Dark?

Sword Art Online – Aincrad – Vol. 01 – Cap. 15

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— …Mas o que significa isso? — perguntei para Godfrey em voz baixa.

— Hm. Eu soube do incidente que aconteceu entre vocês. Mas agora que são companheiros de guilda, esses desentendimentos têm que virar águas passadas!

Enquanto eu observava Godfrey gargalhar alto, Kuradeel se aproximou lentamente de mim.

— …

Senti meu corpo inteiro tensionar e me preparei para reagir a qualquer situação. Mesmo que estivéssemos em uma área segura, não havia como prever o que ele poderia fazer.

Mas indo contra todas as minhas expectativas, Kuradeel se curvou de repente. Ele então murmurou, em tom quase inaudível, por trás de seu longo cabelo:

— Sinto muito… Pelo que fiz naquele dia…

Daquela vez fiquei genuinamente chocado, meu queixo caiu.

— Me perdoe, por favor… Nunca mais vou agir de maneira tão rude…

Eu não conseguia ver sua expressão escondida atrás do seu cabelo longo e oleoso.

— Ah… Ok…

Dei um jeito de assentir. Mas o que raios acontecera? Ele tinha feito algum tipo de cirurgia de troca de personalidade?

— Pronto, pronto! Resolvido!

Godfrey deu outra gargalhada. Não era só uma suspeita, eu tinha certeza de que havia algo por trás de seu ato, mas Kuradeel tava com a cabeça abaixada, o que impossibilitava que eu lesse sua expressão. Ao contrário das emoções exageradas, SAO tinha dificuldade em mostrar emoções mais sutis. Só me restava aceitar suas desculpas por ora, mas fiz uma nota mental para não baixar minha guarda.

O último membro chegou depois de alguns minutos, e então partimos em direção ao labirinto. Assim que comecei a andar no meu ritmo normal, Godfrey me parou em um tom áspero.

— Esperem… Para que o treino de hoje fique o mais próximo possível das circunstâncias reais, me entreguem seus cristais. Quero ver como vocês lidam com situações de perigo.

— …Até mesmo os de teleporte?

Godfrey apenas assentiu em resposta. Hesitei. Cristais, principalmente os de teleporte, eram o último recurso de segurança naquele jogo mortal. Eu nunca tinha ficado sem eles. Eu estava prestes a recusar, mas causar um problema poderia colocar Asuna em uma fria mais para frente, então apenas decidi segurar a língua.

Ao ver Kuradeel e o outro membro entregarem seus cristais obedientemente, não tive outra escolha a não ser fazer o mesmo.

Godfrey até checou meu inventário cuidadosamente depois.

— Hm, ótimo. Então, vamos!

Ao ouvir a ordem de Godfrey, nós deixamos Granzam e partimos em direção à área do labirinto, que podia ser vista a oeste.

A área de treinamento do 55° andar era um lugar desolado, praticamente desprovido de vegetação. Eu queria acabar esse exercício logo, então sugeri que corrêssemos até o labirinto, mas minha proposta foi rejeitada com um simples aceno de mão de Godfrey.

Era bem provável que ele estivesse focado em aumentar seus atributos de força em vez de os de destreza. Só me restava desistir e continuar caminhando no deserto.

Encontramos alguns monstros pelo caminho, mas naquelas horas eu não tinha paciência para esperar pelas ordens de Godfrey, então simplesmente os cortava com um único golpe.

Por fim, depois de passar por algumas montanhas altas e rochosas, as pedras acinzentadas do labirinto finalmente surgiram à vista.

— Ok! Vamos descansar um pouco!

Depois que Godfrey anunciou aquilo em sua voz rouca, o grupo parou.

— …

Eu queria correr direto para o labirinto, mas imaginei que se mencionasse aquilo, seria instantaneamente rejeitado, então soltei um suspiro e sentei em cima de uma pedra. Já era quase meio-dia.

— Vou distribuir a ração!

Godfrey então conjurou quatro bolsas de couro e as jogou em direção aos membros. Peguei a minha com uma mão só e a abri sem expectativa alguma. Dentro dela, havia uma garrafa d’água e pão duro, vendido por NPCs.

Abri a garrafa e tomei um gole enquanto amaldiçoava a minha má sorte, afinal, era para eu estar comendo o sanduíche caseiro da Asuna a uma hora dessas, se tudo tivesse ido de acordo com os planos.

Então, sem perceber, vi Kuradeel sentado sozinho em uma pedra mais afastada. Ele não havia nem tocado em sua bolsa e lançava olhares sombrios em nossa direção com seus olhos escondidos por trás de seu longo cabelo.

O que diabos ele está olhando…?

Um calafrio atravessou meu corpo. Ele estava esperando por algo. E era… Provavelmente…

Eu imediatamente joguei fora a garrafa e tentei cuspir o líquido da minha boca.

Mas já era tarde demais. De repente perdi toda a força e caí. A barra de HP surgiu no canto do meu campo de visão. Ela estava circundada por uma linha verde que normalmente não aparecia ali.

Não havia dúvidas. Era um veneno de paralisia.

Quando olhei em volta, vi que Godfrey e o outro membro também estavam se contorcendo no chão. No mesmo instante, estendi o antebraço esquerdo, que era a única parte do corpo que conseguia mover por algum motivo, e tentei alcançar a algibeira que estava presa no quadril. Estremeci. Havia entregue todos os meus cristais de antídoto e teleporte para Godfrey. Eu ainda tinha uma poção de cura, mas ela não tinha efeito contra paralisia.

— Hu… hu, hu, hu…

Um riso estridente alcançou meus ouvidos. Ao se sentar na pedra, Kuradeel segurou a barriga e se dobrou de dar risada. Seus olhos mostravam uma euforia febril da qual eu me lembrava muito bem.

— Hu! Hyá! Hyá, há, há, há, há!

Ele gargalhou, voltado para o céu, aparentemente incapaz de se controlar. Godfrey o encarou, embasbacado.

— O que… significa… isso…? Quem preparou a água foi… Kuradeel… seu…

— Godfrey! Rápido! Use um cristal de antídoto!

Depois de ouvir meu grito, Godfrey finalmente começou a fuçar na algibeira que estava no seu quadril.

— Hyá!

Com um grito estranho, Kuradeel pulou da pedra onde estava e chutou a mão esquerda de Godfrey com sua bota. Um cristal verde rolou da mão dele. Kuradeel o pegou do chão, então enfiou a mão na algibeira de Godfrey, pegou todos os cristais restantes e os colocou na própria bolsa.

Não havia mais saída.

— O-o que pretende… Kuradeel? Isso faz… parte do treino…?

— Idiota! — Kuradeel disse, enquanto chutava a boca de Godfrey, que ainda não havia entendido a situação e falava aquelas coisas estúpidas.

— Agh!

O HP de Godfrey diminuiu um pouco, ao mesmo tempo que a barra de Kuradeel foi de amarelo para laranja, a cor do status de criminoso. Mas isso não mudava nada. Não tinha como alguém passar por aquela região, em um andar que já havia sido conquistado.

— Godfrey, eu sempre te achei um idiota, mas nunca pensei que fosse tanto assim. Seu cérebro é feito de músculos, por acaso?

A risada aguda de Kuradeel ecoou pelo deserto.

— Ainda tem muita coisa que quero falar pra você… Mas não vou perder meu tempo com aperitivos…

Kuradeel sacou sua espada de duas mãos enquanto dizia aquilo. Ele a ergueu bem alto no ar e esticou seu corpo magricela. A luz do sol refletiu na lâmina enquanto ele a balançava de um lado para o outro.

— E-espere, Kuradeel! O que… está… fazendo…? I… Isto não é um treino…?

— Cala a boca. E morra logo.

Kuradeel falou como se cuspisse as palavras ao mesmo tempo que desceu a espada sem dó. Um som pesado soou e o HP de Godfrey diminuiu significativamente.

Godfrey finalmente percebeu a gravidade da situação e começou a gritar. Mas já era tarde demais.

Duas, três vezes, a espada veio abaixo com um brilho impiedoso, e o HP de Godfrey diminuía de modo perceptível a cada golpe. Então, quando a barra se tornou vermelha, Kuradeel parou.

No instante em que pensei que ele não seria louco o suficiente para cometer um assassinato, Kuradeel segurou a espada de revés e lentamente a empurrou para dentro de Godfrey. Conforme o HP dele diminuía pouco a pouco, Kuradeel começou a apoiar todo seu peso contra a espada.

— Aaaaaaahhh!

— Hyá, há, há, há, há!

Enquanto os gritos de Godfrey ficavam cada vez mais altos, Kuradeel também começou a gritar junto. A espada foi sendo enterrada no corpo de Godfrey aos poucos, e seu HP se reduzia gradativamente.

Enquanto eu e o outro membro assistíamos em silêncio, a espada de Kuradeel penetrou completamente Godfrey e sua barra de HP chegou a zero. Godfrey provavelmente não entendera o que estava acontecendo mesmo quando seu corpo se desfazia em milhares de fragmentos.

Kuradeel lentamente retirou a espada do chão, então girou o pescoço como um boneco mecânico e olhou para o outro membro.

— Ah! Aaah!

Com aqueles gritos, ele se debateu no chão, na tentativa de escapar. Kuradeel começou a andar em sua direção a passos cambaleantes.

— Não tenho nada contra você… Mas, na minha história, eu sou o único sobrevivente… — ele ergueu a espada enquanto murmurava para si mesmo.

— Aaahhh!

— Entendeu? A nossa party

Ele desceu a espada, ignorando os gritos de terror.

— …Foi atacada por uma cambada de Player Killers.

Outro golpe.

— Três membros morreram enquanto lutavam bravamente.

E outro.

— Mas eu, o único sobrevivente, dei uma bela lição nos bandidos e voltei vivo!

Depois do quarto golpe, o HP do outro membro desapareceu.

Um efeito sonoro, que enviou calafrios pela minha espinha, ressoou, mas Kuradeel parecia ter ouvido a voz de uma deusa. Ele ficou ali, parado, em meio à explosão de fragmentos, com uma expressão feliz no rosto.

Essa não era sua primeira vez…

Eu tinha certeza. Seu cursor podia ter mudado para a cor laranja, que indicava que ele era um criminoso, há poucos instantes, mas havia várias formas de matar pessoas sem causar aquele efeito. Contudo, ter conhecimento daquele fato de nada adiantava.

Finalmente, Kuradeel se virou e olhou em minha direção com uma alegria incontrolável se espalhando pelo seu rosto. Ele veio andando lentamente até mim, sua espada fazendo um barulho insuportável enquanto a arrastava pelo chão.

— E aí?

Ele se agachou perto de mim, ainda estendido no chão, e sussurrou:

— Matei dois caras inocentes por sua causa, moleque.

— Você me parece muito feliz com toda esta situação.

Eu respondi, enquanto procurava desesperadamente por um jeito de escapar. As únicas partes de mim que se mexiam eram a minha boca e meu braço esquerdo. Como a paralisia também impedia o jogador de abrir o menu, isso também o impossibilitava de mandar mensagens. Mesmo sabendo que não me ajudaria muito, eu me forcei a mexer o braço esquerdo, que estava no ponto cego de Kuradeel, enquanto continuei a falar.

— O que levou um maníaco como você a entrar na KoB? Você se daria melhor numa guilda de criminosos.

— Hunf! Não é óbvio? Foi por causa daquela garota.

Ele disse aquilo em uma voz rouca e lambeu os lábios. Quando me toquei que ele estava se referindo a Asuna, meu sangue começou a ferver.

— Seu maldito…!

— Pra que essa cara feia? Isto aqui é só um jogo… Não se preocupe, vou cuidar muito bem da sua querida vice-comandante. Afinal, tenho vários itens úteis.

Kuradeel pegou a garrafa de água envenenada e a chacoalhou para fazer barulho. Então, ele piscou o olho de um jeito estranho e continuou falando:

— Aliás, interessante você dizer que eu me daria melhor numa guilda de PK.

— …E não é verdade?

— Eu tô te elogiando. Você é bem esperto. Hu, hu, hu, hu.

Kuradeel parecia estar pensando em algo enquanto soltava um riso do fundo da garganta, e então, de repente, ele desequipou a manopla do braço esquerdo. Então enrolou a manga da túnica branca que vestia e virou seu antebraço nu para que eu pudesse vê-lo.

— …!

Quando vi o que havia ali, minha respiração parou por um instante. Era uma tatuagem. A imagem era um desenho caricaturado de um caixão em tinta preta. Uma boca e um par de olhos formavam um sorriso amplo na tampa e, da parte de dentro, saía a mão branca de um esqueleto.

— Esse emblema… É da Laughing Coffin…?. — perguntei, rouco. Kuradeel sorriu e assentiu com a cabeça.

Laughing Coffin costumava ser a maior e mais temida guilda de Player Killers que já existiu em Aincrad. Eles eram liderados por um homem frio e dissimulado e já realizaram infinitos experimentos com novos métodos para matar pessoas. No fim, fizeram centenas de vítimas.

Os jogadores tentaram resolver o problema através de negociações, mas todos os mensageiros que foram enviados acabaram sendo imediatamente mortos. Nós não conseguíamos nem entender por que eles matavam tanto, já que diminuíam as chances de zerar o jogo, e por causa disso era impossível ter uma conversa com eles. Um tempo atrás, os jogadores que queriam zerar o jogo se juntaram em um grupo similar ao que seria formado para batalhar contra chefes de andares e destruíram a guilda, após uma série de batalhas longas e sangrentas.

Asuna e eu também estávamos nesse grupo. Mas a informação acabou vazando e os assassinos estavam preparados e à nossa espera. No meu desespero para proteger meus companheiros, acabei matando dois membros da Laughing Coffin por acidente.

— Isso é… Uma vingança? Você é um sobrevivente da LaughCof? — perguntei com a voz embargada. Kuradeel praticamente cuspiu sua resposta:

— Há! Que vingança, que nada! Por que eu faria uma coisa ridícula dessas? Entrei pra LaughCof faz pouco tempo. Bom, em espírito, pelo menos. Aprendi essa técnica de paralisia por lá… Opa, opa.

Ele se levantou em um movimento quase mecânico e ergueu a espada novamente.

— Bom, conversamos por tempo demais. Aliás, é melhor encerrar o papo antes que o efeito passe. Desde o nosso duelo, toda noite eu sonho… Com este momento…

Havia fogo nos seus olhos, que estavam tão arregalados que formavam círculos em seu rosto. Sua língua estava para fora de sua boca, aberta em um grande sorriso, e ele até mesmo estava na ponta dos pés, preparando-se para dar o golpe.

Antes que ele se movesse, joguei uma picareta de arremesso que estava em minha mão esquerda, usando somente o pulso. Apesar de ter mirado no rosto, onde o dano seria maior, a penalidade de precisão causada pela paralisia fez com que a picareta errasse o curso e perfurasse o braço esquerdo de Kuradeel. Seu HP diminuiu apenas um pouco, enquanto eu ficava em uma situação completamente sem saída.

— …Essa doeu…

Kuradeel franziu a testa e curvou os lábios para cima, então apunhalou meu braço direito com a ponta da espada. E então ele girou a espada duas, três vezes.

— …Agh!

Não senti nenhuma dor. Mas uma sensação desagradável, de todos os nervos estimulados de uma só vez, atravessou meu corpo, junto com a forte sensação de paralisia. Toda vez que a espada entrava no meu braço, meu HP diminuía continuamente, aos poucos.

Ainda… O efeito do veneno ainda não passou…?

Eu cerrei os dentes e esperei pelo momento em que meu corpo se libertaria. A duração da paralisia dependia da potência do veneno, mas, na maioria dos casos, o efeito passava depois de uns cinco minutos.

Kuradeel retirou a espada e apunhalou minha perna esquerda. A sensação desagradável de ser paralisado atravessou meu corpo novamente e o sistema calculou o dano sem piedade.

— E aí…? Me conta… Como é a sensação… de estar prestes a morrer..?

Kuradeel estava praticamente sussurrando enquanto olhava intensamente para mim.

— Diz alguma coisa, moleque… Chora, implora pela sua vida…

Meu HP caiu para menos da metade e ficou amarelo. A paralisia ainda não tinha passado. Meu corpo inteiro ficou gelado, como se a possibilidade de morrer estivesse me envolvendo, a começar pelos pés.

Eu já testemunhara a morte de muitos jogadores em SAO. Todos tinham a mesma expressão no rosto enquanto se estilhaçavam em milhares de pedaços e desapareciam. Era sempre a mesma expressão de dúvida, que perguntava: “Eu vou mesmo morrer aqui?”.

Talvez seja porque, no fundo, nenhum de nós queria aceitar a regra absoluta do jogo. Nós simplesmente não queríamos acreditar que perder a vida no jogo significava morrer de verdade.

Todos imaginávamos que voltaríamos ao mundo real assim que nosso HP zerasse e desapareciamos. É claro que só morrendo de fato para descobrir o que acontecia. Se fosse para pensar por esse lado, então a morte seria um jeito de escapar do jogo…

— Ei, diz alguma coisa aí. Você tá realmente pra morrer, tá ouvindo?

Kuradeel retirou a espada da minha perna e dessa vez a enfiou no meu estômago. Meu HP diminuiu ainda mais e entrou na zona vermelha de perigo. Mas era como se nada disso estivesse acontecendo comigo. Enquanto eu era torturado pela espada, minha mente estava querendo escapar por um caminho escuro, onde a luz era incapaz de penetrar. Um manto grosso e pesado estava cobrindo minha consciência.

Então, de repente, um temor intenso tomou meu coração.

Asuna. Vou desaparecer deste mundo e deixá-la para trás. Se isso acontecer, ela vai cair nas mãos de Kuradeel e sofrer o mesmo que eu. Essa possibilidade criou uma dor intolerável em mim, o que me fez voltar à consciência.

— Kaaah!

Abri os olhos, agarrei a espada que estava enfiada no meu estômago e comecei a puxá-la para fora do corpo com todas as minhas forças. Só me restavam uns dez por cento de HP. Kuradeel gritou, surpreso:

— H-Hã? Peraí, você tá com medo de morrer?

— Sim… Eu ainda… não posso morrer!

— Gah! Ah, é?! Gostei de ouvir!

Kuradeel gargalhou como uma ave bizarra e colocou o peso na espada. Eu estava segurando-a desesperadamente com uma mão só. O sistema fez uma série de cálculos complexos baseados na minha força e na de Kuradeel e determinou o resultado.

O resultado final: a espada começou a descer novamente, pouco a pouco. Eu estava completamente envolvido pelo medo e desespero.

Era esse o fim?

Eu vou morrer? E deixar Asuna neste mundo insano?

Conforme a espada foi encostando, um sentimento de desespero brotou em mim, o que fez com que eu resistisse ao ataque.

— Morra! Mooorraaa! — Kuradeel gritou numa voz estridente.

Centímetro por centímetro, o desejo de matar tomou a forma de uma espada cinza escura e começou a afundar. Então, finalmente, a ponta tocou meu corpo e começou a afundar…

Naquele instante, uma rajada de vento soprou.

Era um vento nas cores branca e vermelha.

— Hã…?!

Com aquele grito de surpresa, o assassino e sua espada foram jogados para o alto. Eu olhei, sem palavras, para a silhueta que havia acabado de aparecer diante de mim.

— Deu tempo… Deu tempo, meu Deus, deu tempo…

Sua voz trêmula soava mais bela do que o ruflar das asas de um anjo. Seus lábios tremiam violentamente enquanto ela caía de joelhos e olhava para mim.

— Você está vivo… Você está vivo, não é, Kirito…?

— …É… Estou, sim…

Minha voz soou tão fraca que fiquei surpreso. Asuna assentiu uma vez e tirou um cristal cor de rosa de dentro de sua algibeira, então colocou sua mão esquerda sobre meu peito e gritou: “Cura!”. O cristal se partiu e minha barra de HP ficou cheia em um instante. Depois de confirmar que eu havia me recuperado, Asuna sussurrou para mim:

— Espere só um pouco… Isso já vai acabar…

Asuna então se pôs de pé, sacou a rapieira elegantemente e começou a andar.

Seu alvo, Kuradeel, ainda estava se preparando para levantar do chão. Quando ele viu quem era a pessoa que estava indo em sua direção, seus olhos se arregalaram.

— S-Senhorita Asuna… P-por que está aqui..? V-veja bem, foi um… Acidente… Um mero incidente no treino…

Ele se ergueu como se tivesse molas e tentou inventar uma desculpa com sua voz nervosa, mas não conseguiu terminar de falar, pois a mão de Asuna fez um flash e a ponta de sua espada rasgou a boca dele. Ela não se tornou uma criminosa porque o cursor de seu oponente já estava laranja.

— Aah!

Kuradeel cobriu a boca com a mão, inclinou-se para trás e congelou por um segundo. Então, enquanto ele se ajeitava, seus olhos se encheram de uma fúria que me era familiar.

— Sua vadia… Quem pensa que é…? Hunf, não tem problema. Eu ia dar um jeito em você mesmo…

Mas aquela fala também foi cortada pela metade. Asuna começou a atacar ferozmente assim que ajeitou a espada. Sua rapieira traçou inúmeras linhas de luz enquanto ela rasgava e apunhalava Kuradeel em uma velocidade inacreditável. Nem eu que estava vários níveis acima dela pude distinguir a trajetória de sua lâmina. Apenas assisti, enquanto o anjo brandia sua espada como se ela estivesse dançando.

Era lindo. Asuna pressionava o oponente para trás, sem demonstrar nenhuma expressão no rosto, seus longos cabelos castanhos flutuando no ar enquanto centelhas de raiva envolviam seu corpo todo. Era indescritivelmente lindo.

— Ah! Kuaaah!

Kuradeel já estava em pânico, sua espada balançava de um lado para o outro sem causar nem um arranhão em Asuna. Quando seu HP reduziu significativamente, indo de amarelo para vermelho, ele finalmente jogou a arma para longe e gritou com os dois braços erguidos para o ar.

— J-Já entendi! Já entendi! Me desculpe!

Ele então caiu de joelhos e começou a implorar.

— E-Eu vou sair da guilda! Eu nunca mais vou aparecer na sua frente! Por isso—

Asuna ouviu seus gritos em silêncio.

Ela ergueu a espada e a segurou de revés. Seu braço fino ficou tenso de nervosismo, então subiu mais uns dois centímetros enquanto ela se preparava para apunhalar Kuradeel. Naquele momento, o assassino gritou ainda mais alto.

— Aaah! E-Eu não quero morrer!

A espada parou, como se tivesse atingido uma parede invisível. Seu corpo esguio começou a tremer violentamente.

Eu conseguia sentir claramente o conflito interno de Asuna, seu medo e sua raiva.

Mas até onde eu sabia, ela nunca havia matado ninguém no jogo. Já que matar alguém neste mundo significava que essa pessoa morreria na vida real, cometer PK neste jogo online era o equivalente a cometer um assassinato.

Não, Asuna! Você não pode matá-lo!

Enquanto eu gritava isso para mim mesmo, ao mesmo tempo, pensei o exato oposto.

Não, não hesite. É exatamente isso que ele quer!

Minha previsão tornou-se realidade 0,1 segundos depois.

— Ah, há, há, há!

Kuradeel, que em um instante já não estava mais caído no chão, fez subir a sua espada de duas mãos com um grito.

A rapieira de Asuna soltou um tinido e voou da sua mão direita.

— Ah…?!

Ela soltou um pequeno grito e perdeu o equilíbrio, enquanto um brilho metálico passou por cima de sua cabeça.

— Você é muuuuuito ingênua, vice-comandanteeee!

Com um guincho de loucura, Kuradeel desceu a espada sem hesitação, traçando uma linha de luz vermelho escura.

— Aaaaahhh!

Dessa vez, era eu que havia gritado. Saltei com o pé direito, logo após se recuperar da paralisia, e corri alguns metros, empurrando Asuna para fora do caminho com o braço direito, enquanto bloqueava a espada de Kuradeel com o esquerdo.

Tum.

Com esse som desagradável, meu braço esquerdo foi decepado do cotovelo para baixo. O ícone de perda de membro piscou sob a barra de HP.

Enquanto linhas brilhantes vermelhas, indicando a perda de sangue, fluíam do corte que acabava de ser feito, juntei os dedos da mão direita como uma lâmina e…

…perfurei Kuradeel bem na brecha de sua armadura. Meu braço emitia uma luz amarela enquanto entrava cada vez mais fundo na barriga dele.

E com isso consegui contra-atacar com sucesso usando a técnica de luta corporal de distância zero “Embracer”, eliminando de uma vez os vinte por cento restantes do HP do inimigo. Seu corpo macilento tremeu violentamente ao meu lado, então perdeu toda a força e se envergou.

No momento em que sua grande espada caiu no chão com um clangor, ele sussurrou no meu ouvido:

— Seu… Assassino…

E, com um riso desdenhoso…

O corpo de Kuradeel se estilhaçou em milhares de pedaços de vidro. Tchack! Fui empurrado pela pressão gélida dos polígonos se dissipando e caí para trás.

Por alguns momentos, minha consciência exausta só conseguiu registrar o som do vento soprando no deserto.

Então ouvi o som de passos irregulares no cascalho. Quando virei o olhar, vi uma figura de aparência frágil vindo em minha direção com uma expressão vazia.

Asuna veio até mim a passos vacilantes, a cabeça baixa, então caiu de joelhos em minha frente como uma marionete que teve seus fios cortados. Ela estendeu a mão direita para mim, mas a recolheu repentinamente antes que pudesse me alcançar.

— …Desculpa… Por minha… Por minha causa…

Asuna se forçou a dizer aquilo com uma voz trêmula e uma expressão de dor extrema. Lágrimas rolavam de seus grandes olhos e caíam no chão como joias brilhantes. Eu consegui, de alguma forma, dizer algo bem curto com a minha garganta completamente seca:

— Desculpa… Eu… Vou… Te deixar… Em… Paz…

Forcei meu corpo, que estava finalmente recuperando os sentidos, a se endireitar. Ainda sob a sensação desagradável pelos extensos danos sofridos, eu abracei Asuna com meu braço direito e meu braço esquerdo avariado. Então, cobri seus lindos lábios cor de cereja com os meus.

— …!

Asuna se enrijeceu e tentou me empurrar, mas segurei seu pequeno corpo com todas as minhas forças. Isso com certeza era algo que ia contra o código de conduta. Naquele momento, uma mensagem deve ter aparecido para Asuna; se ela pressionasse “OK”, eu seria imediatamente teleportado para a área prisional do Palácio do Ferro Negro.

No entanto, sem afrouxar a força nos braços, deixei os lábios de Asuna, passando por sua bochecha, enterrando o rosto na curva de seu pescoço, para por fim murmurar:

— Minha vida pertence a você, Asuna. E eu vou usá-la por você. Vou ficar ao seu lado até o fim.

Puxei Asuna para mais perto, usando o braço esquerdo penalizado pelo status de perda de membro por três minutos. Asuna inspirou com dificuldade e sussurrou em resposta:

— Eu também… Eu também vou te proteger. Vou te proteger para sempre. Para sempre…

Ela não conseguiu continuar falando. Com meus braços firmemente abraçados a ela, continuei ouvindo seu pranto sem fim.

O calor dos nossos corpos foi derretendo meu coração gelado aos poucos. 


Tradução: Axios

Revisão: Alice

 

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