De volta das ruínas, Akira esgueirou-se pelas favelas. Sua mochila estava recheada com mais relíquias do que o normal, e um observador atento que visse as protuberâncias em seu tecido não teria dificuldade em reconhecê-lo como um caçador retornando com sucesso.
A ordem pública no distrito inferior geralmente melhorava quanto mais se aproximava das muralhas da cidade, o que significava que era pior nas favelas que fazem fronteira com o deserto. Como resultado, os caçadores que voltavam ansiosos para evitar problemas frequentemente desviavam da área. Sempre havia alguns favelados imprudentes o suficiente para se tornarem violentos, cegos por sua ganância. Geralmente, pagavam por isso juntando-se aos muitos cadáveres que estavam espalhados pelas ruas, monumentos de diferença entre aqueles que lutaram contra monstros nas terras devastadas e aqueles que não o fizeram.
De qualquer forma, Akira seguiu o caminho pelas favelas. Era um atalho para o posto de trocas, tendo ele mesmo crescido nas favelas estava acostumado à sua ilegalidade. Desde que se tornou caçador, passou por elas com frequência sem incidentes, mas não dessa vez.
— Akira. — Alfa o avisou. — Você está cercado.
Ele parou e olhou em volta, mas não viu nenhuma emboscada. A rua parecia um pouco mais cheia do que o normal. No entanto, confiou na habilidade de Alfa de identificar inimigos e se preparou para o pior.
— Posso pegá-los?— perguntou. Mesmo que estivesse realmente cercado, havia muitas explicações possíveis. Alguém pode estar apenas procurando briga ou tentando intimidá-lo. Ou pode ter caído em uma armadilha destinada a outra pessoa. No entanto, já estava agindo partindo do pressuposto de que era o alvo, e planejando um ataque preventivo.
— Você está planejando lutar? Quão longe você irá desta vez? — Alfa perguntou, lembrando como Akira estava disposto a matar sem hesitar quando resgatou Elena e Sara.
— Vou correr se parecer impossível. — respondeu. — O que acontecerá em seguida dependerá deles.
Se tentassem ameaçá-lo com superioridade numérica e ele não recuasse, provavelmente decidiriam que não valia a pena. Akira os deixaria ir, desde que pudesse fazer isso sem abrir mão de nenhuma de suas relíquias. Ele era um caçador agora, e se recusava a abandonar seus ganhos apenas para escapar como um típico garoto das favelas de sempre. Então, dependia de seus agressores se os mataria. Estava preparado para fazê-lo se necessário.
Alfa considerou. Enquanto Akira já havia massacrado um grupo inteiro de pessoas que nem mesmo o haviam ameaçado, ele agora parecia disposto a negociar com alguém que o fizesse. Ela achou o comportamento dele inexplicável, mas também julgou que ele provavelmente sairia por cima.
— Se é assim que você se sente, não vou impedi-lo — disse ela —, mas certifique-se de seguir minhas instruções se eu decidir que você está em perigo.
— Eu sei — respondeu. — Não tenho pressa de morrer.
Enquanto Akira estava lá, quieto e alerta, seus oponentes completaram o cordão.
Favelados bloquearam a estrada atrás dele e qualquer uma das ruas secundárias que pudessem oferecer fuga. Então, três homens emergiram da multidão à sua frente. Ao contrário dos outros, usavam armadura corporal— embora manchada e danificada— e não portavam pistolas, mas armas anti-monstros. Ex-caçadores fracassados. Akira imediatamente os reconheceu como líderes do grupo.
— Desculpe, mas eu não sou rico o suficiente para pagar um pedágio. — disse ele, mantendo sua voz firme para provar que não estava com medo. — Você tentaria outra pessoa?
O trio começou a rir. Então o homem do meio, Syberg, balançou a cabeça.
— Você não deveria mentir. — disse — Você está carregando muito nas costas e aposto que há mais de onde quer que isso tenha vindo.
A cautela atravessou o rosto de Akira. Syberg o viu e zombou, suas suspeitas se confirmaram. Não havia escolhido Akira inteiramente por acaso, estava atento às informações de alvos promissores.
As gangues nas favelas costumavam ser lideradas por ex-caçadores. Esses chefes, não conseguindo fazer fortuna nas terras devastadas, usaram suas habilidades e equipamentos em seus vizinhos nas favelas. Eles recrutaram ativamente subordinados, ou os subordinados se juntaram a eles, até que tivessem pequenas organizações sob seu comando.
Syberg era um desses líderes. Sua gangue não era grande, mas era poderosa o suficiente para controlar uma base de operações de médio porte nas favelas e para que sua rede de informantes soubesse de Akira.
— Você também é da favela, não é? — perguntou Syberg, sorrindo ao imaginar o conteúdo da mochila de Akira. — Então, devemos ajudar uns aos outros. Tenho muitas pessoas na minha gangue e estamos sem dinheiro. — O ex-caçador indicou com seu olhar que a multidão ao redor trabalhava para ele, uma ameaça velada, sugerindo que Akira não tinha para onde fugir.
— Não se preocupe. — continuou Syberg. — Tudo o que você tem que fazer é entregar todo o seu dinheiro e tudo o que você tem com você, além de nos dizer tudo o que você sabe. Não vamos matar você nem nada.
Os homens de ambos os lados de Syberg apontaram suas armas para Akira. Sorrindo presunçosamente, claramente perceberam que o tinham encurralado, em desvantagem numérica e desarmado. Somente Syberg permaneceu cauteloso, notando a falta de medo na expressão do garoto.
Akira olhou para os homens.
— E você vai me matar se eu disser não? — perguntou. — Você não obterá nenhuma minha dessa forma.
— Você poderia consertar isso? — respondeu Syberg. — Seja um bom garoto e nos conte antes de morrer.
Os homens não tinham intenção de poupar a vida de Akira, e ele sabia disso. Suspirou profundamente e deixou a cabeça cair. Os homens zombaram e relaxaram, presumindo que havia desistido.
Akira fingiu um olhar de fraqueza para os ex-caçadores, mas interiormente se fortaleceu.
— Tudo bem, — disse ele. — Eu não quero morrer.
Como se o trabalho tivesse terminado, os homens tiraram os dedos dos gatilhos e abaixaram o cano das armas, sem perceber que haviam feito isso.
— Alfa. — Akira chamou.
— Estou pronta quando você estiver. — respondeu.
E com isso, o destino dos homens foi selado.
Akira de repente virou para a direita e os homens seguiram o exemplo, tirando os olhos dele. Ele nem mesmo verificou se sua distração havia funcionado, ou se deu ao trabalho de mirar, antes de abrir fogo com seu fuzil de assalto AAH. No momento seguinte, estava correndo em direção a um local indicado por Alfa.
Homens gritaram, perfurados pelas balas de Akira. A gangue se esforçou para reagir, mas foram pegos de surpresa. Cercar Akira significava que estavam enfrentando seus próprios companheiros e hesitaram em não atirar em um amigo por engano.
Alguns conseguiram atirar em Akira, mas não o atingiram. Alfa já havia analisado as posições dos inimigos e vários fatores relacionados para calcular as rotas e locais com menor probabilidade de sofrer tiros, guiou Akira direto até eles. Seus cálculos se mostraram precisos: nenhum daqueles poucos tiros atingiu o alvo antes que escapasse.
Akira mergulhou em um beco lateral na direção de Alfa. Os homens que o bloqueavam congelaram em pânico ao vê-lo virar o jogo. Eram alvos fáceis quando atirou neles à queima-roupa. Os homens usavam roupas comuns, que não ofereciam proteção contra balas projetadas para derrubar monstros, e cada tiro passava direto por eles. Em um instante, o beco estava cheio de cadáveres afundando em uma poça de sangue. Akira passou correndo sem parar para pensar no terrível espetáculo ou dar uma olhada nos homens que havia matado.
Gritos e berros raivosos encheram o ar atrás dele. A maioria dos homens de Syberg presumia que as ameaças seriam suficientes para intimidar uma criança. Alguns tinham vindo apenas para tornar seus números mais intimidadores; um tiroteio foi mais do que haviam esperado, e fugiram aterrorizados por sua vida.
Embora Syberg e seus dois tenentes tivessem levado alguns tiros, suas armaduras corporal manteve seus ferimentos a um nível mínimo. Mas as balas ainda causavam uma dor considerável e seus rostos se contorciam de angústia.
— Aquele pequeno punk não sabe com quem está mexendo! — Syberg rugiu, transformando sua agonia em raiva. — Vá atrás dele! Vou dar uma volta e cerca-lo! O resto de vocês, parem de olhar e cerquem aquele garoto!
Seus dois tenentes obedeceram imediatamente, mas o resto hesitou, com medo de segui-lo. O ex-caçador estalou a língua em frustração, então apontou sua arma para o grupo relutante.
— Mexam-se! — gritou.
Syberg esperou para ter certeza de que os retardatários em pânico partiriam, então estalou a língua novamente e entrou em um beco diferente em busca de Akira.
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Akira deu uma volta por uma curva no beco e parou, apontando seu fuzil na direção de onde tinha acabado de vir. A esquina deveria ter bloqueado sua visão, mas podia ver claramente seus inimigos se aproximando, Alfa mostrava suas posições em sua visão. Ela até delineou seus perseguidores em vermelho para torná-los mais fáceis de identificar.
Os homens de Syberg foram levados para o beco sob a mira de uma arma e presumiram que sua presa ainda estava lutando para escapar. Nunca pensaram em verificar se Akira estava esperando silenciosamente para emboscá-los e correram em frente, jogando a cautela ao vento.
Apareceram à vista e Akira puxou o gatilho. Sua rajada de tiros derrubou os que estavam na frente indefesos como moscas, sujando o beco com sua carne e sangue. Aqueles logo atrás deles gritaram enquanto as balas os atravessavam, enquanto outros, mais atrás, gritavam em pânico.
— Alfa, quantos faltam? — Akira perguntou.
— Pelo menos três. — respondeu — A maior parte da multidão está começando a desertar, então terminará assim que você matar o líder e sua comitiva. Esconda-se ali.
Akira se escondeu contra a parede do beco e esperou. Em pouco tempo, os perseguidores sobreviventes dispararam fogo supressor ao virar da esquina e cuidadosamente colocaram suas cabeças para fora. Eles não tinham atingido Akira, nem o haviam avistado, as instruções infalíveis de Alfa cuidaram disso, e os anos de experiência de Akira nos becos o tornara capaz de passar despercebido. Seria preciso mais do que uma rápida olhada para detectá-lo.
Um homem decidiu que Akira deveria ter seguido em frente e se inclinou à vista de todos, apenas para que o garoto atirasse instantaneamente entre seus olhos.
— Faltam dois. — relatou Alfa. — Recarregue enquanto você tem a chance.
— Estou fazendo isso.
Akira substituiu calmamente seu carregador, enquanto os gritos de seus inimigos ecoavam em seus ouvidos.
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Syberg correu para impedir a fuga de Akira. A raiva ardeu dentro dele no início, mas com o passar do tempo, sua cabeça esfriou e começou a parecer perplexo.
— Pessoal! Como está indo? — falou em seu rádio.
Sem resposta. Por trás de sua irritação, começou a sentir que algo não estava certo.
— Merda!
Ele tinha ouvido tiros à distância, mas tudo ficou silencioso. Então, ou seus homens mataram Akira, ou o garoto os matou. Syberg esperava pela primeira opção. Seus homens podem não estar respondendo porque a batalha danificou seus rádios ou porque estavam ocupados tratando ferimentos. Mas e se esse não fosse o caso? O que isso significaria para ele? Imagens desagradáveis começaram a aparecer em sua mente.
Quem é aquele garoto? Syberg se perguntou. Eu pensei que era apenas um zé ninguém.
Presumiu que Akira tinha simplesmente tido sorte: uma criança tropeçando no esconderijo de relíquias de um caçador morto nas favelas ou no deserto próximo. Isso explicaria tudo: de onde vieram os rumores, como um garoto fracote acabou vendendo relíquias valiosas para o posto de trocas, e por que tantos caçadores não haviam conseguido localizar quaisquer áreas negligenciadas na ruína.
Syberg especulou que o garoto era um amador e, portanto, teria ficado surpreso com seu lucro inesperado e os rumores resultantes. O garoto provavelmente decidiu ficar quieto por um tempo até que a fofoca acabasse. E qual seria seu próximo passo se não tivesse esgotado seu estoque? Para pegar seus ganhos iniciais e comprar algum equipamento, esperando parecer um caçador. Então ele poderia vender mais relíquias sem chamar atenção indesejada.
O ex-caçador ordenou que sua gangue procurasse uma criança que se encaixasse nessa descrição e, quando encontraram Akira, a aparência do garoto pareceu confirmar suas suposições. Akira parecia fraco, fraco demais para voltar vivo das ruínas e das terras devastadas que fizeram até mesmo Syberg parar. Mas agora a convicção do ex-caçador estava em frangalhos.
No final, Syberg parou no meio do caminho, incapaz de afastar a sensação de que a morte o esperava à frente.
Devo recuar? se perguntou. Se os outros conseguiram matar o pirralho, posso sempre dar-lhes alguma desculpa mais tarde.
Ele hesitou, embora devesse saber melhor. Teve momentos preciosos para decidir o que fazer, lutar ou fugir, mas eles passavam enquanto permanecia ali.
Seu tempo acabou.
Uma rajada de tiros rasgou o ar. As balas atingiram Syberg. Sua armadura corporal salvou sua vida, mas a força derrubou sua arma de suas mãos e o fez se espalhar. Mais tiros destruíram sua arma caída. Ele estava deitado no chão com dor, incapaz de responder, completamente vulnerável.
Akira saiu de um beco próximo. Vendo que Syberg ainda estava vivo, o garoto franziu a testa, ele atirou para matar.
— Muitos erros. — comentou Alfa, sorrindo, mas com um toque de exasperação. — Você precisa mirar com mais cuidado.
Akira suspirou.
— Vou continuar treinando. — respondeu. Então, deliberadamente, apontou sua arma para a cabeça de Syberg.
Syberg entrou em pânico. Gesticulou freneticamente com uma mão que mal conseguia se mover.
— Espere! — chorou. — Você venceu! Me desculpe! Pago o que você quiser, economizei bastante! Apenas espere!
— Por que você veio atrás de mim? — Akira perguntou friamente.
— Ouvi dizer que um garoto punk estava andando por aí com uma fortuna! Mas eu estava errado! Você não é um punk! Por favor, deixe-me ir! — Syberg implorou. — Eu vou fazer de você o chefe da minha gangue! E você não quer mais ser atacado, certo?! Tenho influência com outras gangues! Posso dizer a eles para deixarem você em paz! Por favor!
Akira olhou fixamente para o homem implorando por sua vida, enquanto Alfa, por sua vez, observava Akira.
— Está bem. Eu não quero morrer. — disse Akira.
O rosto de Syberg se iluminou e o alívio de que viveria o inundou.
Mas então o sangue foi drenado de seu rosto enquanto o menino continuava:
— Foi isso que eu disse antes, certo? Eu deveria ter acrescentado: você morre em vez disso.
Akira puxou o gatilho à queima-roupa. Sua bala matou Syberg instantaneamente.
— Alfa, onde estão os outros? — perguntou.
— Todos eles fugiram. — relatou. — Você conseguiu.
Ao vê-la sorrir, sabia que havia vencido. Exalou, aliviado. Então seu rosto escureceu e ele deu um suspiro.
— Achei que os caçadores lutavam principalmente contra monstros. — resmungou. — mas sinto que só matei pessoas desde que me tornei um.
— São tão diferentes? — Alfa perguntou alegremente. — Ambos não tentam matá-lo sem uma boa causa? Se você preferir lutar contra monstros, melhore suas habilidades. Eu realmente não recomendo enfrentá-los até que faça isso.
— Não estou me dedicando a lutar contra monstros. Nem esses caras, certo? Foi por isso que eles me atacaram. — Akira suspirou novamente, profundamente. — Por mais que se importassem, eu poderia muito bem ter sido uma carteira abandonada. É uma porcaria, mas acho que é a vida até eu ficar mais forte.
— Teremos que ter cuidado — respondeu Alfa. — Haverá mais dinheiro nessa carteira quando você vender essas relíquias.
Akira deu um olhar sombrio para ela, mas o sorriso nunca saiu de seu rosto.
Os ladrões não tinham como alvo qualquer um. Eles podem assaltar alguém sem pensar duas vezes, mas pensariam duas vezes se estivessem em desvantagem. Nas favelas, pelo menos, você tinha que ser forte o suficiente para proteger o que era seu. Quanto mais dinheiro Akira tivesse, mais capazes seriam os ladrões que enfrentaria. Eles vinham, vinham e vinham, até que seus cadáveres se amontoassem o suficiente para avisar os outros de que não valia a pena.
Akira e Alfa partiram para o posto de trocas mais uma vez, fazendo um longo desvio pelas favelas. Os corpos que deixaram em seu rastro serviriam como um aviso para qualquer outra pessoa tola o suficiente para seguir o exemplo de Syberg.
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Alguns dias após o ataque a Akira, em um dos muitos becos da favela, uma garota chamada Sheryl se viu sem saber o que fazer. Ela vivia bem para um morador daquela parte da cidade, tinha roupas relativamente limpas e seu cabelo e pele mantinham alguma cor e brilho. Agora, no entanto, a tristeza que marcou seu lindo rosto lançou sobre ela uma sombra de pessimismo que alguns dias de vida nas ruas não conseguiram.
Sheryl pertencia à gangue de Syberg, até que ele morreu e sua organização entrou em colapso da noite para o dia. Outras gangues haviam absorvido a maioria dos sobreviventes, mas alguns, aqueles que participaram do ataque a Akira, não tiveram tanta sorte. Somente aqueles que conseguiram provar que haviam passado despercebidos na multidão, que nem tinham visto o garoto, muito menos o atacado, receberam uma recepção calorosa.
Sheryl não poderia fazer essa afirmação. Podia ser jovem e moradora de favela, mas se destacava pela beleza natural, que prometia crescer com o tempo. Esse potencial lhe rendeu o favor de Syberg, falando de forma mais educada, e, portanto, durante o ataque a Akira, ela ficou relativamente perto do ex-caçador, onde era bastante seguro dadas as circunstâncias.
Akira matou Syberg e destruiu sua gangue, mas isso pode muito bem ser apenas o começo. Ninguém sabia até que ponto um caçador com rancor buscaria vingança contra os favelados, exceto o próprio caçador. Alguns se vingaram o mais intensamente possível, para que não fossem vistos como fracos e suscitassem novos ataques. Sheryl esteve relativamente próxima de Syberg, tanto durante o ataque quanto dentro da gangue, e nenhum outro grupo a receberia por medo de retaliação.
— O que eu vou fazer agora? — murmurou fracamente.
As favelas eram difíceis para as crianças. Para sobreviver, Sheryl desenvolveu fortes habilidades interpessoais, adaptando-se bem aos grupos sociais. Ela era sensível aos relacionamentos interpessoais: conseguia avaliar a distância adequada para manter com qualquer pessoa, interna ou externa, e conhecia as melhores maneiras de evitar irritar seus associados. Se falhasse nessas áreas, outra gangue poderia atacá-la e até mesmo seus próprios associados poderiam sacrificá-la.
Para alguém no lugar dela, as consequências do ataque a Akira representaram o pior cenário possível.
Lamentar no beco não a levaria a lugar nenhum, sabia, mas não via nenhuma alternativa. A noite caiu e ainda não estava perto de uma solução. Impaciente e sonolenta, começou a ter ideias estranhas, pensando em possibilidades que normalmente nunca teria considerado por muito tempo. Mas, em sua exaustão, se apegou desesperadamente a seus pensamentos caóticos até que o sono a tomou de surpresa.
Na manhã seguinte, quando Sheryl acordou em um canto do beco, sua mente estava limpa e totalmente descansada. Analisando as ideias que teve no dia anterior, percebeu que, em sua reflexão, havia criado algo parecido com um plano real.
Não posso fingir que estou feliz com isso, ela garantiu. Provavelmente falhará, ou até mesmo me matará. E mesmo que eu consiga, por quanto tempo eu posso realmente me manter segura?
Sheryl hesitou. O que parecia uma mistura ridícula de ideias tornou-se uma possibilidade na qual valia a pena apostar. Sua única alternativa era permanecer em sua atual espiral descendente. Passaria seus dias sem qualquer esperança, até o dia em que ela mesma morresse.
— Não tenho escolha, — disse Sheryl para si mesma. Com a decisão tomada, se levantou com um ar sincero. Em seguida, partiu para apostar seu futuro em negociações com o homem que havia destruído sua gangue.
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Akira foi até a loja de Shizuka para abastecer suas munições. A essa altura, ele estava bem familiarizado com a lojista. Mas sua saudação morreu em seus lábios quando avistou os outros dois clientes com quem ela estava conversando. Elas pareciam familiares de alguma forma.
Alfa o lembrou de que uma vez as havia resgatado e, de repente, se lembrou de Elena e Sara.
Agora parecia irritado.
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Shizuka estava conversando profundamente com Elena e Sara, que eram suas amigas e também clientes.
A esbelta Elena usava um traje de proteção que exibia suas curvas. Correias soltas ajudavam a fixar e estabilizar seus pesados scanners; também enfatizavam as diferentes partes de sua figura, fazendo-a parecer ao mesmo tempo sensual e graciosa.
Sara usava uma armadura preta altamente elástica, flexível o suficiente para acomodar a quantidade variável de nanomáquinas que podiam ser armazenadas em seu corpo. Agora que havia se abastecido novamente, tinha recuperado sua forma voluptuosa original. Sua armadura estava bem esticada, exibindo sua estrutura sinuosa e insinuando o fascínio do corpo abaixo dela. O traje era claramente pequeno demais para caber em todo o busto, e ela desistiu de tentar forçá-lo a entrar; em vez disso, deixou o zíper frontal abaixado, expondo seu decote. Um cartucho de fuzil, reutilizado como pingente, pendurado em seu colar, com sua ponta meio enterrada entre seus seios.
— Eu sei, eu sei. — Shizuka estava falando para Sara. Parecia um pouco cansada, não era o seu eu habitual profissional e amigável. — Eu sei que essa pessoa misteriosa salvou você. E que deixou você levar todos os despojos. E que foram vendidos por mais do que você esperava, o suficiente para pagar por suas nanomáquinas com muita sobra. Eu sei porque esta é a quinta vez que você me conta.
— É isso? — Sara perguntou, para não se deixar dissuadir. — Então eu te falei sobre o remédio que ele nos deu? Estoquei nanomáquinas suficientes para me manter por um tempo, mais longo do que o normal, mas estranhamente, elas têm sido mais eficientes desde que tomei aquele remédio. Elena diz que há uma boa chance de que tenha sido tecnologia do Velho Mundo, não coisas modernas. Então, estou preso a esses seios gigantescos e os homens não param de olhar.
Sara falava sem parar, sem fim à vista. Shizuka gostava de fofoca tanto quanto qualquer outra pessoa, mas preferia novas histórias, não as antigas repetidas, até a exaustão, especialmente quando elas estavam basicamente falando de uma paixão. Em busca de uma desculpa para escapar, Shizuka percebeu que Akira estava entrando.
— Oh, eu tenho um cliente. — disse, interrompendo Sara. — Você vai ter que me contar em outra hora. O que posso fazer por você, Akira?
Akira foi até o balcão e se curvou.
— Olá, Shizuka. — disse — Eu gostaria de comprar um pouco mais de munição, por favor.
— O de sempre?
— É? E desculpe, eu nunca compro outra coisa. Prometo que vou pegar uma arma nova em pouco tempo.
— Não se preocupe. Os lucros sobre os consumíveis se somam. Eu prefiro que você se concentre em voltar para casa vivo do que correr riscos tentando se tornar grande.
Shizuka se virou para Elena e Sara.
— Este é Akira. — disse ela. — É um caçador, como vocês duas. Você está no ramo há mais tempo, então que tal dar algumas dicas para ele?
— Prazer em conhecê-las. — respondeu Akira, curvando-se diante delas e fingindo que este era o seu primeiro encontro, o que, de certo modo, era. — Sou Akira e caço relíquias, se elas valerem de alguma coisa.
Elena e Sara sorriram. Elas conheciam Shizuka há muito tempo e confiavam nela tanto como amiga quanto como mulher de negócios, uma confiança que se estendia a qualquer pessoa a quem ela as apresentasse.
Elena se apresentou e sua parceira.
— Também somos caçadoras e compramos aqui o tempo todo. Então, acho que temos mais experiência nos dois sentidos. Eu gostaria de dizer que somos veteranas altamente competentes, mas… — Ela deixou suas palavras se arrastarem com um sorriso irônico.
— Escorregamos e quase fomos mortas no outro dia. — explicou Sara, com a mesma expressão. — Só sobrevivemos porque tivemos sorte. Portanto, tenha cuidado: não importa o quão cauteloso você seja, você ainda pode acabar morto. É assim que funciona em nossa linha de trabalho.
Seus sorrisos revelaram sentimentos complexos em sua fuga estreita. Elas tinham estado em sério perigo, mas também tinham seguido em frente, para que pudessem relembrar o evento com algum carinho.
— E-entendo — disse Akira com um aceno de cabeça. — Vou ter cuidado.
Elena acenou de volta, satisfeita, depois virou-se para Shizuka.
— Você tem um cliente, então acho melhor irmos andando. — Acrescentou brincando: – Além disso, não suportaria deixar Sara te aborrecer para sempre.
— Tente então ouvir ela tagarelar. — respondeu Shizuka, reclamando, naturalmente. — Eu tento tratar bem meus clientes habituais, mas isso só vai até certo ponto.
— Eu a escuto o tempo todo. — respondeu Elena. — Mas eu duvido que ela se divirta em contar isso para alguém que estava lá, e nós gastamos muito aqui, então não vai te matar assumir o meu lugar de vez em quando.
— Ah é? — Sara perguntou, juntando-se à brincadeira. — Nesse caso, contarei toda a história assim que voltarmos.
— Muito bem. — respondeu Elena, com um sorriso safado. — Vamos ter uma longa e agradável conversa para garantir que você nunca mais faça outra proeza como essa.
Sara riu com desdém.
— Nos vemos por aí, Shizuka. — disse ela, e saiu pela porta sem sua parceira.
— Então é assim. — Shizuka sorriu. — Não é à toa que ela quer que eu a escute.
— Eu só faço isso quando ela realmente se irrita, — respondeu Elena. — Agora tchau.
— Tchau. Volte para fazer compras algum dia. — Shizuka acenou para elas, depois voltou toda a sua atenção a Akira. — Obrigada por esperar. Você está aqui para comprar munição, certo? Vou prepará-la para você em um segundo.
Ela pegou a munição adequada na sala dos fundos e a entregou a Akira. Enquanto a guardava em sua mochila, percebeu que ela o observava atentamente.
— Está acontecendo alguma coisa? — perguntou lentamente.
Shizuka não respondeu imediatamente. Ela continuou examinando Akira como se estivesse tentando descobrir algo. Quando falou, foi um choque.
— Então, Akira, por que você não disse a Elena e Sara que você as resgatou?
Akira quase se engasgou.
— Eu, uh, não tenho certeza do que você quer dizer. — disse ele, fazendo o melhor que pode para manter a calma.
— Você não está exatamente nadando em dinheiro — continuou Shizuka, —, e elas me disseram que o equipamento daqueles bandidos que você matou alcançou um alto valor. Você lutou, então eu diria que você merece uma parte.
— Não, quero dizer…
— Tenho certeza de que você tem suas razões, mas se a preocupação com quem confiar é uma delas, eu garanto que você pode confiar nessas duas.
— Mas você vê…
— Caçar é um negócio perigoso, então encontrar outros caçadores com os quais você pode contar realmente importa. — Shizuka advertiu com um sorriso gentil. — Acho que essa pode ser uma grande oportunidade para você.
Akira ficou em silêncio, parecendo agitado. Shizuka parecia certa de que foi ele quem ajudou Elena e Sara, mas não tinha provas. Não poderia ter nenhum. Ele poderia enganá-la, desde que ficasse de boca fechada.
— Elena me disse que você jogou um cartucho de fuzil para ela. — acrescentou Shizuka. — Cada cartucho que eu vendo tem um número de série no estojo, para que eu possa rastrear seu histórico de vendas e entrar em contato com o fabricante sobre qualquer defeito. Eu sei que vendi aquele para você.
Diante das evidências, Akira cedeu.
— Desculpe — disse ele —, mas você manteria isso em segredo?
— Ah, então eu estava certa. — respondeu Shizuka. — Eu não tinha certeza, então decidi agitar você. Desculpe por isso.
— M-Mas e o cartucho?! — ele balbuciou, incapaz de se conter. — Os estojos realmente têm números de série, mas isso ainda não é uma prova definitiva.
Shizuka riu. Então ela deu ao menino assustado um olhar de desculpas.
— Desculpe, Akira. Tenho certeza de que você tem boas razões para ficar quieto sobre isso. Prometo não contar a ninguém. Uma nota de palestra entrou na voz de Shizuka enquanto ela continuava. — Ainda assim, eu quis dizer o que eu disse sobre a importância de conhecer outros caçadores em quem você pode confiar. Algumas pessoas ficam felizes em acrescentar um trabalho paralelo de assalto à suas relíquias, portanto, então unir-se a pessoas de confiança ajudará a garantir que você volte para casa vivo. Do meu ponto de vista, vocês, Elena, Sara, e todos vocês caçadores parecem estar correndo em direção a uma cova precoce. — Por um momento, um sorriso solitário cruzou seu rosto. — Não quero te dizer como viver, mas pelo menos quero dar conselhos aos meus amigos que os ajudem a sobreviver. Sei que estou me repetindo, mas prometo que Elena e Sara são confiáveis. Se você mudar de ideia e quiser que eu o coloque em contato com elas, é só dizer.
— Entendo. E obrigado por se preocupar comigo. — respondeu Akira com uma reverência educada, grato por sua preocupação altruísta.
Com isso, o sorriso habitual de Shizuka voltou.
— Espere um pouco, — disse Akira, atingido por uma dúvida repentina. — Se o estojo não provava isso, como você sabia?
— Só um palpite. — ela respondeu. — Eu não tinha nada definido para continuar, mas adivinhei pelo cartucho de fuzil. Você viu o pingente da Sara? Ela o fez com o cartucho que seu salvador deu a Elena. Funciona como um amuleto de boa sorte e um aviso para si mesma, ou é o que ela diz. Tive a sensação de que veio da minha loja. — Não mencionou que se lembrava claramente do cartucho porque Sara o havia mostrado muitas vezes.
— Além disso. — acrescentou ela — Você me pareceu estar apenas fingindo encontrá-las pela primeira vez quando eu o apresentei. Elas estavam apenas me dizendo o quanto uma pessoa desconhecida tinha feito por elas, e lá estava você, tentando agir como um estranho. Eu só suspeitei de uma conexão.
Akira embalou sua cabeça em suas mãos, chocado com a facilidade com que ela tinha visto através dele.
— Ah, e só para você saber. — acrescentou Shizuka, soando um pouco desconfortável. — Se você for contar a elas, acho melhor fazê-lo logo, porque, bem… — Hesitou novamente e seu sorriso ficou desconfortável quando continuou: — Elas realmente devem ter ficado entusiasmadas com aquele resgate. Não param de me falar sobre isso, e parecem meio… apaixonadas quando o fazem.
Akira ouviu em silêncio. Percebeu que Shizuka estava ficando inquieta quando a conversa tomou um rumo inesperado.
— A história delas está mudando sutilmente ao ser contada. — continuou ela. — Elas começaram a chamar a pessoa misteriosa de “ele” e, do jeito que as coisas estão indo, continuarão preenchendo os detalhes até… — Shizuka interrompeu com um sorriso inquieto. — Estou apenas especulando, então não se preocupe muito. Mas elas acabaram dizendo a si mesmas que o filho de um magnata rico foi à caça por diversão e por acaso as salvou, que ele manteve sua identidade em segredo porque não queria que caçadores fossem atrás dele, e que não se importava com uma recompensa ou medicamentos caros porque tem todo o dinheiro de que vai precisar. Uma vez que elas se convençam disso… — Shizuka se interrompeu mais uma vez. — Esqueça isso. Estou pensando demais nas coisas.
Ao ouvir a si mesmo descrito dessa forma, Akira começou a suar frio. Parecia plausível, mas ele não se parecia de forma alguma com essa fantasia.
— Não sou nada disso. — disse ele. — Só um garoto falido da favela. Depois de uma pausa, acrescentou: — Definitivamente, não conte a elas, então. Por favor.
Akira e Shizuka trocaram sorrisos confusos e depois abandonaram o assunto.
Tradução: Nagark
Revisão: Bravo
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