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Registros de Guerra: Tanya, A Diabólica – Vol. 01 – Prólogo

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Separador Tanya

18 DE JULHO, ANO UNIFICADO DE 1914, EM ALGUM LUGAR NA CAPITAL IMPERIAL BERUN

No início, só havia luz. Então senti uma suave oscilação, uma breve paz. Havia calor e uma vaga inquietação, inspirando um desejo de se entregar. Se entregar? Sim, mas as memórias falham e sinto ter esquecido alguma coisa. Mas o que pode ser? O que eu poderia ter esquecido?

Antes que tivesse uma chance de me debruçar em tais questões, tudo começou a tremer. No instante seguinte, minhas terminações nervosas captaram o frio do ambiente em minha pele. Um calafrio percorreu pelo meu corpo. Não havia como entender, mas era exatamente a sequência de eventos que acontecia quando um recém-nascido era exposto à luz do sol e recebia o ar fresco fora do útero.

Ainda assim, o ataque repentino de inúmeras sensações estranhas, mesmo que vagamente familiares, causou pânico. Paralelamente, espasmos de angústia tomaram conta do meu corpo, preso em uma furiosa luta para respirar. A dor era quase insuportável, como se cada membro, órgão e célula do corpo gritasse por oxigênio. Incapaz de permanecer calmo o suficiente para pensar racionalmente, tudo o que podia fazer era me debater.

Com sentidos oprimidos e vulneráveis, devastados pela agonia, não restou outra opção senão debater-se em dor. Estrangulado por essas coisas, perdi a consciência. Totalmente livre das emoções de um humano que não chorava há séculos, meu corpo soluçou instintivamente.

Minha consciência desvaneceu-se e o conceito de mim mesmo ficou confuso. Ao acordar, vi o céu cinzento. O mundo estava embaçado… Ou talvez fosse a minha visão que estava embaçada? Parecia tudo distorcido, como se estivesse usando um óculos com o grau errado.

Apesar de ter permanecido imune às emoções humanas por tanto tempo, senti-me desamparado por causa dessa visão embaçada. Era impossível discernir até mesmo formas mais rústicas.

Depois de quase três anos, comecei a recuperar meu próprio senso, inicialmente sendo atingido por confusão.

O que é isso? O que aconteceu comigo? Este recipiente não conseguia manter  a consciência por muito tempo e a memória de ter sido colocado nele ainda não havia sido evocada. Então, quando a consciência enfraquecia, mal conseguia executar as lamúrias de uma criança, mesmo considerando os gritos vergonhosos, mas sem entender o porquê.

Talvez adultos não, mas bebês com certeza choram. Os bebês deveriam ser protegidos e ter boas oportunidades, não desprezados. Assim, com uma profunda sensação de alívio, deixei em um canto escuro de minha mente a atípica vergonha, culpando-a pela ausência de uma consciência clara.

A próxima vez que meu vago senso de compreensão apareceu, estava totalmente confuso, como esperado. Se a memória estivesse correta, eu deveria estar na plataforma de trem Yamanote. No entanto, depois de acordar, estava de alguma forma dentro de um enorme edifício de pedra em estilo ocidental, tendo a boca limpa por uma freira que parecia ser uma babá. Se isso fosse mesmo um hospital, então se poderia presumir com segurança que houve algum tipo de acidente. A razão da visão embaçada também poderia ser explicada devido aos possíveis ferimentos.

No entanto, agora que meus olhos podiam enxergar melhor na fraca iluminação, consegui distinguir freiras com vestimentas antiquadas. A iluminação era inadequada, aparentemente oriunda de antigas lamparinas a gás. Era como se tivesse voltado no tempo, a menos que meus sentidos estivessem pregando uma peça na minha razão.

— Tanya, querida, diga “ahh”.

Em seguida, notei  uma falta bizarra de aparelhos elétricos. Na sociedade civilizada de 2013, havia um lugar que era desprovido de eletrônicos, mas repleto de itens há muito considerados antiguidades. Uma comunidade de Menonitas ou Amish? Mas… Por quê? O que estou fazendo aqui com eles?

— Tanya, querida. Tanya!

A situação era difícil de entender. A confusão só crescia.

— Vamos, querida, pode abrir a boca para mim? Tanya?

Não entendo. Esse era o problema. Era por isso que não tinha notado a colher que a freira segurava. Mas é claro, mesmo que tivesse, nem mesmo em um milhão de  anos  sonharia em comer a comida oferecida. Certamente a colher na sua mão era para essa “Tanya, querida”.

Mas enquanto meus pensamentos giravam, a freira perdeu a paciência. Com um sorriso doce, mas severo, daqueles que você nem sonharia em contestar, enfiou a colher na boca.

— Você não deve ser exigente, querida. Abra!

Era uma colher de mingau com legumes. No entanto, essa única colherada também empurrou a verdade para a “Tanya”, até então incompreensível.

Legumes cozidos, era tudo o que a freira enfiou na minha boca. Mas para a pessoa em questão, a ação só tornava as coisas mais confusas. Em outras palavras, eu era a tal Tanya.

Assim, um grito surgiu das profundezas de minha alma: Por quê?

 

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14 DE AGOSTO DE 1971, ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Em 14 de agosto de 1971, uma equipe de pesquisadores liderada pelo Dr. Philip Zimbardo iniciou um experimento graças a uma doação recebida do Instituto de Pesquisa do Departamento da Marinha dos Estados Unidos, o Escritório de Pesquisa Naval (EPN). Com duração planejada para apenas duas semanas, tinha como objetivo obter dados preliminares acerca de um problema com as detenções do Corpo de Fuzileiros Navais que a Marinha também estava enfrentando.

Os participantes recrutados para o experimento eram estudantes universitários normais, com corpo e mente saudáveis. Porém, no segundo dia, a equipe se deparou com um sério problema ético.

Aqueles que foram designados para a guarda abusaram verbalmente e oprimiram os que estavam no papel de prisioneiros, apesar da proibição de tal comportamento, além de atos de violência física que se tornaram cada vez mais frequentes. Como resultado, a equipe foi forçada a interromper o teste após seis dias do início.

Isso mais tarde ficou conhecido como o Experimento de Aprisionamento de Stanford. Ironicamente, apesar da moralidade duvidosa do projeto, os resultados estavam repletos de implicações direcionadas ao campo da psicologia. Junto com seu antecessor, o Experimento de Milgram, o Experimento de Aprisionamento de Stanford demonstrou algo fundamental sobre a natureza humana.

Em um espaço isolado, os indivíduos se submetem ao poder e à autoridade, enquanto aqueles em posições dominantes demonstrariam seu poder sem restrições. A análise desse fenômeno, conhecido como “obediência à autoridade”, produziu resultados chocantes. Surpreendentemente, essa deferência não tinha nada a ver com a racionalidade, sensibilidade ou personalidade de uma pessoa, mas sim o produto de uma desindividualização notável desencadeada pela atribuição de papéis de cada pessoa.

Em outras palavras, os dois experimentos demonstraram que o comportamento humano era dependente do ambiente. Em termos extremos, os resultados indicaram que qualquer um poderia ter trabalhado como guarda em Auschwitz, independentemente de sua disposição individual ou caráter moral.

No final, o ambiente desempenha um papel maior na definição de um indivíduo do que as suas características físicas ou psicológicas. Quando descobriu na faculdade que os humanos eram esse tipo de criatura, pareceu-lhe mais certo do que errado.

Claro que todos aprendem como parte da educação obrigatória no ensino fundamental que todas as pessoas nascem iguais. As crianças são ensinadas que são todas igualmente únicas e insubstituíveis, mas não é raro encontrar disparidades que contradizem essas máximas familiares.

Por que o garoto que está sentado na frente é mais alto que eu?

Por que alguns dos meus colegas são bons em queimada e outros não?

Por que o colega que senta ao meu lado não consegue responder uma pergunta tão simples?

Por que os colegas do fundo ficam conversando e não prestam atenção no que a professora está ensinando?

Mas em um ambiente de ensino fundamental, acredita-se que as crianças sejam “boas”. Dizem que todos são diferentes, mas especiais. Ficam com medo que, se não seguirem a etiqueta, serão “maus”. E assim as “boas crianças” se esforçam para evitar se tornarem “más”.

Quando começam a frequentar aulas extracurriculares para se preparar para as provas de admissão, as crianças boas olham em segredo para as crianças más e as evitam. Elas entrarão em uma boa escola com um bom ensino fundamental, seguido de um bom ensino médio e, por fim, uma universidade de prestígio. Essas pessoas seguem um caminho mais fácil, fazendo o seu melhor, seguindo as regras e regulamentos que lhes são dados.

Para permanecerem bons nesse ambiente, os alunos têm que seguir à risca o que lhes é dito e sempre atender as expectativas de todos. Assim como lhes são ensinados, passam dia após dia debruçados sobre livros didáticos e de referência, competindo com colegas pelas melhores notas. Enquanto vivem desse jeito, aqueles que seguem na batalha feroz dos vestibulares, enxergam os preguiçosos como perdedores. Dentro de um ambiente onde as notas determinam tudo, é natural que os alunos pobres sejam desprezados. Por outro lado, a maioria desses alunos de sucesso não se consideram especiais. Afinal de contas, sempre que um aluno regular mostra um pouco de orgulho, os verdadeiros talentosos o colocam em seu devido lugar.

Enquanto um aluno vem tendo dificuldades, o garoto ao lado dele está entrando facilmente nas Olimpíadas Internacionais de Física ou Matemática. É preciso mais do que um pouco de esforço para sentar ombro a ombro em uma classe com gênios, aqueles que entendem facilmente uma matéria difícil. Apesar da perspectiva distorcida, eles têm uma compreensão forte o suficiente da realidade para ir atrás de seus estudos.

Quer gostem ou não, todos os universitários sabem a verdade. Se querem uma vida igual a de seus pais, devem frequentar uma boa universidade e conseguir um emprego decente, no mínimo. Este grupo é impulsionado por um forte desejo juvenil de ter sucesso. Mas junto com esse desejo vem o medo do fracasso, que muitas vezes é fatal. Então, eles não têm escolha senão a de se dedicarem ao máximo.

Depois de lutar naquele mundo hostil, os melhores alunos passam nos vestibulares das universidades dignas de serem chamadas de “prestigiadas”. Então, tudo muda. Muitos são forçados a perceber que entraram em um mundo onde as pessoas não são mais avaliadas por notas, mas pela pergunta: O que você conquistou até agora?

Aqueles que podem se adaptar à mudança repentina de paradigmas e ao novo ambiente, mudam. Obedeça às regras, procure brechas. Ignore as diretrizes, apesar de depender delas. No final, todos aprendem que as regras são necessárias para fazer o sistema funcionar.

Liberdade sem leis significa anarquia; leis sem liberdade significa tirania. Por mais que odeiem restrições, temem liberdade ilimitada.

Ele não conseguia entender as pessoas que chegavam atrasadas na aula. Não conseguia entender o valor das pessoas que se embebedavam para esquecer dos problemas. Não conseguia compreender coaches de vida que nunca conquistaram nada.

Contudo, quando encontrou a Escola de Chicago1A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico que defende o livre mercado e que foi disseminada por alguns professores da Universidade de Chicago. Dentre os principais pensadores dessa escola estão George Stigler e Milton Friedman, ambos laureados com o Prêmio Nobel da Economia. e viu como aplicavam a racionalidade à relação entre regras e liberdade, ficou em êxtase. Afinal, significava que poderia permanecer no caminho certo, desde que seguisse as regras. Ele conseguiu exalar a aparência de um estudante universitário dedicado enquanto escondia o fato de que era um nerd. Em essência, era isso que significava ser livre dentro dos limites das regras.

No que diz respeito às amizades, ele gostava de andar com seus amigos do ensino médio, bem como um monte de gente com os mesmos interesses que conheceu na faculdade. Assim foi sua vida até se formar e sair para o mundo, mesmo que ainda tenha se certificado de ir se aprimorando e desenvolvendo conexões. Naturalmente, investiu em seu capital humano adquirindo habilidades linguísticas e culturais até certo nível. Além disso, sua formação educacional, de acordo com a teoria dos sinais2Na biologia evolutiva, a teoria dos sinais ou da sinalização é uma teoria que examina a comunicação entre indivíduos. A questão central apresenta-se na esperança de que os organismos com interesses em conflito comuniquem-se com honestidade (considerando que não há uma intenção consciente) em vez de desonestamente. Os modelos matemáticos em que os organismos assinalam a sua condição a outros indivíduos como parte de uma estratégia evolutivamente estável são importantes para a investigação neste campo., projetaria o ideal da sociedade de um “bom estudante universitário”.

Surpreendentemente, o que pessoas como ele precisavam não era talento — o mais importante era se sair bem no papel. Em outras palavras, os recrutadores preferiam  alguém que passasse na seletiva da empresa de forma louvável, viesse de uma escola de prestígio e fosse um rosto familiar para os entrevistadores. Por essa razão, ele não entrou nas estatísticas do desemprego causado pela recessão nacional.

Afinal, ele estava na frente em comparação com os outros candidatos. Na verdade, ele tinha muita vantagem, essa competição era manipulada. Desde o início, era natural visitar ex-alunos que vinham da mesma alma mater3Expressão muito utilizada por estudantes que frequentaram determinada instituição de ensino.. Ele chegou ao ponto de aceitar convites para tomar algumas bebidas com o pessoal da área de recursos humanos de algumas empresas.

Agora imagine se o contratante tivesse estudado na mesma escola e faculdade do entrevistado, consequentemente sendo júnior e sênior. Eles davam dicas sobre o que falar e como agir com certos recrutadores de empresas x ou y.

Contanto que ele combinasse suas várias conexões e fosse bem nas entrevistas, não teria nada para se preocupar. Se não fosse muito exigente, conseguiria sem esforço um emprego que o sustentasse. Ao seguir obedientemente o que lhe foi dito, se tornaria uma engrenagem social com um ótimo desempenho e um ritmo constante. Em algum momento, ele começou a se ver como um adulto maduro naquele ambiente de trabalho.

Satisfação no trabalho? Individualidade? Criatividade? Ele era uma engrenagem na sociedade e poderia afirmar que não importava o tipo de trabalho, desde que recebesse uma compensação justa. Do ponto de vista da empresa, o funcionário ideal era obrigado a concluir as tarefas prontamente, mantendo um nível de qualidade adequado ao seu salário. Aderindo à filosofia da empresa em tudo, o funcionário ideal tomaria a iniciativa e procuraria maneiras de obter lucro. Não era muito difícil para ele se adaptar à vida como um escravo da lógica corporativa.

Sem coração? Robótico? Insensível? Indiferente? Preocupações desse tipo só o incomodavam no início. Ele tinha pavor de pessoas que latiam, mas não mordiam, assim como das pessoas que recorreriam à violência — não era possível para ele compreender tal comportamento vergonhoso, mas com o tempo, se acostumou. Era igual na escola.

Humanos são criaturas projetadas para se adaptar à mudança. Quando se trata disso, conformar-se com o ambiente significa assumir o papel designado, por exemplo, um guarda age como um guarda e um prisioneiro como um prisioneiro. Os dias passaram sem problemas, alternando entre trabalho e hobbies. Naturalmente, o trabalho progrediu eficientemente. Seguir as diretrizes da empresa e evitar erros o máximo possível eram importantes para não deixar o trabalho atrapalhar as atividades realizadas no tempo livre.

Como resultado, no momento em que completou trinta anos, não só quase alcançou a renda de seus pais, como estava perto de conseguir uma promoção. Ele era muito bem visto por sua devoção à empresa e lealdade aos executivos, avançando degraus no departamento de recursos humanos. Ele até recebeu um prêmio como gerente de seção.

Sim, é isso mesmo. Eu tinha um trabalho importante. Não há nenhum motivo, nenhum sequer, para uma freira estar enfiando uma colher de comida na minha goela. Estou sendo um cavalheiro, nem mesmo estou gritando feito um idiota, para corrigir isso de “Tanya, querida”.

Ficando impaciente, tentei me levantar para falar “por que eu”. Foi quando entendi a situação. Minha cabeça latejava quando lembranças desagradáveis surgiram de repente.

 

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22 DE FEVEREIRO DE 2013, TÓQUIO, JAPÃO

— Por quê? Por que eu?!

Por quê? Porque obviamente seu custo-benefício é horrível! Além disso, você nem está aparecendo para trabalhar. Tenho um relatório do seu supervisor direto alegando que você não pegou apenas um, mas vários adiantamentos de uma soma considerável. Por fim, você se recusa a ver o médico da empresa. Concluindo, é óbvio que os custos para mantê-lo na empresa estão se tornando insustentáveis. Mais importante, não podemos ter você causando algum tipo de escândalo e arruinando a boa reputação da empresa.

Eu adoraria te perguntar, tem alguma razão para mantermos você conosco? Mas de acordo com a legislação trabalhista, devo esconder tais questionamentos no fundo do meu coração e conduzir essa conversa com o máximo de tato possível.

— Você já falhou em completar seu PMD4Plano de Melhoria de Desempenho duas vezes. A empresa lhe deu uma orientação muito razoável para participar do treinamento de conclusão do PMD, mas você recusou. Além disso, você tem inúmeras ausências injustificadas. Falsa cortesia? Não é nada demais. Não é proibido por lei. Esta é uma corporação com fins lucrativos, não uma instituição de caridade para os socialmente ineptos. Dito isso, como você contribuiu para a nossa empresa por tanto tempo, acredito que um pedido de demissão voluntária, invés de demissão por justa causa, seria do interesse de ambos.

Mesmo que isso possa ser uma enorme perda de tempo, ainda faz parte da descrição do trabalho.

— Eu nunca tive que visitar clientes antes! Como caralhos deveria contar como treinamento?!

— Atuar visando a otimização dos resultados operacionais, auxiliar os supervisores a entender os representantes de vendas e encontrar maneiras de melhorar suas práticas gerenciais. Com isso em mente, sentimos que era necessário que você passasse por esse treinamento.

Mesmo que seja tudo em um único dia de trabalho, ainda é cansativo. É uma chatice lidar com funcionários chorando, lamentando e tentando se agarrar em alguma coisa. Se acha que chorar vai mudar as coisas, vá em frente, chore o quanto quiser. Em algumas partes do mundo dos negócios, essa é uma tática válida, mas se acha que funcionará depois de me chamar de “monstro sem coração”, “cachorrinho do chefe” ou “ciborgue”, pense em outra coisa.

Sempre soube que não era o melhor. Incapaz de competir com os gênios ou me igualar aos talentosos através do esforço e dedicação, minha personalidade ficou completamente distorcida. Sou uma pessoa difícil e complexa.

Pessoas verdadeiramente benevolentes são inspiradoras. No que diz respeito à hipocrisia, tenho-a em um nível que a sociedade consideraria saudável, mas saber que sou hipócrita me faz ainda mais cômico.

Mesmo tendo consciência deste aspecto, de quão insuportável sou, ainda abrigo a crença arrogante da minha superioridade sobre o tolo inepto que grita e chora diante de mim. Pelo menos no que diz respeito ao custo-benefício, mantive resultados excelentes. Então, mesmo que os departamentos de reestruturação designados para consolidação através de demissões sejam uma chatice, levo a sério. A partir daqui, eu deveria subir degrau por degrau e parar direto na cadeira de diretor de recursos humanos.

Minha vida deveria ter sido bem calma.

Deveria…

Depois de refletir até este ponto, lembrei de um evento bem desagradável.

Dizem que os seres humanos são animais políticos por natureza, mas, ao que tudo indica, o tipo de seres humanos que são demitidos são animais que priorizam mais as emoções do que a lógica ou dogmas comumente aceitos. Quando você chega nesse ponto, não há mais pessoas que, ao contrário da “boa” elite acadêmica, agem com seus impulsos? O diretor me avisou especificamente para prestar atenção na estação, mas não conseguia entender onde ele queria chegar.

Wham! Algo bateu em mim. Caí da plataforma em câmera bizarramente lenta. No momento em que vi o trem, minha consciência apagou.

Quando acordei, vi uma injustiça inexplicável.

— Vocês são mesmo criaturas vivas de carne e osso?

— Desculpe, quem é você?

Um homem idoso saído diretamente de uma novel genérica deu um suspiro pesado enquanto me observava. Deve ser uma das três explicações possíveis:

1 – Sobrevivi por um milagre, e um médico está me examinando, mas estou incapaz de raciocinar direito. Em outras palavras, é possível que meus olhos ou meu cérebro tenham sofrido algum trauma sério.

2 – Estou morrendo e isso é uma alucinação. Talvez minha vida esteja passando diante dos meus olhos.

3 – Acordei depois de confundir um sonho com realidade. E ainda estou um pouco sonolento.

— Tem muitos de vocês com personalidades estranhas e distorcidas. Quanta bobagem nessa sua cabeça!

Ele acabou de ler minha mente? Se leu, isso é uma violação extremamente indecente e indesejável da minha privacidade, como também uma intrusão em assuntos confidenciais.

— Claro que sim. Mas é nojento ler as mentes de descrentes sem compaixão.

— Bom, o que você sabe…? Nunca acreditei que diabo existisse.

— Você tem umas ideias bem idiotas e loucas!

Somente Deus ou o diabo são capazes de desafiar as leis universais. Se Deus existisse, ele não ignoraria toda a injustiça do mundo. Assim, este mundo carece de um Deus. Portanto, a Existência X diante de mim é o diabo. Encerro aqui o meu caso.

— Vocês descrentes que estão tentando matar seu Criador de tanto trabalho!

— Vocês descrentes? — No plural. O que significa que ele está se referindo a mais pessoas além de mim. Devo me confortar com o fato de que não estou sozinho? Apesar de que não me odeio, também não me amo muito.

— Quero dizer almas perturbadas como a sua! Elas estão em todos os lugares hoje em dia. Por que você não busca a salvação enquanto a humanidade avança? Não quer ser liberto de sua escravidão terrena?

— Acho que isso seja devido a esse progresso social.

A teoria da justiça de Rawls5Rawls, em sua teoria da justiça, justiça como equidade, apresenta os princípios básicos que irão instituir uma sociedade bem-ordenada, possibilitando que se atinja um sistema de cooperação equitativa entre seus cidadãos e que, através desses princípios, sejam garantidas as liberdades e igualdade entre eles. é muito maravilhosa, mas na verdade aplicá-la é irreal. Os humanos já foram divididos entre os que têm e os que não têm. Pode ser interessante como uma proposta hipotética, mas na vida real, as pessoas não podem desistir do que têm pelo bem dos outros. Não é natural buscar o ganho material nesta vida em vez de se preocupar com o futuro? Mesmo assim, o que importa?

Se eu estiver morto, o que vai acontecer com a minha alma? Vamos discutir isso de forma construtiva. O que realmente importa é o que vem a seguir.

— Vou só jogá-lo de volta ao ciclo da vida e da morte, você vai renascer. — respondeu o autoproclamado Deus, Existência X. A resposta que o estranho deu é mais simples do que eu imaginava. Ah, aposto que ele está cumprindo seu dever de explicar. Sim, o trabalho não é algo para ser levado na brincadeira. Entendo a importância de assumir responsabilidades e agir em conformidade com a lei. Goste ou não, como membro da sociedade, de uma organização, deveria indicar que entendo como devemos proceder.

— Muito bem. Nesse caso, vá em frente e faça o seu trabalho.

Para começar, planejo prestar mais atenção e cuidar melhor das minhas costas. Aprendi que existem dois tipos de pessoas, racionais e irracionais, então, sem dúvida, precisarei utilizar a economia comportamental.

— Ugh! Cansei.

Mas as palavras que ele disse baixinho me deixaram perplexo.

— Hã?

— Vocês não conseguem ver onde está o problema? Não conseguem alcançar a salvação e se libertar do ciclo quando não tem nem um pingo de fé! — Ele reclamou, deixando tudo muito estranho para mim.

Honestamente, não tenho ideia do porquê essa Existência X (autoproclamado Deus) está tão brava. Sei que os idosos podem ser temperamentais, mas quando alguém que parece ocupar uma posição importante fica assim, pode ser difícil de entender. Se isso fosse um anime, poderia descrevê-lo como um idiota, mas no mundo real, você raramente tem esse luxo.

— Os humanos hoje em dia se afastaram muito das leis universais! Eles não conseguem distinguir o certo do errado!

Quê? A Existência X pode falar o que quiser sobre leis universais, mas não faço ideia do que está falando. E se essas leis realmente existem, é bem irritante que não tenha dado aviso prévio. Ele está pedindo demais se espera que as pessoas cumpram as leis que nunca viram, muito menos consentiram. Não consigo entender algo que não foi colocado em palavras. Pelo que sei, ainda não desenvolvi poderes telepáticos.

— E os Dez Mandamentos, eles existem!

1 – Não terás outros deuses além de mim;

2 – Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus;

3 – Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo;

4 – Honra teu pai e tua mãe;

5 – Não matarás;

6 – Não adulterarás;

7 – Não furtarás;

8 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo;

9 – Não cobiçarás a mulher do teu próximo;

10 – Não cobiçarás a casa do teu próximo;

Os mandamentos de repente fluem na minha mente por telepatia ou algo do tipo, mas… uh… bem… droga. Olha, eu nasci em uma região politeísta do mundo, onde estamos acostumados a deixar as coisas passarem como “tolerância religiosa”. Então, para ser sincero, não tenho certeza de como reagir a alguém mencionando os mandamentos. Só para constar, honro meus pais e nunca matei ninguém. Mas sou biologicamente masculino. Certos instintos sexuais são naturais. Não posso fazer nada em relação a isso. Seria outra história se eu tivesse programado meu corpo, mas não programei.

— Vou me arrepender disso enquanto eu viver!

Há quanto tempo Deus vive? Estou um pouco intrigado, nem que seja de uma perspectiva puramente acadêmica. Não me surpreende, dada a minha curiosidade.

Nunca lutei contra o desejo ou impulso de matar alguém. Claro, é bem legal quando dou headshot em algum FPS, mas isso não me faz mais sanguinário que o próximo. Sou a favor dos direitos dos animais, tenho certeza de que, no mínimo, ajudei alguns abrigos de animais.

— Então você não sujou as mãos, mas mesmo assim sentiu prazer com o ato de matar, não é?!

Nunca roubei nada, nem dei falso testemunho, ou o prazer de pegar uma casada. Acima de tudo, passei a vida como uma pessoa honesta. Cumpri meus deveres no trabalho e segui as leis – não me lembro de ter desafiado a conduta prescrita para um ser humano. Se eu tivesse sido enviado para a guerra, talvez teria recebido uma revelação de Deus, enquanto pulava de paraquedas, mandando eu criar camarões. Infelizmente, minha experiência servindo nas forças armadas foi limitada a jogos online.

— Faça do seu jeito! Se não se arrepender, não terei escolha, senão te dar o devido castigo.

Gostaria de pensar que essas falsas acusações são realmente falsas, mas como regra é regra, sei que nunca é sábio deixar as coisas acontecerem sozinhas.

— Espere um minuto.

— Dane-se.

Gostaria que você não perdesse a paciência. Se você está afirmando ser o Ser Supremo (mesmo que não esteja fazendo um bom trabalho), gostaria que fosse um pouco mais maduro mentalmente. Acho que você poderia até manter o disfarce. Tenho um conhecido que é advogado, quando está em um tribunal pessoalmente ou online, muda completamente, nem parece ele mesmo. O homem até tem uma vida social plena! Mesmo não acreditando que consiga chegar em seu nível, poderia pelo menos tentar…

— Tenho que gerenciar sete bilhões de almas, estou sobrecarregado!

A Bíblia diz: “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra”. É óbvio que meu conhecimento sobre o assunto é limitado, mas tenho certeza de que a humanidade segue obedecendo certinho. Consigo imaginar Malthus se revirando em seu túmulo. Você pode dizer que a humanidade “se multiplicou” demais. Se vai trabalhar na administração, gostaria que seguisse as ordens que você mesmo impõe. Espero que não seja demitido depois de perder o respeito de todos os seus subordinados.

De qualquer forma, como você é o administrador, deve assumir total responsabilidade pelo que disse.

— T-tudo o que eu recebo são pessoas iguais a você, céticas sem um pingo de fé! Estão me deixando por aqui, já!

Honestamente, isso não é uma falha no modelo de negócios?

— Não vou aceitar isso vindo de alguém que não consegue seguir nem o básico! Não eram vocês que queriam a salvação, para começo de conversa?

Não tem como saber, nem aviso teve. Isso é o que eu realmente acho. É bom senso enviar documentos importantes por correio e, na verdade, um contrato deve ser entregue pessoalmente. Teria sido melhor se você tivesse deixado o contrato sempre a vista também.

— Você se curvou diante das leis de Deus!

Os avanços científicos hoje em dia são quase mágica. Ciência superdesenvolvida é praticamente mágica. Viva a ciência natural! Tudo está bem no mundo. Em nossa sociedade da abundância, nem um senso de crise nem devoção se espalhará sem uma guerra iminente. É por isso que nos apegamos desesperadamente às coisas. A menos que seja encurralado, as pessoas não se apegam à religião.

— Então, em outras palavras, é como… que… uh… sabe?

Você diz que eu sei, mas acho que não saberei até que me diga.

Não há nada a ser feito para a maneira cada vez mais grosseira que estou tratando o ser Existência X. Todavia, não ser capaz de ter uma conversa é realmente frustrante. O que podemos fazer sobre isso? Se desse para contratar um intérprete, eu contrataria sem pensar duas vezes.

— Você é impulsionado pela luxúria, não tem fé e não teme seu Criador. Além disso, não tem nem como encontrar uma fibra moral em todo o seu corpo.

Protesto! Não sou tão ruim. Baseado em normas morais e sociais, não sou tão horrível quanto você me faz parecer!

— Me poupe! Vocês são todos iguais, ou não repetiríamos essa dança toda vez que um de vocês renasce!

Como eu disse antes, o verdadeiro problema aqui é a superpopulação. Ou, no mínimo, tem a ver com o nosso prolongamento da expectativa de vida… Existe uma coisa chamada expectativa de vida média. Sim, é claro que também existe o “Ensaio sobre o Princípio da População”6Thomas Malthus foi um economista inglês que elaborou uma teoria que afirmava que a população iria crescer tanto que seria impossível produzir alimentos suficientes para alimentar o grande número de pessoas no planeta. Dentre suas obras, a principal foi o Princípio da População. de Malthus. Você não leu? Do jeito que nos multiplicamos como ratos, você realmente deve ser bem ocupado. Não é como se estivéssemos fazendo algo em particular; acredito que uma análise simples mostrará que seu modelo de negócios é bem falho.

— Se o número de crentes aumentasse junto com a população, as coisas ficariam bem!

Sim, então existe uma falha no seu modelo de negócios. Tudo que posso dizer é que você fez um trabalho desleixado analisando sua base de consumidores. Isso é um erro estrutural dos estágios de planejamento.

— Então, no seu caso, você não acredita, pois era um homem, vivendo em um mundo de ciência, que desconhece a guerra e só conhece a paz?

Huh? O quê? Eu, uh, acho que posso ter estragado tudo.

Beleza, vamos nos acalmar. Agora, Existência X é tão perigoso quanto o diretor de recursos humanos, quando outra empresa roubou vários de nossos engenheiros veteranos. Entendo a situação. E já sei como lidar com isso.

— Então, se eu mudasse isso, até mesmo pessoas como você teriam fé?

Não está tirando conclusões precipitadas? Por que não se acalma? Admito, eu disse que a ciência superdesenvolvida nublou a fé, mas, Deus, por favor, tenha calma! Isso mesmo, relaxa. Se pudéssemos sentir a graça do Senhor, isso resolveria tudo. Ah, mas é claro, entendi. Sei muito bem o quão graciosamente você cuida de nós, como você está me guiando agora. Sim, entendi perfeitamente, então poderia ter a gentileza de baixar a mão? E devo acrescentar, temo que a parte que desconheço a guerra, foi um leve mal-entendido.

— Elogiar não vai te levar a lugar nenhum agora!

Espere, meu Senhor! Por favor, lembre-se que nem magia nem milagres foram comprovados em nosso mundo. Qualquer um que alega ter visto um milagre, é considerado mentiroso. O mesmo com a sua existência! E por outro lado, não importa se você é homem ou mulher. É óbvio que ambos os sexos têm desejo sexual!

— Já chega. Você já apresentou seu caso. E já decidi o que vou testar.

— O quê?

— Vou fazer um teste com você!!!!

Então, sim… isso resume a lembrança. Gostaria de esquecer isso.

 


 

Tradução: Rlc

Revisão: Castro

QC: Pride

 

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