seria equipada no sistema de Kirito, permitindo que o potencial numérico fosse confirmado.
Mas Kirito imediatamente fechou o menu, trocou a arma para a mão esquerda e balançou-a de um lado para o outro, produzindo sons de corte no ar.
— Que tal? — perguntei, sem conseguir esperar mais nenhum segundo. Kirito encarou a lâmina por alguns minutos, em silêncio, mas logo abriu um grande sorriso.
— É bem pesada… Mas é uma boa espada.
— Mesmo?! Que bom!
Sem pensar, fiz uma pose vitoriosa no ar, e em seguida dei um soquinho no punho direito de Kirito.
Fazia muito tempo que eu não me sentia daquele jeito.
Muito tempo antes, quando ainda fazia vendas em uma barraca de rua lá pelo 10° andar, eu sentia a mesma coisa quando meus clientes elogiavam as armas que havia criado de maneira ainda tão descuidada. Era nesses momentos que eu me sentia grata do fundo do coração por ter me tornado uma ferreira. Quando melhorei minhas habilidades e passei a fazer negócios apenas com jogadores de alta classe, acabei me esquecendo daquele sentimento em algum ponto no meio do caminho.
— Acho que tudo é uma questão… de sentimento…
Kirito inclinou a cabeça, confuso com as palavras que eu havia murmurado.
— N-Nada, não é nada. Enfim, que tal a gente ir comemorar em algum lugar? Tô com fome.
Dei meu melhor para esconder o embaraço e empurrei Kirito pelos ombros, por trás, tentando guiá-lo para fora da oficina, quando de repente me vi diante de uma dúvida.
— Sabe…
— Hm?
Kirito olhou por cima do ombro. A antiga espada negra ainda estava pendurada em suas costas.
— Você tinha dito que queria uma espada tão boa quanto esta, não foi? Dá pra ver que a espada branca está no mesmo nível dessa daí. Por que precisa de duas espadas similares?
— Aaah…
Kirito se virou para mim com uma expressão de dúvida, como se não tivesse certeza sobre como responder.
— Hm… Não posso contar todos os detalhes para você. Mas posso contar uma coisa se prometer não fazer mais nenhuma pergunta.
— E pra que tanto mistério?
— Se afasta um pouco.
Ele me fez recuar até uma das paredes da oficina, então sacou a espada negra das costas enquanto segurava a espada branca na mão esquerda. Fiquei encarando-o, curiosa.
Eu não sabia quais eram suas intenções. Ele havia mexido no menu de equipamentos antes, então o sistema atual só reconhecia a espada da esquerda como uma arma equipada. Ter outra espada na mão direita não o ajudaria em nada. E não era só isso, o sistema também poderia enxergar aquilo como uma ação irregular e desabilitar a ativação de suas skills de espada.
Kirito apenas olhou de soslaio para minha expressão confusa e assumiu uma posição de combate, espada da direita à frente, espada da esquerda para trás. Ele se agachou e, um pouco depois…
Efeitos visuais vermelhos explodiram, colorindo a oficina inteira por um momento.
As espadas nas mãos de Kirito se alternavam, atacando o espaço à sua frente em uma velocidade impossível de ser acompanhada com os olhos. “Shba-ba-ba-bam!”. Ele não atingiu nada, mas todos os objetos no recinto tremeram com a pressão exercida pelo ar.
Aquilo era claramente uma técnica de espada provida pelo sistema. Mas… eu nunca tinha ouvido falar de uma técnica que utilizava duas espadas!
Engoli em seco e fiquei paralisada, enquanto, diante de mim, Kirito se levantou em silêncio depois de terminar o ataque, que parecia ser composto por pelo menos dez combos consecutivos. Ele lançou ambos os braços para frente e guardou a espada da direita na bainha que ficava às suas costas, olhando para mim em seguida.
— Bom, é isso… Vou precisar de uma bainha para essa espada. Pode fazer esse favor para mim?
— Ah… C-Claro.
Quantas vezes Kirito fora capaz de me chocar? Eu já deveria estar acostumada àquele ponto. Decidi deixar as perguntas de lado por ora, estendi o braço e toquei na parede da oficina para abrir a home do menu.
Rolei a lista do depósito da loja e chequei as várias bainhas que havia comprado de outros artesãos amigos. Escolhi uma que tinha um acabamento em couro, parecida com a que Kirito tinha nas costas, materializando-a em seguida. Nela estava impresso um logo bem pequeno da minha loja.
Entreguei a bainha para Kirito, que colocou a espada branca com um tinido, abriu uma janela e guardou tudo dentro dela. Pensei que ele equiparia as duas armas nas costas, mas não foi o caso.
— Aquilo de antes… Era um segredo?
— Hm, era. Não conta pra ninguém, por favor.
— Sim, pode deixar..
As informações sobre a skill de alguém eram de vital importância, então se ele tinha me pedido para não fazer perguntas, eu não tocaria mais no assunto. Mas, mais importante que isso era o fato de ele me considerar digna de saber seu segredo e ainda vê-lo em ação. Aquilo me preenchera de felicidade. Dei um pequeno sorriso para Kirito e assenti.
— Bom…
Kirito colocou as mãos nos quadris e olhou para mim:
— Com isso, minha encomenda está completa. Quanto eu te devo?
— Hmm, erm…
Depois de morder os lábios por um instante, dei a resposta que estava borbulhando dentro de mim por muito tempo:
— Não precisa me pagar.
— Hã?
— Mas, em troca, quero ser sua ferreira pessoal.
Os olhos de Kirito se arregalaram.
— Mas… O que isso quer dizer…?
— Toda vez que voltar de uma aventura, venha aqui pra fazer a manutenção… Todos os dias daqui em diante.
Meu coração estava acelerado. Será que era apenas uma sensação virtual ou o meu coração de verdade também estava batendo descontrolado? Meu rosto estava muito quente, deveria estar completamente vermelho.
Até Kirito, sempre com uma expressão neutra, parecia ter entendido o significado por trás das minhas palavras, pois corou e desviou o rosto. Até então ele parecia mais velho, mas, ao vê-lo daquele jeito, ele parecia ter a mesma idade que eu, talvez fosse até mais novo.
Reuni toda a coragem que possuía e dei um passo à frente, segurando a mão de Kirito.
— Kirito… Eu…
Eu tinha gritado aquelas mesmas palavras em alto e bom som quando deixamos a caverna do dragão, mas agora que estávamos ali, cara a cara, minha língua se recusava a se mover. Encarei os olhos negros de Kirito, desejando que aquele sentimento se transformasse em palavras, quando…
A porta da oficina se abriu com tudo. Soltei a mão de Kirito e dei um pulo para trás.
— Lis! Eu estava tão preocupada!
A visitante veio correndo até mim após um grito, envolvendo-me em um forte abraço. Longos cabelos castanhos dançavam no ar.
— A-Asuna…
Eu estava completamente atônita. Asuna aproximou o rosto do meu e continuou falando enquanto me encarava:
— Minhas mensagens não chegavam, eu não conseguia te encontrar no mapa, seus clientes também não sabiam de nada… Onde foi que você se meteu ontem à noite, afinal?! Eu fui até o Palácio do Ferro Negro para checar, sabia?!
— D-Desculpa. Acabei me enrolando em uma dungeon…
— Dungeon?! Você foi sozinha, Lis?!
— Não, eu fui… com ele…
Apontei para um ponto atrás de Asuna com o olhar. Ela girou os calcanhares e, depois de se dar conta do espadachim de preto parado ali, parecendo entediado, ela ficou congelada, com os olhos e a boca escancarados. Logo em seguida, com a voz uma oitava acima…
— Ki-Kirito?!
— Hã?!
Foi minha vez de ficar pasma. Olhei para Kirito, que estava parado como um poste, assim como Asuna.
Ele deu uma pequena tossida e começou a falar, erguendo o braço direito.
— E aí, Asuna, há quanto tempo… Ou não. Fazem dois dias.
— E-E… Que surpresa. Ah, então você veio aqui assim que falei sobre a loja. Se tivesse me contado, eu teria vindo junto.
Asuna cruzou as mãos atrás de si, exibindo um sorriso encabulado, dando umas batidinhas com as botas contra o assoalho. Ao ver seu rosto ficar levemente rosado…
Finalmente compreendi toda a situação.
Não tinha sido uma coincidência que trouxera Kirito até ali. Cumprindo a promessa que me fizera, Asuna recomendara a loja… para a pessoa que ela gostava.
O que devo fazer… O que devo fazer?
Essas palavras eram a única coisa que circulava na minha cabeça. Parecia que toda a temperatura do meu corpo escapava pelos meus pés. Tinha perdido as forças. Era difícil respirar. Não conseguia achar um escape para o que estava sentindo…
Asuna se virou para mim e disse, em um tom despreocupado:
— Ele não foi grosso com você, foi, Lis? Aposto que fez um pedido impossível de ser cumprido.
Ela inclinou levemente a cabeça ao dizer aquilo.
— Ah, mas… Então quer dizer que ontem à noite você estava com Kirito?
— Ah… Ah, é que…
Eu me forcei a dar um passo, agarrei a mão de Asuna e abri a porta da oficina. Virei o rosto de leve na direção de Kirito e falei rápido, tomando cuidado para não olhar diretamente para ele:
— Espera só um pouquinho. Eu já volto…
Continuei a puxar Asuna pelo braço, fechei a porta da oficina atrás da gente e abri caminho em meio às prateleiras em direção à saída da loja.
— E-Espera, Lis, o que aconteceu?
O tom na voz de Asuna era claramente confuso, mas continuei calada e segui a passos rápidos para a avenida. Eu não conseguia mais ficar perto de Kirito. Se não saísse de lá imediatamente, tinha a impressão de que acabaria colidindo contra aqueles sentimentos, e eles haviam acabado de perder o rumo.
Asuna parecia ter entendido a gravidade da situação, pois continuou a me seguir sem questionar. Depois de caminhar por mais alguns instantes, finalmente soltei sua mão.
Entramos em uma viela voltada ao leste e, depois de andar por um tempo, chegamos a um café a céu aberto um pouco escondido por causa de uma alta parede de pedra. Não havia outros fregueses além de nós. Escolhi uma mesa no canto e me sentei em uma cadeira branca.
Asuna se sentou à minha frente e olhou para mim sem demonstrar o que estava pensando.
— O que aconteceu, Lis…?
Abri um grande sorriso, tentando juntar todas as minhas energias. Era o mesmo que eu sempre mostrava quando faziamos fofocas.
— E ele, não é? — perguntei, cruzando os braços e olhando para ela.
— O cara que você gosta, Asuna!
— Ah…
Asuna olhou para baixo, seus ombros levemente encurvados. Ela deu um grande aceno com a cabeça, as faces coradas.
— …Sim.
Abri ainda mais o sorriso, tentando ignorar a pontada de dor no meu peito.
— É, ele é realmente bem estranho.
— O Kirito fez alguma coisa…?
Ela parecia preocupada. Respondi com um forte aceno com a cabeça.
— Ele quebrou a melhor espada da minha loja… do nada!
— Ah, não… Sinto muito…
— Você não precisa dizer isso, não foi sua culpa.
Aquela cena, Asuna se desculpando com as mãos unidas, como se a responsabilidade fosse dela, fez com que a dor no meu peito piorasse.
Só mais um pouquinho… Você consegue, Lisbeth.
De alguma forma, consegui manter meu sorriso.
— Bom, enfim, pra criar uma espada com as propriedades que ele procurava, eu precisava de um metal raro, então fomos para um andar superior em busca do material. Mas, chegando lá, caímos numa armadilha bem complicada e demorou um pouco pra conseguirmos sair, por isso demorei pra voltar.
— Ah, então foi isso… Você podia ter me chamado, mas a mensagem não ia chegar de qualquer forma…
— Eu devia ter convidado você pra vir junto. Desculpe.
— Não tem problema, ontem eu estava mesmo ocupada com negócios da guilda… Mas e a espada? Ficou pronta?
— Bom, sim. Mas eu nunca mais vou aceitar uma encomenda tão trabalhosa de novo.
— É bom cobrar bem caro pelo serviço!
Nós rimos juntas.
Ainda com um sorriso no rosto, consegui dizer aquelas últimas palavras:
— Bom, ele é estranho, mas não é má pessoa. Estou torcendo por você, então, dê o seu melhor, amiga.
Era o meu limite. Minha voz chegou a tremer no fim.
— Ah, hm, obrigada…
Asuna assentiu, inclinou a cabeça e olhou para mim. Eu me levantei abruptamente antes que ela pudesse enxergar as lágrimas que ameaçavam surgir no fundo dos meus olhos.
— Ih, droga! Eu tinha feito umas encomendas para loja! Preciso ir buscar!
— Ei, mas e a loja…? E o Kirito?
— Vai fazer companhia pra ele! Me faz esse favor!
Eu me virei e saí correndo. Olhei para trás, na direção de Asuna, e acenei para ela. Eu não podia me virar agora.
Depois de correr em direção à praça do portão, cheguei até um ponto onde não podia mais ver o café, então virei na primeira esquina em direção ao sul. Continuei em torno da borda da cidade, procurando por lugares vazios, sem outros jogadores. Corria sem rumo. Quando meu olhar ficou embaçado, limpei os olhos com as costas das mãos, enxugando o rosto várias e várias vezes no caminho.
Quando dei por mim, estava diante da muralha que circundava a cidade. Em frente à parede que formava uma suave curva, grandes árvores tinham sido plantadas a intervalos regulares uma da outra. Entrei sob a sombra de uma delas e parei, pousando uma mão sobre seu tronco.
— Ugh… Uuh…
Sons desconexos escapavam do fundo da minha garganta. As lágrimas que eu tentava conter finalmente se derramaram, uma atrás da outra, escorrendo pelas minhas bochechas.
Era a segunda vez que eu chorava desde que havia chegado àquele mundo. No primeiro dia, desabei devido a um ataque de pânico, mas, desde então, jurei nunca mais fazê-lo. Eu não queria que o sistema de emoções do jogo me forçasse a ter lágrimas virtuais escorrendo pela minha face. Mas nem na vida real eu alguma vez sentira gotas tão quentes e dolorosas em meu rosto.
Durante a nossa conversa, não tinha conseguido falar a parte mais importante para Asuna: “Sabe, eu também gosto dele”. Várias vezes as palavras chegaram à ponta da língua, mas não consegui dizê-las.
Na oficina, no momento em que vi Kirito e Asuna conversando, entendi que não havia um lugar para mim ao lado dele. Afinal… naquela montanha coberta de neve, coloquei sua vida em risco. Apenas pessoas de espírito forte, como ele, eram merecedoras de ficarem a seu lado. Pessoas… como Asuna…
Havia uma forte atração entre os dois, um encaixe perfeito como o de uma espada e uma bainha sob medida. Era possível sentir com clareza. Além do mais, Asuna tinha passado meses gostando de Kirito, aproximando-se dele aos poucos; eu não poderia entrar no meio disso, assim, do nada.
Era isso… Não fazia sequer um dia desde que eu conhecera Kirito. Meu coração só se abalara por ter partido em uma aventura rumo a um lugar desconhecido ao lado de um estranho. Não era real. Aquele sentimento não era real. Se fosse para me apaixonar, tinha que ser aos poucos, sem pressa, com tudo bem pensado — ou pelo menos era isso que eu tinha imaginado para mim.
Mas se eu sabia disso tudo, por que as lágrimas não queriam parar?
A voz de Kirito, seu jeito, as expressões que revelara nas últimas vinte e quatro horas, tudo isso aparecia para mim ao fechar os olhos. A sensação de sua mão segurando a minha, acariciando minha cabeça ou agarrando meu braço com força… O calor dele, de seu coração. Toda vez que minha mente tocava memórias como essas, a dor no meu peito se aprofundava.
Eu precisava esquecer. Era tudo um sonho. Tinha que deixar as lágrimas lavarem tudo.
Enterrei os dedos no tronco da árvore, segurei-me a ela com força e permiti que escorressem. Abaixei a cabeça, abafei a voz e continuei a chorar. No mundo real, as lágrimas acabam secando em algum momento, mas aqui elas não davam sinais de que parariam tão cedo.
Foi então que ouvi uma voz atrás de mim:
— Lisbeth.
Ao ouvir meu nome, um tremor percorreu minha espinha. Era uma voz gentil e calma, com um tom ainda de menino.
Só podia ser uma ilusão. Não tinha como ele estar ali. Estava tão certa disso que nem me dei ao trabalho de limpar as lágrimas ao me virar.
E lá estava Kirito. Seus olhos, cobertos pela franja escura, refletiam suas próprias dores e estavam voltados para mim. Eu os encarei de volta por um momento e finalmente respondi, com uma voz trêmula:
— Você não deveria ter vindo. Mais alguns minutos e eu teria voltado a ser a Lisbeth animada de sempre.
Kirito, sem dizer nada, deu um passo à frente e estendeu o braço direito em minha direção. Balancei a cabeça de um lado para o outro, recusando-o.
— Como sabia que eu estava aqui?
Kirito virou a cabeça e apontou para a praça do portão.
— Dali…
Seu dedo apontava para o campanário da igreja, próximo a praça do portão, uma construção que se erguia sobre as demais à sua volta.
— Examinei a cidade toda dali, procurando, até que te encontrei.
— Há, há.
Minhas lágrimas continuavam a escorrer, mas, ao ouvir a resposta de Kirito, não consegui conter um sorriso.
— Você continua ridículo.
Mas eu também gosto… Desse seu lado. Muito mais do que gostaria.
Senti que o choro soluçante estava prestes a voltar. Fiz o que pude para contê-lo.
— Desculpe, eu… Eu tô bem. Só… Volta logo pra Asuna.
Depois de falar o que o embargo na garganta me permitia, tentei me virar, mas Kirito continuou:
— Eu… Eu queria te agradecer, Lis.
— Hã…?
Olhei de volta para ele. Aquilo não era o que eu esperava.
— Uma vez, há muito tempo, acabei causando a morte de todos os membros da minha guilda… Por isso, decidi nunca mais me aproximar das pessoas.
Ele franziu a testa por um momento e mordeu os lábios.
— É por isso que eu costumo evitar formar uma party com quem quer que seja. Mas ontem, quando você disse que a gente deveria completar essa quest juntos, por algum motivo acabei aceitando. Fiquei o dia inteiro me perguntando o porquê. Por que estou andando com ela…?
Por um instante, esqueci minha dor no peito.
Era… Era assim que eu…
— Toda vez que alguém me convidava pra uma party, eu recusava. Ver as pessoas que eu conhecia lutando… Não, até quem não conhecia, só de imaginar já ficava aterrorizado. Tudo o que eu conseguia pensar era em fugir o mais rápido possível. E por isso que, pra ficar longe de outras pessoas, sempre me mantive na vanguarda. Quando a gente caiu naquele buraco e eu te falei que preferia morrer a ser o único sobrevivente, não estava mentindo.
Ele deu um sorriso fraco. Consegui vislumbrar uma sombra de auto-reprimenda sem tamanho e engoli em seco
— Mas estávamos vivos. É meio estranho, mas fiquei extremamente feliz por termos sobrevivido. É por isso que, de noite… quando você estendeu a mão pra mim… eu percebi. A sua mão estava quente… Foi aí que pensei: “Essa pessoa está viva”. Eu me toquei que, não só eu, mas todos nós, não estamos apenas esperando pela hora inevitável da nossa morte, mas estamos aqui para viver. E por isso… obrigado, Lis.
Depois daquilo, fiquei sem palavras, mas ao menos consegui exibir um sorriso sincero, do fundo do coração. Tomada por um forte e estranho sentimento, consegui dizer:
— Eu… Eu também estava à procura de algo. De algo verdadeiro. E, pra mim, esse algo foi o calor da sua mão.
Eu senti como se, de repente, a lâmina de gelo que havia me apunhalado no peito começasse a se derreter. As lágrimas haviam cessado. Ficamos um tempo ali, parados, olhando nos olhos um do outro. Por um breve instante, aquela mesma sensação que tive quando estávamos voando acariciou novamente meu coração. Mas, então, ela também desapareceu.
Fui recompensada.
As palavras de Kirito recolheram os fragmentos do meu coração partido, enterrando-os gentilmente em algum lugar fundo.
Pisquei os olhos com força para me livrar de uma pequena lágrima, sorri e disse:
— Fala pra Asuna o mesmo que acabou de me dizer. Ela também tá sofrendo. Ela também quer seu calor.
— Lis…
— Eu vou ficar bem.
Eu assenti, cruzando os braços sobre o peito.
— Ainda tenho um pouco desse calor pra me manter por um bom tempo. Mas, por favor… Dê um fim a este mundo. Vou conseguir aguentar até lá. Mas quando voltar pro mundo real…
Mostrei um sorriso endiabrado.
— Aí vai ter o segundo round.
Kirito pareceu sem palavras por um instante, até que sorriu e assentiu profundamente. Em seguida, balançou a mão esquerda e abriu uma janela. Enquanto eu me perguntava o que ele estava fazendo, o espadachim tirou a Elucidator das costas e a colocou de volta no inventário. Depois, manipulou a janela de equipamentos e uma nova espada apareceu no lugar da anterior. Era a Dark Repulser, a espada que continha as minhas emoções.
— A partir de hoje, esta espada será a minha parceira. O preço… vou pagar quando voltarmos pro mundo de lá.
— Ah, bem lembrado. Vai sair bastante caro.
Nós dois rimos e trocamos um toque com os punhos.
— Vamos voltar pra loja. Asuna deve estar cansada de esperar… Além disso, tô morrendo de fome.
Saí à frente, guiando o caminho. Esfreguei os olhos uma última vez, com força, e as lágrimas presas nos cantos caíram, brilharam sob a luz e desapareceram.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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