— Meu deus, que surpresa! Você, tipo, sempre vai àquela praça de alimentação, né, Emi? Pensei que pudesse ter sido pega em tudo aquilo e… Sabe, eu estava aqui perto! — Rika, depois de confirmar que Emi estava bem, desatou a chorar, como se ela tivesse sido a vítima da tragédia. — Você não atendia nem respondia minhas mensagens… então fiquei tipo: “Ah, não”, por isso corri até aqui, mas não me deixaram entrar… É sério, eu estava em pânico!
— Me desculpe por te deixar preocupada.
— Não! Não é sua culpa, Emi! Quero dizer, foi apenas má sorte! Ou talvez boa sorte, eu acho, já que você está bem agora! Não está muito ferida. — Rika se acalmou o bastante para perceber o curativo.
— Só fiz um pequeno corte na testa. Só saiu um pouquinho de sangue, nada tão grandioso. Nem precisei fazer ponto. — Na mente de Emi, aquilo realmente não passava de um arranhão, porém, para os padrões de um japonês comum, era muito mais do que sério.
— Então, podemos ir para casa agora?
— Bem, dei à polícia as minhas informações de contato, e os paramédicos me falaram sobre hospitais, e compensação e tal. Disseram que me levariam até o hospital quando tudo se acalmasse, mas foi só um machucado de leve, por isso…
— Ooh, então não vá para casa ainda! É melhor pegar um atestado no hospital, pelo menos. Você tem o celular contigo? E dinheiro, precisa?
Emi, maravilhada com a vontade de Rika para ajudar, ponderou:
— Tenho meu celular, mas todo o resto está na minha bolsa, debaixo dos escombros. Ahh! Meu cartão de seguro, meu passaporte… meu selo…
Conseguiu sentir a pressão sanguínea baixar. Justamente hoje, acabou trazendo todas as coisas de valor junto.
— Tudo bem, pegue isso. Me avise quando sair do hospital. Vou te encontrar lá. — Ao ver sua amiga precisando de ajuda, Rika rapidamente pegou três notas de 10.000 ienes da carteira, enfiando-as na mão de Emi.
— Rika?
— Ei, nunca se sabe quando vai precisar em momentos como esse! Além disso, se não quiser que a mídia fique no seu pé, basta me ligar, tudo bem?
Com isso, ela empurrou Emi para trás da fita, fazendo gestos para que ela saísse dali. Emi concordou com ela, olhando para trás somente quando estavam a certa distância. Ela viu um homem, provavelmente um repórter, confrontando-a, na esperança de conseguir um relato de alguém que conversou com uma das vítimas.
Rika estava longe demais para ser ouvida, mas deu para ver que colocou o homem para correr, parecendo muito incomodada, antes de desaparecer em meio à multidão. Depois que ela se foi, Emi voltou para a ambulância em que fez o curativo e foi até o hospital mais próximo com várias outras vítimas.
Depois de um exame completo, seu ferimento foi oficialmente classificado como “leve”. Mesmo assim, o médico tomou a liberdade de exagerar um pouco em seu relatório oficial, sorrindo para Emi enquanto o fazia:
— Se eu fosse uma jovenzinha como você e tivesse minha testa arranhada, gostaria de ser recompensado por isso.
Emi riu amargamente. Já passava das nove da noite quando tudo foi resolvido e ela deixou o consultório.
— Alô, Rika?
Por estar em um hospital, usou um orelhão, muito comum nas paisagens urbanas, para fazer uma ligação. Sua amiga respondeu logo na primeira chamada.
— Emi? Alô! Como foi?
— Bem, o médico me examinou, mas disse que não era grande coisa. Desinfetou meu arranhão e me deu alguns medicamentos, só por precaução, entretanto, disse que era para mim tomar só se doesse.
— Oh! Tudo bem, estou tão feliz por não ser nada grave! Em que hospital você está?
— Shinjuku. Hospital universitário.
— Entendi. Já chego aí, aguenta um pouco, pode ser?
— Ah, sem problema. Não quero te incomodar.
— Oh? Seus familiares estão por aí? — Uma pergunta sensata a ser feita em meio a uma situação catastrófica, mas, para Emi, foi necessária uma mentira.
— Não, é, meus pais não estão no Japão, então…
— Sério? Tipo, no exterior!?
Era possível perceber com clareza a surpresa na voz de Rika. A julgar pelo barulho de fundo, ela já estava se preparando para sair.
— Simmmm, tipo isso.
— Bem, é melhor eu manter um olho em você então! Vou pegar um táxi e dar uma chegada aí. Vai levar uns dez minutos, pode ser? Até logo!
— Ei, Rika, só um segun-! — Emi encarava o aparelho verde, chocada com a rapidez que Rika desligou.
Não havia nada que pudesse ser feito. Ela se sentou na sala de espera por alguns minutos, até que a recepcionista chamou seu nome.
Pelo o que lhe foi explicado, as taxas de consulta e atestado seriam compensadas depois que ela pagasse naquele momento e, em seguida, enviasse uma fatura, além de outros documentos necessários, para o local indicado. Enquanto pagava a recepcionista, recordou-se que sua bolsa nova estava sob os escombros, junto de sua carteira. E, então, lembrou-se do dinheiro emprestado por Rika: “Nunca se sabe quando vai precisar em momentos como esse!”
Ela poderia trazer o cartão do convênio antes do final do mês para dar um jeito em tudo, mas, mesmo assim, as taxas que acumulou nesta noite ainda foram caras.
Logo depois que pegou a receita e prescrição médica, percebeu que um taxi parou em frente à portaria, e Rika entrou. Ela correu até Emi quando a viu.
— Você está bem, Emi!?
— Ah, sim. Muito obrigada. Você foi de grande ajuda. — Emi mostrou a receita e a prescrição para Rika.
— Viu só? Eu avisei. — Sorriu. — Estou feliz que não seja nada grave. Então, o que acha de ficar lá em casa hoje à noite? Deixei o táxi esperando.
— C-Certo, mas está tudo bem mesmo?
— Mas é claro! Não precisa se preocupar com nada! Vamos!
— Tudo bem!
Incapaz de recusar o forte convite de Rika, Emi foi levada para fora e jogada dentro do táxi. Quando percebeu, estava em frente ao condomínio de Rika, no baixo Takadanobaba. Tinha quase o mesmo tamanho do de Emi, mas o cheiro de materiais de construção novos, papel de parede e tinta mostravam que era um edifício construído há pouco.
— Então, de qualquer forma, se não está machucada, acho melhor tomar um banho primeiro e trocar essas roupas. Posso te emprestar meu pijama hoje; você se sentirá mais confortável nele. — Rika entregou uma camisa e uma calça, ambas muito bem dobradas, além de uma bolsa de pano. — E coloque essas roupas velhas aqui. Mesmo que estejam rasgadas, é melhor não jogar fora.
— Por que não? — Como lhe foi ordenado, retirou as roupas. O traje cinza que usava para trabalhar não estava tão danificado, mas a blusa estava manchada com o sangue que pingou de sua testa.
— Porque você pode conseguir com que a empresa que gerencia aquela praça de alimentação pague por ela, é por isso! Não faz mal manter a evidência segura até que tudo seja resolvido.
— Ah, faz sentido mesmo.
O conceito de compensação individual providenciado por grandes empresas, seja pública ou privada, era inimaginável em Ente Isla. Mesmo depois de tanto tempo, Emi ainda não entendia muito bem como funcionava. O sistema que prevalecia em sua terra natal ainda era grandemente feudal. Se um cidadão convocado por algum projeto de construção pública acabasse ferido em um acidente ou desastre, o que todos esperavam era que ele ganhasse uma esmola como consolo e fosse deixado na beira da estrada.
— Rika, devo dizer, estou impressionada. Você sabe bastante sobre essas coisas.
— Bem, sabe, já passei por algumas coisas durante a minha vida. Ah, o banheiro fica ali. Tenho algumas roupas íntimas que são novas e que você pode ficar. Tenho quase certeza que usamos o mesmo tamanho de sutiã.
— Menores que o de Chiho, provavelmente.
— Como?
— Ah… nada, não disse nada. — Suspirou, não conseguindo parar a queixa antes de que ela passasse pelos lábios. Ao checar o tamanho, viu que era o mesmo que usava. — Sério mesmo, muito obrigada pela ajuda. Agora vou para o banheiro.
A água morna do chuveiro bateu contra seu corpo, instantaneamente limpando todos os tipos de eventos do dia e enchendo-a com uma sensação confortável de satisfação.
— Deixei uma toalha na máquina de lavar aqui fora, okay? Ah, também tem uma esponja de banho, caso queira. O sabão fica no lado esquerdo aí. — Uma esponja de banho foi entregue pela fresta da porta do banheiro; o dedo de Rika apontava para o porta-sabonete. — Aliás, você já jantou?
— Hmm, para ser honesta, estou quase morrendo de tanta fome.
Rika mostrou um grande e reconfortante sorriso quando ouviu a resposta sincera de Emi.
— Bem, vou preparar algo rapidinho aqui para você; aproveite o banho, pode ser? Enquanto isso, vou dando um jeito aqui.
Ela saiu do banheiro, permitindo que Emi aproveitasse por um tempo o banho em silêncio.
— Que estranho… — Era difícil conseguir se acalmar. Ela tinha total consciência de seus batimentos cardíacos, mas havia algo que Rika disse que a deixou mais tranquila. Sempre que era atacada por inimigos em sua missão contra o Rei Demônio, sempre tinha alguém por perto para ajudar. Muitos deles lhe ofereciam alegremente comida e teto também. Porém, ela nunca tinha se sentido assim antes. Isso fez com que quisesse continuar assim para sempre, tão suave e confortável quanto a temperatura da água que percorria sua pele. Era como se uma luz suave se ascendia em sua mente. Parecia que estava sendo gentilmente envolta pelas asas de um anjo.
— Esse é pela sua boa saúde. Um brinde!
Dois copos de água mineral tiniram.
Rika pediu desculpas por não ter nada além de sobras, mas o cozido de carne com batatas que aquecera era um banquete para o estômago vazio de Emi. Ela limpou o prato com afinco usando os hachis.
— Parece que não há nada para se preocupar mesmo, já que tem todo esse apetite, né? — sorriu Rika, mostrando-se aliviada. — Mesmo assim, tenha cuidado, pode ser? Às vezes, ferimentos como esse podem piorar e te causar problemas mais tarde.
— Vou manter isso em mente. Obrigada por tudo, Rika. Sério. Prometo que vou te compensar depois.
— Bem, isso é o mínimo que eu poderia fazer! Quero dizer, você perdeu sua bolsa e o seu cartão do banco! Isso seria um desastre para qualquer um.
Depois de um pouco de conversa jogada fora, Rika ligou a TV. A única coisa que passava era sobre o corredor desabado em que Emi acabou envolvida. Rika trocava de canais da velocidade da luz, até que parou em um programa de música. Não havia dúvidas de que isso era pelo bem de Emi.
Emi olhou para a antena da TV, percebendo uma fotografia apoiada sobre ela. Sua atenção não passou despercebida.
— Ah, aquela é a minha família.
A foto foi tirada em um prédio que parecia uma fábrica, com Rika, um casal que, provavelmente, eram seus pais e outra garota, a qual parecia uma versão mais jovem de Rika.
— Aquela é a sua irmã? Vocês são bem parecidas.
— Sabe, isso é o que todos dizem! Mas, se me perguntar, não vejo nenhuma semelhança. — Sorriu. — Me dá uma licença?
O celular estava tocando dentro da bolsa dela. Quando Emi assentiu, Rika atendeu:
— Alô?… Pfft. Mas é claro que sou eu. Quem mais ocê esperava que fosse ao ligar pra esse número? — Emi olhou para ela, surpresa. Nunca tinha ouvido esse tom de voz antes. — Oh, pegou tudo? Beleza. Nah, nada tão caro. Bebo toda hora, sem contar que o Vô vai beber qualquer coisa que diga “licor de shochu” no rótulo, né, não?
Rika mencionou que nasceu na região de Kansai. Mas o sotaque parecia um pouco mais fora da entonação do que Emi conhecia sobre o dialeto de lá.
— Tô voltando em agosto, tendeu? Hein…? Acidente? Ah, sim, foi pertinho de onde trabalho, mas tô bem, então… diga isso para todo mundo também, tendeu? Aham. Tchau, tchau.
A conversa rápida terminou. Rika estava prestes a jogar o celular sobre a mesa, mas pensou um pouco mais e pegou o carregador conectado na tomada da parede, então, inseriu no telefone.
— Era a Ma. Ela estava toda nervosa por causa do negócio na TV, mas eu não estava a fim de ficar falando a noite inteira sobre o assunto.
— Não lembro de já ter ouvido o seu sotaque original, Rika.
— Hm, sério? Não tinha percebido. Sempre acabo agindo assim quando converso com alguém da minha terra. Todos moram em Kobe.
Parando para pensar, Rika parecia um pouco diferente desde que as duas se encontraram no local do desabamento. Talvez estivesse revelando um pouco mais sobre ela mesma. Este pensamento fez Emi sorrir.
— Uou. Isso é novo para mim, nunca saí de Tóquio, mas adoraria ir para o oeste algum dia. — O trabalho pagava bem por hora trabalhada, mas ela não era uma mulher cheia da grana e nunca teve a chance de aproveitar algo que se parecesse com “férias” em sua vida. Se não fosse pelo Rei Demônio… Mesmo assim, pensou em viajar pelo Japão durante um tempo depois de matá-lo. Mas isso ainda estava muito longe de acontecer; se acontecesse.
Ela voltou a focar em seu jantar. Quando o programa de música terminou, comera tudo o que Rika havia lhe preparado.
— Ei, bom trabalho. Acho que está melhor agora, né?
— Graças a você. Quer que eu lave a louça? — Emi rapidamente pegou os pratos e tijelas, dividindo-os em “oleosos” e “não-oleosos” enquanto os colocava na água.
— Obrigada! Só deixe tudo aí, pode ser? Vou lavá-los mais tarde.
— Beleza. Oh, hm, se importa se eu assistir às notícias?
— Hmm? Não, mas tem certeza?
Era óbvio que eles estariam falando sobre o mesmo assunto, não importa quanto tempo levasse. O rosto de Rika escureceu-se por um momento, mas Emi assentiu:
— Quero checar a previsão do tempo e tal. Além disso, tenho certeza que vão passar outras coisas também.
— Tudo bem então. Acho que deve estar passando o Press Terminal agora. — Rika pegou o controle e passou os canais. Emi voltou para a mesa de jantar e sentou-se onde estava anteriormente, de frente para a TV. A principal notícia era o desabamento em Shinjuku, é claro, mas, para a grande surpresa, não focavam tanto nisso e partiam para a recente onda de roubos nas ruas de Tóquio.
— Cara, que saco isso. Tenho tido tanta má sorte ultimamente, que até acho que vou dar de cara com isso aí na próxima.
A observação de Emi fez com que Rika, que estava ao lado, a olhasse, dizendo:
— Dãã! Ei, Emi, você é a melhor!
— Hein? O-O que quer dizer com isso, Rika? — De repente, ela abraçou Emi por trás.
— Uou! O que deu em você?
— Aw, você é tão legal, Emi. É tão reconfortante.
— Hein?
Por um tempo, Rika balançou de um lado para o outro, embalando Emi como se ela fosse um berço. Emi deixou isso quieto, sem conseguir compreender muito bem o seu comportamento. Logo depois, Rika falou, ainda a abraçando:
— Sabe, desde que cheguei em Tóquio, sempre tentei falar o japonês padrão. Seria um incômodo se não o fizesse.
— Incômodo? — Virou-se em sua direção, curiosa. Milhares de pessoas de todos os lugares para Tóquio a toda hora. Muitas no centro de atendimento ainda utilizavam os sotaques enquanto trabalhavam.
— Bem, tipo, se você usar o japonês padrão, não vai precisar se preocupar com os outros perguntando de onde você veio, certo? — Parando para pensar… Emi sabia que Rika era da região de Kansai, mas sua amiga nunca lhe falava nada sobre sua terra natal. Esse era um assunto em que Emi nunca tocava, pois precisaria inventar uma infância que nunca teve para respondê-la. — Se você é da prefeitura de Hyogo, todas as pessoas em Tóquio vão querer saber sobre O Terremoto.
— Oh… — De repente, Emi notou qual era o motivo. Ela se virou, ainda dentro do abraço de Rika.
— E, tipo assim, é todo mundo. Nunca perguntam algo diferente. Por isso parei de falar sobre minha casa, já que estava virando um incômodo. — Seus olhos viraram na direção da fotografia de família. — Eu ainda era uma criança durante o terremoto de 1995, mas, mesmo assim, nunca esqueci daquele dia. Foi mesmo muito assustador. Havia muitas oficinas perto da nossa casa, e nós sofremos grandes danos em nosso bairro também.
Emi sabia muito bem sobre o terremoto histórico que ocorreu em Kobe e suas redondezas. Foi um evento que marcou a era há algumas décadas.
— Foi praticamente um milagre o fato de todos na minha família terem ficado bem. Muitos dos meus amigos… Havia toneladas de crianças que perderem seus familiares. Eu estava no ensino fundamental, mas, quando as aulas recomeçaram, dois colegas meus não estavam lá. Tentei enganar a mim mesma, pensando que eles tinham se mudado.
— Uou… Eu entendo.
— Por isso que fico brava com o quão insensíveis algumas pessoas são. Eles chegam e dizem: “Oh, como foi o terremoto?”. A oficina do meu avô foi praticamente esmagada, e ocorriam tremores menores o tempo todo enquanto estávamos no centro de resgate. Passei dias assustada! — A voz de Rika estava tranquila e calma. Ela já havia aceitado isso em sua mente. — Mas, no momento em que deixei a terra em que cresci, onde as pessoas tratavam aquilo como um evento do passado, não importava onde eu fosse ou quanto tempo passasse, sempre que mencionava que minha família era de Kobe, eles me perguntavam sobre O Terremoto primeiro. Tipo, não conseguem pensar em nada mais sobre o lugar? Esse é o tipo de pessoa que eu não queria fazer amizade.
Como Rika explicou, ela teve que desistir dessa postura séria com o tempo.
— Tipo, todo mundo que eu encontrava era assim, por isso pensei que jamais conversaria com ninguém se continuasse desse jeito. Então mudei meu sotaque para esconder minha origem. Me desculpe por te enganar dessa forma!
— Ah, não é sua culpa …
— Mas você foi a primeira, Emi. A primeira que ouviu a palavra Kobe e não perguntou sobe o tremor. — Ela se separou de Emi, levando os copos até a cozinha para mais uma rodada de água mineral da geladeira. — Sempre que você descobre que sua vida passou por grandes altos e baixos como esse… Não tem como saber como as pessoas vão reagir depois, sabe?
Emi pôde sentir uma pontada no peito por um instante com o sentido por trás daquela observação.
— Algumas pessoas por aí tentam tomar vantagem do caos e fazer coisas más. Mas também tem pessoas que trabalham duro para ajudar os outros, mesmo quando não sabem o que pode acontecer amanhã. E isso te faz pensar, sabe? É tipo aqueles desenhos antigos, onde sempre que você está pensando em algo, um anjinho e um demoniozinho aparece em cada ombro. — Rika cruzou os dedos indicadores em forma de espada para mostrar seu ponto de vista. — Me fez pensar que, tipo, as pessoas podem sim ser anjos; podem sim ser demônios. Tudo isso vai depender de suas escolhas.
— Anjo ou demônio…?
As observações improvisadas de Rika despertaram algo. Emi pensou sobre isso por um momento.
— Então, voltando ao assunto, aquela foto mostra pelo que meu pai e meu vô se dedicaram nos dez anos seguintes. Os dois reconstruíram a oficina do zero, sem negar esforços. E, até hoje, com a recessão e assim por diante, ainda têm bastante contatos de negócios antigos para continuar avançando. — Ela colocou o copo em sua frente. — Mas, vou ser sincera, hoje fiquei assustada. Vim até Tóquio, mas um acidente daqueles aconteceu… e outro amigo estava lá também! Eu nem queria pensar sobre isso.
Outro amigo. As palavras fizeram Emi prestar mais atenção. Rika devia ser próxima dos colegas que perdeu. Se as coisas fossem diferentes, poderia ter acontecido com Rika. Ela era uma adulta madura porque viu, em primeira mão, os terrores que um desastre pode causar. E, hoje, decidiu ir ao resgate de Emi, fazendo o máximo que podia para ajudar.
— Emi?
— Ah, oi…?
— Está bem? Me desculpe se te fiz pensar em coisas estranhas. — Riu para si mesma, então, tomou o restante da água mineral, como se engolisse as emoções obscuras presas em sua memória.
— Mas, ei, estamos bem agora, né? E você também tem sido uma grande ajuda para mim, Rika. Sou muito grata por isso.
— Ah, pare. Que tipo de amigas seriamos se não nos ajudássemos? Não precisa achar que há algo de estranho nisso.
Naquele momento, o mesmo sentimento de antes atingiu Emi mais uma vez. Aquela luz suave em seu coração. A sensação… aconchegante. O conforto em saber que estava protegida por completo.
— Então, sabe, por isso que eu não quis saber de onde você veio e tal.
— Hm?
— Me refiro ao lugar em que você vivia, de onde veio… Eu não me importo muito, Emi. Para mim, contanto que seja uma amiga com quem eu possa jogar conversa fora, e almoçar, e passear pela cidade às vezes, isso é tudo que eu preciso.
— Rika…
— Ah, falando nisso… — De repente, Rika aproximou-se do rosto de Emi, um sorriso zombeteiro apareceu. — Quem era aquele cara?
— Hã?
— O cara que você estava conversando no local do acidente.
— Hein? Ah… Oh. Aquele cara.
Não havia dúvidas de que estava falando de Maou.
— Você o conhece? Me parecia que sim. Ele parecia bem decente, por isso não consegui parar de pensar sobre o assunto…
— Ei! Você acabou de me dizer que não me perguntaria sobre nada, Rika! Além disso, ele não é quem você im—
— Romance é diferente, Emi! Não vou deixar aqueles lobos se aproximarem de você, meu anjinho!
— Ei, pare de parecer um pai estranho e super-protetor! Ele é só um conhecido meu… na verdade, até menos que isso. É um demônio, não um lobo. Um demônio completo. — Não era mentira. Ele certamente não era mais do que um conhecido… e um demônio. — Um demônio…
— Emi?
— Um anjo… e um demônio.
No local daquele terrível acidente, Maou recobrou sua forma demoníaca.
— O que foi, Emi?
Olhou para o rosto de Rika, a mulher que a chamou de amiga. Ela sentiu um certo aconchego no banho e à mesa de jantar quando sua amiga a abraçou; como se seu coração estivesse dentro das asas de um anjo.
E a causa foi…
— O coração… de um ser humano?
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