Boatos sobre aquele metal começaram a circular entre os ferreiros cerca de dez dias atrás.
É claro que a grand quest de SAO era chegar ao último andar mas havia inúmeras outras além desta: tarefas delegadas por NPCs, missões de escolta, procura de itens e assim por diante. Mas como as recompensas costumavam incluir itens bastante desejados, a maioria das quests tinham um tempo de espera depois de completadas até estarem disponíveis de novo. Havia também as que podiam ser concluídas uma única vez, o que chamava a atenção dos jogadores.
Uma dessas missões foi encontrada em uma aldeia, em um canto do 55° andar. O chefe do local, um NPC de barba branca, dizia: “Nas montanhas a oeste vive um dragão branco que se alimenta de cristais todos os dias. Ele os refina em seu estômago e estoca grandes quantidades deste valioso metal”.
Obviamente era uma quest que oferecia itens maravilhosos. Portanto, logo foi formada uma party de inúmeros jogadores para tentar completá-la. O grupo, porém, subestimou o dragão.
Eles não conseguiram nada. O dragão dropou apenas uma pequena quantidade de col e alguns equipamentos baratos que não serviram sequer para cobrir os gastos com os cristais e poções adquiridos para a missão.
Depois disso, concluiu-se que o metal era dropado de maneira aleatória e então muitos outros grupos falaram com o ancião, partiram para a quest e derrotaram a criatura. No intervalo de uma semana, vários dragões brancos foram mortos, mas nenhuma party conseguiu o item. Alguém sugeriu que devia existir uma condição especial para o aparecimento dele, e todos passaram a se esforçar ao máximo para descobrir que condição seria essa.
Depois de ouvir minha explicação, sentado de pernas cruzadas em uma cadeira na oficina, o jovem chamado Kirito tomou um gole de chá — que preparei a contragosto — soltou um “aah” e assentiu com a cabeça.
— Já tinha ouvido falar dessa história. Parece uma boa oportunidade para obter matéria-prima rara. Mas ninguém conseguiu nada até o momento, certo? Será que a gente vai conseguir alguma coisa?
— De todas as especulações que circulam por aí, uma delas diz que a party deve incluir um ferreiro. O problema é que bem poucos têm treinamento em combate.
— Entendi. Talvez valha a pena tentar… Se for assim, vamos logo.
Olhei para Kirito em choque.
— Me surpreende que tenha conseguido sobreviver por tanto tempo com essa falta de senso de comunidade. Isso aqui não é uma caça a um goblin! Temos que criar uma party e…
— Mas se fizermos isso, então mesmo que a gente consiga o que quer, vai ser uma questão de sorte, né? Em que andar tá esse dragão branco?
— No 55°.
— Hmm… Bom, acho que consigo me virar sozinho. Você pode ficar só assistindo.
— Ou você é muito forte ou muito burro. Que seja, não ligo, ver a sua cara de choro enquanto teleporta também parece uma ideia interessante.
Kirito apenas deu uma risadinha, tomando o resto do chá sem me responder e colocando a xícara de volta na mesa.
— Tô pronto pra partir a qualquer momento. E você, Lisbeth?
— Argh, já que não vai ter nenhuma formalidade, me chama logo de Lis… A montanha do dragão branco não é muito longe, então vamos conseguir voltar ainda hoje. Deixa eu só fazer alguns preparativos.
Depois de abrir uma janela do menu, coloquei uma simples armadura sobre o vestido. Conferi se minha clava favorita estava no inventário e se tinha poções e cristais suficientes.
Fechei a janela e avisei que estava pronta. Kirito se pôs de pé.
Felizmente, não havia nenhum cliente à vista quando saímos da oficina e nos dirigimos para a entrada da loja. Rapidamente virei a placa da porta.
Ergui a cabeça e olhei para fora. A luz do sol que entrava pela janela ainda estava clara, então havia bastante tempo até que escurecesse. Conseguindo o metal ou não — embora a segunda opção fosse a mais provável —, imaginei que conseguiríamos voltar cedo para casa.
Dito isso…
Como fui parar nessa situação estranha?
Depois de sair da loja, segui em direção à praça do portão, mergulhada em pensamentos.
Eu certamente tinha uma má impressão daquele garoto vestido de preto, andando calmamente ao meu lado ou, pelo menos, sabia que deveria ter. Tudo o que ele falava me deixa brava.
Claramente era um megalomaníaco arrogante, e acima de tudo, tinha quebrado minha obra-prima. E havia o fato de que eu estava andando lado a lado com um cara que havia acabado de conhecer. Nós até mesmo formamos uma party e nos preparamos para caçar monstros em outro andar.
Quase como se fosse um en… um encon…
Nessa hora, forcei minha mente a parar. Eu nunca tinha passado por isso até aquele momento. Mesmo sendo próxima de alguns jogadores, sempre arranjei desculpas para evitar sairmos sozinhos. Tinha medo de me envolver com alguém. Queria me certificar de que a primeira pessoa com quem formasse uma dupla fosse alguém que eu realmente gostasse, ou pelo menos era o que eu pensava.
Mas, quando dei por mim, já estava saindo com esse cara estranho… Como foi que isso aconteceu?!
Completamente alheio ao meu conflito interno, Kirito avistou uma barraca de comida perto da praça e correu até lá. Quando se virou, estava com um cachorro-quente enorme na boca.
— Fofê tamfém quer, Lisbeth?
Meus pensamentos foram instantaneamente tomados por um sentimento de desamparo e me senti uma idiota por ser a única preocupada ali. Então gritei de volta:
— Sim!
O sabor forte do cachorro-quente — ou melhor, da comida misteriosa que parecia um — ainda residia em minha boca quando chegamos à tão falada vila no 55° andar.
Não tivemos nenhum problema com os monstros no caminho. Considerando que a linha de frente estava no 63° andar, os monstros ali eram bem fortes. Mas eu estava em torno do nível 65 e Kirito, apesar de ser um sabichão, parecia mesmo ser forte, então conseguimos sair ilesos das batalhas que apareceram.
O único problema era que o tema do andar parecia ser campos cobertos de gelo e neve.
— Atchim!
Assim que entramos na vila, relaxei um pouco e acabei soltando um grande espirro. Como todos os outros andares estavam no começo do verão, acabei me descuidando. Não só o chão tinha uma grossa camada de neve acumulada, mas de todas as casas pendiam enormes sincelos nas entradas.
O frio parecia chegar até os ossos e me fez tremer. Kirito, que estava ao meu lado, mostrou uma expressão desapontada e perguntou:
— Você não tem mais nenhuma roupa?
— Não.
Então, o jovem vestido de preto, que também parecia não vestir roupas muito grossas, abriu uma janela e materializou uma grande capa de couro preta e jogou-a sobre a minha cabeça.
— E tudo bem com você?
— O frio é psicológico, minha cara.
Tudo nele me irritava. Mas a capa forrada de pele parecia bem quente, então não a recusei. Dei um suspiro aliviado assim que ela bloqueou o vento gelado.
— Hmm… Onde você acha que fica a casa do ancião?
Quando Kirito disse isso, olhei em volta da pequena vila e encontrei uma casa com um telhado mais alto que o restante das casas, do outro lado da praça central.
— Será que não é aquela ali?
— Deve ser.
Nós dois assentimos e começamos a andar.
Como previmos, encontramos o NPC de barba branca e iniciamos a conversa. Sua história começava com sua infância, continuava na adolescência e nos dias duros da vida adulta, e então, abruptamente, ele mencionou o dragão branco nas montanhas do oeste. Quando finalmente terminou, a luz alaranjada do sol poente já cobria toda a vila.
Deixamos a casa do ancião completamente exaustos. A neve que cobria as casas estava tingida pelo laranja do pôr do sol. A imagem era incrivelmente bela, mas…
— E pensar que ativar a quest consumiria tanto tempo… — Kirito comentou.
— Pois é… E agora? Vamos vir amanhã de novo?
Eu virei a cabeça e olhei para Kirito,
— Mas ele disse que o dragão era noturno. Aquela é a montanha?
Olhando na direção para qual Kirito apontava, enxerguei o cume branco que se estendia em direção ao céu. Apesar disso, as limitações estruturais do Ainerad não permitiriam que a montanha tivesse mais do que cem metros de altura, então escalá-la não deveria ser tão difícil.
— Ok, vamos, então. Quero ver sua cara de choro logo.
— Só não vai ficar maravilhada demais com minhas incríveis habilidades com a espada.
Ambos viramos o rosto para o outro lado com um “hunf”. Não sei como explicar, mas meu coração começou a bater mais forte após discutir com Kirito…
Balancei a cabeça para me livrar daqueles pensamentos idiotas e comecei a abrir caminho na neve.
Apesar da montanha do dragão branco parecer extremamente íngreme e longínqua, descobrimos que, na verdade, ela era bem fácil de escalar.
Quando parei para pensar, me dei conta de que vários times formados de última hora conseguiram completar aquela quest sem problemas, então não tinha como ser uma missão difícil.
Talvez devido ao clima, o tipo mais forte de criaturas que encontramos foram os esqueletos de gelo chamados Frost Bone. Mas monstros feitos de ossos não eram páreo para a minha clava. Eu simplesmente os esmagava ao som satisfatório de algo sendo quebrado.
Depois de andar por trilhas cobertas de neve durante algumas dezenas de minutos e fazer uma curva em um paredão de gelo, lá estava o cume.
O piso do andar de cima estava extremamente próximo. Enormes pilares de cristal quebrado despontavam da grossa camada de neve. A luz púrpura do pôr do sol refratava nessas colunas e se dispersava nas cores do arco-íris, criando uma cena mágica.
— Uau…! — exclamei bem alto e estava prestes a sair correndo quando Kirito me agarrou pela gola.
— Ei… O que você tá fazendo?
— Deixe os cristais preparados primeiro.
Diante de sua expressão séria, apenas assenti sem me opor. Materializei os cristais e coloquei-os nos bolsos do meu avental.
— Além disso, é muito perigoso a partir de agora, então é melhor se eu fizer tudo sozinho. Quando o dragão aparecer, esconda-se atrás daquele pilar de cristal e não saia de lá de jeito nenhum.
— Por quê? Meu nível também é alto! Eu vou te ajudar!
— Não!
Nesse momento entendi que ele estava mesmo preocupado com a minha segurança, então prendi a respiração e fiquei parada. Não consegui pensar em uma resposta, então simplesmente concordei.
Um sorriso apareceu no rosto de Kirito enquanto ele dava tapinhas na minha cabeça e dizia: “Ok, então vamos”. Quanto a mim, apenas balancei a cabeça.
Era como se a atmosfera tivesse mudado por completo.
Eu só tinha ido até ali com Kirito para passar o tempo, ou melhor, fora algo que eu decidira no calor do momento. Mas, de qualquer forma, eu não tinha consciência alguma de que aquela poderia se tornar uma batalha mortal.
Mais da metade dos pontos de experiência que obtive para subir de nível foram adquiridos forjando armas, então nunca havia adentrado um campo de batalha sério.
Mas senti que com ele era diferente. Ele possuía um olhar que só alguém que lutava todos os dias nos lugares mais perigosos poderia ter.
Continuei a andar, em conflito com meus sentimentos confusos, até que logo chegamos ao centro do pico da montanha.
Olhamos rapidamente em volta, mas não havia nenhum sinal do dragão. No entanto, vimos uma área cercada por pilares de cristal…
— Uau…
Para nossa surpresa, havia uma enorme abertura ali. Devia ter uns dez metros de diâmetro. As paredes eram cobertas de gelo, que refletiam a luz e se estendiam perpendicularmente. O fundo estava envolto pela escuridão e era impossível enxergá-lo.
— É bem fundo…
Kirito chutou um pequeno pedaço de cristal para dentro do buraco. Na queda, ele emitiu um brilho e depois desapareceu na escuridão sem fazer barulho.
— Não vai cair, hein?
— Até parece!
Logo depois, um rugido que lembrava o de uma ave de rapina ecoou através do gelo. Saiu cortando o ar tingindo pelo azul-escuro do crepúsculo…
— Esconda-se ali atrás!
Kirito apontou para um enorme pilar de cristal próximo. Não fora um pedido, mas uma ordem. Eu me apressei em seguir suas instruções enquanto falava sem parar atrás dele:
— Ah! O padrão de ataques do dragão é: golpes com as garras usando os dois braços, bafo congelante e rajada de vento! C-Cuidado!
Depois disso, vi Kirito, de costas para mim, dando um sinal de joia com o dedão esquerdo, como se tentasse soar indiferente ao meu aviso. O espaço em frente a ele começou a tremer. Após uma explosão, surgiu da caverna uma enorme silhueta.
Vários polígonos enormes e de formato estranho começaram a aparecer sem parar. Conforme foram surgindo, passaram a se conectar uns aos outros, e a identidade daquela enorme silhueta ficou mais evidente. Ele emitiu novamente seu rugido, tão alto que era capaz de fazer qualquer um estremecer de medo. Inúmeros fragmentos se lançaram em todas as direções até evaporarem entre os raios de luz.
Um dragão coberto de cacos de gelo parecidos com escamas apareceu. Ele bateu lentamente suas enormes asas enquanto flutuava no céu. Sua aparência era mais bela do que assustadora. Ele nos encarou com grandes olhos cor de rubi, lançando-nos um olhar de desprezo.
Kirito calmamente estendeu o braço para trás e sacou a espada preta de mão única com um tinido perfeito. Então, como se o som tivesse enviado algum tipo de sinal, o dragão branco abriu sua mandíbula gigante e, com um forte efeito sonoro, soltou uma baforada de gás branco.
— É a baforada! Sai do caminho!
Mesmo após meu grito, Kirito não se moveu um centímetro. Ainda parado com uma pose imponente, ele ergueu o braço para cima, como se estivesse desferindo um golpe ascendente.
Não havia como aquela arma fina bloquear um ataque daqueles… Mas, assim que o pensamento passou pela minha mente, a espada começou a girar como um moinho de vento, com a mão de Kirito como centro. Pelo efeito luminoso verde-claro, deveria ser uma skill de espada. Em apenas um segundo, ela atingiu uma velocidade impossível de ser detectada pelo olho humano, quase como um escudo de luz.
A baforada de gelo colidiu com o escudo de luz, gerando um brilho branco ofuscante. Não aguentei olhar e desviei o rosto. Mas quando o ar gelado chocou contra a espada-escudo de Kirito se dispersou como vapor.
Rapidamente foquei o olhar no corpo de Kirito para conferir seu HP.
Talvez fosse impossível bloquear completamente o bafo gelado, uma vez que sua barra de HP diminuía aos poucos. Mas o fato mais chocante era que o dano fora recuperado em apenas alguns segundos. Aquela deveria ser uma skill de batalha altíssima, a “Battle Healing”, mas para elevá-la era necessário levar muito dano em uma luta, e levando em consideração a situação atual, digamos que era impossível fazer isso de forma segura.
Afinal, quem é ele…?
Só aí quis saber a verdadeira identidade daquele cavaleiro negro. Para possuir tal nível de poder, ele só podia ser um zerador. Mas tinha quase certeza de que seu nome não se destacava na lista dos melhores jogadores das guildas, encabeçada pela KoB.
Nesse momento, Kirito, que havia conseguido prever exatamente o fim da rajada de vento, partiu para o ataque. Ele atravessou a névoa e pulou em direção ao dragão que flutuava no ar.
Normalmente, em uma luta contra um inimigo voador, primeiro se atacava com uma alabarda ou algum tipo de arma de arremesso. Só após o inimigo ter sido derrubado por armas de longo alcance os jogadores com armas de curto alcance entravam em ação. Mas, para a minha surpresa, Kirito saltou até quase tocar a cabeça do dragão branco, dando início a vários combos consecutivos em pleno ar.
Com um tinido claro, o ataque de Kirito foi desferido em uma velocidade incrível e foi engolido pelo corpo do dragão branco.
Mesmo com a criatura retaliando com todas as garras, a diferença de habilidade entre os dois era grande demais.
Quando Kirito finalmente retornou ao solo, a barra de HP do dragão havia diminuído em mais de um terço.
Fora esmagador. Fiquei chocada ao assistir uma luta tão inacreditável. Senti um calafrio correndo pela minha espinha.
De repente, o dragão estava mirando de novo em Kirito, soltando mais uma baforada gelada. Mas, daquela vez, o guerreiro correu para desviar do ataque e pulou de volta em pleno ar. Ele atingiu o alvo com diversos golpes únicos e, a cada um deles, a energia do monstro era drenada significativamente.
A barra de HP foi de imediato do amarelo para o vermelho. A luta provavelmente terminaria em um ou dois golpes. Decidi que daquela vez elogiaria de verdade as habilidades de Kirito e dei um passo para fora da sombra do pilar de cristal.
Naquele momento, como se tivesse olhos na nuca, Kirito gritou:
— Sua idiota! Não é pra sair ainda!
— Mas por quê? Tá na cara que a luta tá pra acabar. Acaba logo com ele…
Quando ergui a voz…
O dragão, voando mais alto do que antes, abriu completamente as asas. Enquanto as impulsionava para frente, a neve logo abaixo dele voou em todas as direções com um estrondo.
Eu fiquei paralisada, em choque diante da cena que se desdobrava à minha frente. Kirito fincou a espada no chão e moveu a boca como se quisesse me dizer algo, mas sua figura foi coberta pela neve. Logo em seguida, uma grande onda de pressão, parecida com uma parede de vento, me atingiu e me jogou no ar.
Droga… A rajada de vento!
Enquanto dava cambalhotas no ar, lembrei-me do que eu mesma havia dito um pouco antes sobre os ataques do dragão. Felizmente, aquele ataque não tinha muito poder, então eu praticamente não sofrera dano. Abri os braços e assumi posição de pouso.
Mas quando a neve se dispersou… Não havia chão abaixo de mim.
O que havia era o buraco gigantesco no topo da montanha. Eu fora jogada no ar direto para cima dele.
Meus pensamentos paralisaram de imediato. Meu corpo estava completamente congelado.
— Não pode ser… — balbuciei, enquanto minha mão direita apalpava o ar em vão…
…E uma mão coberta por uma luva preta envolveu meus dedos. Meus olhos desfocados se arregalaram de repente.
ー…!
Kirito, que enfrentava o dragão branco mais ao longe, correu em uma velocidade assustadora e pulou no ar sem hesitar. Ele estendeu a mão direita para agarrar a minha e me puxou para dentro de seus braços. Por um instante, envolveu minhas costas e me segurou apertado.
— Segura firme!
A voz de Kirito reverberou no meu ouvido e, em um impulso, me agarrei ao seu corpo com meus dois braços. Começamos a descer um instante depois.
Nós dois caímos direto no centro da abertura da caverna, ainda colados um ao outro. O vento uivava em nossos ouvidos enquanto nossos casacos se agitavam, descontrolados.
Se Buraco se estendesse até o piso daquele andar, uma queda de tal altura resultaria em morte certa. Essa ideia passou rapidamente pela minha mente, mas eu não conseguia acreditar que aquilo estava de fato acontecendo. Tudo o que eu podia fazer era continuar olhando para o círculo de luz branca que desaparecia acima de nós.
De repente, o braço direito de Kirito, com o qual manejava a espada, começou a se mover. Ele o lançou para trás e, em seguida, jogou-o para frente. Um clarão de luz se acendeu, acompanhado do estrondo de metais se chocando.
Com o impacto do golpe, a trajetória da nossa queda foi desviada em direção à lateral da caverna. A parede de gelo azulado estava cada vez mais próxima. Não consegui evitar e cerrei os dentes.
Vamos bater!
Justo quando estávamos prestes a colidir, Kirito mais uma vez moveu a espada e fincou-a na parede com toda a força. Faíscas voaram como se a lâmina tivesse sido colocada contra uma pedra de afiar. O ataque repentino desacelerou a queda, mas não o suficiente para pará-la completamente.
O som de metal sendo cortado continuou, enquanto Kirito raspava a parede de gelo. Virei o rosto para olhar para baixo e pude ver o chão coberto pela neve branca da caverna. Eu o vi se aproximando cada vez mais até estarmos a apenas alguns segundos da colisão. Queria ao menos não gritar, por isso mordi os lábios e me segurei com força em Kirito.
Ele soltou a espada, usou ambos os braços para me envolver e rotacionou o corpo para ficar por baixo. Então…
Impacto. Estrondo.
Os flocos de neve que voaram com a força por causa da nossa queda pousaram de leve no meu rosto antes de derreter.
A sensação gelada serviu para despertar meus pensamentos anuviados. Abri os olhos e dei de cara com as pupilas pretas de Kirito, que estava deitado bem próximo a mim.
Ele ainda me segurava apertado. Ergueu os cantos da boca e deu um sorriso fraco.
— Tá viva?
Eu assenti e disse:
— Estou…
Por alguns bons segundos, talvez minutos, ficamos ali, parados na mesma posição. Eu não queria me mexer. O calor emanado pelo corpo de Kirito era tão relaxante que minha mente parecia em branco.
Um tempo depois, Kirito se soltou de mim e se levantou.
Primeiro, recolheu a espada caída ali perto e a colocou de volta na bainha, então tirou da algibeira duas garrafas do que parecia uma poção de recuperação de alta qualidade, oferecendo uma delas a mim.
— Bom, toma isso.
— Tá…
Assenti e me levantei. Aceitei a poção enquanto checava minha própria barra de HP. Ainda possuía mais um terço de vida, mas Kirito, que havia colidido diretamente contra o chão, já estava na zona vermelha.
Removi a rolha e bebi todo o líquido agridoce em um só gole virando-me em seguida para Kirito. Ainda atordoada, comecei a mover os lábios, que pareciam não querer me obedecer.
— Uhm… O-Obrigada… Por ter me salvado.
Kirito mostrou de leve seu sorriso desdenhoso de sempre e disse:
— Ainda é muito cedo pra me agradecer.
Ele rapidamente olhou para o céu.
— Ainda bem que o dragão não veio atrás da gente, mas como vamos sair daqui?
— Er… Não é só teleportar?
Coloquei a mão dentro do bolso do avental e tirei um cristal azul cintilante, mostrando-o para Kirito. Mas…
— Acho que não vai funcionar. Aqui deve ser uma armadilha para prender jogadores. Não acho que seja possível escapar usando um método tão simples.
— Não pode ser…
Olhei para Kirito, determinada. Não queria desistir ainda, então segurei o cristal com força e gritei o comando:
— Teleporte! Lindarth!
Meu grito ecoou pela caverna até finalmente desaparecer. O cristal simplesmente continuou a brilhar em silêncio.
Kirito deu de ombros, sem demonstrar nenhuma reação.
— Se eu achasse possível teleportar, teria usado um cristal quando a gente tava caindo. Mas logo vi que era uma zona anticristais…
Fiquei sem palavras. Estava cabisbaixa de tão triste e, então, Kirito pôs a mão sobre a minha cabeça e bagunçou meu cabelo.
— Não fica assim. Se não tem como usar cristais, deve existir outro jeito de sair daqui.
— Não temos certeza disso. Pode ser uma armadilha projetada para matar qualquer um que cair dentro dela… Na verdade, era pra gente ter morrido.
— É, tem razão. É bem provável.
Ver Kirito assentindo sem ânimo fez com que eu desabasse, perdendo toda a energia mais uma vez.
— Você podia ser um pouco mais positivo, não acha?
Depois que gritei, Kirito finalmente sorriu e disse:
— É, essa cara de brava combina mais com você, Lis. Continue assim.
— Нã…?
Minhas bochechas ficaram vermelhas. Fiquei paralisada. Kirito tirou a mão de cima da minha cabeça e se pôs de pé.
— Bom, vamos testar algumas possibilidades… Alguma ideia?
Exibi um sorriso amargo para Kirito, que claramente não se sentia afetado pela situação, mantendo a atitude de sempre. Sentindo-me um pouco mais animada, dei um tapa nas minhas bochechas com as duas mãos e me levantei mais uma vez.
Dei uma analisada no entorno. O fundo da caverna era uma superfície plana de gelo com um pouco de neve. Devia ter pelo menos uns dez metros de diâmetro. As paredes congeladas perto da entrada de mesmo tamanho ainda refletiam as luzes do pôr do sol, mas logo o lugar seria engolido pela escuridão.
Olhei em volta, mas não havia nenhuma saída visível, tanto nas paredes quanto no chão. Apoiei as mãos nos quadris, forçando minha mente, e disse a primeira coisa que me surgiu:
— E se… Pedirmos ajuda a alguém?
— Hmm, mas acho que aqui é uma dungeon.
Kirito dispensou a minha ideia sem nem a levar em consideração.
Jogadores registrados como amigos podiam se comunicar através de um recurso chamado friend message, similar a um e-mail. Eu tinha pensado em enviar uma mensagem para Asuna, mas logo percebi que não ia rolar. A função não podia ser utilizada dentro de uma dungeon. Além disso, também não era possível ver a sua localização no mapa. Só para testar, abri a janela de mensagem, mas como Kirito havia previsto, a opção estava indisponível.
— Bom… E que tal gritar para os outros jogadores que vierem caçar o dragão?
— A gente deve estar a uns oitenta metros do pico da montanha…
Acho que nossas vozes não chegam até lá em cima…
— É mesmo… Ei, que tal você também pensar um pouco?!
Depois de ter minhas ideias rejeitadas uma após a outra, perdi a paciência e briguei com ele. Kirito, então, disse algo inacreditável:
— Vamos correr pela parede.
— O quê? Você é idiota por acaso?
— Vamos ver.
Enquanto eu o encarava, incrédula, Kirito foi até um dos extremos da caverna e começou a correr em direção à parede oposta em uma velocidade fora do comum. Uma nuvem de neve se levantou do chão e um vendaval me atingiu em cheio no rosto.
Quando estava prestes a se chocar, Kirito agachou e deu um salto com um poder explosivo. Ele pisou na parede em um ponto bem acima do chão e continuou a correr com o corpo inclinado para frente.
— Não acredito…
Enquanto eu assistia embasbacada, Kirito corria em espiral ao longo da parede de gelo, como um ninja em um daqueles filmes americanos de quinta categoria. Sua silhueta foi ficando cada vez menor…
Então, quando ele estava a um terço do caminho, seu pé escorregou.
— Aaaaahh!
Kirito caiu, agitando os braços e caindo bem na minha direção.
— Aaaahn?
Eu saí correndo aos berros e logo em seguida um buraco com forma humana apareceu bem onde eu estava.
Um minuto depois, após Kirito tomar sua segunda poção, sentei-me a seu lado e suspirei.
— Sempre achei que você fosse um idiota, mas nunca pensei que seria nesse nível…
— Se tivesse um espaço maior para correr antes do salto eu teria conseguido.
— Até parece.
Kirito ignorou minha resposta e colocou a garrafa vazia de volta no bolso. Depois de alongar os braços, disse:
— Bom, tá ficando escuro, então vamos acampar aqui. Por sorte, acho que nenhum monstro vai aparecer neste buraco.
O sol já havia se posto e o fundo da caverna estava ficando bem escuro mesmo.
— É, acho que sim…
— Já que é assim…
Kirito abriu uma janela, deslizou o dedo sobre a tela e materializou um item após o outro. Uma lanterna de acampamento. Uma panela. Alguns saquinhos misteriosos. Duas canecas.
— Você sempre carrega isso com você?
— É normal ter que passar a noite dentro de uma dungeon.
Ele tinha uma expressão tão séria que eu acreditei em suas palavras. Kirito então deu um clique na lanterna e acendeu o fogo. Uma luz forte e alaranjada apareceu ao som de um puf, iluminando o ambiente.
Ao apoiar a panela sobre a lanterna, Kirito colocou dentro dela alguns punhados da neve acumulada no chão e despejou o conteúdo dos saquinhos misteriosos. Ele cobriu tudo com uma tampa e clicou duas vezes no item, fazendo com que uma janela de timer aparecesse, onde se via o tempo de cozimento.
Logo, o cheiro de ervas alcançou meu nariz. Agora que tinha parado para pensar, não havia comido nada desde aquele cachorro-quente pela manhã. Meu estômago, que era de lua, de repente protestou alto, pedindo por comida, como se tivesse lembrado que estava com fome.
O timer desapareceu com um tinido. Depois disso, Kirito ergueu a panela e derramou seu conteúdo dentro de canecas.
— Não espere muita coisa, não. A minha proficiência em culinária é zero.
— Obrigada…
O calor da caneca que Kirito havia me entregue se transferiu para as minhas mãos. Era uma sopa simples de carne e ervas desidratadas, mas o nível dos ingredientes parecia ser bem alto. Estava mais do que deliciosa. A quentura também se espalhou pelo resto do meu corpo gelado.
— Que… Sensação estranha… Isso não parece real… — murmurei enquanto tomava a sopa. — Essa coisa de… fazer uma refeição em um lugar que eu nunca tinha vindo antes, com alguém que nunca tinha visto antes…
— Ah, é… Você é uma artesã, afinal de contas. Eu costumo formar parties com estranhos que encontro nas dungeons e acampo com eles com bastante frequência.
— Hmmm, é mesmo…? Me conta mais. Sobre as dungeons.
— Hã? T-Tá. Não acho que seja tão interessante… Ah, mas primeiro…
Kirito recolheu a panela e as canecas vazias e devolveu-as ao inventário. Ele abriu o painel mais uma vez e materializou algo semelhante a dois montes de pano enrolados.
Quando ele os abriu, percebi que se tratavam de sacos de dormir. Eles eram parecidos aos que existiam no mundo real, só que maiores.
— Estes são itens de alta qualidade. Perfeito isolamento térmico, além de ter um esquema de camuflagem contra monstros agressivos.
Ele jogou um deles para mim, sorrindo ironicamente. Quando o estendi sobre a neve, parecia que três pessoas do meu tamanho conseguiriam caber ali dentro com facilidade. Atônita com todo aquele espaço, falei para Kirito, em um tom de desdém:
— É incrível como você carrega esses itens com você pra todo lado. Ainda mais dois de cada…
— Bom, eu tinha que usar o espaço do meu inventário pra alguma coisa.
Kirito rapidamente se desequipou e deitou no saco de dormir, à minha esquerda. Eu também tirei a minha capa e clava e entrei no outro saco.
Realmente, era um item para se gabar. A parte de dentro era quentinha e bem mais macia do que aparentava.
Estávamos a um metro de distância um do outro, com a lanterna entre nós. Mas… Eu me sentia estranhamente envergonhada.
Para me livrar do embaraço, comecei a falar:
— Ei, me conta. Aquela história.
— Ah, claro…
Kirito cruzou os braços sob a cabeça e calmamente começou a falar sobre quando caiu na emboscada dos MPK, um grupo criminoso de jogadores que reunia monstros e encurralava os adversários. Sobre a vez na qual lutou por dois dias, revezando com aliados, contra um chefe que tinha baixo poder de ataque, mas era extremamente resistente. Sobre quando rolou dados contra outros cem jogadores para decidir quem ficaria com os itens raros de um reparte.
Todas eram histórias emocionantes, empolgantes e, de certa forma, cheias de humor. Elas também deixavam uma coisa bem clara: ele era um dos zeradores, um daqueles que se arriscavam nas linhas de frente. Mas isso também significava que Kirito carregava o fardo da vida de milhares de jogadores nas costas. Ele não era o tipo de pessoa que deveria se pôr em risco por alguém como eu
Virei-me para Kirito e encarei-o. Seus olhos negros refletiam a luz da lanterna.
— Ei… Kirito. Posso fazer uma pergunta?
— O que foi agora?
— Por que me salvou naquela hora..? Não havia nenhuma garantia de que você conseguiria fazer aquilo. Hum… As chances de você também acabar morto eram bem maiores, aliás. Então… por quê…?
Os lábios de Kirito enrijeceram por um breve momento. Mas ele logo retornou à expressão de sempre e respondeu em uma voz.
— Se for pra ver alguém morrer na minha frente, prefiro muito mais ir junto com essa pessoa. Ainda mais se for uma garota como você, Lis.
— Você é mesmo um idiota. Ninguém mais faria algo assim.
Apesar de ter respondido com sarcasmo, não consegui evitar que meus olhos começassem a lacrimejar. Senti um aperto no fundo do peito e tentei me livrar desse sentimento com toda minha energia.
Era a primeira vez que ouvia palavras tão sinceras, diretas e calorosas desde que chegara a este mundo.
Não… Nem no mundo real tinha ouvido algo parecido.
De repente, a dor de desejar companhia, de me sentir sozinha, que eu havia conseguido reprimir por meses, despertou e me atingiu como um tsunami. Eu queria sentir o calor de Kirito, de perto, para que meu coração também pudesse senti-lo…
Antes que pudesse perceber, meus lábios se mexeram:
— Ei… Segura a minha mão.
Eu virei o corpo para a esquerda e tirei a mão de dentro do saco de dormir, estendendo-a para ele.
Kirito arregalou os olhos por um segundo, mas concordou, dizendo um “ok” bem baixinho, estendendo sua mão esquerda. Quando nossos dedos se tocaram, ambos retraímos os braços rapidamente, de susto, mas logo voltamos a entrelaçá-los.
A mão de Kirito, que agarrei com força, era muito mais quente do que a caneca de sopa que havíamos tomado há pouco. Apesar da minha pele ainda estar tocando o chão congelado, eu não sentia nem um pouco de frio.
Isso sim era calor humano…
Senti que finalmente entendera o que era aquele anseio no fundo do meu peito desde que havia chegado a este mundo.
Eu tinha medo de admitir que ali era um mundo virtual… Que meu verdadeiro corpo estava em algum lugar, distante, onde não poderia alcançá-lo, não importava o quanto tentasse. Por isso, fui criando um objetivo atrás do outro, focando-me desesperadamente em meu trabalho. Eu me convenci de que melhorar minhas habilidades como ferreira e expandir a loja eram a minha realidade.
Mas parte de mim sempre soube. Que era falso, que nada passava de um simples amontoado de dados. Era disso que eu sentia falta. De calor humano verdadeiro.
E claro que o corpo de Kirito também era formado por dados. O calor que eu sentia agora era apenas um sinal eletrônico enviado para o meu cérebro. Mas eu finalmente percebi que isso já não importava mais. Consigo sentir meu coração — seja no mundo real ou neste mundo virtual —, e essa é a única verdade.
Segurando firmemente sua mão, sorri e fechei os olhos.
Apesar de meu coração estar batendo bem mais rápido do que normal, o sono chegou lamentavelmente rápido e guiou minha consciência para a escuridão.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
💖 Agradecimentos 💖
Agradecemos a todos que leram diretamente aqui no site da Tsun e em especial nossos apoiadores:
- deciotartuci
- dkz6864
- leonardomoreli
- renatolopez
- S_Eaker
- gladhyr
- _hades13
- abemiltonfilho
- adilson_foxxdie
- bananilsonfarofa_
- cachorrolobo
- davidd43
- faast__
- gilsonvasconcelos.
- guto_dgd
- hspecterfaint
- igor.ftadeu
- igorrech
- joaogabryell11
- jujubito
- kicksl
- kid1403
- lighizin
- lucashenrique01
- luisgustavo00314
- MackTron
- MaltataxD
- mateusgv
- monkeydlarocca
- nofacex_
- pedro.mds
- r_44_32
- rennann7
- rodolfoadams
- seivelun_
- serpentyle_
- Sonado
- stengrat
- tang09505
- tibronx
- vinisix
- zDoctorH
- zew2427
- mateus6870
📃 Outras Informações 📃
Apoie a scan para que ela continue lançando conteúdo, comente, divulgue, acesse e leia as obras diretamente em nosso site.
Acessem nosso Discord, receberemos vocês de braços abertos.
Que tal conhecer um pouco mais da staff da Tsun? Clique aqui e tenha acesso às informações da equipe!
Comentários