Os carvões brilhavam em vermelho-esbranquiçado enquanto assavam as tiras quentes de carne. O óleo que caía das tiras muito bem cortadas fazia com que o fogo subisse com ainda mais força, dando uma maior punição à carne com a sua vingança escaldante.
O aposento se encheu com o cheiro de carne e ossos assando em cada canto, junto de fumaça o suficiente para esconder o chiado da carne, que parecia um grito de morte.
Ele olhava para elas enquanto lambia os lábios. O sorriso que surgiu em seu rosto era o de uma besta demoníaca possuída por pura e indestrutível ganância.
— Hehehehe… O que acham agora que estão sendo assadas pelas chamas do inferno, sem ter uma chance sequer de escapatória?
A voz obscura, mesmo que retraída, não era capaz de esconder a inata e profunda crueldade que seu dono direcionava à carne enquanto esta sofria em meio às chamas.
— Agora irei consumí-la por inteira. Sua carne, entranhas, até mesmo os ossos! E você irá me provir com a energia que necessito para completar a minha grande missão! Então, fique aí tranquila e deixe que a vida a deixe… hehehe…
— Vossa Majestade Demoníaca…
Uma voz excêntrica soou sobre a fumaça e as chamas, mas ele não se importou.
— Ah, me dê um tempo. Não precisa apressar isso. Não vou ficar feliz até que ela fique crocante.
— Não, Vossa Majestade Demoníaca, o que quero dizer é…
— Agora deixe que o grande banquete comece! Vamos começar com os miúdos, pode ser? Mas qual é a dessa atitude! Qual o significado disso? Por que está encolhido em um canto como se fosse uma criança assustada?!
— …
— Não há mais escapatória para você! Deverá ter a honra de ser o primeiro sacrifício oferecido à minha presença magnífica!
Com um último grito de alegria, preparou agilmente os pauzinhos que tinha na mão direita.
As pontas dessas duas armas tradicionais encontraram o alvo com facilidade — um pedaço de carne bem passada — na grelha. Levando-a até uma tigela de molho apimentado, tão vermelho quanto as fossas do inferno, mergulhou o pedaço lá antes de o trazer com crueldade até a boca.
— Hehehe… Um delicioso banquete, de fato!
Um olhar maligno de autossatisfação fez-se presente em seu rosto quando terminou de engolir.
— Meu soberano?
— O que foi, Ashiya?
Em um piscar de olhos, a sua expressão facial voltou a ser normal quando se virou na direção da pessoa que estava incomodando por atenção.
— Se me permite, eu poderia convencer o meu Rei Demônio a aproveitar a sua refeição fazendo um pouco mais de silêncio? Você irá atrapalhar as outras pessoas ao nosso redor.
Do outro lado da mesa baixa, o homem alto conhecido como Ashiya espiava por entre a fumaça ascendente, e suas sobrancelhas se franziram, mostrando estar angustiado.
— Hm? Oh, é mesmo, acho que eu estava ficando absorto demais nisso, né? Foi mal se falei muito alto.
O suposto Rei Demônio — um jovem perfeitamente normal em aparência — olhou para os seus arredores.
— Além disso, não precisa ficar tão emocionado por causa de alguns miúdos em um restaurante yakiniku. Você está agindo como se essa fosse a primeira refeição decente que teve durante todo o ano.
— Bem, não é como se eu estivesse tentando, mas se você fosse eu e vivesse só de porcaria e comida que não enche nem o espaço entre os dentes, veria que é meio que natural ficar animado por comer em um lugar chique, sabe?
O Rei Demônio habilmente passou uma seleção de carne, órgãos e vegetais da grelha para o prato enquanto falava.
— Tenho que ser honesto com você, nunca entendi por que todos os outros demônios gostavam tanto de comer órgãos das suas vítimas até agora. Mas agora vi que essa coisa é boa mesmo! Tipo, o que é esse pedaço? Coração de boi, será? É tão suculenta e derrete na boca. Yum. E eu amo o jeito que o bucho de porco e a cartilagem de galinha estalam contra os meus dentes! E o que é essa coisa aqui, tripa com carne? Parece bem estranha, mas não é ruim, não!
— Fico feliz, meu soberano…
Ashiya assentiu, mas o seu rosto ainda mostrava preocupação depois de desistir da ideia de acalmar o Rei Demônio.
Era uma noite de final de semana. Apenas algumas cadeiras estavam vazias no restaurante, e fumaça de carne assada era puxada pela ventilação. Nenhum dos clientes ali perto mostrava estar visivelmente incomodado com o comentário animado do Rei Demônio, mas, por dentro, Ashiya se arrependia por ser tão econômico — ou mão de vaca — com a comida que comprava e preparava para o seu companheiro.
Os dois viviam no Castelo Demoníaco — também conhecido como quarto 201 dos apartamentos do Vila Rosa Sasazuka, uma estrutura de madeira frágil construída há sessenta anos, a qual ficava a cinco minutos de caminhada da estação de trem de Sasazuka, oferecendo rápido acesso ao resto do bairro Shibuya de Tóquio pela linha Keio. Uma caminhada de dez minutos a partir do Castelo Demoníaco os levava até o distrito comercial, Rua 100, casa do restaurante yakitori no estilo harumon, bem conhecido pela população local.
Como parte da celebração dos dez anos de abertura, o restaurante estava oferecendo uma bebida gratuita e descontos de 390 ienes em quase todos os pratos durante as noites dos dias de semana nas primeiras horas do jantar. Para Satan, o Rei Demônio — que agora era mais provável responder pelo nome de Sadao Maou — era um desconto digno da presença do seu companheiro.
Ele tinha acabado de receber o seu pagamento, o qual retirou a pressão das suas finanças por enquanto. E já que alguns eventos de antes faziam a “celebração” valer a pena, o Grande General Demônio Alciel — melhor conhecido pela vizinhança como Shirou Ashiya — tinha concordado em soltar um pouco o aperto sobre as finanças do Castelo Demoníaco por uma noite.
Bebendo do seu chá oolong gratuito, Ashiya arrumou a salada diante dele.
— Vossa Majestade Demoníaca, você também precisa comer alguns vegetais junto da carne. Hoje em dia, se quisermos comer mais vegetais em casa, sairia bem mais caro do que trezentos e noventa ienes.
Com agilidade, tentou colocar um pouco da sua salada para dentro do prato de Maou.
— Oh, pois é, ouvi dizer que a produção estava começando a ficar cara.
— É uma loucura, meu soberano. Uma cabeça de repolho chegou a trezentas e cinquenta ienes.
— Bem, isso aí não importa muito, né? Eu meio que já nasci como um carnívoro mesmo.
— “Não importa” se você pensar que um bom balanço nutricional também não é importante. Seria bom se pudéssemos cozinhar um pouco de peixe, pelo menos, mas não temos uma grelha para peixe para usar no forno do Castelo Demoníaco, e a nossa humilde ventilação não seria adversária para toda a fumaça e cheiro que seria gerado.
Os dois demônios lamentavam dos aspectos pobres do grande estilo de vida deles enquanto bebiam o chá oolong.
— Ah, por falar nisso, é melhor comprarmos o jantar para o Urushihara, né? Acho que eles têm marmitas para bento aqui.
Uma caixinha no lado do cardápio que Maou pegou listava as opções de bento de yakiniku disponíveis. A porção de carne marinada de galbi tinha um preço extremamente justo, seiscentos ienes.
Mas Ashiya enrugou o rosto e balançou a cabeça diante daquela proposta. Ele serviu o resto da sua salada e pediu para que um garçom levasse a tigela.
— Não é necessário. Podemos simplesmente comprar uma tigela de arroz com carne de porco de tamanho normal no Sugiya no caminho de casa.
— Hein?
Surpreso com a inesperada e fria resposta dele, Maou observava Ashiya, que estava indignado, finalizando sua salada.
— Urushihara começou com as compras online, caso ainda não tenha percebido. Ele nunca trabalhou um dia sequer durante a vida, e ainda exige o seu cartão de crédito para fritar o nosso orçamento mensal. Ele nunca gasta uma quantidade grande de dinheiro em cada compra individual, mas se o deixarmos continuar desse jeito, acabaremos tendo que pagar pelos nossos erros algum dia.
— Quê? Ele está comprando coisas?
— Percebi que a conta do cartão de crédito do mês passado tinha algumas compras a mais além do computador e da instalação da internet que adquirimos. A menos que um de nós esteja desperdiçando o nosso dinheiro, o que eu duvido muito, só pode ser ele.
— Ah, pois é. Sabe, eu meio que tenho a impressão que o notebook ficou mais decorado depois que o comprei…
O computador, um aparelho que era, sem dúvidas, o artefato cultural mais valorizado nas vidas dos residentes do Castelo Demoníaco, foi um presente pago por Maou, na esperança de encorajar as habilidades computacionais de Urushihara.
— Eu queria pegar leve com ele, já que não pode sair, e também não quero que se estresse e comece a pensar em se virar contra mim novamente. Mas se for longe demais, é melhor eu dar uma dura nele, né?
— Eu anseio muito por isso, Vossa Majestade Demoníaca. O martelo de ferro da justiça precisa ser batido, e rápido.
O rosto de Ashiya ainda mantinha a carranca, mas parecia ter perdido um pouco da tensão depois das palavras encorajadoras de Maou. Entretanto, não durou muito tempo.
— Tudo bem, se temos um pouco de dinheiro sobrando, o que acha de aproveitarmos um tantinho mais?
— Hein? — Os pauzinhos de Ashiya pararam no meio do ar quando Maou mudou de assunto de repente, já segurando o cardápio aberto.
— Eu estava me controlando com os valores daqui porque achei que precisávamos guardar um pouco de dinheiro para a porção do Urushihara, mas já que não é necessário, o que acha de fazermos um pedido de galbi nobre, hein? Pode ser? Um galbi NOBRE!
Até mesmo com o desconto especial, a carne de galbi de nível nobre, tripa e harami custava 490 ienes por prato.
Ashiya agarrou a cabeça, arrependido.
— Bem, já que insiste. Mas é só hoje, depois nunca mais! Não vamos pedir mais nada hoje à noite!
— Pode deixar!!
Maou ergueu um punho para o alto para chamar o garçom mais próximo, fez o seu pedido e já pediu a conta. Observando o seu líder babando de alegria por causa de uma única porção de carne picada, Ashiya não conseguia saber se aquilo era uma visão alegre ou patética a ponto de esmagar a sua alma.
Ele levou o copo aos lábios para afogar as dores do vazio que sentia. Mas tudo o que restava era apenas gelo.
O mundo de Ente Isla, a Terra da Cruz Sagrada, era protegida pessoalmente pelos próprios deuses, diziam as lendas. Era composta por cinco grandes continentes, todos espalhados em forma de cruz sobre o Oceano de Ignora. E o rei dos demônios, o supremo soberano do mal daquele mundo, agora vivia na vizinhança de Sasazuka, no bairro de Shibuya, Tóquio, Japão.
Satan, o Rei Demônio, era o tirano de punho de ferro do mundo dos demônios, uma terra manchada e infestada pelos capangas contorcidos das trevas. O seu próprio nome era sinônimo de depravação, crueldade e terror.
Junto dos seus mais próximos e confiáveis Grandes Generais Demônios, ele desmantelou as forças humanas de Ente Isla, ficando a apenas um passo de conquistar toda a terra.
Mas então, apareceu um Herói forte o bastante para esmagar as ambições do Rei Demônio e proteger a sua terra natal. O nome dela era Justina Emília. Depois de uma batalha climática, o Rei Demônio foi derrotado e forçado a pular por um Portal que se conectava a outro mundo, na tentativa frenética de conseguir escapar.
Em seu estado ferido e exausto, a única coisa que pôde fazer foi deixar o fluxo do Portal o levar para um mundo desconhecido, um que era chamado de “Terra”. Era muito maior que Ente Isla, e sua civilização, mais avançada. Mas o maior desastre era que a raça humana o governava.
Estando agora no “Japão”, um dos países da Terra, Satan e Alciel rapidamente perceberam que não eram mais capazes de permanecer com as suas formas de demônio. A força mágica que residia em cada poro do tecido de Ente Isla não existia neste mundo.
Pare recobrarem seus poderes e voltarem para casa, os dois demônios decidiram viver como humanos nesta estranha nação, desprovidos de qualquer força demoníaca ou sagrada para dependerem, enquanto buscavam por uma maneira de recobrarem em segurança a energia mágica.
E o período de um ano da Terra passou, e os dois demônios viram-se em uma posição digna na sociedade japonesa — entre os poucos, orgulhosos e inferiores trabalhadores de meio período!
O Rei Demônio Satan, que tinha escolhido o nome de Sadao Maou, era agora um membro de nível A da filial de fast-food do MgRonald, em frente à estação de Hatagaya.
Alciel, o seu Grande General Demônio, que agora se passava por Shirou Ashiya no Japão, servia como um verdadeiro dono de casa, dando todo o suporte possível ao novo estilo de vida do Maou.
Os dois fundaram o Castelo Demoníaco temporário no Quarto 201 do Vila Rosa Sasazuka, um apartamento de alvenaria na vizinhança de Sasazuka de Shibuya, em Tóquio, que era um candidato infalível para Hall da Fama da Lixeira Infestada de Ratos. Lá eles viveram os seus dias como um par de cidadãos gentis, energéticos e seguidores da lei para trilharem o seu caminho neste mundo.
Não era o tipo de vida que se esperaria de um demônio que sonhava em dominar o mundo, mas Maou já estava contente o bastante com isso. Mas tudo mudou em um dia chuvoso, quando emprestou o seu guarda-chuva para uma jovem mulher pega na chuva, enquanto ia para o trabalho.
A mulher era ela, Emília Justina, a Heroína, que seguiu o Rei Demônio até a Terra para lhe dar o golpe final e decisivo.
A aparição súbita da sua maior inimiga o deixou nervoso no começo. Mas Emília também estava tão fraca e isolada no Japão quanto ele, vivendo com o nome de Emi Yusa e montando com afinco um currículo para trabalhar durante meio período sozinha.
Apesar da redescoberta desses dois inimigos naturais, nenhum deles tinha a liberdade para usar os seus poderes extraordinários com despreocupação total sobre a Terra. Por isso só podiam se encarar, forçados a continuar vivendo como membros da classe de jovens trabalhadores subempregados.
Um dia, os dois foram atacados por alguém autointitulado “assassino de Ente Isla”, um inimigo que jurou se livrar tanto da Heroína quanto do Rei Demônio no Japão.
O assassino era, na realidade, uma dupla. Um deles era um anjo caído, o Grande General Demônio que Maou pensou ter sido derrotado pelas mãos da Heroína Emília. O seu parceiro — Olba Meiyer — era um amigo próximo de Emília e um poderoso arcebispo na Igreja, a qual governava a raça humana de Ente Isla.
Envolvidos na destruição causada por Lúcifer e Olba, Maou e Emi foram forçados a entrar em batalha, quase perdendo a vida em inúmeras ocasiões.
Mas após uma mudança súbita de última hora, o Rei Demônio Satan foi despertado mais uma vez. Juntando-se à Heroína, que liberou o restante do seu poder sagrado que tinha guardado no seu corpo, ele virou o jogo e derrotou com êxito os assassinos.
Com Satan renascido e os companheiros da Heroína vindo de Ente Isla, o confronto final entre seres sagrados e demônios estava prestes a começar.
Mas, ao invés de uma batalha agitada, Satan usou os seus poderes recém-recuperados para consertar a cidade destruída e apagar as memórias de muitas testemunhas do conflito. Os seus poderes rapidamente foram atrofiados mais uma vez, e ele logo voltou a ser o antigo Sadao Maou.
Decidindo manter o olho no Rei Demônio de perto depois de ele ter perdido a sua melhor chance de voltar para casa, Emília optou por ficar no Japão. E, desta forma, o impasse entre seres sagrados e demônios continuou nos becos indolentes de Sasazuka, o qual não podia ser considerado o melhor campo de batalha divina.
Deixando o restaurante yakiniku para trás, os pulmões de Maou e Ashiya foram preenchidos pelo ar úmido no mesmo instante. Era quase o suficiente para afogá-los. Não havia neblina, mas parecia que um copo de água tinha sido derramado em suas traqueias.
A estação estava prestes a mudar do começo do verão para o verão propriamente dito. Os dias ficaram maiores, e a diferença de temperatura entre a noite e o dia estava ficando cada vez mais desprezível. Também era a estação das chuvas, e os medidores de incômodo dos dois estavam prestes a perder o ponteiro.
— Mas que droga é essa? Estava mais fresco dentro do restaurante! E estava literalmente pegando fogo em todo o maldito aposento!
— Nos faz grande falta um ar-condicionado, meu soberano.
Mesmo depois de aproveitarem o desconto especial, a rua comercial ainda estava no ápice do movimento. Hordas de assalariados que voltavam do trabalho caminhavam em grupos a partir da Rua Koshu-Kaido, a qual servia como principal ponto de saída da estação de Sasazuka.
Depois de comprar a tigela de arroz com porco mais barata na Sugiya, a lanchonete de fast-food de arroz e carne no meio do centro comercial, Maou e Ashiya enfrentaram as ondas de pessoas que vinham na direção contrária, à medida em que abriam caminho até a entrada da estação.
— Esses caras devem ser loucos. Está fervendo de quente, e ainda usam esses ternos aí como se não fosse nada.
— Bem, muitos ternos são feitos com materiais mais bem arejados hoje em dia. Até mesmo as lojas de promoção, como a Akayama e a Akaki, estão começando a vendê-los.
— Eu sei disso, mas tem que ser muito estúpido para querer usar uma camisa de mangas compridas no verão, não acha?
— Vossa Majestade Demoníaca, não se lembra do nosso ataque no Reino Árido, na Ilha do Sul?
O rosto de Ashiya, de repente, revelou um sorriso.
Não era nem sete horas da noite ainda, mas com os longos dias de verão, o céu ainda mantinha as suas cores do crepúsculo, e as luzes da rua alinhadas no comércio lançavam sombras especiais, as quais só eram vistas em noites de verão apáticas como essa.
No final da rua, perto do cruzamento com a Rua Koshu-Kaido, os demônios chegaram a um sinal vermelho.
— O sol pode causar um terrível dano à pele. Você se lembra o que as pessoas do deserto usavam? Os seus corpos estavam cobertos por um tecido grosso. O Japão pode não ser uma terra árida e escaldante igual à que você viu na Ilha do Sul, até porque a Terra é bem diferente de Ente Isla.
— O-O que você está falando?
Ashiya ficou mais exaltado enquanto continuava.
— Superexposição ao sol pode causar queimaduras na pele, meu soberano, e queimaduras em excesso podem gerar câncer de pele. Você não sabia que a diminuição da camada de ozônio está expondo as cidades do Japão a mais raios ultravioletas todos os anos!?
— Uh, não? E daí?
Ashiya apontou um dedo para o céu.
— Mesmo em dias nublados, ou até quando o sol se põe, os tais raios UV ainda estão caindo sobre nós. Eles são a causa direta de câncer de pele e catarata, e em locais como a Austrália, que é mais perto do buraco de ozônio da Antártida, alguns estados exigiram que as crianças usassem óculos escuros para irem à escola. — Ashiya tomava cuidado para não deixar a tigela de arroz bater em ninguém enquanto continuava o seu belo discurso. — O que eu quero dizer, Vossa Majestade Demoníaca, é que até mesmo no verão, andar com mangas curtas pode não ser a decisão mais sábia. Se eu pudesse apenas convencê-lo a adicionar algumas camisetas de manga comprida e um óculos de sol no seu guarda-roupa, isso iria me tranquilizar muito mais em relação à sua saúde a longo prazo.
— Cara, camisetas de manga comprida são uma coisa, mas não vou sair por aí usando óculos de sol.
Era difícil dizer o quão sério Ashiya estava sobre o assunto. Maou decidiu cortar o assunto antes que este evoluísse para uma conversa chata.
— Ei, está verde. Vamos logo antes que essa tigela de arroz com porco esfrie.
— Ah, sim.
A onda de pessoas no meio da faixa de pedestres começou a entrar em ação. Ashiya rapidamente virou a sua atenção para outra direção.
Os dois demônios continuaram conversando enquanto caminhavam entre as inúmeras centenas de cidadãos japoneses que os cercavam na grande passarela em frente à estação de Sasazuka.
— A propósito, Vossa Majestade Demoníaca, como você conhecia aquele restaurante yakiniku?
— Hm?
Ashiya falou novamente depois de chegarem do outro lado:
— Sei que essa não é a sua rota para o trabalho, então estava me perguntando sobre como você acabou o conhecendo.
— Oh… bem, na verdade, eu meio que já fui lá antes. — No momento em que disso isso, Maou buscou uma desculpa para si mesmo. — Mas antes que diga qualquer coisa, foi outra pessoa que pagou, entendeu? Eu não usei o nosso dinheiro!
Ele se atreveu a dar uma olhada para o rosto de Ashiya, mas viu que ele estava perfeitamente sereno.
— Eu não ficaria irritado com esse tipo de coisa.
Era tudo mentira. Se tivesse dito que pagou com o próprio dinheiro, Ashiya teria gritado com ele a noite toda, então o forçaria a uma drástica dieta de racionamento para compensar o déficit financeiro. Ele precisou esconder algo por detrás daquele sorriso suspeito!
— D-De qualquer forma, na primeira vez que fui, sendo que hoje foi a segunda, a Senhorita Kisaki me trouxe.
Mayumi Kisaki. A gerente do MgRonald em frente à estação de Hatagaya, chefe de Maou e membro importante na economia do Castelo Demoníaco.
— Entendo. Uma festa só para funcionários ou algo do tipo, isso? Parando para pensar, lembro-me de você se aventurando mesmo oito meses e dezessete dias atrás, dizendo que eu não precisava preparar o jantar.
— Sabe, o jeito com que você se lembra das datas é bem assustador.
Maou franziu o cenho.
As multidões começaram a ficar mais esparsas quando eles passaram pela entrada principal da estação. Estavam se aproximando das treliças das ruelas estendidas que faziam parte da antiga área residencial de Sasazuka.
— A Senhorita Kisaki disse, tipo, que era uma festa de boas-vindas para mim. Disse que conhecia algumas pessoas que trabalhavam lá. Daí foi eu, ela e alguns outros colegas, mas foi ela quem acabou pagando para todos.
— Uma grande gerente generosa, como sempre, entendo. Então não foi a sua primeira vez num yakiniku no estilo horumon?
— Entããão, na primeira vez, eu meio que não queria exagerar, já que era ela que estava pagando e tal. Para ser mais honesto, nem me lembrou muito bem do que comi.
Esse foi, talvez, o choramingo mais patético que o Rei Demônio já tinha mostrado.
— Ainda assim… Não é como se eu não quisesse, mas não estava me sentindo bem com a forma que a Senhorita Kisaki fez isso por mim.
O pensamento fez com que a expressão de Maou mostrasse um ar de tristeza. Ashiya, enquanto isso, parecia muito feliz pelo seu companheiro.
— Isso meramente mostra toda a confiança que ela colocou em você, Vossa Majestade Demoníaca. Não faz nem um ano que ela o contratou. É uma ótima promoção, não acha?
Maou, desatento, balançou a cabeça em resposta.
— Pois é, talvez, mas ainda estou ganhando por hora, como sempre.
— Pode ser que seja por períodos restritos de tempo, meu soberano, e talvez pode envolver apenas um pequeno número de pessoas, mas você está governando seres humanos! Certamente é algo para ser comemorado!
— Se você diz, mas… tem certeza disso?
— Eu dificilmente teria saído para comer fora se não fosse este o caso. Que tipo de servo eu seria, meu soberano, se não celebrasse a sua grande promoção?
— Supervisor de turno?
As palavras saíram dos lábios de Kisaki logo após Maou trocar o uniforme depois do fechamento.
Quando estava perto da porta, a sua gerente o parou com súbitas novidades — ela queria que ele fosse o supervisor de turno durante as tardes.
— Então, quer dizer que…
— Isso mesmo, você será o gerente assistente durante as suas horas da tarde, Marko. Também vai ganhar um aumento para cobrir os serviços extras.
Gerente assistente. Isso soava muito bem. Maou não conseguiu esconder o seu choque.
— Para ser honesta com você, os chefes da franquia estão me chamando para treinamento administrativo. O que, francamente, é um pé no saco para mim, pois significa que tenho que ficar fora durante os turnos da tarde durante uma semana, começando a partir do final de semana que vem.
Maou, por dentro, sentia-se maravilhado com isso. Que tipo de treinamento poderia necessitar desse turbilhão de vendas?
— Sei que não faz nem um ano que você está aqui, Marko, mas acho que tem um grande talento. Pensei em chamar por outro empregado integral para me substituir, mas se preciso deixar esse local nas mãos de alguém durante meio dia, iria preferir que fosse alguém capaz da tarefa do que rolar os dados e sortear alguém que nunca vi. Então, o que acha? Posso contar com você?
Esse era um elogio pequeno para alguém que uma vez tinha todo o mundo dos demônios na palma da mão, mas, para Maou, as palavras sinceras de Kisaki foram o suficiente para fazer o seu coração acelerar.
Como ele mesmo tinha dito no passado, a sua ambição pela dominação mundial começaria a gerar frutos assim que ele se tornasse um empregado assalariado. Se pudesse cumprir os seus deveres com destreza o suficiente no papel de supervisor de turno, seria outro passo firme em direção a esse objetivo sublime.
— Sim! Com toda a certeza! Não irei te decepcionar!
E foi assim que ele aceitou a oferta. Afinal de contas, se falhasse em atender às expectativas da Kisaki, seria uma falha tanto como homem quanto Rei Demônio!
Kisaki assentiu em resposta, e um sorriso gentil surgiu no seu rosto antes de ela mudar de assunto de repente.
— A propósito, Marko, você sabia que aqueles malditos do Frango Frito Sentucky estão abrindo uma nova filial perto da livraria do outro lado da rua, né?
— Uh? Sim, sabia.
Maou piscava diante da mudança súbita de assunto.
O Frango Frito Sentucky — um concorrente feroz do MgRonald — estava pronto para abrir uma filial ao lado da livraria ali perto, a míseros quinze segundos a pé de distância. Eles já estavam avisando todas as pessoas da região, colocando uma enorme propaganda em frente à sala em reformas e até mesmo indo longe o suficiente para colocarem panfletos e cupons na caixa do correio do MgRonald.
O sorriso sereno no rosto de Kisaki estava um pouco mais torcido agora, sugerindo uma emoção completamente diferente. Os seus olhos lembravam para Maou os de um caçador maravilhado com o animal preso em sua armadilha.
— Bem, a grande abertura é no dia em que o meu treinamento começa. Por isso que é um grande pé no saco para mim — disse Kisaki com pesar.
A lâmina afiada ao redor das pontas dentadas que formava cada uma das sílabas mostrava um profundo ressentimento. Parando para pensar, a Kisaki trouxe as propagandas e cupons do FFS que estavam na caixa do correio direto até a sua trituradora portátil, não?
Maou pensava nisso enquanto assentia em compaixão. O próximo ataque de Kisaki precisou de um tempo para ser totalmente compreendido por ele.
— Então vai ser assim, Marko: Se o FFS atrair um total maior de clientes durante as horas da tarde em comparação a nós, eu estarei diminuindo o seu pagamento em dez ienes por cada cliente que perdermos.
— Oi?
— Se você perder dez pessoas, serão cem ienes! Perca cem… mil ienes. Saindo direto do seu salário por hora!
— Quê—Uh, eu, uh, espere um pouco aí!
Enquanto Maou se esforçava para articular uma resposta, Kisaki se recompôs e mostrou um sorriso afiado, o qual faria até mesmo a Heroína orgulhosa.
— Silêncio! Esse é o tipo de determinação que um supervisor de turno precisa para sobreviver nas vendas de varejo!
— Sim, mas… eu só ganho mil ienes por hora! Se você tirar mil, quer dizer que vou estar trabalhando por nada! Deve haver algo nas leis trabalhistas que…
— A constituição seguida aqui é a minha!
Não apenas a lei, mas a própria constituição. Maou começou a ficar tonto.
— E você ficaria feliz por trabalhar de graça, confie em mim. Um dos caras com quem me juntei perdeu feio para um competidor uma vez. Ele acabou sendo reatribuído a Trinidade e Tobago. Na última vez que tivemos contato, ele ainda estava lá. “Pelo menos falam em Inglês”, lembro dele dizendo isso.
— Não acho que este seja o problema…
— Seja o que for! Eu o nomeio oficialmente o mais novo supervisor de turno! Durante uma semana, quero que coloque a sua vida em jogo para proteger este lugar e destruir aquele maldito FFS novo! A derrota significa morte!
— S-Sem chance…!
Maou tentou se defender, mas Kisaki respondeu ao cruzar os braços e caminhar até ele. Graças a sua estatura alta e os saltos que usava, a sua vantagem sobre Maou estava ainda maior do que o normal. Os seus olhos brilhavam com uma luz misteriosa e ansiosa, assim como as chamas poderosas que rugiam atrás da visão do Rei Demônio.
— O que está tentando dizer, Marko? Isso significa que você quer pegar toda a confiança e esperança que coloquei em você e jogar num tanque com ácido?
Neste momento, Maou percebeu que não havia escapatória. Era tarde demais para fazer qualquer coisa, pois Kisaki já tinha descarregado o grande e pesado comprometimento sobre os ombros dele.
Ainda sem ser capaz de responder com coerência, Maou observava enquanto ela deixava a energia dramática sair do seu rosto, voltando ao sorriso sereno de antes.
— Como sua chefe, tenho a obrigação de lhe passar o bastão de vez em quando. Mas todos os bastões precisam ter uma cenoura na ponta também. Se responder à minha confiança em você e sair vitorioso, terei a certeza de o recompensar generosamente.
— …!
— Dependendo de como as coisas estiverem com os nossos clientes diários e relatórios de vendas, posso considerar um aumento ainda maior. E se conseguir aumentar a experiência como um supervisor de turno e gerente assistente, eu até poderia o recomendar a uma posição de tempo integral.
Seria justo dizer que Maou estava completamente sob o feitiço da Kisaki neste momento.
— Sim! Farei isso! Prometo que não a decepcionarei, Senhorita Kisaki!!
Um olhar de pura satisfação apareceu no rosto dela.
— Mas como ela sabe quantos clientes visitam o seu rival?
A pergunta de Ashiya interrompeu Maou enquanto ele recontava a história.
— Ela disse que o escritório principal está mandando olheiros para manter planilhas de tráfego. Nós tivemos um trabalho temporário igual a esse uma vez, se lembra? Tipo, logo depois que chegamos aqui. Eles nos deram um tipo de contador manual que precisávamos clicar cada vez que uma pessoa passasse por nós.
— Ah, é mesmo. Aquilo foi em pleno verão escaldante também, se bem me lembro. Passar horas sob o sol quente contando pessoas que passavam não foi nada simples, tanto fisicamente quanto mentalmente. Tivemos que trazer as nossas próprias bebidas e guarda-sol.
Era difícil imaginar um demônio, que uma vez causou uma guerra épica e quase apocalíptica contra a raça humana em Ente Isla, estaria lembrando de trabalhos ruins de verão.
— Então, durante uma semana, ela estará me ensinando a como me virar com os livros diários, como adicionar relatórios de vendas no computador do escritório e como gerenciar o sistema de administração e atendimento. Depois, no próximo final de semana, estarei apostando o meu salário nessa guerra de vale tudo. Isso está me deixando, tipo, louco de nervoso.
— Vossa Majestade Demoníaca, agora não é hora para ser fraco e cair de joelhos. O fato de terem lhe garantido tamanho posto é algo para se ter grande honra. Eu também me lembro do orgulho intenso que senti quando fui nomeado comandante supremo da força de invasão da Ilha do Leste…!
Ashiya, com a mão no peito, já andava a passos largos em Ente Isla na sua mente enquanto se lembrava dos velhos tempos. Mas Maou o interrompeu, e a sua voz foi alta, algo que não era natural.
— Isso aí! Exatamente! De qualquer forma! Não tenho como fugir disso agora. O meu horário de trabalho continua o mesmo, então você ainda será capaz de cozinhar para mim.
Sempre que o tópico da discussão mudava para Ente Isla, Ashiya ativava o seu modo quero invadir a nossa terra natal, então pare de ficar brincando, Vossa Majestade Demoníaca. Essa era a sua forma de expressar a saudade que sentia do seu lar.
— S-Sim… Certamente, meu soberano.
Logo, a luz da frente do Castelo Demoníaco — Ou, como qualquer outra chamaria, dos apartamentos do Vila Rosa Sasazuka — ficou visível à distância. Maou deu um suspiro de alívio agora que o assunto foi enterrado antes de chegar ao ápice.
— Hm?
— Hohh…
Ambos exclamaram em alto e bom som.
Havia duas luzes.
Uma vinha do apartamento do canto no segundo andar. Aquele era o Quarto 201, o Castelo Demoníaco que Maou e os seus generais chamavam de casa.
O outro era o Quarto 202, o apartamento ao lado do deles. O grupo de Maou devia ser o único de moradores do Vila Rosa. Não era para ter nenhuma construção ou manutenção no local naquela hora da noite. Oh, não. Será que Miki, a senhoria, tinha voltado?
Miki Shiba, a proprietária do Vila Rosa Sasuka, deixou bem claro antes da batalha contra Lúcifer, há dois meses, que tinha total ciência de quem Maou e o seu bando de demônios eram. Então, após isso, desapareceu.
Se a nota que deixou fosse verdade, estava em algum lugar no exterior. Mas que tipo de senhoria abandonaria a sua propriedade durante dois meses?
Não era como se estivesse se esforçando bastante para se manter discreta. Na realidade, apesar de Maou não ter pedido nada, o Quarto 201 estava recebendo cartas dela a uma taxa de duas ou mais por semana.
Quando a primeira chegou, no tipo de envelope decorado que, normalmente, era usado para casamentos, ele abriu com descuido total.
O que apareceu foi uma escrita elegante e bem prática sobre as férias divertidas que ela estava tendo em uma praia particular no Havaí. Era uma gabação sem humildade alguma, em outras palavras.
E, incluso no envelope, havia uma fotografia da sua senhoria deitada em uma espreguiçadeira sob um guarda-sol, com um coquetel tropical em uma mão, um biquíni com as cores do arco-íris e um véu chamativo, o qual deixava o seu corpo em formato de barril mais nu do que o necessário, enquanto pegava um bronze marrom-dourado típico do clima havaiano, em uma pose que lembrava Maou de um pedaço de carne coberto com molho de churrasco.
No momento em que os seus olhos caíram sobre a foto, a visão de Maou ficou branca, Ashiya correu até o banheiro com uma das mãos cobrindo o rosto e Urushihara, que nunca viu a senhoria pessoalmente — desmaiou ali mesmo, precisando de três dias para se recuperar completamente.
Desde aquele incidente, quando Maou descobriu que terrorismo nuclear era a última coisa que o Japão precisava se preocupar enquanto Miki Shiba estivesse andando pela praia sozinha, o Castelo Demoníaco ficou atado ao medo sempre que uma carta inesperada chegava.
Justo quando a memória do cartaz do massacre da infame senhoria passava pela mente de Maou, um caminhão carregando um container com um logotipo de girafa passou por eles.
Maou e Ashiya trocaram olhares. Mesmo que não tivessem uma TV para bombardeá-los com propaganda, ainda sabiam que o logo pertencia a uma companhia de mudanças famosa.
— Parece que vamos ter um vizinho.
— Pois é. Eu queria que ele pudesse se mudar em outra hora. Vou sentir falta de sermos os únicos residentes do lugar.
— Verdade. Espero que não seja alguém de má fé. O tipo de pessoa que toca música alta à noite ou que joga o lixo fora no dia errado.
Maou balançou a cabeça. Algo sobre o soberano dos demônios estar se preocupando com questões morais o atingiu como ironia.
— Ah, eu não estou tão preocupado com esse tipo de coisa.
— Não? Bem, considerando que este apartamento é barato e que não necessita de depósitos ou aluguel adiantado, que tipo de pessoa você acha que iria querer se mudar…? Além disso, quando viemos para cá, éramos sem teto, desempregados e, me atrevo a dizer, bastante suspeitos.
Maou balançou a cabeça novamente diante das preocupações de Ashiya.
— Talvez não sejamos os residentes modelos, mas pense um pouco. Lembra que tipo de… dama está alugando esse lugar para nós, Ashiya?
A palavra “dama” foi o suficiente para fazer que a memória daquela foto fantasmagórica passasse pela mente dele.
— Eu… er… imagino que ninguém que esteja se mudando para os locais auspiciosos da senhoria buscaria ficar do lado ruim dela, não.
— Não é isso o que eu quero dizer, mas… ah, bem. Haja o que houver. Vamos continuar, não quero que o Urushihara grite conosco.
Eles já estavam na propriedade do apartamento de que falavam. A escadaria do lado de fora, aquela que desferiu um golpe letal — de várias formas — na Heroína uma vez, parecia estar ainda mais torta e decrépita que da última vez.
— Hein…?
Quando colocou o pé no primeiro degrau, Maou olhou para cima e se deparou com uma sombra à espreita na escadaria.
A figura, diante da luz fluorescente que ficava no corredor do segundo andar, estava espiando lá de cima.
A luz que vinha por trás e o ângulo estranho tornava impossível ter certeza, mas o tamanho pequeno e delicado do corpo curvado mostrava que era uma mulher.
— Uh…
Maou, não esperando por esse encontro repentino, congelou no lugar, e o seu olhar continuava apontado para cima. A figura no topo das escadas estremeceu de maneira estranha, aparentando ter sido pega com a mesma reação. Então:
— Ah…
— Ah!
— Ahh!
Os três gritaram ao mesmo tempo — sendo a pessoa no topo das escadas a primeira, Maou o segundo e Ashiya, o terceiro.
A figura escura, decidindo descer as escadas, escorregou no primeiro passo que deu.
O seu corpo flutuou no ar por um momento.
— Sem chance…!!
Por instinto, Maou estendeu uma mão.
Seja qual for o ângulo estranho que a figura usou para cair das escadas, a sua queda foi frenética, agitando os membros, caindo direto na direção de Maou.
— Meu soberano! — gritou Ashiya antes do momento da colisão.
— Uou, essa foi perto… — Maou murmurou para si mesmo após uma confusão momentânea.
A mulher desconhecida e pequena estava a salvo em seus braços. Ela estava tensa, com os olhos arregalados, talvez ainda em choque por ter caído das escadas sem dar um grito.
Além disso, por alguma razão, o traje que ela escolheu para a ocasião era um kimono japonês, um longo avental de cozinha e um lenço triangular na cabeça. O seu calçado devia ter saído, mas, ao invés de meias, ela usava um tabi japonês tradicional com dois dedos separados. As únicas pessoas que usavam roupas iguais a esse nos dias de hoje eram as matriarcas dos desenhos dos anos sessenta.
— Uh… umm… — Com cautela, Maou murmurou para a mulher, que era uma garota, na verdade, em seus braços e que ainda encarava o vazio.
Então:
— O perigo vem quando menos se espera…!
Com isso, a garota fechou os olhos de repente, e o seu corpo ficou mais mole.
— Bem, uh, sim, mas esse não é o problema aqui…
Maou não pôde deixar de expressar a sua opinião à garota, que agora estava inconsciente:
— Você está… bem?
Ashiya correu até eles, carregando uma das sandálias geta da mulher, a qual tinha voado do seu pé.
— Está perguntando sobre mim ou sobre ela?
Era difícil julgar qual dos dois demônios estava mais chocado.
— Essa garota caiu das escadas, e eu a peguei, mas… o que faremos agora?
— Vocês estão atrasados! Estou faminto!
A reclamação foi disparada no momento em que Maou, mestre do Castelo Demoníaco, abriu a porta da frente.
— A gente veio o mais rápido que pôde. Você poderia pelo menos dizer “Bem-vindo de volta, mestre” ou algo do tipo.
Maou e Ashiya escoravam-se um no entro enquanto tiravam os sapatos no vestíbulo apertado.
— Pega aqui, Lúcifer. Temos um presentinho para você.
Ashiya ofereceu uma sacola com o bento dentro, a qual foi pega por um jovem de estatura baixa, sendo uma cabeça mais baixo que Maou. Olhos roxos espiavam entre a franja do cabelo, o qual já estava longo demais para estar na moda e que estavam ameaçados a entrar no reino do coque.
— Ei, eu pensei que vocês tinham ido a um restaurante yakiniku. Por que me trouxeram uma tigela de porco do Sugiya?
— Ah, é, foi mal, Urushihara. Peça a ele para liberar o orçamento financeiro.
O jovem chamado de Lúcifer por Ashiya e de Urushihara por Maou, seguiu os dedos do Maou até chegar em Ashiya.
— Você podia apontar um dedo para si mesmo, eu diria. Os seus atos de gastos extravagantes, como sempre, são demais para mim tolerar. — O olhar de Ashiya era tão abrasivo quanto a sua salva de abertura.
— Pois é, mas… cara, é uma diferença enorme, não acham? Quero dizer, qual é… — O jovem murmurava sob sua respiração, ciente de que estava sendo repreendido, e rapidamente recuou. Ele removeu a sacola plástica e a tampa da tigela de porco, jogando-as ao lado.
— Lúcifer! Não espalhe o seu lixo pelo quarto. Limpe isso agora mesmo! — Ashiya, observando-o, pegou um guardanapo de papel, que caiu da sacola, com raiva. — Além disso, importa-se de dar um jeito de limpar a área ao redor do seu computador? Todos esses sacos de salgadinhos e latas de refrigerante vazias… Serão um imã para insetos no verão!
Do lado de fora, a noite tinha finalmente progredido do crepúsculo para a escuridão. Sob a lâmpada fluorescente do quarto, uma mesa apoiava um notebook no canto, e um ventilador girava com barulhos altos atrás dela.
Ao redor da sua área de trabalho, havia uma pilha de caixas e sacos de lanches vazios, latas descartadas e um amontoado de aparelhos e cabos, cujos usos não eram imediatamente óbvios ao observador casual. Sempre que o ventilador virava para a pilha de lixo, pequenos pedaços de comida e plástico se arrastavam pelo piso de tatame, passando pelos olhos de Ashiya enquanto o faziam.
O jovem, não incomodado com a falação de Ashiya, olhava para o micro-ondas enquanto ele falava, sem se dar ao trabalho de olhar para o lado.
— Estou com fome, entendeu? Se vai gritar comigo, faça isso quanto eu já tiver terminado.
Ele não estava demonstrando grande arrependimento pelas suas ações.
O nome do jovem era Hanzou Urushihara. A sua verdadeira identidade era Lúcifer, um dos quatro Grandes Generais Demônios e o assassino que foi mandado de Ente Isla há dois meses para eliminar o Maou e a Heroína.
Desprovido de sua força mágica após um confronto violento, Lúcifer voltou ao quartel do Maou — agora como Urushihara, um jovem japonês sem certidão, apático e chato.
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