O pôr do sol fazia parecer que o céu inteiro estava em chamas.
Quando recobrei a consciência, estava em um lugar fantástico.
Eu estava de pé em um grosso piso de cristal. As nuvens alaranjadas passavam lentamente sob o azulejo transparente. Quando ergui a cabeça, pude ver um céu tingido pelas cores do pôr do sol que chegava até o horizonte. O céu continuava infinitamente em uma gradação que ia de um laranja vívido para um vermelho cor de sangue e então para um roxo profundo. O vento soprava de leve.
Era um pequeno disco de cristal que flutuava entre as nuvens no vazio do céu. E eu estava em sua beirada.
…O que era aquele lugar? Meu corpo deveria ter desaparecido depois de se fragmentar. Eu ainda estava em SAO… Ou será que ali era o outro mundo?
Examinei meu próprio corpo. O casaco de couro, as longas luvas e todo meu equipamento eram os mesmos de antes de eu morrer, apesar de que tudo estava meio transparente. E não era só o meu equipamento, as partes expostas do meu corpo também brilhavam nas cores do pôr do sol, como se fossem feitas de vidro translúcido.
Ergui a mão direita e movi alguns dedos. Uma janela apareceu com um efeito sonoro familiar. Então aquele lugar ainda era dentro de SAO.
Mas a janela não continha um avatar ou uma lista de menu. A tela em branco exibia apenas uma mensagem: “Executando fase final, 54% completo”. Enquanto eu olhava, o número foi para 55%. Pensei a princípio que minha mente morreria junto com a destruição do meu corpo, mas o que estava acontecendo ali?
Dei de ombros e fechei a janela, quando de repente ouvi uma voz atrás de mim:
— Kirito…
A voz parecia uma canção do paraíso. Uma onda de choque percorreu meu corpo.
“Por favor, que não seja só a minha imaginação”, implorei, enquanto me virava lentamente.
Ela estava lá, com o céu queimando atrás dela.
Seu cabelo ondulava suavemente ao vento. Mas, mesmo quando seu rosto gentil e sorridente estava ao alcance das minhas mãos, eu não conseguia me mover.
Senti que ela iria desaparecer se eu desviasse os olhos por um segundo que fosse, então apenas continuei encarando-a em silêncio. Ela também estava semitransparente e era a pessoa mais linda do mundo enquanto ficava ali, brilhando à luz do pôr do sol.
Segurei as lágrimas e consegui sorrir. Eu disse, quase em um sussurro:
— Desculpe. Também acabei morrendo…
— …Bobo.
Lágrimas rolaram por seu rosto quando ela disse aquilo. Eu abri os braços e gentilmente chamei por ela:
— Asuna…
Eu a abracei bem apertado quando ela pulou nos meus braços e começou a chorar. Jurei que jamais a soltaria. Não importava o que acontecesse, eu nunca mais iria soltá-la.
Depois de um longo beijo, nós finalmente conseguimos afastar nossos rostos e olhar um para o outro. Havia tanta coisa que eu queria falar sobre a última batalha, que queria poder me desculpar. Mas senti que já não havia mais necessidade de palavras. Em vez disso, eu olhei para o céu e disse:
— Que lugar será este…?
Asuna silenciosamente olhou para baixo e apontou o dedo. Eu olhei para aquela direção.
Bem abaixo de onde estávamos — uma estrutura flutuante no céu — estava algo no formato de um cone com a ponta cortada. Era feita de inúmeros andares sobrepostos uns sobre os outros. Quando foquei o olhar, pude ver até as pequenas montanhas, florestas, lagos e cidades.
— Aincrad…
Asuna assentiu quando murmurei aquilo. Não havia dúvidas. Aquilo era Aincrad. O gigantesco castelo flutuante pairava na imensidão do céu. Nós passamos dois anos lutando nesse mundo de espadas e batalhas, mas agora ele estava abaixo de nós.
Eu havia visto Aincrad por fora antes de vir para este mundo em algum informativo sobre SAO. Mas era a primeira vez que via seu exterior com os meus próprios olhos. Prendi a respiração quando fui atingido por um sentimento parecido com deslumbramento.
O castelo de metal… Estava sendo destruído.
Enquanto assistíamos em silêncio, um pedaço de um dos andares mais baixos se desprendeu e se dispersou em inúmeros fragmentos. Quando parei para ouvir com atenção, pude distinguir os pesados estrondos misturados ao som do vento.
— Ah… — Asuna exclamou baixinho.
Um grande pedaço dos andares inferiores se partiu e as inúmeras construções, árvores e rios caíram e desapareceram no mar de nuvens. Nossa casa ficava em algum lugar daquela área. Senti uma certa tristeza perfurar o peito toda vez que um andar do castelo que continha dois anos das minhas memórias desaparecia.
Sentei na beira da plataforma, ainda abraçado a Asuna.
Meu coração estava estranhamente calmo. Embora não soubesse o que havia acontecido conosco ou o que estava prestes a acontecer, não sentia o mínimo de insegurança. Tinha feito o que deveria fazer, perdera a minha vida virtual, e agora estava ali, com a garota que amava, observando o fim do mundo. Era o suficiente. Eu me sentia satisfeito.
Asuna deveria estar sentindo o mesmo. Nos meus braços, ela assistia Aincrad desmoronar com os olhos semicerrados. Eu gentilmente acariciei seu cabelo.
— É uma bela vista.
De repente, ouvi uma voz atrás de nós. Quando nos viramos para a direita, sem que percebêssemos, um homem havia aparecido ali.
Era Akihiko Kayaba.
Ele apareceu não como Heathcliff, o paladino vermelho, mas em sua forma real, como criador de SAO. Vestia uma camisa branca com uma gravata e um jaleco branco por cima. Apenas os olhos metálicos no seu rosto anguloso pareciam ser os mesmos. Seu corpo também era translúcido como o nosso.
Apesar de eu ter lutado até a morte contra aquele homem há apenas alguns minutos, meu estado de calma continuou mesmo depois de vê-lo. Talvez tenhamos deixado toda nossa raiva e ódio em Aincrad antes de vir para este lugar. Eu desviei o olhar de Kayaba e me virei de volta para o castelo.
— O que está havendo?
— Pode-se dizer que é… Uma metáfora.
A voz de Kayaba também estava bastante calma.
— Neste momento, o servidor de SAO, no quinto subsolo da sede da Argus, está apagando todos os dados dos dispositivos de armazenamento. Em aproximadamente dez minutos, tudo relacionado a este mundo deixará de existir.
— O que vai acontecer… Com as pessoas que estão lá? — Asuna perguntou de repente.
— Não se preocupem. Alguns momentos atrás…
Kayaba mexeu a mão direita e deu uma olhada na janela que apareceu.
— Todos os 6147 jogadores sobreviventes foram deslogados com sucesso.
Isso significava que Klein, Agil e todos as outras pessoas que conhecera durante os últimos dois anos conseguiram voltar em segurança para o outro lado.
Fechei os olhos com força e deixei que as lágrimas rolassem antes de perguntar:
— …E os que morreram? Se nós morremos e estamos aqui, conversando, quer dizer que os quatro mil que morreram antes também podem ser devolvidos ao mundo real?
Kayaba fechou a janela sem mudar de expressão, colocou as mãos nos bolsos e disse:
— A vida não pode ser tratada de forma tão leviana. A consciência deles não retornará. Os mortos não voltam. Essa regra é a mesma em qualquer mundo. Quanto a vocês dois… Eu criei este período extra no fim porque queria conversar um pouco com vocês antes de tudo acabar.
“Isso é coisa que alguém que matou quatro mil pessoas pode dizer?”, pensei, mas por algum motivo, não senti raiva alguma. Em vez disso, outra pergunta me veio à mente. Era uma pergunta fundamental que todos os jogadores, não, todos que tinham conhecimento sobre aquele incidente, fariam:
— Por que… fez tudo isso…?
Senti que Kayaba sorriu amargamente. Depois de um longo silêncio, ele finalmente falou:
— Pois é… Por quê? Eu já me esqueci faz tempo. Por que será? Desde que desenvolvi o ambiente para o sistema de FullDive… Não, antes disso… Aquele castelo… Eu sempre quis criar um lugar que superasse todos os limites do mundo real. E eu… Vi coisas que superam até as leis do mundo que criei…
Kayaba virou seus olhos calmos para mim primeiro, e então os desviou rapidamente.
O vento soprou mais forte, fazendo o jaleco de Kayaba e o cabelo de Asuna ondularem. Metade do castelo já havia sido destruído. Algade, a cidade repleta de memórias minhas, estava sendo dispersada no vento e absorvida pelas nuvens.
Kayaba continuou falando:
— Crianças criam um sonho atrás do outro. Não me lembro de quantos anos tinha na primeira vez que fiquei fascinado com a ideia de um castelo de metal que flutuasse no céu… Por toda a minha vida, essa paisagem nunca saiu da minha cabeça. Quanto mais velho ficava, mais real ela se tornava. Por muito, muito tempo, sair do chão e voar na direção daquele castelo… Foi meu único desejo. Sabe, Kirito… Eu ainda acredito que em algum lugar, em outro mundo… Esse castelo exista de verdade.
De repente, fui tomado pelo forte sentimento de que eu era um menino que havia nascido nesse mundo e crescido com o sonho de me tornar um espadachim. O menino um dia encontraria uma menina de olhos castanhos. Os dois se apaixonariam, se casariam e viveriam felizes para sempre em uma pequena casa no meio da floresta…
— É… Tomara que sim — murmurei. Asuna também assentiu em meus braços.
O silêncio voltou a pairar entre nós. Voltei a olhar para longe e vi que outras partes do castelo haviam começado a desmoronar. Eu podia ver o infinito mar de nuvens e o céu vermelho serem consumido por uma luz branca em algum ponto bem distante. A erosão começou a tomar forma em vários lugares e estava lentamente vindo em nossa direção.
— …Ah, esqueci de dizer. Parabéns por terminarem o jogo, Kirito e Asuna.
Olhamos para Kayaba, que estava de pé à nossa direita, quando disse aquilo. Ele olhou para nós com uma expressão serena no rosto.
— Bom… Se me dão licença…
E sua figura sumiu como se soprada pelo vento. Quando nos demos conta, ela já havia desaparecido. Apenas o pôr do sol vermelho continuou brilhando através do disco de cristal. Estávamos sozinhos de novo.
Aonde será que ele tinha ido? Será que voltara para o mundo real?
Não… Ele não faria isso. Ele deveria ter apagado a própria consciência e partido em busca da Aincrad real, que existiria em algum outro lugar.
Apenas a parte de cima do castelo sobrava agora. O 76° andar, que nunca tivemos a chance de ver, estava começando a desmoronar. O véu de luz que apagava este mundo estava gradualmente vindo até nós. Quando a aurora trêmula tocava as nuvens e o céu, eles desapareciam e retornavam para o nada.
Eu podia ver o palácio vermelho e suas torres magníficas no último andar de Aincrad. Se o jogo tivesse continuado de acordo com os planos, teríamos lutado ali contra o último chefe, Heathcliff.
Mesmo quando a base do último andar desapareceu, o palácio sem dono continuou a flutuar, como se resistisse ao seu destino. O palácio vermelho que restara em meio ao céu alaranjado parecia ser o coração do castelo flutuante.
Por fim, a onda de destruição também atingiu o palácio vermelho. Ele se desfez, a começar pela parte de baixo, indo para cima e se dispersando em inúmeros fragmentos antes de desaparecer entre as nuvens. A torre mais alta desapareceu quase ao mesmo tempo que o véu de luz envolveu o espaço à sua volta. O enorme castelo de Aincrad havia sido completamente destruído e as únicas coisas que restavam neste mundo eram algumas poucas nuvens e a plataforma na qual Asuna e eu estávamos sentados.
Nós provavelmente não tínhamos muito mais tempo. Estávamos apenas usando o curto período que Kayaba havia nos dado. Com a destruição deste mundo, a Nerve Gear ia terminar seu trabalho final e apagar tudo o que restava de nós.
Coloquei as mãos no rosto de Asuna e lentamente coloquei os lábios sobre os dela. Aquele era nosso último beijo. Procurei usar até o último segundo para gravar sua existência na minha alma.
— …Hora de nos despedirmos.
Asuna balançou a cabeça.
— Não, não. Não vamos nos despedir. Nós vamos nos tornar um e desaparecer. Por isso, estaremos sempre juntos.
Ela tinha sussurrado em uma voz clara, antes de se virar nos meus braços e olhar diretamente para mim. Então, ela inclinou um pouco a cabeça e sorriu.
— Ei, me diga o seu nome. O seu nome verdadeiro, Kirito.
Eu não entendi na hora, mas então percebi que ela queria dizer o meu nome no outro mundo, aquele que eu havia deixado há dois anos.
Parecia que os dias em que vivera sob outro nome, em uma outra vida, eram histórias de algum mundo distante. Pronunciei meu nome, que vinha à tona das profundezas da minha memória, enquanto era tomado por um forte e estranho sentimento.
— Kirigaya… Kazuto Kirigaya. Acho que fiz dezesseis anos mês passado.
Naquele momento, ouvi o relógio voltando a funcionar para o meu outro eu, enquanto seu tempo, que estava parado até então, voltava a correr novamente. A consciência de Kazuto, enterrada nas profundezas do espadachim Kirito, estava lentamente voltando à superfície. Senti a dura armadura que vestira quando tinha vindo para aquele mundo se desfazer peça por peça.
— Kazuto… Kirigaya…
Asuna falou meu nome, concentrando-se em cada sílaba, e então deu uma risadinha com uma expressão perplexa.
— Você é mais novo do que eu… O meu nome… E Asuna Yuuki. Tenho dezessete anos.
Asuna… Yuuki. Asuna Yuuki. Repeti essas cinco sílabas várias e várias vezes dentro da minha cabeça.
De repente, percebi que havia lágrimas rolando pelo meu rosto.
No pôr do sol infinito, as emoções que estavam paralisadas voltaram a se mover. Um sentimento doloroso percorreu todo o meu ser, como se meu coração estivesse sendo despedaçado. Pela primeira vez desde a minha chegada naquele mundo, lágrimas corriam soltas pelo meu rosto. Senti um nó na garganta, fechei os punhos e comecei a chorar alto igual a uma criança.
— Me desculpe… Desculpe… Eu prometi que te levaria de volta ao mundo real… Eu prometi, mas…
Não consegui continuar. No fim, não tinha conseguido salvar a pessoa mais importante para mim. Por minha causa, por causa da minha fraqueza, o caminho ensolarado que ela deveria trilhar fora fechado. Meu arrependimento tomou a forma de lágrimas que escorriam sem parar dos meus olhos.
— Tudo bem… Tudo bem…
Asuna estava chorando também. Suas lágrimas brilhantes rolavam como pequenas joias antes de evaporar.
— Eu fui feliz. Pude te conhecer e morar com você. Foi a época mais feliz da minha vida. Obrigada…. Eu te amo…
O fim do mundo estava bem diante de nós. O gigantesco castelo de metal e o infinito mar de nuvens foram todos apagados pela luz ofuscante, deixando apenas nós dois para trás.
Asuna e eu nos abraçamos bem apertado, esperando pelo momento final.
Era como se nossos sentimentos estivessem sendo purificados pela luz. Tudo o que restava dentro de mim era meu amor por Asuna. Eu continuei chamando por seu nome mesmo enquanto tudo se desfazia e se dispersava.
Luz preencheu minha visão. Tudo estava sendo coberto pelo puro véu branco e desaparecendo depois de se tornar partículas iluminadas. O sorriso de Asuna se misturou ao brilho que inundava o mundo.
Eu te amo… Eu te amo…
Sua voz ecoou como o doce som de um sino, enquanto o resto da minha consciência desaparecia.
A última linha que nos separava desapareceu e nos tornamos um.
Nossas almas se dissolveram, se combinaram e se dispersaram.
Finalmente, desaparecemos.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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