Na praça do portão do 75° andar, em Colinia, havia um grupo de jogadores que pareciam ser de alto nível, presumi que fosse o grupo que ia lutar contra o chefe. Quando Asuna e eu saímos do portão e fomos em direção a eles, todos se calaram e lançaram um olhar tenso em nossa direção. Alguns deles até nos deram a saudação da guilda.
Parei de andar, pois fui tomado de surpresa. Mas Asuna os saudou de volta e me deu um tapa.
— Vamos! Hoje, você é o líder! Precisa dar o exemplo!
— Quê…?
Eu os saudei desajeitadamente. Participei de inúmeras parties de batalha contra chefes até aquele momento, mas esta era a primeira vez que recebia tanta atenção.
— E aí?
Alguém me deu um tapinha no ombro, e quando me virei para ver quem era, dei de cara com Klein, o espadachim, sorrindo por baixo da sua bandana. Para minha surpresa, a figura enorme de Agil estava de pé ao seu lado, completamente equipado com um machado de duas mãos.
— Vocês também vão participar…?
— Por que a surpresa? — Agil gritou indignado.
— Eu até deixei a loja porque ouvi que estavam tendo dificuldade. E pensar que não apreciam o meu generoso sacrifício…
Bati no braço dele enquanto ele fazia aquela declaração com movimentos exagerados.
— Eu entendo bem o que sente. Conto com você para a hora de dividir os itens, beleza?
Quando eu disse aquilo, o gigante careca balançou a cabeça e franziu o cenho.
— Bom. É, assim…
Quando ele começou a titubear, Asuna e Klein caíram na gargalhada. O riso rapidamente se espalhou pelos outros jogadores, aparentemente diminuindo a tensão do ar.
Exatamente à uma em ponto, vários jogadores chegaram ao portão. Era Heathcliff, vestido de vermelho, com seu gigantesco escudo em forma de cruz na mão, e os membros da elite da KoB. Assim que viram os recém-chegados, uma aura de nervosismo novamente se espalhou entre os demais jogadores.
Se fôssemos comparar níveis e atributos, o único que estava acima de mim e Asuna era provavelmente o próprio Heathcliff. Mas a coordenação do grupo mostrava o poder do seu trabalho em equipe. Tirando o vermelho e branco das cores da guilda, todas as suas armas eram diferentes, mas a força do laço que havia entre eles era muito superior ao do que aquela unidade do Exército havia nos mostrado.
O paladino e seus quatro subordinados vieram direto em nossa direção, o que fez com que o grupo de pessoas que já estava ali se dividisse ao meio. Klein e Agil foram forçados a dar alguns passos para trás, enquanto Asuna calmamente trocava saudações com eles.
Assim que parou, Heathcliff assentiu para nós antes de se dirigir ao grupo todo:
— Vejo que estão todos aqui. Agradeço por terem vindo. Imagino que já estejam cientes da situação. A batalha será dura, mas acredito que, com a força de todos, conseguiremos superar esse obstáculo. Pelo dia da nossa libertação!
Ao ouvir o grito inspirador de Heathcliff, os demais jogadores se juntaram a ele com seus próprios urros. Eu me surpreendi com o tamanho de seu carisma, que atraía as pessoas como um imã. Era incrível ver alguém com tanto poder de liderança em meio a gamers hardcore, que normalmente careciam da capacidade de socialização. Ou talvez foi este mundo que criara seu talento? Eu me perguntei o que ele devia fazer no mundo real…
Ele se virou para mim como se tivesse sentido o meu olhar e disse com um sorriso:
— Conto com você, Kirito. Use a sua “Empunhadura Dupla” à vontade.
Eu não conseguia identificar nenhuma pressão ou medo vindos de sua voz grossa e aveludada. Não havia como se admirar com o fato de que ele era capaz de manter a calma, mesmo diante da dura batalha que estava por vir.
Depois que assenti silenciosamente, Heathcliff virou-se de volta para os outros jogadores e ergueu o braço no ar.
— Vamos partir! Abriremos um corredor até a frente da sala do chefe.
Ele tirou um cristal azul-marinho do bolso, o que fez com que murmúrios maravilhados se espalhassem pela multidão.
Cristais de teleporte comuns podiam apenas enviar o usuário para o portão da cidade de sua escolha, mas o item que ele tinha em mãos era um “Cristal de Corredor”, que podia abrir um Portão de Teletransporte em qualquer lugar escolhido pelo jogador. Não era preciso dizer que era um item extremamente útil.
Mas, por causa da sua utilidade, ele também era extremamente raro e não era vendido em lojas de NPCs. Ele poderia ser obtido apenas em baús de tesouros dentro dos labirintos ou depois de derrotar monstros, então pouquíssimos jogadores estavam dispostos a usá-lo quando o possuíam. O motivo pelo qual todo mundo ficou surpreso não foi por causa da raridade do item, mas porque ele estava decidido a usá-lo.
Heathcliff ergueu o cristal, alheio aos olhares dos outros jogadores, e gritou:
— Abrir corredor!
O cristal super-raro se despedaçou, e um redemoinho azul de luz apareceu.
— Atenção! Me acompanhem!
Depois de olhar para todos nós, Heathcliff pulou para dentro do foco de luz com suas vestes vermelhas tremulando às suas costas. Seu corpo foi imediatamente engolido e desapareceu em um instante. Seus quatro subordinados da KoB o acompanharam logo em seguida.
Em algum momento, uma multidão havia se reunido em volta da praça. Eles deveriam ter ouvido sobre a nossa batalha e vindo se despedir de nós. Os guerreiros foram um a um em direção à luz, em meio a gritos de apoio.
Logo, Asuna e eu éramos os únicos que restavam. Trocamos olhares e assentimos antes de unirmos as mãos e pularmos para dentro do redemoinho de luz.
Depois que a sensação de desnorteamento causado pelo teleporte passou, abri os olhos e vi que já estávamos dentro do labirinto. Era um corredor extraordinariamente largo, com duas fileiras de pilares grossos e uma grande porta no fim.
O labirinto do 75° andar era feito de uma espécie de rocha preta levemente translúcida. Diferentemente dos labirintos grosseiros e toscos dos andares inferiores, as pedras ali eram polidas e empilhadas umas sobre as outras, sem nenhum vão entre elas. O ar era úmido e frio, e uma fina névoa cobria o chão.
Asuna, que estava ao meu lado, cobriu-se com os braços, aparentando estar com frio, e disse:
— Que sensação ruim…
— É…
Durante os dois últimos anos, completamos setenta e quatro labirintos e derrotamos um número igual de chefes. Depois de ganhar esse tanto de experiência, conseguíamos adivinhar o poder de um chefe só de olhar para seu covil.
Os trinta jogadores à nossa volta estavam todos com seus menus abertos, checando os itens equipados. Suas expressões eram bastante sérias.
Guiei Asuna até a sombra de um pilar e coloquei os braços em volta seu corpo esguio. Toda a insegurança que eu vinha segurando até então veio à tona com a proximidade da batalha. Meu corpo tremia.
— …Não se preocupe.
Asuna sussurrou em meu ouvido.
— Eu vou te proteger.
— Não… Não é isso…
— Hu, hu.
Asuna deu uma risadinha e continuou falando:
— …E você me protege, está bem?
— É… Pode deixar.
Eu apertei o abraço uma última vez antes de nos afastarmos. Heathcliff, que agora estava com seu escudo em forma de cruz em mãos, falou através do tinido de seu equipamento:
— Todos prontos? Não temos informações sobre os padrões de ataque do chefe. A estratégia básica será nós da KoB ficarmos na frente segurando as investidas dele. Enquanto isso, analisem o padrão e contra-ataquem da melhor forma possível.
Todos assentiram em silêncio.
— Então… Vamos — Heathcliff disse com uma voz suave, e então caminhou com confiança até o portão de obsidiana e colocou a mão no centro dele. Isso fez com que todos ficassem ainda mais tensos.
Dei um tapa nos ombros de Klein e Agil, que estavam cada um de um lado meu, e disse, quando se viraram para mim:
— Não morram.
— Heh! Você também.
— Não posso morrer antes de ganhar uma fortuna vendendo os itens raros que conseguir aqui hoje.
Enquanto eles davam suas respostas arrogantes e bem-humoradas, as portas começaram a se abrir lentamente. Todos os jogadores prepararam suas armas, então eu também saquei minhas duas espadas. Olhei para Asuna, que empunhava sua rapieira, e acenei com a cabeça.
Por último, Heathcliff sacou sua espada de trás do escudo. Ele então a ergueu para o alto e gritou:
— À batalha!
Então atravessou as portas abertas e entrou na sala, com todos o seguindo de perto.
O interior da sala tinha o formato de uma cúpula. Ela parecia ter a mesma largura da arena onde duelei contra Heathcliff. As paredes escuras se elevavam para o alto e se curvavam bem acima de nossas cabeças. Logo depois que os trinta e dois jogadores entraram e se colocaram em formação, as portas se fecharam atrás de nós com um estrondo. A partir daquele momento, seria impossível abri-la. A menos que derrotássemos o chefe, ou se fôssemos todos aniquilados.
O grupo inteiro ficou em silêncio por um bom tempo. Embora estivéssemos alerta ao ambiente à nossa volta, o chefe não apareceu. Nossos nervos estavam no limite enquanto os segundos passavam, um após o outro.
— El…
No momento em que alguém ergueu a voz, incapaz de aguentar o silêncio por mais um segundo…
— Lá em cima! — Asuna gritou ao meu lado. Olhei para cima, surpreso.
Ele estava grudado… No teto da cúpula.
Ele era excepcionalmente grande e comprido.
Uma centopeia…?!
Aquele pensamento cruzou a minha mente assim que o vi. Ele tinha mais ou menos uns dez metros de comprimento. O seu corpo, que era dividido em várias partes, me lembrava mais uma coluna vertebral humana do que um inseto. Pernas afiadas feitas de ossos se projetavam de cada junta. Conforme fui direcionando o olhar para baixo, seu corpo foi engrossando até chegar a uma caveira horrorosa. Não era uma caveira humana. O osso tinha um contorno liso e na parte de baixo havia dois pares de olhos virados de cabeça para baixo, com chamas azuladas queimando dentro deles. A mandíbula saltava para fora e possuía uma fileira de dentes afiados, enquanto dois braços enormes no formato de foices estavam acoplados dos dois lados do crânio.
Quando foquei o olhar nele, o nome do monstro apareceu junto com um cursor amarelo: “The Skullreaper”, o ceifador esqueletal.
Os jogadores mantinham a guarda enquanto observavam, completamente calados, a centopeia rastejar lentamente pelo teto da cúpula, quando, de repente, ela abriu bem as pernas e mergulhou direto em nossa direção.
— Não fiquem parados! Espalhem-se!
A voz afiada de Heathcliff cortou a aura congelada do local. Os jogadores finalmente voltaram a si e começaram a se mover. Todos nos apressamos para sair da rota de ataque.
Mas os três que estavam posicionados diretamente abaixo da centopeia foram um pouco lentos demais. Eles simplesmente ficaram ali, parados, sem ter certeza de que direção deveriam tomar.
— Pra cá! — gritei, desesperado. Os três então começaram a correr…
Mas, naquele momento, a centopeia pousou logo atrás deles e o chão tremeu violentamente. Eles perderam o equilíbrio bem no instante em que ela brandiu o braço direito que era do comprimento de uma pessoa adulta e os acertou em cheio.
Os três foram atingidos nas costas e atirados no ar. Seus HPs diminuíram rapidamente enquanto voavam, direto do amarelo para o vermelho.
— …?!
E então todos chegaram a zero. Seus corpos ainda estavam no ar quando se tornaram fragmentos e desapareceram, os efeitos sonoros de morte sobrepondo uns aos outros.
— …!
Ouvi Asuna prender a respiração ao meu lado. Eu podia sentir o meu corpo enrijecer de choque.
Eles morreram com um só golpe?!
No sistema de SAO, que usava tanto níveis quanto skills, o HP máximo de alguém aumentava de acordo com seu nível, então, quanto maior o nível, mais difícil ser morto, independentemente de suas skills de combate. A party que estava ali era composta apenas de jogadores de alto nível, então mesmo que fosse um chefe, todo mundo deveria ser capaz de aguentar pelo menos um combo curto de ataques. Era o que todos pensavam, mas com um só golpe…
— Isso… É impossível… — Asuna disse uma voz rouca.
A centopeia esqueletal tirara a vida de três pessoas e, em um instante, ergueu a parte superior do corpo e avançou contra os demais jogadores com um rugido.
— Aaahh!
Os jogadores que estavam naquela área gritaram de pânico. A foice de osso foi erguida novamente no ar.
Naquele exato momento, uma figura se lançou logo abaixo da foice. Era Heathcliff. Ele ergueu seu grande escudo e bloqueou o ataque, criando um efeito sonoro ensurdecedor e uma cascata de faíscas.
Mas havia duas foices. Enquanto o braço esquerdo continuava a atacar Heathcliff, ela ergueu o braço direito e mirou o ataque em direção aos jogadores paralisados.
— Droga…!
Eu corri, quase que inconscientemente, em uma velocidade tão alta que estava praticamente voando, e me joguei direto na frente da foice, então cruzei as espadas e bloqueei o ataque.
O choque foi absurdo. Mas a lâmina não parou. Enquanto faíscas voavam à minha volta, ela continuou exercendo pressão contra as minhas espadas e vindo em minha direção.
Não vai dar, é pesada demais…!
Foi aí que uma nova espada apareceu voando, deixando um rastro de luz branca em seu encalço, e atingiu a foice. O som da colisão ecoou pela sala. Quando a pressão contra mim afrouxou por um instante, aproveitei o momento para usar toda a minha força para empurrá-la de volta.
Asuna, que estava logo ao meu lado, olhou para mim e disse:
— Se nós dois atacarmos ao mesmo tempo, conseguiremos bloquear os ataques! Juntos, nós conseguiremos!
— Falou! — assenti. Só de saber que Asuna estava ao meu lado me dava uma força ilimitada.
A foice veio em nossa direção mais uma vez, um ataque horizontal, e nós nos inclinamos para a direita para bloqueá-la. Nossas espadas acertaram-na no momento certo e daquela vez foi ela quem voou para trás.
Eu engrossei a voz e gritei:
— Nós cuidamos das foices! Vocês atacam pelos lados!
Era como se a minha voz tivesse finalmente libertado a todos de alguma espécie de feitiço. Os jogadores gritaram, ergueram suas armas e avançaram contra a centopeia. Alguns golpes fizeram cortes profundos no corpo do inimigo e seu HP finalmente diminuiu um pouco.
Mas, logo em seguida, pude ouvir alguns gritos. Arrisquei-me a dar uma olhada para o lado depois de contra-atacar a foice novamente e vi algumas pessoas serem derrubadas pelo longo osso em forma de lança que ficava na ponta da cauda da centopeia.
— Argh…!
Cerrei os dentes. Deveríamos ajudar, mas tanto Asuna e eu, quanto Heathcliff, que estava dando conta sozinho da foice esquerda, estávamos com as mãos cheias.
— Kirito…!
Ao som da voz de Asuna, eu me virei para olhá-la.
Não! Se nos distrairmos com os outros, seremos mortos!
Tem razão… Lá vem ele!
Bloqueie com um corte vertical!
Nós nos falamos apenas através da troca de olhares e bloqueamos a foice com movimentos perfeitamente sincronizados.
Eu e Asuna nos forçamos a ignorar os gritos que podiam ser ouvidos de tempos em tempos e nos concentramos em bloquear os poderosos golpes do inimigo. Por mais incrível que pareça, não precisávamos falar e nem mesmo olhar um para o outro. Era como se estivéssemos diretamente conectados. O inimigo atacava tão rápido que nem tínhamos tempo para respirar, mas conseguíamos contra-atacá-lo todas as vezes, ativando sempre a mesma skill, no mesmo exato momento.
Naquele instante, enquanto eu lutava no limite pela minha própria vida, senti algo que nunca havia sentido: era como se Asuna e eu tivéssemos nos fundido em uma só pessoa e estivéssemos manejando uma única espada. Nossos HPs estavam diminuindo aos poucos devido ao impacto causado pelos ataques que bloqueávamos, mas não estávamos mais ligando para aquilo.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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