Dark?

Sobre Quando Reencarnei Como um Slime – Vol. 02 – Cap. 04 – Engrenagens Desengatadas

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O chefe lizardmen assentiu para o último relatório de guerra.

Fazia quatro dias desde a conferência com Soei. Restavam três dias até os dois exércitos se juntarem formalmente, mas nesse dia, parecia que eles ainda poderiam passar mais uma noite sem grandes perdas.

O ataque dos orcs foi, como o esperado, grave. Os corredores estavam cheios deles, chegando como uma inundação. Por mais labirínticas que as cavernas fossem, isso não importava se ela estivesse totalmente coberta com os inimigos. Eles haviam armado armadilhas em algumas câmaras para diminuir um pouco os seus números, essa era quase toda a ofensiva deles.

Mas nem uma única vida lizardmen tinha sido perdida. Eles tinham concentrado seus esforços na defesa, tentando manter o número de baixas o mais baixo possível, e isso estava dando resultado. Seu conhecimento das cavernas teve um papel fundamental, assim como a crescente moral dos lizardmens. A rede de caminhos das cavernas garantia que suas rotas de fuga e passagens de emergência permanecessem intocadas. As equipes que enfrentavam o impacto do ataque dos orcs se revezavam, garantindo que apenas o mínimo necessário de tropas enfrentasse os inimigos de uma vez.

Os lizardmens tinham que agradecer as habilidades incomuns de liderança do seu chefe pelo sucesso deles até agora. Mas o chefe se recusava a relaxar por causa disso. Ele sabia que as coisas ainda estavam sob controle, principalmente por causa da promessa de novos reforços. Os guerreiros que tinham realmente lutado contra os orcs relataram a quantidade assombrosa de força que seus inimigos exibiam, muito longe de qualquer coisa que um orc deveria ser capaz. Era claramente o resultado das habilidades especiais do Lorde Orc, e se eles tivessem optado por um confronto frontal, os lizardmens teriam sido dizimados.

Eles não tinham perdido ninguém, mas só por causa do foco completo na defesa. As tropas de elite dos lizardmens ainda não tinham visto suas redes defensivas penetradas, mas com o grande número que eles enfrentavam, não podiam abaixar suas guardas nem mesmo por um instante. Eles tinham que impedir seus inimigos de ficarem ainda mais poderosos, não importa como.

Por enquanto, todos entre os lizardmens tinham que admitir que o chefe estava certo. Ele tinha dado ordens estritas, se algum guerreiro fosse ferido, ele deveria ser substituído imediatamente nas linhas de frente. Qualquer um que morresse em batalha seria consumido pelos orcs, e isso só os deixaria mais fortes. Todos entenderam que precisavam ser cuidadosos, minuciosos, e que as linhas de defesa deveriam ser protegidas a todo custo.

E era só por mais três dias. Mais três dias até os reforços chegarem, e eles poderiam preparar um contra-ataque. E então eles poderiam usar as cavernas como vantagem e revidar – ou, pelo menos, dedicar mais homens ao ataque do que à defesa. De pouco a pouco, todos eles acreditavam, a mesa viraria e esse impasse aparentemente interminável chegaria ao fim.

Era um cenário esperançoso para o chefe imaginar, um que o aliviou um pouco.

E foi nesse momento que um assessor lhe disse que Gabil tinha retornado…

Gabil estava fora de si, de raiva.

O que é isso? Ele pensou enquanto corria até o chefe. Os orgulhosos lizardmens, entocados em seus buracos como covardes, se escondendo dos orcs… Bem, sem preocupações agora. Eu voltei. E agora nós podemos lutar com o orgulho de verdadeiros lizardmens.

— Me agrada vê-lo novamente, Gabil. Você foi capaz de ganhar a confiança dos goblins?

— Sim, meu lorde! Eles só numeram aproximadamente sete mil, mas eu tenho os seus apoios, e eles esperam nossas ordens.

— Entendo. Espero que eles sejam úteis para nós.

— Nós estamos indo para a batalha, então? — Gabil perguntou, com um crescente tom de confronto. Ele estava de volta, e não tinha interesse em deixar os porcos tomarem a iniciativa. Ele estava certo de que o chefe – seu pai – estava esperando ansiosamente pelo seu retorno.

Mas a resposta que ele recebeu, não foi nada como ele esperava.

— Mm? Não, não ainda. Enquanto você estava fora, nós recebemos um pedido para formar uma aliança. Suas forças devem chegar daqui a três dias. Eu planejo esperar por eles, assinar formalmente a aliança, e então discutir estratégias nesse momento. Depois disso, nós iremos em uma ofensiva total.

As notícias foram uma completa surpresa para Gabil. Ele não concordou com isso.

O quê? Nosso chefe não estava me esperando, afinal?!

Contando com esses reforços misteriosos de que sabe onde, tudo para derrotar uma horda de porquinhos estúpidos? Era inaceitável para Gabil.

— Meu chefe, se eu tomar a liderança, os porcos serão eliminados em um piscar de olhos. Por favor, me dê as suas ordens para derrubá-los!

— Não. — Ele respondeu friamente. — Nós começaremos daqui a três dias. É melhor você descansar por hoje. Você deve estar exausto.

O chefe estava totalmente desinteressado na ideia. Gabil fervilhava de raiva. Deixá-lo de lado em antecipação desses reforços? Imperdoável.

— Chefe… pai, você precisa se controlar! Eu temo que sua idade avançada esteja fazendo você fugir da realidade!

— O quê?

— O que significa isso, Gabil-Sama? — O líder da guarda do chefe perguntou, enquanto o próprio chefe olhava com desconfiança para o seu filho.

Gabil analisou os dois, seu olhar cheio de pena. Ele se sentia estranhamente calmo agora. Ele tinha sido paciente com seu pai como líder até agora. Ainda havia muitas coisas nele que ele respeitava, mesmo ele tinha que reconhecer suas habilidades de liderança inatas.

Ele certamente não odiava seu pai, o líder de todos os lizardmens. Pelo contrário, foi o desejo de ganhar um elogio de seu chefe que o carregou dia após dia. A recusa a dar algum irritou Gabil. Nesse caso, ele raciocinou, deixe-me ficar acima dele, e fazê-lo me reconhecer. Essa era a melhor maneira de expressar, apesar de o orgulho do Gabil ter dificultado ele aceitar isso, lá no fundo.

Ele assentiu, e então sinalizou para os seus homens.

— Pai, — ele berrou através da câmara —, sua era acabou. A partir de hoje, eu servirei como o novo chefe dos lizardmens!

Com a declaração, um batalhão de goblins invadiu a câmara, com lanças com ponta de pedra apontadas para o chefe e seu guarda. O próprio guarda de elite de Gabil ficou ao seu lado, garantindo que ninguém faria uma resistência indesejada no corredor externo.

— Gabil, qual é o significado disso?! — O chefe cuspiu, mais alto do que o normal. Era uma raridade ouvir isso, o que só fez Gabil se sentir ainda mais superior.

— Pai, eu agradeço por tudo que você tem feito por nós. Agora, eu quero que você deixe o resto comigo, e curta a sua aposentadoria.

Com outra ordem, a equipe de Gabil desarmou o chefe e seu guarda.

— Me responda, Gabil! O que significa tudo isso?!

— Talvez, pai, usar nossos corredores labirínticos para enfrentar os orcs fosse uma boa ideia. Mas isso espalha muito os nossos guerreiros em torno de toda a estrutura. Nós não temos como organizar um contra-ataque útil, e isso nos exaustaria mais cedo ou mais tarde.

— Não seja ridículo… eu disse a você, daqui a três dias, nós retornaremos ao–

— Muito pequeno, muito tarde! Nós somos lizardmens! Nós somos fortes, e essa força é ainda maior na nossa terra natal, os pântanos. São nessas regiões enlameadas e inundadas que nós somos mais ágeis, e nosso inimigo é mais lento. A maior das nossas armas naturais. E que tipo de governante dos pântanos simplesmente se esconderia na escuridão e esperaria seus problemas irem embora?!

Ele pegou a arma do chefe em suas mãos, uma lança que servia como símbolo do líder dos lizardmens. Era uma Vortex Spear, uma arma mágica que só era manejada pelos mais fortes guerreiros da tribo, e para Gabil, ele tinha nascido para segurá-la.

Agora ele podia sentir o poder dentro dela, um claro sinal de que a lança havia aceitado seu novo mestre. Olhando para o chefe e seu guarda, ele levantou sua nova arma no ar para eles verem.

— A lança me aceitou. Lizardmens não precisam de alianças! Permita-me provar isso a você!

— Espere, Gabil! Eu não posso permitir que você faça isso! Pelo menos espere até os reforços chegarem!

— Você pode deixar o resto comigo. — Ele respondeu, ignorando o apelo. — Você pode achar as coisas um pouco desconfortáveis até essa batalha acabar, mas tente aguentar isso para mim.

— Gabil-Sama! Meu irmão! Você ousa nos trair?!

— Nós podemos deixar os problemas familiares para depois, minha irmã? Eu não estou traindo ninguém. Como eu lhes disse, eu mostrarei a vocês o que a nova era será para os lizardmens.

— Isso não faz sentido! — Respondeu a irmã mais nova de Gabil, a líder da guarda do chefe. — Todo mundo sabe que guerreiro talentoso você é. Por que logo agora? O que você realmente quer de nós?

— Você acha que eu estou brincando? Saia da minha frente. Levem-na daqui.

Ele podia ouvir sua irmã gritando enquanto os goblins a levavam para fora da sala. Isso não importava mais para ele. Ele não tinha intenção de matá-la ou algo do tipo, mas ele não queria ninguém em seu caminho. Ele derrotaria o inimigo que o ex-chefe achou impossível de derrotar. Os resultados o transformariam em um novo herói, o evento perfeito para estabilizar sua posição no topo da sociedade lizardmen.

Então, ele pensou enquanto seu coração disparava, meu pai admitirá. Ele admitirá que estava orgulhoso de mim o tempo todo!

Seus homens já estavam lidando com qualquer um que estivesse ao lado do chefe, com os goblins para transmitir a mensagem. Eles não estariam esperando por isso de qualquer maneira, suas atenções muito focadas nos orcs na frente deles. Eles nunca esperariam que seus companheiros lizardmens os atacariam através dos túneis de emergência.

Em pouco tempo, as notícias tinham chegado, toda a oposição tinha sido reprimida. E então, como se estivesse esperando esse exato momento:

 — Como essa cadeira parece para você, então?

— Ah, Laplace-Sama. Obrigado pelo seu trabalho duro. Foi mais fácil do que eu esperava.

— Oh, adorável, adorável! Fico feliz em ser de alguma utilidade.

Era um homem mascarado, a máscara com um sorriso assimétrico que fazia parecer que ele estava zombando de quem ele mostrava. Sua roupa também se destacava, estilo palhaço, com suas cores e seus padrões. Era um visual ridículo, mas Gabil não se incomodou. Esse cara, Laplace, era um empregado de Gelmud, o homem que Gabil amava mais do que qualquer outro.

Ele apareceu pela primeira vez na frente de Gabil enquanto ele estava retornando a sua terra natal com seus goblins recém-adquiridos.

— Eu me chamo Laplace. — Ele começou. — Eu costumava ser vice-presidente dos Palhaços Moderados, um grupo de… paus-para-toda-obra, por assim dizer. Lorde Gelmud me contratou para lhe servir, tudo que você precisar, eu fornecerei.

Esse Laplace fez isso eficientemente, libertando os homens de Gabil da masmorra e fornecendo relatórios regulares sobre o movimento dos lizardmens. Foi Laplace quem removeu o selo da Vortex Spear para ele, garantindo que seu golpe terminasse com sucesso.

O plano original seria Gabil e sua guarda de elite reprimir o chefe e seus homens, enquanto a força principal estivesse lutando nos pântanos, mas com o exército todo nas cavernas, essa ideia fracassou. Isso irritou Gabil imensamente, mas Laplace ofereceu uma rota alternativa. Ele levou os goblins e as próprias tropas de Gabil diretamente até o chefe, sem chamar atenção. Foi mágico o modo como ele conduziu os fugitivos sem um único lizardmen perceber.

Para resumir, Laplace foi o gatilho do golpe.

— Ah, vamos, Gabil, — Laplace riu —, eu realmente não sou ninguém especial, não.

Mas para Gabil ele era, esse homem trabalhava para Gelmud.

— Ah-ha-ha-ha-ha. É muita modéstia sua, Laplace-Sama. — Gabil respondeu. — Afinal, nós somos colegas de trabalho, aos olhos de Lorde Gelmud. Vamos tornar isso em uma relação útil.

— Gabil-Sama, nós temos todos os líderes tribais ao nosso alcance.

Essas eram as notícias que Gabil estava esperando ouvir. Agora, finalmente, todos os ramos do exército estavam sob o seu controle.

— Oops! Me desculpe se eu estiver atrapalhando aqui. É melhor eu ir para o meu próximo trabalho, então…

— Ah, sim. Me desculpe por segurar você aqui, Laplace-Sama. Eu acho que está na hora de chicotear esses orcs e mostrar a minha força para o Lorde Gelmud, de uma vez por todas!

Com uma mesura sarcástica final, Laplace desapareceu da caverna.

— Você foi muito útil para mim, Laplace. Lorde Gelmud tem tantas pessoas talentosas trabalhando para ele… é melhor eu fazer a minha parte do acordo, então.

Gabil se levantou, extremamente confiante. Era hora de atacar. Ele não podia nem imaginar ser derrotado a essa altura, e o conselho de seu pai falhou em alcançar os seus ouvidos. Seus leais seguidores agora estavam aplaudindo cada um de seus movimentos, especialmente os lizardmens mais novos, que formaram sua base de apoio mais apaixonada.

Ele chamou todos os líderes da tribo para a sua câmara, os ordenando a preparar um ataque total. – Para ensinar a esses porcos exatamente o quão ousados e corajosos os lizardmen realmente eram, foi como ele colocou. – A ordem foi recebida com aplausos de toda a tribo, cansada dos dias de guerra de cerco. As ordens de seu ex-chefe de manter o forte e prevenir baixas a todo custo tinha, ironicamente, deixado tudo mais fácil para Gabil consolidar seu próprio poder. Ele estava dando às pessoas o que elas queriam, e isso fez as coisas acabarem desse jeito.

Feliz com a resposta, Gabil se sentou novamente. Seu tempo estava aqui. Ele estava confiante nisso. Derrotar os orcs era só um detalhe, a essa altura.

Como isso pôde acontecer…?

Ondas de desespero acertaram o chefe.

O conselho final de Soei – para cuidar de suas costas – estava se referindo a isso, sem dúvidas. Ele pensou que tinha o povo sob seu controle. Mesmo os mais radicais estavam fielmente seguindo suas ordens, solidificando suas defesas. E então seu próprio filho o traiu.

O desespero tomou conta dele. Essa era uma situação terrível. Se isso continuasse, os lizardmens estariam arruinados antes de amanhã, muito menos em três dias.

Ele olhou para o seu chefe de guarda – seu outro filho, irmã de Gabil. – Ela percebeu o sinal e assentiu.

— Vá! — Ele gritou, e a chefe de guarda imediatamente se soltou de suas algemas e fugiu.

As forças aliadas precisavam ser notificadas o mais rápido possível. Eles poderiam acabar se envolvendo nisso, de outra maneira. Ele tinha que evitar isso.

Seu orgulho como lizardmen, e como líder exigia.

Aquele enviado, o cara chamado Soei, não se importou em esconder sua aura dele. Uma vez que eles estivessem fora de sua fortaleza natural, eles poderiam ser capazes de segui-la para onde quer que ele estivesse agora. Era uma chance baixa, mas era tudo que ele tinha para oferecer à sua chefe de guarda.

Os lizardmens guardando a masmorra tinham tomado medidas para restringi-los, mas – talvez por não gostarem da ideia de abusar de seu ex-líder – eles não fizeram isso com muito fervor. Ela rapidamente se aproveitou disso para escapar.

Agora, o chefe se sentia aliviado. Ele teria que ficar aqui; essa era a sua responsabilidade por agora. Tudo que ele podia fazer era rezar para que sua filha pudesse completar a missão que ele deu a ela.

Apenas sete dias. Foi isso que ele prometeu, e ele tinha falhado. Ele amaldiçoou sua própria inutilidade, em sua cela, e esperou que isso não fizesse seus aliados abandoná-lo. Soei tinha oferecido uma aliança porque, para o seu mestre, os lizardmens tinham algum tipo de valor. Se esse golpe mudasse sua mente, isso condenaria os seus destinos.

Se essa batalha custar as vidas daqueles fiéis à Gabil, então que assim seja. Talvez eles tenham pedido por isso. Eu só espero que nós possamos manter nossas mulheres e crianças seguras…

Eles ainda tinham que assinar formalmente a aliança. O chefe entendia perfeitamente o que ele estava desejando para as estrelas. Mas um desejo ainda o dominava, o desejo de que essa tragédia não condenasse todas as tribos que ele supervisionava. Ele sentia que devia muito a eles, depois de todos esses anos, e ninguém poderia culpá-lo por isso.

O chefe tinha uma boa ideia do que estava prestes a acontecer. Uma vez que Gabil estivesse no controle de todas as tribos, ele ordenaria um ataque imediatamente. Eles não teriam nada restando nos corredores, nem mesmo mecanismos de defesa. Sem soldados frescos para substituir os combatentes cansados na linha de frente, e contra uma força orc que ficava mais forte quanto à medida que a luta prosseguisse, seria apenas uma questão de tempo antes que a sua defesa começasse a vacilar.

As mulheres e crianças de cada tribo seriam evacuadas para uma câmara no fundo do coração do labirinto. E então eles não teriam ninguém para protegê-los.

Como isso foi acontecer?

Lamentar sobre isso agora era inútil.

Eu terei que ser o pilar da nossa defesa final. Eu tenho que… pelo menos… comprar um pouco mais de tempo…

Apenas um pouco mais. Isso era o melhor que ele poderia oferecer agora.

Naquele dia, os pântanos estavam completamente cobertos com orcs. Um observador no céu teria visto eles enxameando nas entradas da caverna como várias formigas.

Mas mesmo isso era uma pequena parte da horda. Muitos ainda estavam na floresta, abrindo caminho pela região pantanosa. E a força principal, marchando para o norte ao longo do rio, ainda estava para chegar. Eles não encontraram resistência, nada os prevenindo de cobrir os pântanos e descer sobre as cavernas como uma avalanche.

Agora, no entanto, havia uma comoção em um pequeno canto da horda, o primeiro conflito entre orcs e lizardmens no pântano. Nessas terras, os lizardmens eram reis. Poderosos em combate, eles eram capazes de movimentos rápidos e ágeis nos pântanos lamacentos e cobertos de vegetação que eles chamavam de lar. Foi assim que a batalha começou, um punhado de lutadores se escondendo nas gramas altas, se esgueirando atrás dos orcs.

Tudo estava indo exatamente como Gabil tinha previsto. Seu pai, seu antigo chefe, e aqueles ainda leais a ele foram trancados em uma larga câmara subterrânea, e agora ele estava de volta à superfície para reorganizar suas tropas recém-unidas, aproveitando ao máximo os caminhos sinuosos de acesso que atravessavam um outro interior. As forças defensivas ainda estavam no lugar, Gabil planejava encerrar a luta antes que eles se exaurissem.

Ele não tinha exatamente os mesmos números de tropas à sua disposição que os orcs, mas a julgar pelas habilidades naturais de cada espécie, ele imaginou que não teria que se preocupar com isso, a menos que eles fossem superados na proporção dez para um ou mais. Então, e daí que eles estivessem jogando uma tonelada de corpos de orcs neles? Isso não mudaria os fundamentos básicos dessa disputa.

Além disso, ele tinha ordenado aos guerreiros para usarem uma aproximação sorrateira, dando um ou dois golpes e saíndo para trás rapidamente, só por precaução. Ficar nas pontas dos pés assim, permitia a eles se reagruparem sempre que precisassem, se preparando para o próximo ataque.

Com o tempo, isso diminuiria os números dos orcs rapidamente, dando-lhes um golpe decisivo. Os orcs lá dentro perderiam contato com as forças no exterior, e com isso, seriam forçados a recuar.

A agilidade natural dos lizardmens nesses pântanos tornava essa estratégia possível. Gabil não era um tolo sem talento. Ele não tinha a habilidade do seu pai de avaliar instantaneamente a situação da guerra com um olhar, mas o modo com o qual ele liderava seus guerreiros homens e mulheres, era digno de ser elogiado. Ele tinha herdado muito talento do seu antigo chefe. Os lizardmens eram naturalmente atraídos pelos fortes, poderosos – meramente falar bem não seria o suficiente. – Os homens de Gabil o amavam, e ele amava provar que era mais do que vaidade e coragem irracional.

Mas isso seria o suficiente?

A linha final de defesa, as forças encarregadas de guardar a maior câmara subterrânea, numeravam mil. Essa sala agora estava cheia de nada mais que mulheres e crianças. As mulheres adultas podiam lutar se precisasse, mas não adiantava confiar nelas. É por isso que mil soldados estavam os defendendo, espalhados nos diversos corredores ligados a essa sala.

Cada linha de defesa planejava voltar ao longo do tempo, se agrupando em torno do lugar do estande final. Cada um deles – sete mil goblins, e cerca de oito mil lizardmens prontos para a batalha – estava sob controle direto de Gabil. O novo chefe acreditava que eles poderiam vencer em um combate direto, sem usar quaisquer vantagens geográficas que o labirinto oferecesse. Assim, apenas uma defesa esquelética havia sobrado no interior, cada um dos soldados restantes enviados para os pântanos.

O ataque inicial foi uma completa surpresa para os orcs, que encontraram seus batalhões separados uns dos outros, e foram pesadamente danificados. Os retardatários que conseguiram fugir dos lizardmens foram posteriormente isolados, sendo pegos pelas gangues de goblins. Para um punhado de soldados recém-formados, eles se saíram muito bem, seguindo as ordens de Gabil à risca. Como eles deveriam. Suas vidas também dependiam disso.

Era difícil prever com antecedência, mas os exércitos sob Gabil estavam demonstrando uma quantidade considerável de sinergia. Por enquanto, estava tudo bem.

Gabil pensou,  não havia necessidade de temer esse rebanho de porcos, no final. A idade do meu pai tinha nublado sua mente. Ele se preocupava demais com essas coisas. Uma vez que ele ver do que eu sou capaz aqui, eu tenho certeza de que ele me reconhecerá como o novo chefe. É melhor limpar o pântano desses porcos o quanto antes…

Gabil queria que isso fosse decisivo. Ele não queria espaço na mente de seu pai para duvidar das habilidades superiores de seu filho. E mesmo agora, os aplausos que ele ouvia à distância pareciam indicar que ele estava no caminho certo.

Olhe para isso! Esses orcs nunca poderiam chegar aos nossos pés, aos pés dos lizardmens!

Ele gostou do que viu quando examinou os pântanos à sua frente. Mas esse seria o fim da sua série de sorte. Ele tinha esperado pilhas de orcs mortos, e que a moral dos inimigos consequentemente desmoronasse. Ele não estava ciente do que fazia do Lorde Orc um inimigo verdadeiramente terrível. Seu pai estava, e agora, essa única diferença estava começando a aparecer.

Splish, crunch, splish, crunch.

Os orcs pareciam estar avançando sobre os corpos de seus parentes, de quatro, tentando se segurar nas terras enlameadas. Somente quando alguém se aproximou é que ficou claro.

Na verdade, era um banquete, um banquete com os mortos, e isso era o suficiente para fazer o cabelo de um observador ficar em pé. Até os guerreiros mais experientes do lado dos lizardmens se sentiram mal ao verem isso.

Uma aura misteriosa começou a girar em torno dos orcs. Um guerreiro, horrorizado com a cena, perdeu o equilíbrio. Os soldados orcs imediatamente agarraram o seu corpo, o arrastando pela lama, arrancando todos os seus membros. A primeira baixa dos lizardmens na batalha, e o ponto de virada da guerra.

A infantaria orc roendo a carne crua estava transferindo as habilidades do lizardmen para o próprio Lorde Orc. Não seria uma duplicata perfeita como as que Rimuru poderia fazer com a sua habilidade Predador, mas tinha uma vantagem: ela poderia dar ao usuário não apenas as habilidades da vítima consumida, mas também suas características físicas inatas. O que quer que o Lorde Orc tenha conseguido ao absorver o corpo, ele poderia passar para o resto do seu exército.

Isso era conhecido como Corrente Faminta, outra habilidade desbloqueada pela habilidade Faminto. Ela permitia aos orcs funcionarem tanto como uma horda como uma única entidade consciente. Faminto não funcionava do jeito que uma matilha de Lobos de Presa, mas os efeitos que ela poderia ter no inimigo poderiam ser igualmente devastadores.

Era exatamente por isso que o chefe lizardmen temia, acima de tudo, perder algum de seus homens em batalha. Fazer isso significava perder todas as vantagens inerentes que a sua espécie tivesse. Mesmo se os orcs não pudessem adquirir completamente as habilidades de seus inimigos, eles ainda poderiam ganhar alguma característica dos lizardmens, e isso seria passado ao resto da horda instantaneamente. Talvez crescessem membranas em torno dos seus pés, os permitindo se mover mais livremente pela lama. Ou talvez escamas aparecessem espontaneamente sobre os pontos mais vulneráveis de seus corpos, aumentando suas defesas. Eram mudanças pequenas, sim, mas elas teriam efeitos dramáticos sobre o resultado da batalha.

— Não os temam! — Gabil gritou. — Mostrem a eles o poder que nós desfrutamos como a orgulhosa raça lizardmen!

Isso foi o suficiente para inspirar seus homens um pouco mais. Eles sabiam que estavam lutando em território familiar, e eles certamente tinham a vantagem da mobilidade. Os orcs ficariam atolados demais para alcançá-los. E mesmo que eles estivessem em menor número, um ataque ágil em seus flancos poderia cortá-los, assim como antes.

Ou assim eles pensaram…

Alcançando os movimentos do exército de passo a passo, o exército orc continuou em formação, seguindo seus inimigos infalivelmente. Agora eles estavam perceptivelmente mais rápidos do que antes.

Huh? Os orcs estão se movendo de uma forma diferente…?

Mas quando Gabil percebeu, já era tarde demais. Com a velocidade recém-descoberta, os orcs se espalharam para a esquerda e para a direita, cercando a força avançada dos lizardmens.

Em ordem perfeita, a força de vinte mil soldados tinha selado completamente a rota de fuga que os homens de Gabil costumavam ter. O novo chefe tinha empurrado seus homens demais para a luta, dando muita confiança para a sua mobilidade e imaginando que eles poderiam fugir facilmente se necessário. Mas agora, a força de Gabil estava jogada contra a força separada de dez mil que tinha atacado os ogros, além de outros trinta mil, a força avançada da horda principal. Metade desse número agora estava atrás dos lizardmens.

Isso preocupou Gabil, mas apenas por um momento. Ele decidiu tentar romper o exército na sua frente. Se as coisas se voltassem contra ele aqui, os lizardmens seriam cercados por todos os lados e aniquilados – para não dizer nada sobre os goblins, que eram muito mais lentos. – E, embora Gabil não visse os goblins como muito mais que meras iscas, ele não era insensível o suficiente para simplesmente abandonar todos eles de uma vez.

— Depois de mim, homens! — Ele gritou quando começou a correr para frente. — Nós vamos romper o cerco dos orcs!

Se esse fosse um exército orc típico, sem estar sob os efeitos de Faminto, a tática desesperada de Gabil poderia ter tido uma chance. Mas agora, isso era apenas uma hipótese. A realidade era muito mais dura.

Em um instante, o poderoso ataque que os lizardmens lançaram aos orcs terminou com um gemido. E nesse momento, o exército lizardmen – e por extensão, o próprio Gabil – se condenou à derrota.

O cerco já estava completo agora, e mais orcs da horda principal estavam entrando. Não havia refúgio do inimigo, em nenhuma direção. Era como se eles fossem um inseto cercado por inúmeras formigas. Por mais que eles tentassem resistir, eles estavam condenados a cair, mais cedo ou mais tarde.

Gabil não era incompetente. Em um instante, ele reconheceu o dilema que seu exército encarava. Mas o porquê de isso ter acontecido, isso estava além de suas capacidades intelectuais. Ele só sabia que eles tinham sido os melhores esmagadores e, de repente, seus ataques passaram a não ter quase nenhum efeito. Isso era impensável para ele.

Ainda assim, ele continuou, tentando de tudo que seu exército fosse capaz de fazer. Ele chamou por suas tropas, tentando reuni-las em posição. Os goblins estavam quase histéricos, e seu pânico estava começando a afetar os lizardmens também. Ele tinha que impedir isso, não importa como, porque uma vez que o pânico tomasse lugar, toda a cadeia de comando desmoronaria. Então viria a derrota, seguida de aniquilação.

Ele considerou um retiro, mas só por um instante. Ele sabia que não havia uma rota de fuga restando. Mesmo se eles pudessem abrir caminho através desse cerco, não havia mais para onde fugir.

Uma vez que ele tinha conseguido o controle de seu pai, ele tinha se certificado de que todas as tropas sob o seu comando tinham saído das cavernas com segurança – mas as cavernas eram muito apertadas para todos eles voltarem. – Seria uma debandada caso ele desse a ordem. As entradas rapidamente seriam sufocadas com corpos de goblins esmagados e mutilados, e eles ficariam esperando a morte pelas mãos dos orcs.

Assumindo que eles não poderiam alcançar as cavernas agora. Sempre havia a floresta para fugir, mas com os orcs subitamente mais rápidos do que antes, toda a floresta oferecia um futuro onde eles seriam perseguidos e capturados.

Portanto, sem recuar. Gabil podia entender isso. E agora, finalmente, ele entendia por que seu pai tinha tomado medidas tão conservadoras. Ele sabia o quão estúpido tinha sido.

Mas era tarde demais para se arrepender. O que ele poderia fazer agora? Não muito. Nada, na verdade, além de juntar suas forças e fazer o que ele pudesse para acalmar as suas ansiedades.

— Gah-ha-ha-ha! — Ele gritou alegremente. — Não comecem a entrar em pânico comigo, garotos! Eu estou bem aqui, com todos vocês! Nós nunca poderíamos perder para esses porcos.

Agora, até ele estava tendo problemas para acreditar nisso, mas ele tinha que falar mesmo assim. Suas tropas precisavam de inspiração, mesmo se seus destinos estivessem os alcançando rapidamente.

Haah…

O chefe também estava arrependido, arrependido de não ter convencido Gabil de que o Lorde Orc era uma real ameaça, e não algum bicho-papão de contos de fadas. Agora ele percebeu que seu filho precisava das coisas explicadas em termos mais concretos, viscerais. Ele não deu importância o suficiente para isso, e agora ele se odiava por isso.

Isso é tudo minha culpa, ele pensou. Se ele tivesse uma ideia mais precisa do que o Lorde Orc poderia fazer, talvez Gabil teria sido um pouco mais cuidadoso. Mas isso não importava mais. O chefe suspirou enquanto extinguia o pensamento de sua mente.

Ele ainda tinha coisas para fazer. Seus irmãos ainda estavam naquela grande câmara subterrânea, ansiosos.

Naquela câmara, haviam quatro rotas largas para os pântanos, com uma rota de fuga atrás delas. Essa rota estava conectada diretamente ao topo de uma colina próxima ao pé das montanhas. Seria um longo caminho até a floresta, mas estava a salvo dos pântanos, e o corredor era um tiro certeiro, garantindo que as mulheres e crianças pudessem evacuar por ele sem se perderem.

O que significava que os quatro caminhos na frente da câmara eram a maior preocupação agora. As forças que estavam atacando os orcs no interior tinham lenta, mas seguramente, recuado através de todos eles. A linha de defesa final implantada em cada uma delas numerava cerca de mil e quinhentos a essa altura; nem todos os pelotões já tinham conseguido entrar completamente.

Os números dos orcs eram altos. Com tantos, eles descobririam essa localização em breve. Antes que eles o fizessem, o chefe queria pelo menos toda a força lá atrás, se ele pudesse.

Ele lançou um olhar para a rota de fuga. Essa era uma câmara larga, mas agora estava lotada com tantos lizardmens que o espaço parecia apertado. Se os orcs invadissem aqui sem aviso prévio, ele duvidava que eles poderiam escapar a tempo. Era melhor eles começarem a evacuar agora, enquanto as coisas ainda estavam sob controle. Bastaria uma única faísca, um momento de pânico, para levar essa sala ao caos.

Mas e se todos eles entrassem na floresta? Os orcs não simplesmente os encontrariam e os massacrariam por lá? Parecia plausível. E mesmo sem os orcs, a floresta apresentava um futuro incerto para todos.

Por enquanto, eles precisavam de mais tempo. Tempo para esperar por reforços, apesar de o chefe não ter ideia se eles estavam vindo ou não.

Mas o chefe não conseguiu aproveitar o sonho por muito tempo. Os sons de batalha começaram a ecoar pelo corredor, acompanhados pelo cheiro de sangue misturado com suor de metal.

Eles estão aqui…

A ansiedade invadiu a câmara. O chefe entrou em ação, trazendo as mulheres e as crianças para a parte de trás da câmara e posicionando aqueles que pudessem lutar na frente, apenas no caso dos orcs terem quebrado o bloqueio. Os guerreiros formaram um arco na frente deles, preparando suas lanças mais cedo do que eles esperavam.

Todos os quatro corredores à frente deveriam ter sido completamente bloqueados. Os lizardmens foram instruídos a atacar os orcs à medida que eles aparecessem, sem piedade, independentemente do quão fracos eles fossem. Os corredores eram estreitos o suficiente para apenas alguns orcs poderssem passar de uma vez, uma vantagem bem-vinda. Em uma luta de um contra um, um lizardmen poderia trabalhar mais rápido que um soldado orc, e essa formação, o chefe pensou, ofereceria a eles pelo menos algumas vantagens.

As coisas aconteceram como o chefe pensou que aconteceriam, no primeiro momento. Os orcs eram mais fortes do que o normal, isso era verdade, mas os lizardmens estavam cuidando deles bem o suficiente.

As forças designadas para cada um dos corredores se dedicaram a afastar as hordas. Eles se revezaram nas vanguardas, garantindo que fossem cuidadosos com o seu trabalho, mas nem mesmo eles poderiam durar para sempre. Seus cadáveres se amontoaram perto das saídas, mas os orcs simplesmente os consumiram e continuaram se empurrando para frente. Era uma visão tão horrível que mesmo os mais insensíveis dos lizardmens não poderiam negar que o medo começava a aparecer em seus corações.

E então, o momento decisivo chegou. Uma aura amarelada cobriu os orcs.

O quê…? O chefe pensou, como se um pesadelo ainda maior tivesse atacado ele. Os orcs costumavam ser de um nível abaixo dos lizardmens em força. Agora, era o contrário. A diferença não era dramática, mas era mais do que o suficiente para destruir o equilíbrio de antes. Rapidamente e eficientemente, isso removeu qualquer vantagem que os lizardmens possuíssem até agora.

Observando a batalha, o chefe percebeu que ele seria sortudo se aguentasse o dia assim. Os reforços viriam daqui a três dias, se eles viessem. Era insustentável, e eles já estavam perdendo bons lizardmens nas linhas de defesa.

Eles tinham que tirar as mulheres e crianças de lá. Eles estavam esperando por sua destruição lá.

— Escutem-me! Eu tenho que lhes pedir um favor. É sombrio, mas precisa ser realizado, ou a história do nosso povo acaba agora, nesse mesmo dia. Nós devemos sobreviver. E eu fornecerei a vocês o tempo necessário para isso!

Fugir era inútil. Isso apenas estenderia a miséria que todos eles experimentariam antes de suas mortes definitivas. Ele sabia disso… mas ainda havia um sonho final com o qual ele poderia contar.

— Vocês devem sair daqui agora, e depositar sua confiança no monstro conhecido como Rimuru! Agora, vão! Vão, todos vocês!

— Heh-heh-heh-heh! O caminho está bloqueado, meu amigo!

Um grupo de orcs saiu da rota de fuga, esmagando a última esperança do chefe. Eles eram cavaleiros orcs, vestidos em armaduras de placa completas, e quando eles entraram na luz, gritos começaram a sair de um dos quatro outros corredores.

Aparentemente por trás dos gritos de dor estava um orc de aparência hedionda, seu corpo coberto por uma armadura negra que estava manchada de sangue da cabeça aos pés. Esse orc mais incomum tinha um olhar bizarro, as chamas da insanidade queimando em seus olhos.

Esse é… o Lorde Orc?

O chefe ficou surpreso ao ver a figura, muito maior do que os cavaleiros orcs. Mas pelo contrário, a verdade era ainda pior.

— Vocês todos servirão como uma oferta ao nosso poderoso Lorde Orc. — O orc de preto entoou. — Nós não deixaremos nenhum de vocês escapar.

Agora o chefe sabia quem ele era. Ele nem mesmo era o Orc Lorde, apenas mais um de seus servos – e ainda assim, exalava tanto poder. – Ele era um general orc, e agora que ele estava aqui, com uma alabarda pesada em sua mão. A mera visão dele lembrava um inferno sem limites de desespero.

É isso, o chefe pensou, seu coração esmagado. Mas eu não vou… eu não vou desistir tão facilmente…!

— Ha-ha-ha-ha! Você será um adversário digno para mim, general orc.. Eu ficarei feliz em aceitar o desafio!

O chefe sabia que esse era o fim da linha para ele, calmamente preparando sua lança enquanto se aproximava do general. Ele seria o último chefe dos lizardmens, aquele que os levou para seus destinos finais, e ele pretendia fazer isso com orgulho…

A chefe da guarda dos lizardmens correu pela floresta, as ordens ainda frescas em sua mente. No entanto, seu destino exato não estava claro. Por mais que ela aperfeiçoasse os seus sentidos, procurando por um traço da aura que pertencia ao enviado conhecido como Soei, ela não conseguia encontrar nada. Então ao invés disso ela correu, confiando em seus instintos.

Lizardmens eram criaturas ágeis nos pântanos, mas não tanto em terra seca. Sua respiração estava irregular, seu coração parecia que iria explodir, e ela podia se sentir mais cansada a cada segundo. Mas ela nunca parou de correr. Ela tinha um dever mínimo com o monstro que ofereceu uma aliança a eles, e ela pretendia cumpri-lo.

Fazia cerca de três horas desde que ela começou a correr. Tinha sido uma corrida constante desde que ela escapou de seus laços, e enquanto sua mente ainda estava forte, um único momento de distração e ela provavelmente cairia no chão.

Ela sabia a verdade bem o suficiente. Não havia garantia de que o monstro, Soei, estivesse em algum lugar na frente daqui. E mesmo que ele estivesse, não tinha garantia de que ele levantaria um dedo para ajudar. Esse pensamento estava começando a lhe ocorrer,  talvez ela devesse apenas continuar correndo? Permanentemente? Para longe de casa?

Não! Como eu poderia trair o meu povo? O meu próprio pai?

Ela tentou banir esse pensamento, focando em outros assuntos.

Para ela, o golpe projetado pelo seu irmão Gabil era algo que ela deveria ter parado. Ela sabia, acima de tudo, que seu irmão queria a aprovação de seu pai. Mas ela nunca conseguiu dizer isso ao chefe. Ela respeitava Gabil demais – como seu irmão, e como um guerreiro lizardmen – e ela pensou que ele se tornaria um chefe esplêndido sem ela se meter em seus assuntos.

E agora olhe o que isso lhes custou.

Talvez esse fosse apenas o resultado de centenas de casualidades coincidindo de uma vez, derrubando tudo. Mas ela não pôde deixar de pensar nisso. Se ela apenas tivesse conversado com ele um pouco mais, como sua irmã, talvez eles pudessem ter evitado tudo isso. E se esse fosse o caso, ela tinha a responsabilidade de suportar.

Não, ela não podia abandonar a sua terra natal. Se ela parasse de correr agora, ela nunca mais correria novamente. Então ela continuou.

Alguém estava assistindo-a. Alguém que ela, correndo com toda a sua força, não poderia ter percebido. Ele estava pulando agilmente de galho em galho, seguindo cada um de seus movimentos sem fazer nenhum barulho.

Agora ele sorriu para si mesmo, com um pouco de saliva caindo de um canto de seus lábios. Ele estava esperando o momento. O instante em que a exaustão tomasse conta dela, e ela não pudesse mais se mover…

E quando isso aconteceu, ele desceu silenciosamente na frente da chefe da guarda.

Seus braços eram longos, como os de um gorila, suas pernas como as de um animal carnívoro. Sua cabeça e seu torso, porém, o identificavam como um membro da terrível raça orc.

— Geh-heh-heh… você parece cansada. Seus músculos devem estar tão bem tonificados, tão gostosos…

A dor encheu os olhos da chefe da guarda quando ela olhou para o monstro. Ele era um orc de alto nível, sem dúvidas sobre isso. E ele tinha mais com ele, algumas dezenas atrás das suas costas. Sobrevivência não estava no destino dela.

— Você…

— Geh-heh… Bah-ha-ha-haaaaa! Eu sou um dos generais do exército orc. Considere uma honra morar no meu estômago!

— Um… um general orc?!

A chefe da guarda preparou a lança em suas costas. Mas estava claro para todos os envolvidos como seria essa luta. Ela já estava desacelerada pelo cansaço, totalmente desprovida da força necessária para derrotar o orc general e seus homens.

Ela sabia que isso era impossível. Mas ela já estava pronta para lutar, de qualquer maneira. Seu orgulho ditou isso.

— Oooooh yeah! Agora isso está ficando bom!

O homem misterioso fez uma pequena dança de onde ele estava, sua alegre voz crescendo. Sua máscara e roupas de aparência estranha não eram como nenhuma outra coisa nesse planeta.

Laplace, o homem que tinha trocado umas poucas palavras com Gabil mais cedo, estava brincando com bolas de cristal, como se estivesse aprendendo a fazer malabarismo. Cada uma tinha mais ou menos o tamanho da cabeça de uma pessoa, e imagens eram visíveis dentro de todas elas. Um observador atento seria capaz de ver que cada uma representava uma cena de um campo de batalha.

Todas as três eram itens mágicos valiosos por natureza, capazes de ver através dos olhos de qualquer pessoa e projetar seu campo de visão no cristal. Apenas uma pessoa podia ser seguida com cada bola, e essa pessoa tinha que tocar o orbe fisicamente para fazer a conexão funcionar, então Laplace só podia rastrear três de uma vez. Mas isso era mais do que o suficiente para as suas necessidades.

Ele tinha conectado os cristais com três dos generais orcs que ele achou fácil de controlar, e agora ele estava os usando para dar uma olhada na batalha atual. Não era algo que ele sentia prazer em fazer. Era o seu trabalho, parte dos deveres que seu cliente impunha a ele. Mas Laplace ainda estava aproveitando ao máximo, aparentemente se divertindo ao observar cada esfera em sucessão.

A guerra estava se desenrolando do jeito que ele queria, assim como ele tinha sido convocado para fazer acontecer.

— Que bom! Isso deve agradar o chefe. — Ele disse para ninguém em particular.

Mas alguma coisa estava diferente dessa vez. Ele realmente obteve uma resposta.

— Você parece estar se divertindo.

— O quê…?!

Uma mulher apareceu diante do confuso Laplace, uma beleza fugaz em sua forma. Seus cabelos verdes estavam tão emaranhados como uma parede de heras, cobrindo frouxamente seu corpo inteiro, e sua translucidez deixava visíveis os contornos de seu corpo.

— Eu sou Treyni, uma das dríades guardiãs da floresta, e eu não tenho intenção de deixar as tribos de monstros fazerem o que elas quiserem. Além disso, eu temo que devo punir você.

No momento em que ela completou a sua declaração, ela começou a lançar um feitiço. Isso deixou Laplace nervoso..

— Whoa! E-espere um segundo! Eu não sou de nenhuma tribo de monstros não!

— Silêncio. A agitação que você tem causado na floresta já deixou seu crime claro.

— Espera! Espera-espera-espera! O que é esse feitiço…?!

— Venha até mim, invocação espiritual Sylphide. E com você, eu invoco a habilidade extra Unificar!!

A dríade construiu uma concha de magículas sobre o seu próprio corpo espiritual. Era similar à Replicação de Rimuru, apesar de ela, estritamente falando, não ter nenhuma forma física, exceto a árvore sagrada que abrigava a sua alma. Essas propriedades a permitiam unificar seu espírito com o espírito de outros como ela.

“Unificada” com o espírito de alto nível Sylphide, Treyni agora tinha a capacidade de utilizar todos os poderes desse espírito. E o que ela desencadeou a seguir foi uma das magias mais poderosas de Sylphide.

— Seu julgamento está aqui. Que você ore pelo seu perdão definitivo. Lâmina Aérea!!

A unificação espiritual significava que Treyni não precisava mais esperar longos períodos para lançar. Em um instante, Laplace estava trancado dentro de uma fenda no próprio ar, uma ocupada por grandes lâminas de ar que rasgavam tudo que elas atravessavam. Uma vez aprisionado, não havia como escapar.

Era um movimento assustador, e Laplace resistiu bem. Suas próprias habilidades Anti-magia intrínsecas o deixaram escapar de ferimentos mortais. Tudo que isso conseguiu tirar dele foi um único braço, e com uma nuvem de fumaça, o braço entrou no chamado Modo furtividade. Essa era uma habilidade original, exclusiva de Laplace, que combinava magia ilusória como Enganar, Infiltrar, e Ocultar, e ele foi tão hábil em lançá-la que confundiu até mesmo os sentidos espirituais de uma dríade.

— Caramba. Muito propensa a violência, lady? Você podia me deixar pelo menos falar uma palavra de forma justa… bem, meu trabalho aqui acabou, de qualquer maneira, então eu acho que vou me dar bem enquanto as coisas estiverem boas. Te vejo por aí!

Ele aparentemente tinha estabelecido várias rotas de fuga em potencial para si mesmo com antecedência. Quando a poeira baixou, Laplace tinha ido embora.

— … Eu não posso acreditar que ele escapou do meu alcance. — Treyni sussurrou. — Mas… não é de uma tribo de monstros? Então quem são essas pessoas…?

Ninguém estava lá para responder. Treyni arquivou a pergunta para mais tarde, voltando seus olhos para o campo de batalha. Executando sua mente através das raízes das plantas que a cercavam, ela usou suas habilidades de dríade para nadar em um oceano de informações.

— As coisas não parecem estar indo bem… eu me pergunto o quanto eu realmente deveria confiar nele.

O sussurro desapareceu no vento, assim como o anterior.

Traços de preocupação começaram a se manifestar pelo seu rosto.

Ela deveria ser aquela cuidando do Lorde Orc. Mas ela podia sentir que tinha alguém manipulando por trás dele. Até que ela pudesse descobrir quem era, não faria nenhum movimento precipitado. E, embora não fosse provável, se o Lorde Orc conseguisse absorvê-la também, isso poderia significar a criação de um novo Lorde Demônio e tornar impossível suas irmãs lidarem com ele. Isso a impedia de fazer muito em público.

Isso também a impediu de pegar muito pesado com o Nascido da magia Laplace, dando a ele uma chance de escapar. Isso a machucou. Os lizardmens estavam sendo consumidos pelos orcs lá fora, e ela não podia fazer nada.

Mas Treyni ainda estava focada em seu próprio papel como guardiã da floresta, e no que isso significava para ela.

Gabil continuou se debatendo em sua batalha desesperada. As coisas estavam ficando cada vez mais unilaterais.

Os orcs pareciam não conhecer o cansaço, atacando-os sem pausa. As forças federadas goblin-lizardmen, incapazes de escapar de seu cerco, se encontraram sendo pegos um por um. E mesmo se Gabil tentasse romper, quantos de seus homens – feridos e em estado de total exaustão – o seguiriam?

Parecia claro que agora era a hora de abandonar os lentos goblins permanentemente. Não havia espaço para recuar, mas a essa altura, Gabil tinha que pensar em garantir o maior número possível de sobreviventes. A guerra, no geral, acabava uma vez que ficasse claro quem era o vencedor, mas esses orcs pareciam ter a intenção de limpar completamente Gabil e sua força desse plano de realidade. Não haviam termos oferecidos; apenas assassinato, e então o banquete.

Os orcs os viam como nada mais que presas, e isso desencadeou um tipo primordial de medo. A formação começou a desmoronar, os mais fracos mentalmente sucumbindo ao terror como sapos sendo observados por uma serpente. Os goblins já eram uma causa perdida, correndo por aí como loucos à procura de algum consolo, e os orcs não estavam ligando para isso. Eles os perseguiam, matavam e comiam. Nem mesmo três mil serviam mais como força de combate, e para os lizardmens, com um bom quinto deles caídos, as notícias não eram menos sombrias.

Já estava se tornando difícil liderá-los como um exército coeso. Mas Gabil continuou pressionando suas equipes para frente, cutucando as linhas de orcs por qualquer possível rota de fuga. Suas táticas estavam impecáveis, suas habilidades sendo utilizadas ao máximo.

Então um grupo daqueles orcs em armaduras negras começou a se mover. Uma equipe bem ordenada, diferentemente da ralé comum, e cada um protegido da cabeça aos pés por metal. Eles deviam ser tão fisicamente fortes quanto qualquer outro orc, mas eram um exército treinado, e seus equipamentos eram muito mais atualizados.

O orc os liderando possuía uma aura que oprimia todas as outras, provando o quão mais forte ele era em comparação ao resto. Um general orc, tão poderoso quanto um esquadrão tático inteiro sozinho. E ele – apenas um de cinco ao longo da horda – tinha dois mil cavaleiros orcs robustos o seguindo. Seu rank era A-, e ele respondia diretamente ao próprio Lorde Orc, o oficial mais confiável do líder.

Acabou…

Aos olhos de Gabil, a demonstração de poder foi decisiva.

Não há escapatória, também. É melhor me preparar para morrer em batalha, então…

Se ele quisesse alguma coisa agora, seria morrer como um guerreiro, no mínimo.

— Gah-ha-ha-ha-ha! Então esse é o líder desses porcos covardes! Você tem a coragem de duelar contra mim?!

Ele nunca poderia vencer. A cota de malha de Gabil já estava em pedaços, o cansaço crescendo em seu corpo. A armadura do seu inimigo era uma obra de arte, encantada com proteção mágica, e a aura que ele exalava mostrava a sua força.

Se ele aceitasse esse convite, pelo menos Gabil teria um final glorioso no campo de batalha. Talvez ele pudesse levar um general com ele, se tudo corresse bem o suficiente.

— Guh-huh-huh… Muito bem. Deixe-me fazê-lo.

Derrubar o líder inimigo, esmagar o último apoio verdadeiro que os seus guerreiros lizardmens tinham, tornaria o massacre muito mais fácil de ser realizado. Era assim que o general orc pensava, e Gabil sabia disso bem o suficiente. Ele também sabia que lutar mais do que isso somente prolongaria a agonia. Qualquer pensamento dos reforços com os quais o chefe aparentemente contava tinha sumido de sua mente.

Ele já tinha escolhido esse pedaço de terra como o último em que ele pisaria.

— Eu lhe agradeço.

Então tudo foi solene quando eles começaram o duelo.

Segurando sua mágica Vortex Spear, Gabil analisou seu inimigo, procurando algum ponto fraco.

— Venha! — O  general orc uivou.

— Conduza isso! Vortex Torrent!

Com toda a sua força restante, Gabil lançou o ataque mais poderoso que ele podia, um movimento assassino, combinando suas habilidades latentes de lança com a magia que a sua arma atual fornecia.

Mas…

— Chaos Eater!!

O general orc girou sua própria lança na direção oposta, cancelando a força do vórtice de Gabil. Começou a girar cada vez mais rápido, liberando sua própria aura, que assumiu um tom doentio de amarelo antes de descer sobre o lizardman.

Ele está tentando me comer?!

Ele rolou no chão, confiando no seu instinto, mas a aura continuou a se aproximar.

— Geh-heh-heh! Apenas outro réptil. — O general riu. — O seu tipo merece deslizar pelo chão!

Gabil se recusou a desistir. Pelo menos um ataque; isso era tudo que ele queria. Ele pegou um pouco de terra, a jogou no general Orc – por mais infantil que isso parecesse, ele tinha que dar pelo menos um golpe claro. – O ataque desapareceu futilmente dentro da aura amarela, mostrando exatamente o quão ultrapassado ele era.

Gabil estava muito ocupado se esquivando da aura para se concentrar em outros ataques.

O general Orc jogou sua lança nele, com um sorriso retorcido em seu rosto…

— Whoa! É melhor não se distrair, aqui!

Uma voz familiar alcançou os ouvidos de Gabil. Ao mesmo tempo, ele se sentiu sendo jogado para trás, mal desviando do punho da lança do general orc.

O-o que aconteceu?! O confuso Gabil pensou. E então veio um rugido que ensurdeceu o campo de batalha, como se os céus tivessem caído sobre ele. Gabil pensou que era outro truque dos orcs inicialmente, mas percebeu que não era. Mesmo os orcs, com sua vantagem insuperável, estavam visivelmente em pânico.

As marés estavam mudando novamente, e violentamente.

 


 

Tradução: TDDSK

 

Revisão: ZhX

 


 

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