O primeiro relato sobre o desaparecimento de Olba gerou ondas de choque pelo Santuário de Todos os Bispos, local de reunião compartilhado pelos seis arcebispos que lideram a Igreja. Olba era uma figura importante nesta trama, não apenas um dos seus, mas também um dos aventureiros intrépidos que se juntou à Heroína em sua missão para se livrar do Rei Demônio. Mas o Júri de Reconciliação, grupo autogovernado dentro da Igreja, que lidava com a investigação sobre o seu desaparecimento, liberou um relatório chocante demais após completar sua busca no escritório de Olba, o qual ficava nos quartéis generais da Igreja dentro de Sankt Ignoreido.
— A Heroína Emília está viva e bem em outro mundo?!
Quando o relatório foi lido para os cinco arcebispos restantes no santuário, Robertio Igua Valentia, o mais velho do grupo e aquele que servia como sacerdote chefe da Igreja, foi o primeiro a reagir, quase caindo da cadeira.
— Mas o próprio Olba afirmou que Emília Justina e a sua espada, Cara-Metade, desapareceram no nada ao final da batalha árdua contra o Rei Demônio Satan!
— Parece que foi uma total invenção, senhor.
A inquisidora que entregou o relatório falou friamente para os cinco, deixando o mais velho deles sem palavras.
— Descobrimos traços de múltiplas transmissões sonares que miravam o outro mundo. A captura e aprisionamento de Emeralda Etuva e Albert Ende também foram obras dos subordinados de Olba.
— Mas… o quê…!
Robertio, cuja saúde estava sendo assunto de rumores recentes, brilhava de vermelho diante desta cascata de notícias inacreditáveis.
— Com relação a Emeralda Etuva, temos a confirmação de que voltou para casa, o Império Sagrado de Santo Aile. Outros relatórios afirmam que ela está admitindo a segurança de Emília e espalhando as notícias sobre a apostasia de Olba para o mundo todo.
— A-a-apostasia…! Apostasia, por um arcebispo…!
— Sacerdote Robertio! Por favor, respire e acalme-se!
Cervantes Reberiz, arcebispo e administrador da política agrícola da Igreja, levantou-se para colocar uma mão asseguradora nas costas de Robertio quando este gritou para a representante do Júri de Reconciliação.
— Minha jovem senhorita, por favor, abstenha-se de incitar a nossa ordem com a sua—
— Com todo o respeito, Arcebispo, mas eu estou apenas relatando os fatos.
A inquisidora não lhe deu espaço para falar.
— Mas… Mas como podemos simplesmente reconhecer que Olba mentia para nós…? Talvez ele mesmo tivesse ficado sabendo que Emília estava viva e partiu para ajudá-la…
— Temo que isso não esteja correto, Sacerdote. Um Herói morto foi encontrado vivo. Por que este simples homem não espalharia essa notícia avassaladora para o mundo todo, mantendo-a para si mesmo por algum motivo que achava justo? É natural concluir que o Arcebispo Olba tinha um motivo para assegurar que a “morte” de Emília fosse verdadeira, algo que ele mesmo havia reportado.
A inquisidora suspirou e, com um rosto sério, continuou:
— E se a alquimista mais famosa da corte de Santo Aile está declarando oficialmente que Emília está viva, não podemos ignorar o impacto que isso terá. Vai contra todas as informações públicas da igreja de que Emília está morta, então peço que tomem uma decisão inteligente.
— Uma decisão… inteligente…
Robertio respirou fundo, sua fúria ameaçava fazer o seu coração dar a última batida a qualquer momento.
A inquisidora não estava pronta para ceder, firme enquanto encarava o sacerdote em pânico.
— Você reconhecerá os erros cometidos pelo Arcebispo Olba ou continuará a forçar as decisões da Igreja sobre as pessoas?
Todo o Santuário dos Bispos foi jogado em completo silêncio.
— Ou, para ser mais exata, afirmará e condenará a apostasia cometida pelo arcebispo contra a Igreja, ou, ao invés disso, vai escolher assassinar Emeralda, Albert e, por fim, a própria Emília?
— Isso é ridículo… — Emília e Albert são uma coisa, mas o que poderíamos fazer contra a alquimista da corte de Santo Aile…?
Cervantes pareceu sufocar-se com as palavras, mas a inquisidora continuou, completamente inabalada:
— Isso é algo que a Igreja sempre tem feito, desde os dias em que os exércitos do Rei Demônio vagavam livremente pela terra, a fim de solidificar a Ilha do Oeste como um monólito sob o nome da Igreja. E, quando eu digo “a Igreja”, me refiro a mim mesma e aos outros membros do antigo Conselho de Inquisidores.
A afirmação fez com que a atmosfera pesada do Santuário parecesse decair ainda mais sobre o conselho.
Entretanto, nada iria parar a enxurrada.
— Não importa qual seja a sua escolha, a Igreja irá ter que pagar com um grande sacrífico. Mas, caso optemos por deixar o problema de lado assim, o sol irá se pôr para sempre para a infalibilidade e autoridade da Igreja. Eu duvido que muitas pessoas escolherão colocar sua fé em alguém tão disposto a jogar fora a Heroína, a esperança do povo, a mulher que acabou com o Rei Demônio.
O olhar da inquisidora era semelhante a uma tempestade de pedras contra o Santuário abalado. Com esforço, Cervantes abriu a boca:
— Você faz parte do Conselho de… quero dizer, Júri de Reconciliação, correto? Então como pode lidar com esta situação?
A resposta da mulher foi rápida:
— Tenho certeza, Arcebispo Cervantes, que você compreende a importância do Conselho de Inquisidores ao transformar-se em Júri de Reconciliação, ao menos em nome.
Cervantes rapidamente desviou sua linha de visão dos olhos da mulher.
— No passado, foi o objetivo de derrotar o Rei Demônio que nos uniu. Todavia, agora, enquanto todos acreditam que a ameaça se foi, seria um grave erro acreditar que qualquer ato em nome dos deuses seria perdoado.
— O-O que você está dizendo?
Robertio não falhou em perceber onde a mulher queria chegar com aquilo.
— Eu estava esperando que o choque inicial diminuísse para eu continuar. — Ela escolheu as palavras com cuidado enquanto olhava para os cinco arcebispos à sua frente, um de cada vez. — Mas Satan, o Rei Demônio, também está vivo no outro mundo.
Robertio perdeu todos os sentidos, e espuma lhe escorria pelos cantos da boca.
— Então você está com dificuldades para juntar confiança? — Sábado de manhã, no dia seguinte. Bem cedo, com o sol do início do verão começando a fazer sua total aparição, Emi e Chiho estavam diante da porta do Castelo Demoníaco.
— Bem, quero dizer… sabe como é.
Chiho, escondendo-se atrás de Emi enquanto olhava furtivamente para a porta, carregava uma sacola volumosa. Emi podia imaginar com facilidade o que havia dentro.
— Se eu fracassar aqui, não sei se vou conseguir me recuperar disso sozinha…
Fracassar no que, exatamente? Seria bobo se dar o trabalho de perguntar.
— Só estou dizendo, não foi muito adequado para o verão, mas era, tipo, uma caixa de bento super bem feita! Além disso, sabe, se tivesse veneno nela, Maou e os amigos dele poderiam estar com grandes problemas…
— Se um assassino de Ente Isla fosse envenená-lo, já teria feito isso há décadas.
Até mesmo Emi tinha certeza disso.
Chiho sentia que qualquer uma das conclusões potencialmente desastrosas seria um grande golpe para ela, mas a questão dos seus próprios sentimentos no momento era, de longe, a mais urgente agora.
— Bem, ficar aqui e nos culpar por tudo isso não vai levar a nada. Apenas seja você mesma. Vai na fé.
— Tudo… bem!
Emi tirou Chiho detrás dela, dando-lhe um tapa tranquilizante no ombro.
Um momento depois, Chiho virou-se, o nervosismo ainda tomava conta de grande parte do seu rosto.
— Uhm, Yusa? Me desculpe pelo incômodo e obrigada.
Por trás da afirmação concisa havia um completo entendimento tanto da Yusa quanto do Maou.
Mesmo que Chiho já tivesse dado um passo firme nos eventos relacionados a Ente Isla, pelo ponto de vista de Emi, não seria a mais louvável das decisões táticas deixar que ela se aproximasse ainda mais de Maou.
No momento, em total controle da sua energia sagrada, não havia mais qualquer obstáculo entre ela e a obliteração do Rei Demônio.
Poderia apagar as memórias de todo mundo no Japão que interagiu com ele — não eram tantos assim —, massacrar o resto do Castelo Demoníaco, chamar Emeralda e Albert para partir e fazer um retorno triunfante a Ente Isla. Era apenas isso.
Porém, depois de um sorriso com um turbilhão de emoções, Emi respondeu:
— Sem problema, eu não me importo nem um pouco com eles, mas ainda quero ser a sua amiga, Chiho, por isso…
Esta também era uma parte honesta e séria do coração de Emi, na forma verbal.
Independentemente se esse coração foi percebido ou não, Chiho respirou fundo e de maneira encorajadora mais uma vez, então apertou a campainha do Castelo Demoníaco.
A recompensa foi instantânea.
— Ah, sim, bem-vindo de volta.
— …!
Chiho ficou congelada, sem respirar, ao ouvir o som de uma mulher desconhecida. Até mesmo Emi conseguia ver a coragem que ela passou tanto tempo juntado começar a ruir e estremecer.
Não foi Maou, mestre da casa, que abriu a porta, nem o seu fiel dono de casa Ashiya. E certamente não foi o desempregado e recluso Urushihara. Foi Suzuno Kamazuki, com estampa de uma glória da manhã refrescante em seu quimono azul-marinho e seu avental de sempre.
Mesmo com o cabelo amarrado, o sol da manhã ainda cintilava forte nele. Já estava começando a ficar úmido, mas nenhuma gota de suor aparecia em sua pele; o branco leitoso da sua pele combinava brilhantemente com o quimono. Ela secava as mãos com uma toalha enquanto abria a porta, indicando a sua presença na cozinha até o dado momento.
Parecia ser mais jovem que os visitantes à primeira vista, mas o seu semblante firme e refinado tinha um ar de maturidade que Chiho ainda não possuía.
— Oh, bom dia, Emi e… e você, quem poderia ser?
— Eu… Eu… Eu…
Sua voz era tranquila e calma, mas Chiho, enquanto isso, soava como alguém que tinha colado a garganta com supercola.
— Sadao, há um visitante na porta.
Chiho ficou chocada mais uma vez com aquelas belas palavras japonesas desconhecidas.
Ela se referia ao Maou pelo seu primeiro nome. Esse era um símbolo de intimidade e familiaridade no Japão. Até onde sabia, ninguém mais na vida do Maou o chamava assim.
Chiho sempre foi, é claro, mais jovem do que ele e, de certa forma, sua aprendiz no MgRonald, mas duvidava que pudesse fazer isso, mesmo se pedisse.
Ainda assim, uma mulher, que saiu do nada, estava expressando a sua honesta e simples cordialidade quando o chamou de Sadao. Ela começou a ter dificuldades para continuar de pé, não por causa da tontura, mas sim pelo puro desespero.
Emi, observando tudo por trás, não tinha nenhuma forma para a socorrer. Esta era a batalha da Chiho, e somente ela possuía o poder para mudar as coisas.
— Uh? A Emi está aqui de novo?
— Não é apenas a Emi.
— Hã?
Era Sadao Maou, o único homem nos olhos de Chiho.
— Uou, Chi?! O que você está fazendo aqui? É bem cedo ainda, não?
E a sua primeira reação para ela foi, no máximo, indiferente.
— M-Maou…
Mesmo antes de a batalha começar, os olhos dela já tinham começado a lacrimejar.
Emi levou uma mão à testa de tão irritada. Não adianta, ele sequer percebe o que está acontecendo neste exato momento.
— Hm, ah, bem, hm, eu, hã, se você, hã, tipo, hã, comeria…
Ela tentou bravamente juntar algumas palavras — sua voz parecendo o barulho de um mosquito —, mas, ao ter uma rajada a derrubando tão cedo, o processo tornou-se bastante difícil.
— Hã, aconteceu alguma coisa, Chi?
Até mesmo Maou percebeu o comportamento estranho de Chiho agora, mas tudo o que fez foi observar com cautela enquanto o rosto dela tremia.
O socorro então chegou de dentro do Castelo Demoníaco.
— Oh… A Senhorita Sasaki está aí…?
Tomou a forma da voz apática do Ashiya, a qual ainda conseguiu chegar alta à porta.
— Odeio ter que lhe incomodar, Senhorita Kamazuki, mas tenho alguns sachês de chá dentro do armário debaixo da pia…
— Ashiya?
Chiho percebeu que, atrás de Maou e da mulher estranha, Ashiya estava deitado no piso, coberto por algo que parecia um cobertor.
— Oh, não, você está doente, Ashiya?
— Sim, não sei se posso dizer isso ou não, na verdade. — Maou coçava a cabeça enquanto seus olhos iam da Chiho ao Ashiya. — Mas, tipo assim, essa é a história do bento de ontem, eu acho.
— Hã?
Chiho, ainda com lágrimas nos olhos, cintilou com uma expressão de puro choque.
— Minha nossa, veja como estão bem cortadas essas ervas shiso! Tão lindas…
— Sim! E uma faca bem afiada realiza metade do trabalho para você. Depois disso, pegue uma folha, corte ao meio, coloque as metades uma em cima da outra, aperte-as e corte em pequenas fatias, e não tem como ser mais fácil.
— E como você deixou aquela folha de alface vermelha toda crocante assim?
— Bem, primeiro tem que lavar com água quente, depois só retirar o excesso de água. Remova o talo e deixe-o de lado por enquanto. Isso irá te ajudar a retirar a terra e outras sujeiras que você não veria antes. É muito mais efetivo do que simplesmente deixar debaixo da torneira.
— Você não precisa de molho de soja nesse tofu hiyayakko?
— Ah, não. Eu uso uma solução de caldo de sopa diluído em água. Desta forma, o sabor do tofu não irá implicar tanto com o sabor salgado. Isso resulta em um sabor muito mais suave e brando.
Chiho e Suzuno estavam tendo uma conversa profunda.
Emi ouvia fielmente, um tanto perplexa com essa mudança drástica.
Chiho, sem saber que Suzuno havia vindo para ajudar Maou a manter as tarefas da casa em ordem depois que o calor do verão deu um golpe na saúde de Ashiya — e que ela simplesmente tinha o hábito de se referir às pessoas pelo primeiro nome —, enfim limpou as lágrimas do rosto.
Depois de olhar com desdém para Urushihara, que desperdiçava a manhã enquanto deixava a vizinha lidar com o trabalho pesado, Chiho se apresentou mais uma vez a Suzuno.
— Bem! Eu devo dizer que a variedade de comida que Chiho trouxe para nós resultará em um amável café da manhã.
A mesa de jantar já estava bem cheia quando Chiho adicionou os peitos de frango frito e salada de batata. Para um café da manhã, era quase um buffet vasto.
— Hã… então, ei, muito obrigado, Chi. Isso meio que foi uma surpresa. Mal posso esperar para começar a comer.
Maou a agradeceu enquanto suas mãos agitavam-se sobre a mesa, desmentindo sua total incapacidade de decidir qual seria o primeiro prato a experimentar.
— T… tudo bem!
— Muito obrigado, Senhorita Kamazuki…
Ashiya, agora sentado, parecia quase emaciado enquanto curvava a cabeça.
— Hmm. Tem bastante pessoas aqui; será que há xícaras e hachis o suficiente?
Maou começou a contar depressa.
— Oh, eu trouxe os meus. — Chiho pegou alegremente uma caixinha da bolsa.
— Ótimo, neste caso, Emi, eu espero que você se sente perto de mim. Temo que não tenho nada além de hachis descartáveis a oferecer, mas…
Suzuno convidou Emi, que tinha sido deixada de lado até agora, ao oferecer um conjunto de hachis de madeira.
Foi uma refeição da manhã notavelmente animada, uma cena que fez Emi se perguntar se esse era mesmo o Castelo Demoníaco. Quando todos já estavam com copos e hachis, Urushihara enfim reuniu energia para se aproximar, sonolento.
— Huh. Café, já? — Ele ignorou os olhares enojados que os outros lhe mostraram. — Cara, não estou vendo nenhum lugar, nem hachis nem xícara para mim.
Maou, Ashiya e Chiho ocuparam um lado da mesa kotatsu, com Emi e Suzuno ocupando o outro. Não havia lugar para Urushihara se sentar.
Mas ainda tinha um recipiente plástico e um garfo sobre a mesa do computador.
— Nossos convidados são mais importantes. E a pessoa que menos contribuiu come por último.
Ashiya foi frio como gelo.
— … Mano, você vai se arrepender tanto disso. Tipo, aquela embalagem não é a mesma em que veio o meu jantar do Sugiya?
Urushihara murmurou baixinho para si mesmo, olhando abatido para a embalagem descartável de plástico enquanto colocava um pouco de arroz nela.
Era isso que ele merecia, já que até mesmo Chiho, que tratava quase todo mundo que encontrava com gentileza, não conseguia ter simpatia por ele.
— Então… como você está, Ashiya? Se sente melhor?
— Obrigado pela sua preocupação, Senhorita Sasaki. Graças à gentileza da Senhorita Kamazuki, me foi dada uma ampla oportunidade para descansar os meus ossos cansados. Eu não desejo aumentar o fardo do Castelo Demoníaco, por isso planejo voltar à minha rotina regular a partir de amanhã.
— E temos que agradecer a Chiho por isso. Tamanha foi a cornucópia de ingredientes rejuvenescedores que trouxe! Nada melhor do que uma boa carne para reviver o apetite de um homem.
— Bem, obrigada! Mas eu queria saber cozinhar como você, Suzuno.
A conversa do café da manhã não tinha como ser mais amigável. Emi sondava Suzuno com cuidado enquanto isso acontecia.
As palavras que trocaram ontem não chegaram nem perto de dissuadi-la a se afastar de Maou, mas, a julgar pela sua comida e comportamento amigável para com Chiho, não havia nada de suspeito sobre ela.
E, parando para pensar, o assaltante maníaco da noite passada levou uma tiro de paintball direto na máscara de esqui. Aquela tinta e cheiro não eram algo que saíam em um ou dois dias. Parecia justo concluir que Suzuno não era a agressora portadora de foice que atacou Emi.
— Ah, a experiência tem uma maneira de tornar qualquer um em veterano com o tempo, Chiho. Tenho certeza de que um dia você irá superar até mesmo eu.
— Pois é, mas a Mãe cozinha para a família no meu lugar, por isso não tenho muitas oportunidades para praticar.
— Oh, uma oportunidade virá, confie no que estou dizendo. Eu também fui muito bem alimentada pela minha família em toda a minha vida, mas, de várias maneiras, foi mais uma questão de eles empurrando comida para mim. Porque, quando me mudei, me fizeram trazer uma despensa cheia de suprimentos!
Isso resolvia outro mistério duradouro na mente de Emi. Dada a sua experiência com o interior dos armários do Castelo Demoníaco, ela estava se perguntando quem estava assumindo a conta de todos estes ingredientes.
— Eles estavam gentilmente esperando me ajudar com as finanças até eu encontrar um emprego útil na cidade, mas uma quantidade tão grande assim só faria com que tudo estragasse com o calor do verão. Por isso, se é que posso dizer na frente de todos vocês, ter três homens jovens e vigorosos com apetites saudáveis como vizinhos foi uma grande ajuda para mim.
Era difícil dizer se Suzuno estava tentando dar tranquilidade a Chiho ou provar a Emi que aceitou o seu conselho sobre desistir de Maou. Ou nenhum dos dois.
Ela mencionou que queria encontrar um emprego decente ontem, parando para pensar. Emi, deixando suas dúvidas e preocupações de lado, entrou na conversa:
— A propósito, que tipo de trabalho você tem em mente?
Suzuno, por razões que apenas ela conhecia, mostrou a Emi uma expressão estranha.
Emi ficou um tanto confusa com aquela encarada vinda de perto, mas Suzuno olhou para Maou e Ashiya antes de assentir para si mesma, parecendo convencer-se sobre algo.
— Não vou pedir uma vaga de assalariada. Contanto que me pague uma insignificância para sobreviver, não terei reclamações.
A resposta foi rápida e clara. O uso da palavra insignificância foi talvez um pouco fora de contexto, mas, pela localização dela em Sasazuka, bem próxima ao coração de Tóquio, tinha uma grande gama de opções para escolher. E já que estava prestes a começar o novo mês, caso se apressasse, teria uma folha de pagamento de tamanho até que decente esperando por ela em poucas semanas.
“Um trabalho que deixe a minha terra natal orgulhosa” era deixar as esperanças bem baixas, mas já que ela e Emi tinham se conhecido havia pouco, esse era o tipo de resposta reservada que esperava.
Emi não teve muito tempo para pensar sobre isso.
— Bem, por que não vem trabalhar onde eu trabalho? — Maou, denso como sempre, falhou completamente em ler a atmosfera ao redor dele e falou de qualquer jeito.
— !!
— !!
— ?
— …
— Ai ai, meu deus.
Chiho congelou ali mesmo; a testa de Emi se franziu; Suzuno inclinou a cabeça para o lado; os olhos do Ashiya dirigiram-se ao teto e Urushihara expressou verbalmente o seu nojo.
— Nós meio que estamos sem mão de obra em vários turnos agora, por isso não acho que tenhamos problemas para aceitar outra pessoa. A Chi também vai estar lá, então você terá alguém conhecido por perto enquanto aprende o que precisa.
Será que Maou não tinha parado para pensar que conhecidos na equipe estava longe de ser o problema ali? Ou, talvez, já lhe ocorreu que Chiho estava à sua porta hoje cedo?
Urushihara, sentado longe da mesa, podia ver o turbilhão de estranheza circulando no centro do aposento.
— Bem, você não tem como responder à pergunta na hora, né?
Emi, ao não encontrar outra saída, tentou estender a corda salva-vidas para Chiho.
— Pode pensar nela como uma candidata em potencial, mas… sabe, há coisas boas e ruins em ter conhecidos como colegas de trabalho. Então talvez devesse, sabe, pensar um pouco mais sobre isso primeiro?
Chiho olhou para Emi com olhos bem abertos, sem saber o que fazer.
— Verdade… isso faz sentido. — Suzuno assentiu, concordando. — Muito obrigada pela oferta, Sadao. Vou levar isso em consideração. E quem sabe eu não peça para você uma introdução formal no futuro, né?
— Sim, uh, com certeza.
— E, caso eu o faça, espero que fale bem de mim, Chiho.
— T-Tudo bem.
Chiho olhou para Emi por um momento antes de curvar a cabeça para Suzuno. Os olhos de Emi recuaram levemente quando percebeu aquilo.
Não havia pretensão, nem segundas intenções, era apenas uma simples troca de palavras. Uma mesa de jantar preenchida de honesta devoção e habilidade. Uma personalidade direta ao ponto para combinar com o seu discurso direto ao ponto.
Tanto para Chiho quanto para Emi, não havia absolutamente nada que elas pudessem ver para lhes deixar com dúvidas sobre Suzuno Kamazuki.
— Quem sabe você não gostaria que eu lhe mostrasse os arredores de Shinjuku e tal? – Emi decidiu agir primeiro.
Nem ela nem Maou estavam dispostos a deixar essa mulher permanecer contente em viver em uma pobreza miserável e passar fome. Emi sabia que precisavam apresentá-la à sociedade moderna até certo ponto, mesmo que soubesse que não faria sentido expandir demais o círculo.
Se Suzuno realmente fosse apenas uma típica mulher japonesa, Emi queria que vivesse o mais longe possível de Maou.
— Seria mais fácil entender se fossem apenas as mulheres. Vá com esses caras e sabe-se lá que tipo de coisas estranhas vão te ensinar.
— Ei, isso aí é maldade! — falou Maou, insatisfeito com essa depreciação, mas Emi não lhe deu atenção.
— Bem, ainda que seja, estou confiante que posso fazer um trabalho melhor do que você.
Emi bufou altivamente para Maou que, em resposta, deu de ombros, mas decidiu não dar sequência.
— E o que acha de emprestar algumas roupas? Sabe, para trabalhar e tal. Acho que ela parece bonita num quimono, mas, tipo, vai precisar de um terno e uma bolsa, né? Por exemplo, uma roupa social, igual àquela que você tem, Emi. Poderia ser uma secretária ou sei lá, né?
Pela primeira vez, Urushihara disse algo que Emi teve que concordar, o que ela apreciou. Entretanto, ainda não havia gostado de ele ter pegado a sua bolsa e mexido nela sem permissão.
— Ei! Não saia tocando nela! Você vai me infectar com a sua doença de preguiçoso!
— Não é uma doença! E eu só estava olhando! Pô!
Urushihara retorquiu — na sua mente — o ataque desnecessário. Chiho deu uma resposta fria:
— Estou perplexa como você pode fazer essas coisas, Urushihara.
— Ei, já chega! Vocês todos estão me tratando como idiota! — Ele voltou para o seu canto, murmurando com raiva ao longo do caminho.
— Mas devo concordar, o meu baú de roupas não tem tais itens. Possuo poucas coisas como bolsas e calçados. Talvez seja melhor eu compensar isso, se necessário.
— Você tem mais coisas além de quimonos, né? — Emi fez uma pergunta casual, pois ainda não tinha visto Suzuno com outras roupas.
— Não. Tenho quimonos, sandálias e essas meias, mas nada se iguala ao que você ou Chiho estão usando de maneira tão arrojada.
A confissão foi tão chocante quanto à tranquilidade na qual foi dita. Aqueles que a ouviram trocaram olhares.
— Isso… é estranho, de certa forma?
Suzuno olhou ao redor com um traço de preocupação no rosto, pois até ela mesma notou que isso pareceu surpreender a todos.
— Não, nada de estranho, na verdade, mas… — Ashiya se perdeu no meio do caminho.
— Minha nossa, Suzuno, você é tipo uma princesa samurai.
Até mesmo Urushihara parecia chocado com a revelação. As outras duas mulheres na sala foram menos francas com a surpresa.
— … Yusa, se você puder, talvez, me mostrar uma loja de roupas também…
— Hmm, pode deixar! Se tivermos tempo.
Chiho e Emi assentiram uma para a outra; o nervosismo estava pintado no rosto delas.
Maou interrompeu as duas:
— Sei lá, desse que não volte parecendo toda estranha… — Ele assentiu para si mesmo.
— Bem, obrigada novamente por me deixar visitar tão cedo da manhã, e desejo melhoras, Ashiya.
— Sem problema. Muito obrigado por todas as adoráveis coisas que trouxe hoje. E, Vossa Alteza Demoníaca, sem gracinhas antes de levar a Senhorita Sasaki para casa.
Maou e Chiho deixaram o apartamento, e Ashiya se despediu deles. Chiho ficou um pouco corada em resposta, e um sorriso apareceu no seu rosto.
— O que é você, minha esposa? — Maou lançou um olhar ao seu colega de quarto.
— Ela lhe serviu lealmente, meu soberano, tanto em assuntos pessoais quanto profissionais. É o correto compensar o débito com a mesma gentileza.
— Pfft… sim. Enfim, até mais.
Maou mostrou um olhar deprimido enquanto descia as escadas, e Chiho seguia logo atrás. Ashiya observou por um tempo antes de fechar a porta.
Os dois não voltariam ao trabalho até a tarde, mas foi Ashiya que empurrou Maou para que ele levasse Chiho de volta para casa, dizendo:
“Como você poderia deixar a Senhorita Sasaki partir sozinha depois de ter nos trazido um banquete tão faustoso?”
Ashiya nem sempre teve uma opinião tão rósea sobre os avanços de Chiho sobre Maou no passado, mas, aparentemente, estava disposto a soltar um pouco as rédeas com qualquer um que estivesse a fim de ajudar os demônios falidos com o orçamento mensal.
Grande parte disso também resultou no agravamento do vegetal vivo chamado Urushihara, que se enraizou em um canto sem demonstrar sinais de que isso teria fim, embora nem Maou nem Ashiya tinham percebido ainda.
Emi e Suzuno deixaram o Castelo Demoníaco antes, enquanto Emi expressava uma vontade de mostrar a Suzuno alguns locais pela cidade antes de o trabalho começar.
Maou, enquanto isso, caminhava perto de Chiho no acostamento, e a sacola com os potes plásticos que ela trouxera estavam seguramente guardados dentro do cesto da frente de Dullahan, o fiel corcel do Rei Demônio, enquanto ele a levava empurrando.
— Que pena você não ter um acento ou um suporte atrás da sua bicicleta, Maou.
— Dullahan, você quer dizer, né? Mas, então, não dá para esperar muito de uma bike usada, não acha?
— Bem, ainda assim é uma pena.
Chiho mostrou um sorriso de queixa, e Maou ficou confuso.
— Pois é, mas se você se sentar na traseira dessa coisa, pode ser multado com vinte mil ienes, sabia? Eu já estou infringindo a lei ao usar um guarda-chuva quando está chovendo.
Maou só estava ciente disso graças a Ashiya, que lhe deu uma extensiva aula sobre as multas e punições relacionadas à lei de bicicletas em Tóquio, assim como os possíveis efeitos desastrosos que isso podia causar nas finanças deles.
Chiho revirou os olhos, mostrando a Maou uma expressão exasperada.
— Eu sei disso. Eu não disse que queria, tá? Eu meio que queria outra coisa.
— Hm?
— Ah, nada. Mas, então, quando chegarmos na estação de Sasazuka, podemos pegar a Via Koshu-Kaido em direção a Hatagaya.
Com isso, Chiho lentamente começou a caminhar meio passo à frente de Maou. Ele, obediente, vinha logo atrás, ainda empurrando a Dullahan. Olhando para as costas dela, o que veio à sua mente foi que Chiho vivia em uma casa própria. Com sua família, sem dúvidas. Se ele continuasse, acabaria cara a cara com os pais dela.
— E-Ei, uh, Chi?
— Hm? O que foi?
Chiho virou o rosto para trás.
— Então, é… obrigado por me dar um banquete tão farto. Estava ótimo.
— Oh, não foi nada comparado a Suzuno, mas aprecio o elogio.
Ele podia ver que havia mais do que um traço de dúvida na voz dela, entretanto, decidiu continuar com a pergunta que estava em sua mente.
— Ouça, é, os seus pais estão de boa com isso?
— Isso o quê?
A resposta estranhamente desconfiada foi o suficiente para deixar Maou petrificado por um momento.
— Oh, é… quero dizer, sabe, Chi. Uma garota como você indo até uma casa igual a nossa, entende? Os seus pais não falaram nada?
— Ah, isso?
Chiho colocou um dedo no queixo enquanto pensava sobre a resposta. A pergunta parecia tê-la deixado um tanto agitada.
— Bem, não falaram nada, mesmo. Eu lhes disse exatamente aonde estava indo, e a minha mãe também me deu várias dicas enquanto eu cozinhava. Aprovação da mãe, pode-se dizer!
A resposta excedeu todas as expectativas.
— E-E quanto ao seu pai?
Dois meses atrás, quando Maou e Chiho foram pegos juntos em um colapso dentro de um shopping subterrâneo em Shinjuku, o pai policial dela foi um dos primeiros a aparecer. Naquela vez, ela parecia menos disposta a ser vista com Maou, mas…
— Bem, eu meio que não contei para ele para onde estava indo na última vez. Mas hoje está tranquilo.
— Oh, tranquilo então?
— Aham. Na realidade, ele até gritou essa manhã, tipo, “Oh, você finalmente achou alguém para quem quer dar uma refeição caseira” e tal.
Aprovação da mãe e do pai. Ainda mais inacreditável.
— Oh, agora que me lembrei. O que você vai levar de bento hoje? A Suzuno saiu com a Emi agora, né?
— O que eu vou levar…? Bem, não pensei muito sobre isso.
Ele tinha poucos motivos para tal. O bento que violentamente agitou o mundo de Chiho foi o primeiro que Suzuno lhe fez; não podia ser considerado um costume ainda. Portanto, Maou foi honesto, uma resposta que Chiho recebeu sem se virar.
— Então… se preferir, gostaria que eu fizesse um?
— … Para mim?
Essa era a resposta mais inteligente que Maou era capaz de dar. Chiho o encarava com amargura.
— Eu teria perguntado para você se fosse para outra pessoa?
— Bem, não, mas… ei, por que não? Tenho certeza de que Ashiya ficaria mais feliz comigo comendo qualquer coisa que você fizer do que vivendo de fast-food o tempo todo.
Com a sua permissão formal garantida, o olhar carrancudo de Chiho imediatamente transformou-se em um brilhante sorriso de flor desabrochando enquanto ela dava pulinhos.
— Ooh, maravilha! Então vou me certificar que seja nutritivo e tal. Eu não iria querer que o Ashiya se preocupasse demais com você!
Maou podia ter sido lento para acompanhar de certa forma, mas ainda tinha um ano de experiência vivendo no Japão em seu currículo. Até mesmo ele via o significado por trás de uma adolescente se dar ao trabalho de cozinhar para um cara com quem nem mesmo tinha alguma relação.
Mas ainda havia algo que o incomodava.
— Bem, sobre isso, Chi… Nós… tipo, não te preocupamos nem um pouco?
— Oh… quer dizer, vocês? — Ela olhou para os seus arredores. — Tipo, sobre serem demônios alienígenas?
O fato de não ter ninguém por perto parecia tê-la deixado confortável para falar em voz alta. A sua saia de verão esvoaçou com a brisa quando ela se virou.
— Pois é, mais ou menos…
Maou ficou sem palavras, pois não esperava que ela falasse tão facilmente depois de dar meia volta.
— Bem… acho que estaria mentindo se dissesse que não. Talvez você tenha imaginado isso quando me viu com a Emi, hoje de manhã, mas nós gostamos de trocar mensagens de vez em quando. Então sei um pouco sobre o que você estava fazendo em Ente Isla ou sei lá.
Chiho respirava de forma curta, começando a suar sob a luz do sol de antes do meio-dia.
— Mas antes de eu saber disso, Maou, eu meio que comecei a gostar de você, então…
As palavras saíram com facilidade, e os olhos de Maou saltaram.
Vendo aquilo, Chiho riu, nervosa.
— Oh, você não precisa olhar para mim dessa maneira. Acho que já deve ter entendido o que Albert lhe disse, certo?
— Uh, não, uh…
Chiho o incitou, apesar de não forçar demais.
— Não fique parado aí no meio da rua. Tem um carro vindo.
Correndo de volta para o acostamento da rua, Maou observava enquanto um caminhão da Transportadora Nekoto passava.
— Mas você ainda não percebeu, Maou? O motivo para eu estar tão distante nos últimos dois meses?
— Na verdade… não.
— Quando fomos trabalhar, logo depois que você lutou com o Urushihara, me perguntou se eu queria as minhas memórias apagadas.
— S-Sim…
Chiho respirou fundo, então virou-se. Os raios de sol do começo do verão passavam pelas beiradas do seu vestido ondulado, junto com os cantos do seu sorriso caloroso e gentil.
— Bem, não quero me esquecer das pessoas que gosto. Jamais. Não importa o quê.
O vento bateu contra as suas bochechas levemente avermelhadas enquanto ela deixava o cabelo voar livre.
— …!
Maou engoliu em seco, e Chiho riu um pouco em resposta.
— Você não precisa agir morto de choque a toda hora, Maou. Está realmente tentando dominar o mundo ou o quê?
— É… bem, quero dizer…
— Pelo menos continue andando!
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