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Rei Demônio ao Trabalho – Vol. 03 – Cap. 01.1 – O Rei Demônio e a Heroína Inesperadamente se Tornam Pais

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Engrenagens bem polidas ganharam vida em uma sala que cheirava a óleo de máquina e metal.

A capacidade foi suficiente para colocar o sistema de transmissão de força conectado em potência inicial total, com seu controle de engrenagem de última geração permitindo uma operação de condução flexível.

Seu desempenho era auxiliado pela estrutura polida e brilhante que formava o corpo. Era leve, mas extremamente robusto.

E também foi equipado com uma linha completa de recursos de segurança. As luzes dianteiras de segurança eram ativadas automaticamente por sensores ópticos, e um dispositivo de advertência sonoro permitia ao operador informar as outras pessoas da posição de seu veículo na mesma hora. As placas refletoras voltadas para todos os lados também eram parte do equipamento padrão, fornecendo suporte vital para inesperadas emboscadas inimigas.

No entanto, apesar de toda essa funcionalidade prática, o veículo não perdia nada em termos de capacidade de transporte e conforto do condutor.

O assento era estofado em couro. Além do contêiner de grande capacidade na frente, várias unidades opcionais de armazenamento de carga estavam aparafusadas nas laterais, prontas para uso.

— Que cê achou? Isso tá tudo na sua lista, bem aqui.

Um homem com um macacão de operário, cheio de óleo, apontou para o veículo, sua voz estava cheia de confiança.

— Antes disso, quero dar uma volta para testar.

Outro homem, um mais jovem, balançou a cabeça, seu rosto estava sério. O mecânico sujo de óleo encarou de volta.

— Claro, imaginei que diria isso. Está todo regulado e pronto para partir… eu mesmo fiz a tunagem final. Vai suportar tudo o que você passar pelo menos pelos próximos cem anos, entendeu?

Ele cruzou os braços, como se estivesse desafiando o seu parceiro a provocá-lo.

— Vou cobrar isso de você. — O jovem sorriu enquanto subia no assento do piloto. — Uau… Nossa.

O trabalhador abriu um sorriso enorme quando o jovem expressou sua aprovação.

Mais ao lado, alguém taciturnamente murmurou consigo mesmo:

— Por quanto tempo devemos continuar com essa palhaçada?

O jovem não prestou atenção ao comentário e levou as duas mãos ao guidão e pisou em um dos pedais.

Ao fazer isso, soltou um grito de prazer.

— Whooaaahh! Uau! É tão leve! Não consigo acreditar no quão leve são essas marchas!

O jovem, empurrando a marcha para a frente e para trás enquanto viajava para fora da garagem de manutenção, gritou alegremente para ninguém em particular.

— Isso é incrível!

— Valeu, Maou! E também vou fazer um acordo com você. O que acha de vinte e nove mil e oitocentos ienes?

— Legal, Sr. Hirose! Ela vai te pagar. Tudo pronto, Suzuno?

O jovem chamado Maou inclinou a cabeça em direção à mulher sentada em uma cadeira dobrável perto da parede da garagem, a insolência mostrada em suas bochechas estufadas eram um grande contraste com o seu tradicional quimono japonês.

O homem todo sujo de óleo ergueu as sobrancelhas ao se virar para ela.

A garota que Maou chamava de Suzuno tirou uma carteira de tecido crepe da bolsa com estampa de peixinho dourado em sua mão, mantendo uma expressão de absoluto pesar em seu rosto.

— Sr. Lojista, havia algum significado por trás daquela conversa toda de agora?

Hirose, dono da Hirose Bikeshop em uma galeria comercial na Rua Bosatsu, a apenas cinco minutos a pé da estação Keio Sasazuka no distrito de Shibuya de Tóquio, removeu a toalha enrolada na cabeça e riu alto enquanto enxugava o suor da testa.

— Ei, isso é parte do pacote, sabe? Parte do pacote. Você vai mesmo pagar a conta dessa vez? Está saindo com o Maou ou coisa do tipo?

Os músculos faciais da garota ficaram visivelmente tensos com a pergunta.

— Eu gostaria que você se abstivesse de tais brincadeiras. Circunstâncias além do meu controle estão me obrigando a pagar esta conta. Sadao, pode parar de brincar feito uma criança? Volte aqui agora mesmo para que possamos preencher qualquer papelada antifurto que possamos precisar.

— Tá bom, tá bom.

Sadao Maou voltou para a garagem, sorrindo de orelha a orelha, andando em sua bicicleta para uso urbano de última geração, em ótimo estado.

Era uma bicicleta Stonebridge com seis marchas, perfeitamente sintonizada com as necessidades de Maou. Painéis refletores foram instalados em todas as direções sobre sua estrutura de alumínio e a luz dianteira foi programada para piscar automaticamente no escuro.

— Vinte e nove mil e oitocentos ienes para a bicicleta, trezentos ienes para o registro antifurto… Ah, não precisa esquentar com os cem. Trinta mil já me servem.

— Agradeço o gesto.

Suzuno desenrolou três notas de dez mil ienes cuidadosamente dobradas e as apresentou a Hirose.

— Muito obrigado! Aí, aproveitando que você está aqui, o que acha de uma bicicleta, madame?

Suzuno balançou a cabeça diante da sugestão.

— Dessa vez vou passar, obrigada. Ainda não passei pelos treinamentos necessários.

“Nece-quê?”

Ela continuou, totalmente impassível, para o confuso Hirose.

— Eu entendo que embora nenhum procedimento de licenciamento seja exigido, é necessário passar por um processo de educação que envolve o uso de um dispositivo de suporte conhecido como “rodinhas de treinamento”.

Maou imaginou a pequena Suzuno, usando um quimono, andando em uma bicicleta infantil com rodinhas. Talvez houvesse até alguns adesivos de pôneis e fitas colados no guidão. Ele teve que dar um jeito de resistir às gargalhadas.

— Isso na verdade podia ser bem fofo, hein?

Suzuno olhou para Maou.

— Sinceramente… Sr. Lojista, gostaria do recibo, por favor.

— Oh? Uh, claro. Vou ter que escrever um, se servir para você. Aguarde enquanto procuro meu bloco de recibos

— Se você pudesse colocar em nome de “Sankt Ignoreido Co., Ltd.,” ficaria grata.

Maou foi o único dentre eles que expressou surpresa.

— Uau, isso é…?

Mas Hirose não deu tanta atenção ao preencher o recibo e arrancá-lo do bloco.

— E isso é tudo. Obrigado novamente! Cuide bem dessa coisa, Maou. É um presente, eu acho, né?

— Um, sim…

Acenando para Hirose enquanto deixavam a loja de bicicletas para trás, Maou e Suzuno caminhavam lado a lado enquanto se dirigiam ao prédio de apartamentos que cada um chamava de casa.

Ele quase pulava enquanto caminhava euforicamente, com uma condução nova e toda reluzente em mãos. Na mão de Suzuno havia uma sombrinha, protegendo seu rosto do forte calor do verão.

— Ei, tipo, o que você vai fazer com esse recibo, afinal?

— Se eu mantiver um balanço completo de meus recursos monetários aqui, posso ser capaz de receber a quantia equivalente de volta no futuro, assim que tiver te matado.

— Ah, você vai relatar à Igreja que o Rei Demônio que você foi enviada para matar a fez pagar uma bicicleta novinha em folha para ele?

Suzuno olhou por baixo de sua sombrinha.

— Eu ficaria feliz em espalhar a palavra por toda a Igreja de que o Rei Demônio é um demônio vil e conivente, que até mesmo implora por uma bicicleta a um oficial da Igreja.

— Ei, você sabe como os políticos e outros do tipo gostam de fingir que são todos “do povo” e coisas assim, certo? Não vejo o que há de tão errado em eu fazer isso. Tenho que provar que entendi como é ser um homem comum, sabe? Além disso, do meu lado, não é nem mesmo uma atuação falsa.

Enquanto o Rei Demônio do Povo se gabava de seu estilo de vida ambientalmente consciente (embora pobre e, na verdade, conivente), ele se virou para dar uma olhadinha em uma loja pela qual quase passou.

— Espera aí, Suzuno. Quero passar na papelaria.

Encostando sua nova bicicleta ao lado da rua e prendendo-a com força, Maou entrou na pequena loja. O comércio era dedicado mais a doces baratos e bugigangas infantis do que canetas e papel, mas a compra de Maou foi relacionada apenas a papelaria, mas ainda foi o suficiente para fazer Suzuno inclinar a cabeça, confusa.

— Para que você precisa de cola?

— Hee-hee! Mas quanta gentileza em perguntar. Contemple!

Com um sorriso esquisito, tirou um pratinho vermelho de plástico do bolso.

— Esta é uma placa refletora da minha amada Dullahan. Aquela que você esmagou até virar panqueca, se é que lembra. Eu peguei isso depois que os policiais me chamaram para buscá-lo. É meio que uma lembrança, sabe?

Enquanto falava, ele usou a cola para prender a peça na brilhante cesta de metal da bicicleta.

— Com isso, a alma de Dullahan, o nobre corcel que galantemente abandonou sua vida para proteger seu mestre, deve sobreviver por mais uma geração! A partir deste momento, você será nomeada Dullahan… II!

— … Que excitante.

Ter afinidade com os apetrechos de alguém não era incomum, mas um homem adulto dando um nome ao seu meio de transporte —sua bicicleta, ainda por cima— nos dias atuais era uma ocasião lamentável para qualquer um que tivesse o azar de testemunhar.

— Então está pronto, Rei Demônio? Devíamos partir.

Isso ficava ainda pior quando o homem em questão era Satan, o Rei Demônio, o inimigo mortal de toda a humanidade.

A garota que atendia pelo nome de Suzuno Kamazuki no Japão deu um suspiro profundo enquanto continuava, sem se preocupar em esperar pela resposta de Maou.

O grampo de cabelo de vidro transparente cravado em seu cabelo brilhava com um branco resplandecente sob o sol da tarde de verão enquanto ela caminhava, desanimada.

O Rei Demônio Satan: esse foi o nome concedido ao demônio que se empenhou em uma tentativa de conquistar o mundo distante de Ente Isla. Sadao Maou: esse era o nome do jovem que morava à sombra do centro de Tóquio, trabalhando em uma lanchonete de fast-food para se manter alimentado.

Ninguém, nem homem nem deus, jamais poderia ter concebido o Rei Demônio, sedento por sangue e ambicioso, passando da dominação mundial para uma vida de trabalhador de meio período no bairro de Sasazuka no distrito de Shibuya, Tóquio.

Passou-se pouco mais de um ano desde que ele foi derrotado pela Heroína Emília Justina e lançado no mundo estranho chamado “Japão”.

Ele morava no quarto 201 do Vila Rosa Sasazuka, um complexo de apartamentos de madeira construído há sessenta anos neste bairro. O quarto com centenas de pés quadrados alugado servia como seu Castelo Demoníaco temporário enquanto Satan tentava alcançar a independência por meio de trabalho de baixa renda, embora os últimos meses tivessem sido bastante frenéticos para ele.

O primeiro ano foi uma batalha constante contra a pobreza e o desastre, mas mesmo assim ele se dedicou de todo o coração ao seu trabalho diário.

Então, há nove meses, encontrou um bico de longa duração no restaurante MgRonald, situado em frente à estação de Hatagaya, a uma única parada de Sasazuka. Depois disso, em grande parte graças a ser abençoado por uma gerente talentosa e rápida, finalmente começou a se deparar com algum tipo de estabilidade em sua vida.

Essa rotina monótona começou a se esfarrapar no momento em que a Heroína Emília, ainda perseguindo o Rei Demônio fugitivo, apareceu diante dele sob o disfarce de “Emi Yusa”.

Se o estilo de vida completamente legalizado de Maou, regado a xarope-de-milho-e-frutose, poderia realmente ser descrito como uma “rotina monótona” para um demônio estranho sedento por sangue, era um assunto para debate, mas isso pode ser discutido depois.

Independentemente disso, não havia dúvida de que “esfarrapar” é uma maneira adequada de descrever o que aconteceu a seguir, com um de seus ex-generais tentando assassiná-lo e a própria Heroína sendo atacada duas vezes pelos humanos que supostamente a apoiavam.

Mas depois que tudo passou e a normalidade retornou para sua vida, ele estava de volta ao seu antigo emprego de zé-ninguém, de volta às três refeições diárias e um chão quente em que dormia. Maou devotou toda a força que tinha para manter esse status quo… bem, o status quo.

Mesmo quando a Heroína pegou o trem três paradas antes a fim de reclamar dele em sua porta, mesmo quando uma clériga chefe da Igreja em Ente Isla se mudou para a porta ao lado na tentativa de envenená-lo com sua comida supostamente envenenadora de demônios, o Rei Demônio manteve sua rotina diária, fazendo o que acreditava ser necessário para impulsionar seus objetivos de dominação mundial.

Viver uma vida pessoal sólida e fielmente construir sua reputação na esperança de subir a escada corporativa do MgRonald era o que Maou acreditava ser o que o levaria mais uma vez ao trono de governante.

Depois que Suzuno Kamazuki — conhecida no outro mundo como Crestia Bell, chefe do Júri de Reconciliação da Igreja, uma garota que atualmente tenta envenenar o Rei Demônio servindo como sua chef particular, sem sucesso — destruiu sua bicicleta, Maou a fez pagar uma restituição, exagerando muito em seu orçamento definido para o processo.

Ela ainda parecia irritada enquanto caminhavam, não inteiramente convencida de que o jovem estava lidando com isso de maneira justa.

— Isso, uh… custou mais do que você esperava?

Maou tentou se vingar de Suzuno, já que a mulher havia pulverizado sua bicicleta e tentado matá-lo há não muito tempo. Ela optou por não devolver o olhar, suspirando indiferente sob a sombrinha.

— Acho que estou começando a entender por que Emília permite tanta liberdade de ação neste mundo.

— Hm?

— Você tem uma relação amigável com o dono daquela loja de bicicletas?

— Aham… Bem, no começo não foi assim. Nós dois nos conhecemos quando continuamos nos oferecendo como voluntários para limpar o bairro. Mas a esposa dele gosta muito de levar o filho deles ao MgRonald. Nós meio que passamos a nos conhecer muito mais desde então.

A amizade, como Maou a descreveu, não poderia ter sido mais sem graça. Virando a esquina de uma rua para se esconder na sombra, Suzuno suspirou — em parte por alívio ao ter escapado do sol, em parte devido a uma sensação de desilusão que a engolia.

— Eu me resignei ao meu destino quando você disse que hoje íamos para a loja de bicicletas.

— O que você quer dizer com isso?

Suzuno tirou um livreto grosso de sua bolsa e entregou a Maou.

— Refiro-me ao valor monetário que você, o Rei Demônio, tentaria extorquir de mim. Para ser franca, senti arrepios na espinha, perguntando-me que quantia exorbitante pediria. Afinal de contas, tive uma dívida substancial com você.

Maou folheou o panfleto com uma das mãos. Era um catálogo de bicicletas.

— “Mountain bike”, “road”—não, “load cycle”? Ou até uma daquelas selvagens BM-alguma coisa! Eu estava perfeitamente preparada para enfrentar qualquer uma delas!

— Você não precisa fingir que sabe alguma coisa sobre bicicletas, Suzuno.

— O estudo diligente é a chave da própria vida! Meu ponto é que, mesmo com o registro antifurto, foi… surpreendente pedir apenas trinta mil. Eu já tinha ido ao banco para sacar duzentos mil ienes.

— Olha, você realmente pensou que alguém vivendo na mais pura pobreza como eu pediria um modelo de bicicleta top de linha? A Dullahan que você destruiu custou seis mil, novecentos e oitenta ienes, novinha em folha, na Loja de Descontos Donkey Hottie[1] , em Hounancho. — Maou devolveu o folheto enquanto se gabava de seus hábitos baratos de consumo. Isso só serviu para deixar Suzuno ainda mais desconsolada.

— O bárbaro Rei Demônio teve a chance de fazer uma compra com o dinheiro de um ser humano. Eu teria esperado qualquer coisa de você!

— Poderia tentar confiar um pouquinho em mim, cara? Ou está apenas decidida a acreditar que o Rei Demônio é um completo idiota o tempo todo? Além disso, sem querer ofender o Sr. Hirose nem nada, mas ele realmente não lida com coisas do Tour de France.

Maou soltou uma risada indiferente no meio do caminho. Suzuno olhou para cima, mantendo uma expressão deplorável no rosto. Entretanto, ela logo se virou assim que Maou percebeu algo e se atreveu a olhar em sua direção.

— Mas você sacou duzentos mil ienes? Você acabou de chegar aqui, não trabalhou um único dia e tem isso tudo na sua conta? Porque, tipo, tenho trabalhado tanto e acho que meu saldo nunca passou de duzentos mil.

— Bem, ao contrário de você e Emília, eu tive tempo para fazer muitas preparações. — Suzuno encolheu os ombros, não dando mais detalhes.

Não muito tempo atrás, ela se aventurou por Shinjuku pela primeira vez com a Heroína Emília, aqui conhecida por muitos como Emi Yusa. As pedras preciosas e outras relíquias que levou para Mugi-hyo, uma loja de penhores bem conhecida na vizinhança, alcançaram um preço que teria feito os olhos de Maou pularem de suas órbitas.

Ela não tinha nenhuma intenção, naturalmente, de informar o valor exato à personificação do mal que morava na casa ao lado, mas isso oferecia a Suzuno liberdade suficiente para que pudesse desfrutar de vários meses de uma vida modesta sem ter que procurar trabalho.

— Huh. Bem, legal. Acho que é melhor me manter discreto para conversar com você.

Ele fez beicinho enquanto falava, mas a atenção de Maou estava ainda mais focada em sua bicicleta. Ele tocou a buzina, como uma criança com um brinquedo novo.

— De qualquer forma, obrigado. Fico grato por isso.

— ……

Suzuno olhou para Maou e estranhou suas inesperadas palavras de gratidão. Desta vez, seus olhos se encontraram com sucesso. Ela rapidamente usou a sombrinha para proteger o rosto.

A ideia do mal encarnado tão fácil e inocentemente sorrindo e agradecendo às pessoas era nada menos que ultrajante. Na verdade, quando foi a última vez que alguém lhe ofereceu uma gratidão tão dócil e sem enfeites?

— I-isso foi restituição. E só isso. Agora ela é sua, e pode usá-la como desejar.

— Pode deixar.

Eles caminharam em silêncio por alguns momentos.

— R-Rei Demônio?

— Sim?

Suzuno, incapaz de permanecer em silêncio por motivos que não conseguia verbalizar, parou e apontou para o lado.

— O-o que é isso? Parece que um grande número de estabelecimentos começou a vender flores de repente.

Ela estava apontando para a porta da frente de uma floricultura.

Feixes de galhos de árvores brancas e sem adornos estavam alinhados no meio da loja às dezenas, mostrando flores coloridas desabrochando.

— Ah, isso? São palitos ogara.

— Ah, entendo. Então essa é uma versão seca dos restos que você deixou depois de preparar o tofu?

— O quê?

Maou teve dificuldade para entender o que Suzuno estava falando, até que percebeu que tinham acabado de passar por uma loja de tofu e natto.

— Oh, uh… Não, isso se chama okara. Estou falando sobre ogara. O-Ga-Ra. Palitos Ogara, entendeu?

Suzuno, uma oficial veterana servindo o Departamento de Operações Diplomáticas e Missionárias da Igreja, era uma Ente Islana que conhecia muito bem a cultura e os costumes japoneses.

Em alguns aspectos, porém, muitas vezes não sabia de nada. Ela tinha o hábito de remendar buracos em seu conhecimento com coisas que já conhecia, o que ocasionalmente levava a tropeços como sua obsessão por rodinhas de bicicleta há alguns momentos.

— Ah, é mesmo! Talvez pudéssemos comer alguns croquetes de okara no jantar desta noite.

— Caramba, Suzuno, o que você é, algum tipo de dona de casa?

— Eu tenho que reconhecer os chefs e especialistas em culinária do Japão. Croquetes são uma culinária maravilhosa, de fato, mas usar o okara, que geralmente é descartado durante o processo de fabricação do tofu, para criar um alimento adorável de baixo custo e baixo teor calórico foi um golpe de gênio!

Enquanto Suzuno refletia sobre as origens de seu próximo menu do jantar, uma dona de casa parou na floricultura para pegar um pacote de palitos de ogara.

— Olha, o feriado Obon está chegando, certo? Esses ogara são usados para acender mukaebi e okuribi, fogueiras que servem para dar as boas-vindas e ver os espíritos dos mortos que visitam durante o feriado. — Maou apontou para outro pacote enquanto falava.

— Obon… Ah, sim, o festival em que as famílias oferecem seus respeitos aos ancestrais, certo? Mas isso começa no mês de agosto, não é?

Quando se tratava de costumes religiosos, pelo menos, Suzuno havia feito seu dever de casa.

— Aham. Costumava ser comemorado no sétimo mês do antigo calendário japonês, que agora é agosto. Mas na área de Tóquio as pessoas acendem fogueiras mukaebi para trazer os espíritos em julho. É para isso que servem esses palitos.

— Hohh! Eu pensei que esta nação era bastante secular por natureza. Talvez essas tradições sejam mais parte da estrutura da cultura do que eu esperava.

— Mas, por que o feriado de Tóquio chega mais cedo?

— Bem, existem algumas teorias diferentes, mas na época em que o Japão mudou para o calendário ocidental e o shogunato mudou suas cerimônias para as mesmas datas no novo calendário, foi apenas a área de Tóquio que seguiu o exemplo. O resto do país não se importou muito. É meio estranho fazer as coisas na mesma época por centenas de anos e então ouvir que você terá que começar a fazer em outra hora, afinal.

— Entendo. Interessante.

— Uauuu…

— A maioria das pessoas no Japão tira uma folga do trabalho por volta de agosto para o Obon, sabe? Mas o governo na época tinha o controle mais forte do poder em Tóquio e parte da área de Kanagawa, então apenas essas partes foram transferidas para o sétimo mês do novo calendário. Todos os outros comemoraram o Obon na mesma época de antes, o sétimo mês do calendário antigo, ou agosto.

— Você andou pesquisando, pelo que vejo.

— Você com certeza sabe muito por ser o Rei Demônio e tudo, Maou!

— Sim, eu meio que li sobre essas coisas no ano passado. Não que sejam muito mais do que trivialidades hoje em dia, mas… hum?

— Hmm?

— Sim?

Suzuno e Maou se viraram lentamente, ambos percebendo que sua conversa havia conquistado um passageiro clandestino em algum momento.

— Aghh!! N-nossa, Chi, quando você apareceu?!

— Chiho! Desde quando você está aí?!

Chiho Sasaki, colega de trabalho de Maou e a única japonesa que sabe a verdade sobre Maou, Suzuno e o mundo de Ente Isla, estava lá em seu primoroso uniforme escolar. Não havia como dizer há quanto tempo ela estava parada ali.

A garota estava carregando um cooler portátil prateado em vez de sua mochila escolar.

— Surpreendi vocês?

Ela sorriu em triunfo.

— Te segui por causa do que você fez comigo, Suzuno…! Claro, tudo que eu consegui ouvir foi sobre como você iria fazer croquetes de okara para o jantar, mas…

— Ohhh… Ha-ha! Massa. Mas você já saiu da escola? Ainda está meio cedo.

Chiho respondeu alegremente:

— Falta apenas meio período para as férias de verão. Todos os nossos exames finais acabaram, então…

Pensando bem, não fazia muito tempo que Chiho estava falando sobre algumas provas, embora nunca reclamasse de suas notas nos testes ou tirasse uma folga especial de seus turnos programados. O fato de seu envolvimento na vasta conspiração que parecia estar se desenrolando entre Ente Isla e a Terra não afetar seu desempenho no teste, de forma alguma fez Maou se perguntar se ela tinha nervos de aço galvanizado.

Enquanto Maou refletia sobre isso, os olhos de Chiho se voltaram para baixo.

— Ooh, bicicleta nova?

— Aham. Suzuno meio que transformou a minha antiga em lixo compactado. — Ele deu um tapinha amoroso na sela de Dullahan II.

— O Rei Demônio disse que encontrou uma bicicleta digna. Eu simplesmente paguei por isso. — Suzuno cuspiu cada palavra, tentando disfarçar sua surpresa com o aparecimento repentino de Chiho. — Mas chega de mim. O que a traz aqui, Senhorita Sasaki?

— Ah, eu estava prestes a comprar exatamente o que você estava mencionando.

Chiho apontou entre os dois, em direção à mesma floricultura de antes.

Ogara?

— Aham. Minha mãe pediu. E eu estava planejando visitar seu apartamento depois disso, então…

Ela levantou um ombro para apontar para o cooler portátil pendurado nele.

— Um dos parentes do meu pai nos deu um pouco de sorvete, mas nenhum dos meus pais gosta muito de doces. Mas estamos com uma tonelada disso, então pensei em dar um pouco para vocês.

— Sorvete?! Sério?! Tem certeza?!

Os olhos de Maou brilharam. Algo frio e doce, caindo como maná do céu!

— Cara, isso é incrível! Nós aceitamos, nós aceitamos! Muito obrigado!

Chiho sorriu, observando Maou quase pular de alegria.

— Ah, bom! Então espere só um segundo, tá bom? Preciso comprar aquele ogara.

De lado, Suzuno observou o Rei Demônio afastar a colegial.

— Devo apenas deixá-lo como está? Isso machucaria alguém?

As dúvidas que ela tinha começado a sentir recentemente escapou por seus lábios.

Gritos de alegria logo ecoaram pelo fumegante Castelo Demoníaco, um ventilador barulhento agitava o ar acre e extenuante do verão.

— Sorvete?

— Sorvete?!

Alciel e Lúcifer, os outros habitantes do Castelo Demoníaco e dois dos ex-Grandes Generais Demônios do Rei Demônio Satan, ficaram surpresos quando Maou apareceu com Chiho.

— E… e, e é um pote premium da Haggen-Boss, de presente?! Você… você realmente tem certeza disso?

Chiho tirou o cooler da bolsa de ombro e apontou na direção de Ashiya.

— Não se preocupe com isso, Ashiya. Ainda temos mais do que suficiente lá em casa.

Alciel, o contador residente e cuidador do Castelo Demoníaco e um homem que se passava por Shirou Ashiya nesses dias, caiu de joelhos, a visão do cooler aparentemente estava emoldurada por brilhantes raios de sol.

— Eu… eu mal poderia começar a agradecer a você e seus pais por isso, Senhorita Sasaki…

Ashiya curvou a cabeça profundamente, seu corpo alto estava quase se curvando diante de Chiho. A visão foi o suficiente para perturbá-la.

— Ooh, uau, olha todos esses sabores! Vamos, Ashiya, vamos logo! Pegue as colheres!

— Urushihara… Você sabe que há algo que precisa dizer para a Chi primeiro.

 

Para o jovem escandaloso, cujos olhos já estavam cheios de nada além da visão das guloseimas congeladas, Maou falou com desprezo.

Hanzou Urushihara foi o nome adotado por Lúcifer, o ex-general que agora vivia um estilo de vida de sanguessuga no Castelo Demoníaco. Como tal, ele não deu atenção ao seu antigo mestre.

— Oh, está tudo bem, Maou. Eu já sei como o Urushihara se comporta. — A represália sem hesitação de Chiho foi dada com um sorriso.

Graças à sua consciência da verdade por trás de Maou e seus companheiros, ela tinha poucas palavras boas para Urushihara, que ainda era inimigo de Maou quando ela o conheceu.

Mesmo agora, com ele mais ou menos de volta ao exército demoníaco de Maou, ele raramente se movia um centímetro que fosse para longe de seu computador, dia após dia, nem mesmo se preocupava em ajudar nas tarefas domésticas. Em outras palavras, o clássico estilo de vida do desocupado desempregado, e Chiho não gostava muito disso.

Maou sorriu amargamente para si mesmo e deu um tapinha no ombro de Chiho, desviando sua atenção.

— Sim… Bem, de qualquer maneira, obrigado. Mesmo.

— …! Hum… uh, sim. Sim. Não há de quê.

A vermelhidão nas bochechas de Chiho naquele momento não tinha nada a ver com o calor.

Ela já havia reconhecido publicamente seus sentimentos por Maou. Mas desde que não os enquadrou de uma forma que exigisse uma resposta, a verdadeira natureza de seu relacionamento permaneceu obscura, pairando no ar como um papel pega-mosca.

Chiho estava em paz com isso. Afinal, ela entendeu que Maou não era o tipo de homem que respondia sem pensar seriamente nas coisas.

Pequenos movimentos como esses da parte dele, no entanto, ainda eram o suficiente para deixá-la desprevenida, fazendo com que seu pulso disparasse em momentos imprevisíveis.

— Um… Ah! Ah! Suzuno, devemos deixar Suzuno provar um pouco… Hein?

Chiho tentou chamar a presumivelmente sempre presente Suzuno, a fim de encobrir seu rubor. Mas, mesmo depois de colocar a cabeça para fora da porta e vasculhar o corredor, ela não estava em lugar nenhum.

— Você está procurando por ela? Ela voltou logo depois que chegamos aqui.

— Oh… Sério?

— Uau, morango, chá verde, menta… Nooooossa, cara, isso é abóbora? Uau!

— Uau, uau, uau! Guarde um pouco para Suzuno, Urushihara!

Chiho teve que correr de volta para dentro para impedir Urushihara de reivindicar tudo para si.

— Aww! Quem se importa com a Bell, cara? Achado não é roubado!

Urushihara estava claramente irritado. Chiho inchou as bochechas de raiva enquanto pegava um dos vários potes de meio litro de sorvete aninhados em seus braços.

— Ou ela ganha um pouco, ou você não ganha nada! Quantos desses você planejava comer, afinal? Seu cérebro vai congelar!

— Cara, eu não sou criança, tá bom?! Eu sou, tipo, vários milhões de anos mais velho que você!

— Anos não importam para você, Urushihara! Você ainda é uma criança! Mesmo um estudante do primário seria muito mais legal do que você!

— Gente, vocês podem ficar quietos? Está muito quente para ficar brigando um com o outro. — Maou gentilmente interviu, pegando o cooler e entregando-o a Ashiya. — Vamos pegar um para cada um e deixar o resto para depois, okay? Ninguém vai se importar se dermos o de baunilha para Suzuno, certo?

— Com certeza, Vossa Alteza Demoníaca. — Ashiya aceitou o cooler com deferência, dando a Chiho outra reverência respeitosa enquanto empilhava metodicamente os pires no compartimento do freezer.

— Ah, qual ééééé. Só um?

Urushihara lamentavelmente choramingou em protesto, com meio pote de morango ainda na mão.

— Por que temos que deixar alguma coisa para Suzuno? Ela é nossa inimiga mortal e tal.

— U. Ru. Shi. Haaaa. Ra?!

— O-o quê, Chiho Sasaki?! Ela é meio que sua rival também, cara! De muitas maneiras diferentes!

O calor quase todo dissipado ressuscitou nas bochechas de Chiho.

— Bem… sim! Ela, ela é! Ela é minha rival e minha amiga! — Ela colocou o máximo de firmeza que pôde nisso.

— Huhh? O que isso quer dizer?

— Quer dizer, rival é uma coisa, mas sorvete é outra! É por isso que você é uma criança, Urushihara! Você não entende nem isso!

— Oh, sim, sim, sou a criança e é por isso que é tudo minha culpa, hein? De jeito nenhum eu iria entender uma garota louca agindo com ciúmes do… oww!

Urushihara gemeu com o impacto repentino em sua têmpora enquanto tentava demonstrar a Chiho sua ousadia mais afiada e bem polida.

— Já chega, Urushihara! Se você se atrever a irritar nossa gentil e generosa hóspede com qualquer abuso verbal, estarei confiscando esse copo de morango e cancelando nossa Internet!

Urushihara, com os olhos úmidos, olhou para a cara de goblin de Ashiya.

— Um demônio como você, comendo toda a nossa comida, desperdiçando todo o nosso dinheiro, sem levantar um dedo para ajudar no Castelo… Eu colocaria Crestia e a comida ungida pela Igreja que ela tem usado para nos envenenar acima de você em qualquer dia da semana! E agora você repreende a Senhorita Sasaki, uma santa que não deu nada além de apoio a Sua Alteza Demoníaca e se preocupa sinceramente com o estado de nosso Castelo! Aqueles deuses podem até te perdoar, mas eu jamais irei!

O chefe do dono de casa do Castelo Demoníaco manteve Chiho atrás dele enquanto Ashiya fazia chover raios abaixo.

No começo Ashiya não deu boas-vindas aos avanços de Chiho em direção a seu superior demoníaco, mas suas suspeitas foram completamente reprimidas pela comida que ela e sua mãe forneceram. Agora ele via a família Sasaki como nada menos do que a salvadora de seu orçamento mensal.

O rosto de Urushihara se contraiu sob a fúria fulminante de Ashiya. Então ele deu um passo para trás.

— T-tudo bem, tudo bem… Cara, aquela adolescente te domou. O Maou também.

Uma mão estava em sua cabeça, e a outra ainda segurava suavemente o pires de sorvete de morango enquanto ele voltava para sua posição de sempre na frente do computador.

— Então, Senhorita Sasaki… Por favor, venha até aqui. Há um pouco mais de brisa aqui perto. E também preparei um pouco de chá de cevada.

Colocando Chiho sentada à mesinha no centro da sala, Ashiya apresentou um pires de Haggen-Boss e uma xícara de chá, ajustando o ventilador atrás dele para fornecer mais alívio.

Os apartamentos do Villa Rosa Sasazuka em que o Castelo Demoníaco estava atualmente situado não ofereciam ar-condicionado como opção padrão.

Os inquilinos podiam obter permissão de Miki Shiba, a proprietária do prédio, para instalar uma unidade. Isso era, ao menos, teoricamente possível. Mas Shiba ainda estava em algum lugar nos trópicos, recusando-se a oferecer qualquer tipo de data de retorno.

Maou estava motivado o suficiente para investigar isso, já que — ao contrário do verão passado — ele tinha uma renda regular para financiar um AC. Ele contatou a empresa de administração de imóveis para a qual Shiba havia deixado informações de contato, mas aparentemente ela nunca havia contratado essa empresa para questões relacionadas à manutenção de apartamentos individuais.

Em outras palavras, os tais caras da administração de propriedades podiam mudar as luzes fluorescentes que cobriam o corredor, mas qualquer coisa que envolvesse espaços privados para locatários tinha que passar primeiro pela proprietária.

Ela tinha feito isso no passado. Há dois meses, quando a própria Shiba parou para discutir o trabalho à prova de terremotos que ela havia programado.

No entanto, instalar o AC no Castelo Demoníaco envolvia abrir um orifício na parede para conectar o condensador externo ao ventilador interno. Aparentemente, isso contava como “grandes ajustes” no prédio.

Foi especialmente irritante porque, enquanto Shiba estava em algum lugar no exterior, o contato com ela tornava-se difícil. Em ocasiões regulares, ela enviava cartas para Maou descrevendo onde estava e o que estava fazendo.

Essas cartas, porém, geralmente eram datadas de várias semanas antes de finalmente chegarem à caixa de correio de Maou. No momento em que um envio de algum paraíso tropical chegava, ela já tinha passado para seu próximo retiro idílico. Fazer contato era quase impossível.

E, mais especificamente, nem Maou, nem Ashiya, nem Urushihara estavam dispostos a abrir sua correspondência. Elas juntaram poeira nas estantes pré-fabricadas do Castelo Demoníaco. As cicatrizes do “massacre da proprietária modelo bolo de banha” que se abateu sobre o trio pouco depois da chegada de Urushihara ainda permaneciam gravadas em seus corações.

Assim, os ex-demônios ignoraram diligentemente todas as correspondências de Shiba até que Suzuno se mudou para a porta ao lado. Sua nova vizinha havia falado muito sobre esse hábito, trazendo à tona o espectro de Shiba, enviando-lhes algum tipo de aviso importante e eles permanecendo alegremente inconscientes. Então, há não muito tempo, a turma decidiu abrir a carta mais recente.

Era o mesmo envelope de sempre, a borda forrada de ouro dava-lhe um ar de luxo artificial. O endereço foi escrito com uma caligrafia elegante, usando algum tipo de fonte ou caneta de pena — uma visão com a qual já estavam acostumados.

Desta vez, a senhoria de Maou estava na Indonésia. O massacre da modelo bolo de banha ocorreu no Havaí, mas ela não estava absorvendo os raios de Bali ou qualquer coisa — em vez disso, por motivos e propósitos que apenas Shiba poderia realmente entender, ela viajou para a ilha de Bornéu para se juntar a alguma cerimônia espiritual realizada pelos indígenas locais.

Engolindo em seco, Maou ousou dar uma olhada na fotografia incluída. Lá estava sua senhoria, usando um vestido altamente conspícuo com lantejoulas douradas e prateadas e um chapéu de aba larga com várias dúzias de penas coloridas espetadas nele, igual a bunda de um pavão mutante. A maquiagem de centímetros de espessura, entretanto, era uma visão muito mais familiar.

Naquele momento, Maou instintivamente soube que não adiantava tentar fazer contato com ela. O que tiver que acontecer, acontecerá.

Afinal, eles sobreviveram ao calor do verão do ano passado sem ar-condicionado grátis. Além disso, eles agora tinham Urushihara, um pacote ambulante e falante de dívidas inadimplentes, pressionando seu orçamento.

Maou decidiu que essa era a maneira de deus dizer a ele que só porque tinham uma grana sobrando não significava que poderiam sair estourando o orçamento. Ele não se perguntou por que as revelações de uma divindade baseada na Terra deveriam ter precedência sobre o Rei Demônio de um planeta totalmente não relacionado.

— Sabe, pensei que seria mais quente aqui, mas este apartamento recebe uma brisa muito boa, não é?

— Sim, eu acho que meio que salva todas as nossas peles, hein? Temos o quarto do canto, então há mais janelas do que o normal.

Para evitar que o sol batesse diretamente em seu quarto, ele colocou cortinas de bambu — compradas na loja Donkey Hottie em Hounancho, local de nascimento de Dullahan I. Todas as janelas estavam abertas, o ventilador habilmente posicionado para estimular o fluxo de ar adequado. Isso os recompensou com um ventinho, embora úmido e abafado. O fato de Villa Rosa Sasazuka não ser adjacente a nenhum prédio próximo, mas ser separado deles por um minúsculo jardim frontal de terra nua, sem dúvida ajudou.

— Maouuuu, realmente não vamos comprar um ar-condicionado este ano?

Urushihara, em contraste com Chiho, que gostava da brisa de verão, havia caído nas profundezas do inferno.

— Eu te disse, cara. Não podemos entrar em contato com a proprietária e não podemos instalá-lo de qualquer maneira. Além disso, se comprássemos um baratinho, a conta de luz no mês que vem me mataria.

— Barrrrfffff…

— Eu não sou realmente uma fã de ar-condicionado.

Chiho interrompeu enquanto comia lentamente o seu sorvete sabor passas ao rum.

— Eles têm ar-condicionado nas salas de aula da escola, mas sempre que terminamos a aula de educação física ou o que quer que seja, alguém sempre abaixa, tipo, tudo. Fica congelando!

— Na verdade, as maiores conquistas da civilização exercem o poder de destruir todos nós. Simplesmente pensar na conta de luz já é o suficiente, por si só, para eu sentir arrepios na espinha!

Ashiya expressou sua concordância de uma forma que só ele podia enquanto apreciava seu sorvete de chá verde.

— Sim, eu posso imaginar bem o cara, também. Provavelmente nunca cala a boca, aposto, hein? Então, se você ligar o termostato, ele provavelmente fica tipo ‘Ohhh, está tão quente, está tão quente!’ e abaixa no momento em que ninguém está prestando atenção.

Maou fez uma careta enquanto golpeava seu Cookie Crunch.

— Sim! Exatamente!

Chiho acenou com a cabeça ansiosamente.

— Estou bastante familiarizada com gente assim. É como se a mente delas sempre estivesse em curto-circuito. Só querem satisfazer os desejos imediatos, nem pensam nas consequências. E também são sempre as que mais falam.

— Tá bom, tá bom! Espera…

— Hmm?

Chiho de repente percebeu algo enquanto sorria em concordância.

— Como você sabe disso tudo, Maou? Você não foi para a escola no Japão ou algo assim, certo?

— Não.

— Sempre parece que tivemos muitas das mesmas experiências, mas… você sabe, é meio estranho quando você pensa sobre isso, certo?

— Sim… Eu acho, então, talvez.

Maou engoliu o último tiquinho de Cookie Crunch. Levantando-se, ele jogou a tampa de plástico e o pote de vinil transparente na lata de lixo incinerável, lavou o copo de papel, jogou-o no saco de papéis recicláveis, encostou-se na pia e suspirou.

— Eu acho que você poderia dizer que os demônios têm maneiras mais… poderosas de resolver seus problemas. Coisas tipo essas… Acho que não é muito diferente entre os humanos e nós.

— …

Ashiya ouviu em silêncio enquanto Maou falava.

— Ugghh, um daqueles copinhos não é suficiente…

Urushihara, alheio à conversa, colocou seu copo de morango na mesa do computador, seus olhos avidamente girando em direção à geladeira.

Nesse momento, os olhos de Maou se eriçaram.

— Oh? Ei, Suzuno, aonde você foi? Chi queria que você tomasse um pouco de sorvete também.

Maou avistou Suzuno passando pela janela aberta da cozinha, carregando um conjunto de grandes objetos na frente dela.

— Ah, muito obrigada. Terei prazer em participar disso assim que terminar minha tarefa.

Eles falaram por entre as barras de ferro que cobriam a janela. Suzuno parecia ter algo parecido com um conjunto de pequenas toras quadradas nas mãos.

— Ei… o que é isso?

— Hmm? Toras. Por que pergunta?

— Isso eu sei. Estava perguntando o que você vai fazer com isso.

A razão pela qual Maou estava perguntando tão insistentemente sobre os bens de sua vizinha era que, na mão oposta, ela segurava muito mais palitos  ogara do que precisava.

— Como membro da Agência Missionária da Igreja, tenho interesse neste feriado de Obon. Decidi que seria melhor experimentar por mim mesma.

— E…?

— E para começar, tenho que acender o mukaebi, certo? E então a fumaça deste fogo atrairá os espíritos dos ancestrais de alguém de volta à terra?

Maou baixou a cabeça, suas suspeitas provadas corretas, então gesticulou, do outro lado das grades, para que ela entrasse.

Suzuno, de sobrancelhas franzidas, no entanto, abriu a porta do Castelo Demoníaco.

— O quê? Eles dizem que é melhor fazer a tarefa enquanto o sol está no ar, então eu queria cuidar disso assim que—ow!

Maou interrompeu Suzuno com um golpe de caratê em sua cabeça.

— O-o que você está fazendo?

— Você está tentando queimar este apartamento?! Você pegou combustível demais para isso!

 


Notas:

1 – Donkey Hottie é uma referência a uma das maiores lojas do Japão, a Don Quijote.

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