Era a tarde seguinte, o dia depois do incidente que deixou o Castelo Demoníaco de cabeça para baixo.
Chiho checou a cena ao redor dos apartamentos do Vila Rosa Sasazuka por um momento antes de bater fraquinho na porta do Apartamento 201.
Ela ouviu alguém se debatendo do lado de dentro enquanto se aproximava lentamente da porta.
— Ashiya?
Quando falou, a porta foi destrancada e aberta, revelando o rosto esquelético de Ashiya, com olheiras enormes logo abaixo dos olhos.
— Olá… Senhorita Sasaki…
O cansaço estava bem à mostra em seu rosto, agora completamente desprovido da sua atitude altiva de sempre.
— Ela está bem?
— Acabou de adormecer, finalmente. Entre.
— Tudo bem, obrigada.
Eles tomaram o cuidado de manter a voz baixa enquanto Ashiya fechava a porta.
Depois de retirar os calçados, Chiho entrou, então agachou-se para gentilmente colocar a sacola plástica que tinha em mãos no chão.
O som do plástico parecia uma trombeta no silêncio. Ashiya inclinou-se para o outro lado, justo quando uma moto roncou na rua lá fora.
Ele e Chiho seguraram a respiração por um momento quando se viraram para Alas Ramus, que dormia debaixo da sombra provida pelas persianas de bambu. Ela permanecia imóvel, em um sono profundo.
Os dois soltaram suspiros de alívio antes de o rosto de ambos ficar sério uma vez mais.
— Aqui… Eu trouxe quase tudo em que consegui pensar.
Chiho pegou as compras de dentro da sacola, novamente tomando todo o cuidado possível para não fazer barulho.
— Leite em pó… iogurte diet… e algumas papinhas de micro-ondas para bebês para testar. O que fizeram para o jantar da noite passada?
— Crestia… ontem nos deu udon. Esmagamos tudo e cozinhamos com ovo e um pouco de peixe triturado. Ficou macio o suficiente para ela comer. Ela não teve problema em mastigar, e também conseguiu beber água, por isso acho que é seguro alimentá-la com comida humana.
Chiho assentiu de leve enquanto continuava a esvaziar a sacola.
— Aqui tem alguns lencinhos umedecidos para limpar os acidentes. E essa é uma escova de dentes infantil. Não use pasta de dente, pelo menos não até ela ser capaz de cuspir sozinha. Também peguei uma garrafa de água mineral.
— Escova de dentes… Ah, sim, não escovamos os dentes dela na noite passada. Por que uma garrafa de água tão pequena? Qual a diferença dessa para uma normal?
— É uma fórmula especial de reidratação para bebês.
As pálpebras pesadas de Ashiya piscaram diante do termo desconhecido.
— Está bem quente agora, não é? Se ela ficar desidratada, você pode fazer com que beba isso aqui para que mantenha os níveis de sódio e açúcar no sangue. É tipo uma bebida esportiva para crianças.
— Qual a diferença para a versão adulta?
— É feita para que crianças possam digerir com facilidade. Dá para fazer com água da torneira, também, mas vocês não têm filtro d’água instalado, né?
Os olhos de Chiho se viraram para a pia do Castelo Demoníaco, sua torneira de metal simples, sem nenhum aparelho de filtro preso a ela.
— A água da torneira de Tóquio é para estar muito melhor do que era antigamente, mas não adianta muito se os canos da sua casa são velhos e enferrujados. Ela começou como uma maçã e tal… então acho que vai precisar ter a água mais potável possível, né? Isso aqui vai servir para as emergências, mas não podemos deixar que beba apenas isso.
— Entendo…
Ashiya assentiu, admirado.
— Quando você der algo para ela beber, coloque nisso.
O próximo item que retirou da sacola foi um copo de plástico com um canudo saindo pelo centro da tampa.
— Há uma válvula do lado de dentro do canudo que não deixa a bebida derramar se você o derrubar. Já que ela consegue falar aquele tanto, é provável que não tenha nenhum problema com isso… Porém, vocês têm canudos em Ente Isla?
— Sim… eu acho. Era algo dos humanos, por isso eu não ligava muito. Emilia e Crestia devem saber…
— Bem, se Alas Ramus não souber usar um canudo, tente isso aqui.
Continuando, Chiho pegou uma caixa de bebida chamada CHÁ DE CEVADA PARA CRIANÇAS.
— Tem alguma diferença quando é para crianças ou para adultos?
— Ah, das grandes. Se for moído quente ou frio, o chá de cevada vendido nas lojas pode ser muito mais amargo se não for feito direito. Além disso, e mais importante, essa caixa de bebida vem com um canudo, então ela pode usá-la para praticar, caso seja preciso.
— Praticar?
— Sim. Você só tem que apertar a caixa no meio para que um pouco seja empurrado para cima. Desta forma, o bebê vai perceber que sugar o canudo fará a bebida sair. Então ela vai ficar curiosa e descobrirá por conta própria.
— …
Naquele momento, o olhar no rosto de Ashiya era de admiração enquanto observava Chiho.
— E, por fim, as fraldas!
Chiho apontou para uma pilha de fraldas de formas e tamanhos diferentes.
Havia as do tipo pull up para crianças mais velhas, do tipo tradicional com fita e um conjunto complicado de outras marcas, cada uma parecendo exibir seu próprio estilo e lista de materiais.
— Você pode experimentar essas, uma por vez, e ver qual vai funcionar melhor para ela.
Ashiya, ao pegar a pilha de fraldas, virou o rosto para o lado, emocionalmente impressionado.
— Eu… você… você tem sido de grande ajuda para nós, Senhorita Sasaki. Eu, Ashiya, não tenho palavras para expressar a gratidão que sinto pelo seu apoio generoso…
— Ah, não precisa desse drama todo!
— Eu… estou falando a verdade. Na realidade, se você permitir, irei alegremente recomendá-la à posição de Chefe General das forças demoníacas reagrupadas do meu soberano, quando ele recuperar seus poderes no Japão!
— Vou… deixar essa passar, valeu.
Chiho questionou internamente que tipo de padrões para recrutamento Ashiya tinha, já que estava disposto a indicá-la ao comando em troca de uma caminhada pelo corredor de bebês no supermercado. Isso a deixou um tanto incerta.
— Além disso, tudo o que fiz foi usar um pouco do dinheiro que o Maou me deu para comprar algumas coisas que vocês precisavam. Ah, vou te dar o troco e o recibo. Poderia entregar isso aqui para o Maou por mim?
— Sim, sim, irei me certificar disso. Eu, Ashiya, dedicarei minha vida a isso…!
Chiho sorriu um pouco quando Ashiya cumpriu sua promessa de sangue e pegou o troco.
— Também foi um pouco divertido, então…
Ela olhou para Alas Ramus, que ainda dormia tranquilamente.
— Meu primo por lado de pai se casou, e ele já tem um filho. Sempre que vou visitar, gosto de ajudar enquanto estamos brincando. A esposa dele me ensinou bastante sobre essas coisas enquanto a gente conversava.
— Eu… entendo! Foi assim que aprendeu…?
— Sim. E também…, hm…
Logo que terminou a viagem pelo lago das memórias, Chiho agarrou a mão esquerda de repente, suas bochechas brilhando de vermelho enquanto hesitava em continuar.
— E eu… pensei que… algum dia… com o Maou… não me importaria de…
— Hm, Senhorita Sasaki?
— Hã? Ah, é, hm, hm, esquece, esquece, esquece…!
Ela abanou as mãos e balançou a cabeça, o rosto vermelho-vivo. Por sorte, percebeu algo que lhe deu uma oportunidade de rapidamente mudar de assunto.
— Ah, Urushihara foi para algum lugar?
Urushihara, o preguiçoso perfeito, o suga-dinheiro no Castelo Demoníaco, o anjo que caiu tanto do paraíso, quanto dos padrões aceitáveis de limpeza, não estava em lugar algum.
Além disso, a mesa em que sempre estava acocorado não estava mais lá, assim como o notebook que ficava sobre ela.
— Ele… não fugiu de vocês, né?
Qualquer um que conhecesse Urushihara jamais imaginaria que o homem encontraria um trabalho, nem que iria às compras, nem qualquer outro tipo de ação positiva com a sua vida. Além disso, seu passado como criminoso ainda o deixava sem chances de caminhar por aí em plena luz do dia.
— Pfft… Se ele tivesse coragem de tentar algo do tipo, acha que eu estaria tão exausto assim?
A têmpora de Ashiya se contorceu junto com o canto dos seus lábios. Ele soltou um suspiro profundo e pensativo.
— Como sei que você pode ter imaginado, Senhorita Sasaki, o volume e a frequência do choro de Alas Ramus durante a noite toda foi além de algo que poderíamos ter imaginado.
Com um bebê recém-nascido, ficar acordado e chorando por mais de meia noite era algo que fazia parte do pacote. Mas, para uma criança que era capaz de falar e compreender seus arredores com certa capacidade, explosões como essa representavam uma demanda por algo em particular.
Necessidades familiares forçaram Chiho a voltar para casa naquela noite, por isso não tinha ideia do que aconteceu depois.
A julgar pelo cansaço de Ashiya, era difícil para ela tentar ser otimista.
Isso lhe deu a chance de se lembrar de tudo que viu antes de ter que ir embora.
Para a sua idade (aparente), Alas Ramus estava aprendendo o idioma com uma velocidade notável. Isso ficou bem claro com o “Papai é Satan” e apontando para Emi como a outra parte do casal.
Mas Emi, ao recuperar o controle de seus pensamentos racionais, tentou fervorosamente provar a sua inocência, assim como Maou também negara tudo.
Apesar do caos inicial, as outras quatro pessoas no aposento em momento algum pensaram que havia algo rolando entre Maou e Emi. A Heroína e o Rei Demônio eram como azeite e água. Dois polos idênticos de um par de imãs. Eles não conseguiam… interagir, nem um pouco. A idade aparente de Alas Ramus deixou isso claro como água, e mais preciso ainda, nenhum dos lados tinha lembranças de eventos que teriam levado ao necessário para tal. Isso teria causado o mais profundo desgosto, caso tivessem feito.
Ainda assim, era natural que, após ter sido recusada pelos seus pais, Alas Ramus daria início a um choro feroz e cacofônico.
Maou, ainda completamente aturdido, tentou o melhor que pôde para acalmar a menina.
— Ei… Ei, acalme-se, Alas Ramus. Sua mamãe e papai estão bem aqui, viu? Eu e aquela garota ali, ó.
— Erraaagggghhhhh! Satan, Papaiiiiiiiaaahhhhh!!
Ela chorava e gritava ao mesmo tempo com sua boquinha, criando um som semelhante aos gritos penetrantes do inferno.
— Ah, cara… Ei, o que vamos fazer quanto a isso?
— …
— Ei, Emi…
— …
— Ei…!
— Agh!!
Maou bateu as mãos na frente do rosto confuso e carrancudo de Emi.
Ela, surpresa, caiu no chão, quase nas mãos de Suzuno.
— Maaaaamããããããeeenheeeeee!!!
Alas Ramus, com o rosto coberto de lágrimas e meleca, escolheu aquele momento para se jogar nos braços dela, gritando.
Soava como o uivo gutural de uma besta enfurecida, mas ela parecia estar dizendo “Mamãe” enquanto se segurava nela.
Sem escapatória à vista, Emi ergueu a criança.
— Weeaaaaannnnngggghhhh!!
— Uou, ei, hm…
Com um baque, ela se atirou nos braços de Emi. Era mais pesada do que imaginava.
Para uma Heroína, uma criança chorando em busca de companhia era alguém que necessitava de proteção imediata.
Mas essa garota? Uma garota que dizia que Emi era a sua mãe? Emi, com os cotovelos dobrados de forma estranha enquanto tentava segurar a bola de raiva desamparada em seus braços, não sabia como lidar com aquela situação inimaginável.
— O que eu deveria fazer quanto a isso?! Ah…!
Emi, já no limite, olhou para os outros.
— Não me encarem desse jeito!
Ela viu o resto do grupo, que a observava com cada fibra do corpo, na beirada de seus assentos imaginários, esperando para ver o que aconteceria em seguida.
— Uggghh… vocês não esqueceram, né? Essa criança aqui parou minha espada sagrada sem sofrer um arranhão sequer. Não tem como ser um bebê comum, não acham?
— Sim, Emilia, mas afirmar o óbvio não fará nada para melhorar o nosso lado. Pensa nessa criança, esse simples bebê, como alguém que só está em busca da única mãe que conhece nessa vida.
— Bel! Pare de me dar aulas como se fosse uma colunista de conselhos! Esse problema também é seu!
— Weeeaaaannnnhhh!!
— Você deveria estar feliz com isso, Yusa! Quase quis ficar no seu lugar!
— Sim, sem dúvidas, Chiho! E é provável que seja por motivos diferentes, estou enganada?!
— Maaaaaaamããããnheeeeeee!!
— Eu já te disse, não sou sua mamãe… Sério…
Sinais de resignação começaram a surgir no rosto de Emi enquanto ela lenta e cuidadosamente colocava as mãos nos ombros de Alas Ramus.
Pelo menos para acalmá-la, tentou erguê-la em seus braços… mas viu que estava muito mais leve do que imaginava, desta vez.
— …
A diferença de peso de agora em comparação à quando saltou nela foi uma verdadeira surpresa.
Sua pele e corpo eram macios, tanto que o mínimo de força aplicada parecia o suficiente para quebrá-la. A memória da sua espada encontrando algo que se igualava a ela voou de sua mente enquanto erguia Alas Ramus devagar. A criança enfiou-se no peito de Emi e virou o rosto para cima.
— …
Emi olhou para baixo, agora em completa derrota. Um fio prateado de ranho fazia um arco entre o nariz de Alas Ramus e a camisa de Emi, brilhando à luz.
— Ngh… snif… Manheeeee!
Mesmo enquanto tremia e chorava, seus enormes olhos buscavam o rosto dela, implorando à maneira jovem e imatura por proteção.
— T-Tudo bem, tudo bem… Ugh, o que vou fazer com você…?
Emi, completamente derrotada, deu a Alas Ramus seu primeiro abraço de verdade.
A garota colocou o queixo no seu ombro à medida que se segurava com firmeza em seu pescoço e ombros, com os braços roliços contra seu corpo.
— Ennghh… Mamãe… uwahhh….
Os soluços eram espremidos para dentro dos ouvidos de Emi enquanto a serenidade voltava para o seu rosto.
Era fofo. Não era agradável, mas era fofo. Mas nada agradável. Essa era a opinião de Emi.
Ela esfregou o vestido amarelo de Alas Ramus de maneira tranquila enquanto seus olhos se viravam para Maou.
— Então… o que faremos agora?
— Quê? Sei lá, o que vamos fazer agora?
— Perguntei primeiro!
— Não que isso importe, mas esse seu abraço foi dos bons, sabia?
— Você sabe que isso é só deixar o nariz mais perto do meu pescoço, né?
— Ei, hm, se me permitir a pergunta, como essa garota sabia que o Maou era Satan?
Urushihara observava Maou e Alas Ramus.
— Tipo, eu sou uma coisa, mas Maou como humano parece bem diferente dos seus dias de demônio.
— Não me pergunte. Ela acabou de cheirar a minha mão agora há pouco, mas talvez tenha algo que somente ela saiba, ou coisa do tipo.
— Cara, a única coisa que ela pode ter cheirado na sua mão é o óleo de fritura do MgRonald.
— E daí? O cheiro é ótimo!
Não era bem a retaliação que Urushihara esperava.
— Mas…, cara, acho que estamos presos com isso agora, hein?
Quando falou, olhando para Alas Ramus, o rosto de Maou ficou de repente carrancudo.
Ela estava quase fora dos braços de Emi antes de voltar para o mesmo lugar, agarrando-se em seu pescoço. Emi, em resposta, ofereceu-lhe apoio por baixo.
— Eu sei!
Chiho ergueu a mão.
— Deve ser tipo a primeira impressão, né? Ela deve achar que Maou e Yusa são seus pais, pois foram as primeiras pessoas que viu.
Maou balançou a cabeça em resposta.
— Parecia isso, sim, mas ela não saberia o meu nome por instinto. Ela disse “Satan”, e eu sei que a maçã não estava por perto para ter ouvido. Ou será que estava?
— Ah… acho que não.
— Tipo, Satan é um nome bastante comum dado a um demônio de onde eu venho, mas ela surgiu aqui do nada e já veio me chamando assim. Eu meio que duvido que esteja se referindo a outra pessoa.
— Então… tem alguma lembrança referente a Alas Ramus, Maou?!
— Chi, Chi… isso aqui não é uma batalha de custódia.
A súbita obstinação de Chiho caiu sobre Maou. Suzuno pediu que ele continuasse.
— Atiça minha curiosidade ouvir que Satan é um nome comum no reino dos demônios…, mas o que está tentando dizer com isso?
Ele assentiu em resposta.
— Bem, essa é a teoria mais simples: alguém colocou Alas Ramus dentro daquela coisa que parecia uma maçã protetiva e a mandou para mim. E…
— … e, seja amigo ou inimigo, é provável que logo devemos esperar por uma visita, correto?
Emi, ainda segurando o bebê, deu a Maou um olhar sério adequado.
— Pois é. Bastante provável. E odeio ter que dizer isso, mas é provável que o seu envolvimento nisso seja tão grande quanto o meu. Mesmo assim, não tem como essa garota ter algo demoníaco nela.
— Obrigada por me avisar… Eu só me sinto mal pela Chiho, na verdade… por tê-la envolvido nisso.
— Não diga “só”. O que acha de colocar a gente nesse meio, hein?
— E-Espere, o que quer dizer? Não sei o que quer dizer com “Yusa provavelmente está envolvida”.
Emi, em resposta à preocupada Chiho, olhou direto para a sua mão direita, a qual abraçava sua pequena visitante de outro mundo.
— Essa criança parou a minha espada. Ela reagiu a mim, quando peguei minha espada sagrada. Isso é tudo que preciso saber. Você se lembra como Sariel queria pôr as mãos nela, Chiho?
Parecia difícil acreditar, mas o arcanjo Sariel sequestrou ambas, Chiho e Emi, como parte do seu ataque há alguns dias. Ele tentou usar o Olho Maligno do Caído para arrancar a espada do corpo dela.
— Sariel nunca disse por que queria tanto a espada sagrada. E sem chance que vou deixar que coloque as mãos nela… não enquanto o pobretão do Rei Demônio continua firme e forte. E, agora, com todas essas questões ainda sem resposta, temos essa criança capaz de parar a espada sagrada. Seria loucura imaginar que não há uma relação.
— Ei, pare de me atingir com seus ataques de longo alcance, beleza?
Emi ignorou a observação de Maou, então virou-se para Chiho.
— Ah, por falar nisso, como Sariel tem passado nos últimos dias?
— Ele tem ganhado bastante peso.
A resposta dela foi direta, de fato.
— Hã?
— Bem, tipo assim, ele tem ido ao MgRonald várias vezes por dia para ver a Senhora Kisaki agindo com gentileza, pois ele está ajudando ela a atingir as metas de vendas. Mas, de qualquer forma, você ficaria impressionada com a coragem dele para ter aparecido em questão de uma semana.
Sariel, sua missão frustrada pelo renascimento do Rei Demônio, decidiu assumir o seu papel na Terra — como Mitsuki Sarue, gerente chefe do Sentucky Fried Chicken em frente à estação ferroviária de Hatagaya — e tornou este o seu show permanente.
Apaixonado à primeira vista por Mayumi Kisaki, gerente do MgRonald ali perto e chefe direta de Maou, ele se esqueceu por completo da sua missão, e do próprio paraíso. Seu novo objetivo era ir até o MgRonald todos os dias e fazer Kisaki vencer.
Kisaki não estava lá o tempo todo, entretanto, o que causava alguns encontros estranhos sempre que Maou estava supervisionando um turno. Mas Sariel estava preparado. Ele estava disposto a cair do paraíso, como bem disse, para transformar o seu amor por Kisaki em realidade.
Além disso, apesar do alvoroço de uma semana atrás, Sariel agora parecia agradável para com Chiho e Maou. Ele devia imaginar, e não estava errado, que toda a equipe estava relatando cada uma das suas ações para Kisaki.
— Bem… Não sei se aquele anjo cabeça-oca está envolvido nisso ou não, mas se nos metermos em mais problemas, quanto mais longe ele estiver disso, melhor. Aquele cara fica no meu caminho todo dia, afinal.
— Eu… eu duvido que Sariel tenha relação direta com Alas Ramus, independentemente do seu comportamento no passado.
Foi Suzuno quem interrompeu.
— Ele com certeza não esgotou seu poder sagrado na nossa última batalha, então quer dizer que está aqui por vontade própria. Se ele e Alas Ramus soubessem um do outro, ele teria vindo até aqui na mesma hora.
A observação foi certeira. Por precaução, Urushihara ligou sua câmera de segurança, Chiho espiou pela janela da cozinha para o corredor do lado de fora e Ashiya deu uma olhada rápida para a porta.
— Além disso, “Alas Ramus” não significa nada nos idiomas do paraíso. É humano… o mesmo idioma falado em Ente Isla.
— Eh?
— Alas significa “Asas”. Ramus significava “Ramo”. Ambos são termos de centurient, um idioma falado apenas em Isla Centurum.
Centurient, literalmente o idioma “comércio central”, era uma língua internacional auxiliar, criada para encorajar as práticas comuns e comércio em Isla Centurum, a cidade central que ligava as rotas comerciais de cada direção de Ente Isla.
O idioma era falado principalmente por políticos, clérigos de alto nível da Igreja e mercadores envolvidos com comércio internacional, mas, na teoria, pelo menos, era um idioma comum que qualquer um entenderia em qualquer canto do mundo.
— Isso me diz que há um casal de pais em algum lugar de Ente Isla, uma mãe e um pai que amam sua filha o suficiente para dar a ela um nome tão significativo como esse. Não sei dizer se são humanos ou anjos. Para ser sincera, duvido da origem demoníaca, mas…
Mas quem a nomeou assim e por quê? Ninguém sabia. Maou parecia sério.
— E quanto a resumir tudo o que sabemos? Temos essa criança, Alas Ramus, sobre a qual não sabemos nada. E não temos como responder. A única coisa que podemos fazer é esperar esse amigo, ou inimigo, ou seja lá o que for, aparecer.
Emi e Suzuno ouviam, uma raridade quando Maou falava. Urushihara continuou de onde ele parou.
— Sim, então, basicamente, isso nos traz ao primeiro problema: quem vai cuidar da garota?
Por um momento, o baque da verdade fez tudo ressoar, até mesmo o chilrear das cigarras do lado de fora desapareceu do Castelo Demoníaco.
— Ela adormeceu? Está bem quieta.
Maou percebeu a cabeça de Alas Ramus, ainda apoiada no ombro de Emi.
— Eu só espero que essa garotinha não esteja envolvida em alguma conspiração estranha.
Com um suspiro, Emi bateu nas costas dela enquanto descansava.
— É uma pena, né? Se não fosse por aquela casca de maçã estranha, seria um bebê normal. Não é mesmo? — Inclinando-se, Maou beliscou as bochechas dela bem fraquinho.
Emi estremeceu de medo.
— Não faça isso! Ela acabou de dormir.
Ele puxou o braço para trás enquanto Chiho observava. Aquilo pareceu a ela o nascimento de uma união familiar completa.
— Aww, você tem sorte, né, Yusa…
Era uma imagem agradável a ser contemplada, mas a inveja dentro dela se recusava a ficar quieta. Suas bochechas se inflaram em uma raiva possessiva.
— Chiho, Chiho, seus sentimentos estão pintados na sua cara!
Suzuno conseguiu puxá-la da beirada bem na hora.
Emi, mantendo distância de Maou — que parecia estar gostando de bancar o tiozão nessa família —, voltou a suspirar.
— Bem, não posso levar ela para casa. Sou uma mulher solteira e que trabalha. Não posso ficar cuidando dela.
— Talvez, mas ter outra boca para alimentar dentro do Castelo Demoníaco vai fazer nossas finanças irem pelos ares. Além disso, sendo três homens debaixo de um teto, sinto que não somos adequados para a tarefa de cuidar de uma criança.
Ashiya retorquiu rapidamente. Eles estavam em três em um quarto pequeno e sem ar condicionado, sendo que um só vivia às custas dos outros dois. Não tinha como ser um ambiente mais inadequado para uma criança viver.
Chiho parecia tão apologética quanto Emi.
— Sinto muito… quero muito ajudar vocês, mas não sei como poderia colocar meu pai e minha mãe do meu lado nessa.
— Não precisa se incomodar com isso, Chiho. Isso é, afinal, um problema de Ente Isla.
Suzuno colocou uma mão asseguradora no ombro dela.
— Ver uma criança jovem e abandonada passar de casa em casa sem ter para onde ir seria de fato complicado de aguentar. Com toda certeza eu não me importaria em abrigá-la. Não estou empregada no momento… e tenho experiência com um grande número de crianças no passado.
Suzuno podia parecer ter a mesma idade que Chiho — mais jovem até —, mas, se considerada a sua carreira e posição elevada na Igreja, era provável que fosse a mulher mais velha dentre as presentes.
O resto do grupo nunca entrou nos detalhes, por puro instinto, achando que isso poderia ameaçar a vida deles. Mas pela maturidade de Suzuno e posição de clérigo na Igreja, ela com certeza era a mais bem qualificada para o trabalho.
Além disso, algo surgiu na imagem mental de Suzuno fazendo as tarefas de casa, o lenço familiar na cabeça e o avental cobrindo seu quimono, com Alas Ramus presa em um canguru para bebês em suas costas.
Isso trouxe expressões de alívio aos rostos de Emi, Ashiya, Chiho e até de Urushihara, apesar da completa falta de interesse em sequer fingir que se importava com a menina.
— …
Apenas o rosto de Maou permanecia sombrio.
As coisas pareciam estar ajustadas — um bebê ligado de alguma forma à Cara-metade, agora aos cuidados decentes de um oficial de alto nível da Igreja —, mas Maou olhou para Emi, Alas Ramus e as próprias mãos várias vezes.
— Hm… Maou?
Chiho, como já poderia se imaginar, percebeu primeiro.
— Há algo… de errado?
— Sim, tem uma coisa que não me deixa tão tranquilo… Duas, na verdade.
Ele se virou para Emi, sem ao menos olhar para Chiho.
— Talvez só esteja pensando demais, mas…
Então levou uma mão até a própria testa. Chiho franziu as sobrancelhas, confusa, na direção do que ele estava olhando. Ele continuou, sussurrando enquanto organizava os pensamentos.
— Por que ela não disse “Mamãe é a Emilia”?
— Hã?
Chiho arregalou os olhos. Isso estava fazendo a conversa se desviar demais do assunto. Mas, mais importante do que isso, fez uma dor indescritível disparar em seu coração.
Ela tentou o melhor que pôde para resistir. Sabia que “Emilia” era o nome verdadeiro de Emi, assim como também sabia que, para Maou, Emi e Suzuno eram suas inimigas.
Mas uma nova dúvida tomava conta da sua mente.
— Será que haverá o dia em que não serei mais apenas a “Chi” para ele…
Ela era apenas uma adolescente normal. Não tinha poderes especiais. A única coisa que a fazia se destacar era saber sobre ele e o segredo do seu grupo.
Ignorando o fato de que ele ainda tinha que lhe dar uma resposta direta sobre suas confissões de amor, quando Sariel a sequestrou, Maou referiu-se a Chiho como “um membro valioso da minha equipe”.
Não passava disso ainda. Fosse no trabalho ou em sua vida pessoal, ela era apenas a garota que Maou tinha que estar sempre protegendo.
Seu lado lógico, que lhe dizia que precisava saber melhor o seu lugar, colidia com o seu lado emocional, que desejava ser chamado pelo nome. Os dois lados se espremiam contra o seu peito.
— Hm? O que foi, Chi?
— Sinto muito… Não foi nada.
Com vergonha de deixar seus próprios desejos levarem a melhor, Chiho deu um passo para longe da área que abrangia Alas Ramus.
Maou em momento algum percebeu algo, é claro, enquanto refletia por um tempo. Então, jogou outra bomba.
— Beleza. Está decidido. Vamos manter Alas Ramus no Castelo Demoníaco.
Tradução: Taiyō
Revisão: Milady
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