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Parasita Apaixonado – Cap. 03 – A Garota que Amava Insetos

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Kousaka arranjou uma namorada no outono, quando tinha 19 anos. Foi apresentado a uma garota dois anos mais velha por um conhecido não muito amigável do colégio., e indo com o fluxo, eles começaram a namorar. Sua aparência, personalidade, hobbies, habilidades, seu nome, eram completamente normais. Ele não conseguia nem se lembrar do rosto dela muito bem agora. Tudo o que restou em suas memórias foi que ela tinha cabelo curto e covinhas no rosto quando sorria.

Antes de começarem a se conhecer, Kousaka decidiu ser franco sobre seus hábitos de limpeza. Ele explicou que era sério o suficiente para o impedir de seguir uma vida normal, mas ela apenas sorriu e aceitou.

— Tudo bem. Eu também sou um pouco obsessiva com limpeza, então tenho certeza que vamos nos dar bem.

Na verdade, não era mentira. Ela realmente amava a limpeza. Sempre carregava vários produtos antibacterianos, lavava as mãos frequentemente, e tomava um ou dois — nos dias de folga, três — banhos por dia.

Mas em comparação com Kousaka, ela não tinha mais do que apenas amor à limpeza. Era apenas muito atenciosa com a higiene, e certamente diferente das compulsões que ele tinha.. Sua teoria era que mesmo a pessoa mais exigente poderia se opor sobre a maioria dos obstáculos, desde que tivesse confiança. Kousaka insistiu que não importava o quanto eles poderiam confiar um no outro, se ele “não puder”, ele não poderia — mas ela entendeu que isso simplesmente significava que não havia confiança o suficiente na relação. Ela viu o fato de que por mais que o tempo passasse, ele não a beijava, muito menos dava as mãos, como prova de ‘’amor insuficiente’’. Mesmo sendo verdade o fato de que faltava amor, ela não dava ouvidos sobre o problema mais fundamental.

Suas personalidades semi-semelhantes são feitas para causar desordem. Ela estava convencida de que o entendia completamente e tinha uma espécie de orgulho de seu amor pela limpeza. Com as ações de Kousaka que foram além de sua compreensão — lavando a roupa logo após chegar em casa, descartando canetas que ele emprestava a outras pessoas, tirando um dia de folga só por causa de uma chuva leve —  ela decidiu por si mesma que estes hábitos não surgiam de um medo do impuro, mas uma causa mental diferente.

Ela não era uma pessoa má, mas tinha uma triste falta de imaginação. Foi um milagre o relacionamento deles durar três meses. Depois de terminar com ela, não encontrou mais ninguém. Seu primeiro e último amor. Bem, então novamente, talvez não houvesse nenhum amor ali, apesar de tudo.

Hijiri Sanagi o visitou às 14h. A campainha soou, seguido por um som como se a porta estivesse sendo derrubada. Ele destrancou a porta e abriu para encontrar Sanagi ali com as mãos nos bolsos do cardigan, franzindo os lábios com desprazer.

— Você tem que deixar destrancada. Você quer que os outros me vejam entrar, por acaso?

— Perdão… — Kousaka se desculpou.

— Imagino que você já tenha o dinheiro.

Entregou a Sanagi um envelope, e ela o abriu e verificou no local. Depois de ter certeza sobre a quantia, colou de volta e o pôs em sua bolsa.

— Como prometido, vamos ser amigos —  Sanagi sorriu.

— Sim, vamos — respondeu Kousaka educadamente — Tirando isso, antes de você entrar na sala, tem uma coisa que eu quero perguntar…

Iria pedir a ela para esperar para que ele pudesse conseguir lenços umedecidos e limpar aquela pele exposta, mas era tarde demais. A garota jogou fora seus mocassins, ignorou os chinelos que Kousaka preparou para ela, foi para a sala de estar e sentou-se na cama como se fosse sua.

Kousaka quase gritou.

— Espere, por favor, a cama não… —  Implorou Kousaka, apontando para sua cadeira de trabalho — Se você vai se sentar, use isso.

— Não quero.

Os apelos de Kousaka foram em vão, e Sanagi colocou um travesseiro sob o queixo e começou a ler um livro dela. Kousaka abaixou sua cabeça. Isso é o pior. Ele teria que lavar aqueles lençóis e a fronha assim que ela saísse.

— A propósito, quanto tempo você planeja ficar aqui?

— Cerca de duas horas —  Sanagi respondeu sem levantar os olhos de seu livro.

— Éh… e o que devo fazer durante esse tempo?

— Não me pergunte. Fazer um vírus de computador ou algo assim? — Então Sanagi colocou os fones de ouvido e começou a ouvir música.

Ela não tinha nenhuma intenção de estabelecer comunicação com ele. Kousaka sentou-se em sua cadeira de trabalho, afastou-se da cama e abriu um livro que estava lendo. Ele não estava com humor pra ler, mas não sabia mais o que fazer. Algumas páginas depois, ouviu o som de um isqueiro clicando atrás dele. Ele se virou para ver Sanagi tentando acender um cigarro.

— Nada de cigarros — alertou, levantando-se com pressa para falar mais perto — Por favor, aguente enquanto você estiver nesse quarto.

— Tsch… Cala boca.

Sanagi relutantemente fechou o isqueiro e colocou o cigarro de volta na embalagem. Kousaka suspirou em alívio. Ainda assim, sentia nojo ao ver que ela colocou de volta na embalagem algo que já tinha colocado em sua boca. Ela também não achou isso imundo? Bom, em primeiro lugar, certamente alguém higiênico não fumaria.

Depois de ser informado sobre as regras de proibição de fumar, Sanagi leu obedientemente na cama. Kousaka perguntou que tipo de livro ela estava lendo e tentou olhar, mas a escrita era muito pequena para supor algo, e uma capa de couro externo tapava a capa original do livro. Kousaka abriu seu livro novamente. Mas ele não conseguia se concentrar nas palavras, e olhava para o espaço em branco da página, começando a pensar sobre coisas não relacionadas ao conteúdo do livro.

‘’No final das contas, para o que Izumi me contratou? Que tipo de papel ele esperava que eu fizesse? Izumi estava dizendo que queria que eu cuidasse de uma criança. E então disse para ser amigo de Hijiri Sanagi. E parecia que ela não frequentava a escola. De tudo isso, talvez fosse adequado assumir que meu papel era alguém que, como amigo, poderia ajudar a Hijiri Sanagi que faltava às aulas e fazê-la voltar à escola. ’’

‘’Mas então, o uso de Izumi da palavra ‘adequado’ me fez pensar. Não posso imaginar que eu seria considerado ‘adequado’ para esse tipo de trabalho. Além de tudo, eu seria um péssimo exemplo.’’

‘’Ou talvez eu deva olhar para isso de forma mais simples. Pode ser que os pais dela tenham um coração grande demais e, silenciosamente, consentindo com ela matando aula, estão contratando pessoas para serem suas amigas, para que não fique entediada. Nesse caso, a ‘adequação’ significava serem amigos que são inadequados para a sociedade como ela. Surpreendentemente, isso parece ser o mais próximo da verdade.’’

‘’Mas, de qualquer forma, colocar uma garota menor de idade aos cuidados de um homem com 27, certamente não era o adequado. Espera, os pais sabem que ela está no meu quarto? Talvez Izumi tenha me escolhido para ser seu amigo porque ele conhecia minha limpeza e garantia que eu nem mesmo tocaria em uma mulher? Se sim, o  julgamento dele seria extremamente adequado. Eu não conseguia encostar um dedo em Hijiri Sanagi mesmo que me mandassem. Talvez isso possa ser considerado adequado, também.’’

Depois de cerca de uma hora, Sanagi tirou os fones de ouvido e Kousaka fez uma pergunta, tendo esperado que ela respondesse.

— Ei, garotinha, que papel você acha que o Izumi quer que eu desempenhe?

— Quem sabe? Talvez ele pense que você poderia me reabilitar? — disse Sanagi, virando-se na cama — Além disso, não me chame de “garotinha”. É nojento.

— Me pediram para cuidar de você, mas o que exatamente devo fazer?

— Não faça nada —  Sanagi respondeu friamente — É melhor apenas tentar enganar os olhos de Izumi até que ele desista. Não pense que eu estava séria quando falei que iríamos ser amigos. Isso seria impossível, de qualquer forma…

— Certo… —  Kousaka assentiu. Isso parecia mais seguro, como ela disse.

— Ah, mas — acrescentou — Acho que vou trocar informações de contato com você. Se eu não fizer isso, Izumi vai estranhar.

Sanagi estendeu seu smartphone. Kousaka pegou, com nojo.

— Adicione você mesmo.

Kousaka seguiu a instrução e registrou seu número no telefone dela. Ele esperava por isso, mas havia apenas três pessoas em sua agenda. E esses três números nem tinham nomes atribuídos a eles. Ela não parecia ser do tipo sociável.

Terminando, Kousaka silenciosamente lavou as mãos com desinfetante. Quem sabe o que poderia estar nos pertences de outras pessoas? Principalmente coisas que usam diariamente.

Depois que duas horas se passaram, Sanagi fechou seu livro, pegou sua bolsa e saiu do quarto. Kousaka colocou os lençóis na máquina de lavar e saiu limpando tudo, então tomou banho por cerca de uma hora. Sanagi havia dito “Eu vou voltar por volta das 18h amanhã.” Não foi uma piada, Kousaka por pouco não infartou. Nesse ritmo, seus solos sagrados ficaram completamente maculados. Não havia maneira de prevenir que sua casa ficasse suja? Seu ideal teria sido se Sanagi tomasse um banho rápido e vestisse roupas limpas antes de entrar na sala de estar, mas, sem dúvida, isso apenas iria irritá-la. Além disso, poderia causar mal-entendidos.

No final, não teve boas ideias. No dia seguinte, e no dia posterior, Sanagi espalhou sujeira pelo quarto. Ela pode não ter más intenções, mas como resultado, Kousaka tornou-se neurótico sobre isso e não conseguia dormir à noite. Seu quarto estava perdendo sua função como um solo sagrado. Sanagi sempre ficava no meio da cama, então ele começou a dormir nos cantos. Quase caiu no chão muitas vezes enquanto se acostumava com isso, mas eventualmente aprendeu como posicionar-se corretamente.

Talvez, se apenas dissesse as palavras “Eu tenho compulsão por limpeza”, Sanagi poderia ter mostrado um pouco de consideração. No entanto, desde que terminou com a namorada, Kousaka nunca revelou isso a ninguém. Não só isso, ele fez um grande esforço para não fazer nada compulsivo onde as pessoas poderiam vê-lo. Seus esforços foram bem sucedidos o suficiente que, em alguns de seus locais de trabalho, havia pessoas que não percebiam que ele tinha tal distúrbio. Eles simplesmente pensavam nele como uma pessoa que costumava se atrasar para o trabalho e se socializar mal.

‘’Se todo mundo soubesse que tenho compulsão por limpeza, então talvez minha vida fosse mais fácil” tais pensamentos nunca cruzaram sua mente. Mas não era como se fosse por birra. Pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo sempre tentam manter tais pensamentos e ações ocultos de outras pessoas.

Estar ciente de sua própria anormalidade é uma característica deste transtorno. Aqueles que o têm, não tentam fazer os outros compreenderem. Porque eles reconhecem que não serão totalmente compreendidos por outras pessoas. Mas apesar de ter esse nível de objetividade em relação a eles próprios, isso não significa que poderiam parar suas compulsões. Os argumentos racionais são quase insignificantes. Farmacoterapia usando SSRIs e terapia de prevenção de resposta à exposição são considerados tratamentos eficazes, mas Kousaka os experimentou durante a faculdade, e só parecia piorar as coisas.

Era questionável se Sanagi notou seu distúrbio ou não. Às vezes ela sentia o cheiro do anti-séptico e reclamava “aqui tá cheirando a hospital”, mas foi só isso.

Desmentindo sua aparência de cabelos prateados e brincos, Hijiri Sanagi era uma leitora ávida. Ela pode não ter nenhum interesse em romances e poemas, porém, ela não lia nada além de livros técnicos e de revistas científicas. Uma vez, ela adormeceu com o livro aberto, então Kousaka foi capaz de dar uma espiada lá dentro. O livro que ela estava lendo era sobre doenças parasitárias.

Mais tarde, ele teve mais chances de espiar o que ela estava lendo, e descobriu que 90% dos livros que Sanagi lia eram sobre parasitas. Parecia que ela tinha um interesse infindável por eles.

Kousaka relembrou uma história do ‘’Tsutsumi Chunagon Monogatari’’ que ele estudou no colégio, A Garota que Amava Insetos. Era sobre uma estranha garota nobre que foi abençoada com beleza, mas não usava cosméticos ou algo do gênero. Seu passatempo era apenas olhar para lagartas. Aquele parecia um apelido adequado para essa garota que foi tratada por Izumi arrogantemente como uma princesa, e não lia sobre nada mais do que livros do gênero.

Cabelo prateado, orelhas furadas, saia curta, cigarros e parasitas. Para Kousaka, todos eles eram símbolos de impureza, e ele iria considerar Hijiri Sanagi uma manifestação de todos eles juntos. Enquanto isso, Sanagi não teve interesse em Kousaka desde o início, e não esperava nada dele além de fornecer a ela um quarto para matar o tempo. Mesmo que estivessem próximos, ainda havia uma parede entre a relação daqueles dois.

 

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Uma semana se passou depois que ele conheceu Sanagi.

Normalmente, a campainha soava e Sanagi abria a porta para entrar imediatamente depois, mas nesse dia foi diferente. Quando o eco da campainha diminuiu, a porta não se mexeu. Kousaka concluiu que este visitante não era Sanagi.

Ele foi abrir a porta e descobriu que era mesmo Izumi. Mais uma vez, ele usava um casaco Chester sem graça sobre um terno surrado. Como sempre, seu cabelo era oleoso, e ele tinha uma barba resultante de pura negligência.

Kousaka silenciosamente deixou Izumi entrar e fechou a porta. Depois passou por ele cuidadosamente para não tocá-lo, e se afastou da sala de estar para enfrentá-lo.

— Parece que você realmente se deu bem com a garota —  Izumi elogiou, com os braços cruzados — Eu não tinha nenhuma esperança em você, mas se saiu muito bem, hein?

— Obrigado — disse Kousaka sem rodeios, percebendo que seria sensato ficar quieto sobre suborná-la.

— Eu gostaria de saber apenas como referência, mas como você a conquistou? Imagino que apenas fazê-la se sentir confortável deve ter sido um trabalho e tanto.

— Eu apenas pedi a ela para ser minha amiga — disse Kousaka, bocejando. Devido a dias sem dormir, seus olhos estavam embaçados; e sua cabeça, entorpecida.

— E?

— Só isso.

Ele franziu a testa.

— Ei, você está brincando, certo? Somente isso fez Hijiri Sanagi continuar vindo para sua casa?

— Que razão eu teria para mentir? — Kousaka fingiu ignorância, e Izumi bufou.

— Eu não sei que truque você usou, mas foi bem eficiente. Você pode ser um criminoso desempregado inútil, mas tem um talento especial para sequestrar garotas indefesas —  ele bateu palmas, em zombaria — Bem, então vamos para a sua próxima missão.

Kousaka o olhou fixamente, sem palavras. ‘’Próxima missão? Fazer amizade com Sanagi não foi o fim? Não me diga isso só depois de eu ter me esforçado tanto! E, afinal, quando isso vai acabar?’’

Izumi continuou:

— Descubra as preocupações de Hijiri Sanagi. Claro, eu não quero que você a force a nada, mas naturalmente faça com que ela lhe diga.

— Preocupações? — Kousaka repetiu para confirmar — Ela tem alguma?

— Claro que tem. Ninguém está sem preocupações. Ainda mais quando se trata de uma garota daquela idade.

— Isso pode ser verdade em um sentido geral, mas…

— Dito isso, não quero que você descubra se a pele dela está ruim ultimamente, ou se suas unhas estão grandes demais, ou se seus peitos estão de tamanhos diferentes. Qualquer coisa trivial assim não serve. O que você precisa descobrir é a razão para sua falta de comprometimento com tudo.

Kousaka pensou por um momento, depois perguntou:

— Não é simplesmente porque ela acha a escola irritante, por exemplo?

Izumi sorriu, mas era um sorriso agressivo.

— Como eu pensava. Você é tão sensível à sua própria dor, mas tem esses sentimentos vagos pela dor dos outros. Esse é o tipo de cara que você é — disse ele com um olhar cínico para Kousaka — Então eu vou enfatizar para você aqui, Hijiri Sanagi é uma garota mais normal do que você imagina. E se uma garota normal está se vestindo de uma maneira que não é normal, e fazendo coisas que não são normais, isso significa que algo ‘’não normal’’ está acontecendo com ela.

Izumi deu um passo em direção a Kousaka e falou de maneira autoritária.

— E eu vou te dar mais um aviso. Se você tentar me enganar, ou se você machucar ela, não vou só revelar sobre o vírus. Você pode ser levado a uma situação mais estressante do que imagina. Coloque isso na sua cabeça.

Kousaka acenou com a cabeça humildemente. Mas apenas algumas horas depois, ele machucaria Hijiri sem querer.

Assim que Izumi saiu, Sanagi apareceu como se estivesse tomando seu lugar. Ela nem mesmo olhou para Kousaka, o dono do quarto, deitou-se na cama que se tornou seu assento pessoal, empacotou o travesseiro para colocar sob seu queixo e abriu um livro. ‘’Eu me sinto como um fantasma ligado a este lugar’’ Kousaka pensou. ‘’Talvez eu seja o espírito de um homem que se matou nesta sala e ainda não percebeu que já está morto’’. ‘’A propriedade já deve ter mudado de dono, ela está me tratando como um visitante’’. Essa foi uma ideia bastante agradável.

No entanto, ele não podia se dar ao luxo de se considerar um fantasma para sempre. Agora, Kousaka tinha a missão de descobrir o porquê de Sanagi não estar frequentando a escola. Ele teria que iniciar de alguma forma um diálogo com ela, habilmente chegar ao assunto da escola, até ela naturalmente revelar o motivo.

Enquanto pensava em como poderia chegar no assunto, seu olhar estava inconscientemente focado em Sanagi. Ela tirou os fones de ouvido, ergueu os olhos e disse agressivamente:

— O quê? Tem algo que quer dizer?

— Nada em específico — Kousaka rapidamente desviou os olhos e inventou uma desculpa — Hum, eu percebi que você está usando esse brinco de novo hoje.

— Brinco?

— Quando o vi antes, achei bonito. Isso é tudo, nada mais.

Sanagi piscou com suspeita. Então, como se tivesse esquecido sobre a existência do brinco até agora, ela gentilmente tocou no ouvido.

— Quer dar uma olhada mais de perto?

— Não, tudo bem…

— Beleza — Sanagi colocou os fones de ouvido e voltou para o livro.

Sua sugestão foi uma surpresa. Com base em sua atitude costumeira, a resposta natural teria sido ignorada ou desacreditada. Ou era isso que pensava.

Talvez aquele brinco em forma de flor azul tenha algum significado especial para Sanagi. Se alguém elogia, não importa quem, deve deixá-la feliz.

Sinceramente, Kousaka não gostava de brincos. Abrir buracos em seu corpo parecia inacreditável, e colocar uma coisa artificial parecia muito propenso a bactérias. Ela tirava diariamente e desinfetava?

Não eram apenas brincos; ele tinha pensamentos semelhantes sobre relógios de pulso, smartphones, bolsas, óculos e fones de ouvido. Ainda que você tome banho, não seria inútil se as coisas que você usa diariamente estiverem sujas?

Kousaka afastou sua cadeira de Sanagi e começou a pensar em como perguntar sobre suas preocupações. Se ele perguntar muito diretamente, ela poderia ver através dele e notar que Izumi tinha colocado-o nisso. “Como eu poderia fazer essa conversa surgir naturalmente? Quer dizer, nunca nem mesmo tive uma conversa normal com ela”. Então Kousaka repensou. “Não há motivo para fazer tudo do jeito que Izumi quer. Passar de uma mentira para duas não faz grande diferença. Eu poderia ser honesto e dizer a Sanagi ‘Izumi me deu essa instrução’, discutir com ela e pagar para ter sua cooperação”. Não era simples?

Kousaka se levantou e disse perto do ouvido de Sanagi:

— Sanagi, eu queria falar sobre algo.

— O que foi dessa vez? — Ela deslizou seus fones de ouvido e o encarou novamente.

— Izumi me deu uma nova instrução hoje. Ele me disse para te perguntar a razão pela qual você não está indo para a escola… ao menos como todo mundo.

— …E?

— Você não vai me ajudar? Você nem precisa me dizer a verdade. Você pode simplesmente inventar uma razão que vai convencer Izumi.

A resposta de Sanagi veio após um atraso significativo. Houve um silêncio irritante, como ao tentar falar com um assistente virtual em um local com má recepção.

— Ele disse para você perguntar de uma forma natural, certo? — Sanagi aproximou-se de Kousaka — Então, por que não me perguntou normalmente?

— Eu não acho que seria capaz de fazer isso, é por isso que estou apenas perguntando. Vou te dar o pagamento adequado.

— Eu não quero responder — Sanagi declarou.

— Você pode mentir.

— Eu não quero mentir.

Em outras palavras, ela não queria cooperar. Kousaka considerou outras coisas que ele poderia oferecer, mas logo desistiu e sentou-se em sua cadeira. Não havia pressa. Talvez ela só tivesse começado do lado errado da cama hoje. Sondar profundamente agora iria apenas perturbá-la. ‘’Vou perguntar outro dia’’ pensou.

Deve ter sido por causa da privação de sono, mas, em algum ponto, acabou dormindo em sua cadeira. Ele sentiu algo estranho no ombro. No começo, pensou que era apenas uma coceira. Mas a sensação gradualmente tornou-se mais sólida. Algo estava cutucando o ombro de Kousaka. Logo, percebeu que era dedo de alguém.

O dedo de alguém?

Seu cabelo se arrepiou. Kousaka agiu reflexivamente. Ele afastou a mão cutucando o seu ombro. Quando o fez, sentiu a unha excessivamente longa do indicador arranhando a pele da pessoa em algum lugar. Ele ouviu um pequeno gemido, o que o acordou imediatamente. O rosto de Sanagi estava contorcido de dor e ela estendeu a mão à sua bochecha direita, arranhada por Kousaka. Quando a removeu, Kousaka viu uma ferida com cerca de um centímetro de comprimento sangrando. Ela olhou lentamente para o sangue na palma da mão, depois lentamente olhou para Kousaka. “Fiz de novo” pensou o rapaz.

— Eu só ia dizer que estava indo embora — disse Sanagi sem reação — Você me odeia tanto assim?

Kousaka se desculpou apressadamente, mas Sanagi não quis ouvir. Com um olhar desdenhoso, ela pegou sua bolsa e saiu da sala, batendo a porta.

Kousaka apenas ficou lá por um tempo. O som da batida da porta continuou ecoando profundamente em seus ouvidos. Então ele se lembrou de algo, tirou os lençóis e a fronha, foi para o banheiro e tirou a roupa. Ele jogou todos eles na máquina de lavar, apertou os botões e foi tomar banho.

“Ela provavelmente nunca mais vai vim aqui.”

Kousaka não podia falar sobre sua limpeza obsessiva para ninguém. Foi uma reação que ele demonstraria a qualquer um, não uma aversão especial por ser tocado por Sanagi. Se ele honestamente confessasse a ela sobre seus problemas, por mais que a garota provavelmente levasse isso como uma desculpa ruim… ainda seria muito melhor do que não explicar nada. Embora ela pudesse ver o comportamento de Kousaka com o tempo e entender isso por conta própria.

No entanto, ele já havia deixado essa chance escapar. “Está tudo acabado agora”, Kousaka pensou profundamente. “Izumi não vai me perdoar por magoar Sanagi tanto física quanto emocionalmente“.

Depois de tomar banho e voltar para a sala, Kousaka parou. Ele estava muito perturbado para notar antes, mas lá havia algumas manchas de sangue no chão. Eles devem ter pingado da ferida no rosto de Sanagi. Ele se agachou e olhou de perto.

Visto que ele considerava as outras pessoas um símbolo de impureza, sangue era uma coisa muito detestável. Normalmente, ele teria limpado tudo sem pensar duas vezes. No entanto, por algum motivo, ele sentiu como se essas manchas de sangue devessem ser deixadas lá. Não era algo como “punição”. Ele mesmo não entendeu muito bem, mas talvez o termo mais apropriado seria “comemoração”.

Sentou-se em sua cadeira, olhando sem parar para as manchas.

“eu não deveria estar fazendo isso; vou pensar em algo mais divertido… Sim, como SilentNight, por exemplo. Esse worm já está espalhado por todos os cantos da rede móvel. Aconteça o que acontecer para mim agora, provavelmente ninguém será capaz de pará-lo. Mesmo que Izumi vá correndo a uma empresa de segurança agora, provavelmente será tarde demais. Em 24 de dezembro, o worm deve definitivamente ativar e tornar um grande número de smartphones inúteis. As ruas vão estar cheias de pessoas que não poderão se encontrar com seus amigos.”

Ele se sentiu tão confortável imaginando isso.

Claro, não seria apenas uma brincadeira simples. Embora SilentNight fosse projetado para fazer uma exceção quando um número de emergência fosse ativado, poderia haver pessoas cujas vidas foram arruinadas pelos efeitos deste worm. Mesmo fatalidades não seria surpreendente. Se seus atos criminosos fossem descobertos, ele teria de carregar um pecado pesado.

“Mas eu me importo?“, Kousaka pensou asperamente. “Dificilmente sobrou alguma coisa para eu perder”. Ele não conseguia nem encontrar poucas memórias para se agarrar.

Alguns dias depois, Kousaka teve uma vida ainda mais decadente do que antes. Ele nem tocou mais em seu computador, dormindo no canto de sua cama e esperando silenciosamente pelo julgamento que seria transmitido a ele. As únicas coisas que fez foram limpar e fazer uma série de rituais de lavagem. Descobriu que poderia comer o mínimo possível, não colocando qualquer coisa em sua boca, exceto água e alimentos nutritivos funcionais. Depois de quatro dias, ele ficou sem comida, então sobreviveu apenas com água. Ele deixou o sangue que caiu da bochecha de Sanagi no mesmo lugar.

Não foi a primeira vez que seu distúrbio causou danos a alguém. Ele tinha cometido erros semelhantes a este muitas vezes. Havia muitos incidentes menores para contar. Ele veio naturalmente a ser odiado pela maioria das pessoas, mas o que era mais doloroso era quando fazia coisas da maior grosseria para uma pessoa ocasional que estendeu a mão cordialmente.

Suas expressões quando ele os feriu ficaram gravadas na mente de Kousaka, sem exceção. Se tivesse apenas sido um mal-entendido que os irritou ou os fez odiar ele, poderia cobrir seus ouvidos e abaixar sua cabeça em vergonha. Mas a culpa de negar um simples gesto de gentileza não poderia ser eliminada, nem mesmo por aquele médico excelente de tempos atrás.

Normalmente, Sanagi saía da sala sem dizer uma palavra quando ia para casa, então ela tentando acordar Kousaka para se despedir poderia ter sido um sinal de que ela abriu seu coração para ele depois que elogiou seu brinco. Se fosse esse o caso, então o rapaz realmente tinha pisoteado na sua boa vontade.

“Por quanto tempo vou continuar repetindo isso?”

— Alguém pode muito bem me matar enquanto eu durmo — tentou dizer em voz alta.

Essa ideia que ele expressou por um capricho ressoou em sua mente, sentindo que ela estava perfeitamente certa.

“Sem dúvidas, é isso que eu realmente quero”.

“Nesse caso, por que tenho vivido esses 27 anos?’”

Talvez ele estivesse 27 anos procurando uma maneira de morrer.

“Não consigo encontrar uma razão para viver, então pelo menos quero decidir como vou morrer”.

“Se essa teoria estiver correta, então, enquanto eu tiver algo que me faça querer viver, não preciso me preocupar com mais nada.”

Kousaka tinha uma imagem nítida em sua mente. Acordava em uma cama de uma enfermaria escolar. A sala estava escura e totalmente silenciosa. Lá fora havia um céu nublado, e olhando de perto, ele pôde ver que estava nevando. Não parecia que havia alguém além dele naquele lugar, mas ele pôde sentir uma espécie de perturbação no ar. Escutando atentamente, ouviu portas abrindo e fechando, e passos ecoavam pelo lugar. Todos eles parecem tão distantes…

“Eu… dormi por quanto tempo?”

Ele, inquieto, olha para o relógio.

“Talvez o dia inteiro tenha passado enquanto eu dormia?”

Mas ele não estava muito preocupado, afinal, ainda eram apenas quatro da tarde. Ainda daria tempo para… continuar a dormir. Aliviado, se deitou de volta, envolveu-se no cobertor, e suavemente fechou os olhos.

“Nunca mais quero acordar… Seria bom morrer assim”

 

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A ligação veio na tarde de 10 de dezembro, quatro dias depois que Sanagi parou de ir ao quarto. Quando Kousaka ouviu o som, quase inconscientemente agarrou o smartphone, vendo as palavras “Hijiri Sanagi” na tela, imediatamente apertou o botão de chamada.

— Alô? — disse ele ao telefone.

Houve um longo tempo em silêncio. Quando começou a questionar se o telefone de Sanagi estava com defeito, ela finalmente falou.

— Estou sob a ponte Sagae.

Kousaka vasculhou em suas memórias. Ele se lembrou que uma das pontes sobre o rio, que separava a área residencial de seu apartamento, era chamada assim..

— E? — Ele perguntou.

— Venha me ver.

Talvez fosse só porque foi por telefone, mas a voz dela parecia fraca, sem a rispidez costumeira.

—  Desculpe, mas eu não consigo mais sair de casa.

— Eu sei. Mas eu quero que você venha… por favor.

Kousaka se perguntou se isso era verdade, estava falando com Hijiri Sanagi. Ele não conseguia acreditar que aquela garota estava sendo tão modesta.

— Entendi — Afirmou, casualmente. Ele não entendeu a situação, mas poderia dizer que era urgente — Eu vou direto para ir. Acho que vou chegar em trinta minutos.

— Valeu —  Sanagi agradeceu em uma voz fina.

Depois de desligar, Kousaka colocou uma máscara facial e luvas de látex. Verificou se tinha seus produtos antibacterianos em sua bolsa e saiu do apartamento totalmente preparado.

Provavelmente, como resultado de sempre manter as cortinas fechadas por ter ficado o tempo todo dentro de casa, seus olhos simplesmente não conseguiram se ajustar ao brilho do sol. A neve no chão apenas piorava a situação. Ele deveria ter perdido peso nos últimos dias de inatividade, mas seu corpo parecia mais pesado do que nunca. Os músculos devem ter enfraquecido.

Embora a viagem levasse dez minutos de ônibus, ele mesmo assim preferiu ir andando. Finalmente, a ponte Sagae veio à vista. Ele desceu as escadas do dique ao longo da calçada. No píer da ponte, ele viu alguém agachado e escondendo seu rosto.

— Sanagi. — Kousaka falou ao lado dela, e Sanagi lentamente olhou para cima. Estava escuro na sombra da ponte, mas ele podia ver claramente como seu rosto parecia pálido.

Embora estivesse no meio do inverno, o pescoço estava molhado de suor.

— Você não está se sentindo bem?

Sanagi balançou a cabeça. Parecia dizer “não, mas é difícil explicar.”

— Consegue ficar de pé?

Silêncio. Em vez de não querer responder, parecia que ela mesma não tinha certeza da resposta.

— Não precisa se apressar — disse Kousaka com preocupação — Vou esperar até que você esteja melhor.

Kousaka nervosamente sentou-se a cerca de 50 centímetros de distância de Sanagi. Sinceramente, ele queria deixar este lugar úmido e estagnado o mais rápido possível, mas pensou que seria muito cruel apressá-la agora.

Uma boa hora se passou e Sanagi finalmente se levantou. Kousaka ficou atrás dela, e ela modestamente agarrou a manga de seu casaco. O rapaz foi capaz de suportar esse nível de contato indireto.

E os dois começaram a andar. De repente, percebeu que os fones de ouvido que Sanagi sempre usava não estavam com ela hoje. Pode ser isso que a fazia parecer tão indefesa.

Por um tempo depois de chegar ao apartamento, Sanagi sentou-se no canto da cama e abraçou os próprios joelhos. Kousaka tentou perguntar se ela queria algo quente para beber, mas a garota não respondeu. Logo o sol começou a se pôr, então ele foi acender as luzes, mas Sanagi disse:

— Não acenda as luzes.

Ele retirou as mãos do interruptor.

Quase uma hora se passou depois disso. O sol se pôs totalmente, então o quarto estava escuro como breu, exceto pelo computador desagradavelmente brilhante e as luzes do roteador.

Sanagi levantou-se sem aviso prévio e ligou a luz. O brilho artificial iluminou todos os cantos da sala. Então ela voltou para a cama e deitou-se com o travesseiro sob o queixo, como de costume. Mas dessa vez ela não abriu um livro.

— O que aconteceu? — Kousaka perguntou.

Sanagi começou a se virar, então desistiu no meio do caminho e afundou o queixo de volta no travesseiro.

— Alguma coisa te impede de voltar para casa sozinha?

Após uma longa pausa, Sanagi respondeu:

— Sim… — ela falou, em desânimo — Estou com medo de fazer contato visual com as pessoas.

— O que quer dizer com isso?

Então Sanagi explicou, de forma hesitante.

— Eu sei que isso é só coisa minha… mas é algo que está me incomodando muito. Cada pessoa que encontro, parece que está olhando diretamente para mim. Mas, quero dizer, não é o olhar delas que é o problema… Tipo, quando você pensa “Estou sendo observado”, você olha para eles também, certo? E quando você faz, mesmo que eles estivessem realmente apenas cuidando de suas próprias vidas, eles sentem seus olhos e olham para você de volta. Quando eu faço esse contato direto… me sinto mal. Não consigo descrever em palavras… Como se alguém estivesse pisando em sua casa com sapatos sujos, e mexendo nas suas coisas. Esse tipo de sensação desagradável é o que está me incomodando.

Kousaka foi pego de surpresa. Agora que ela mencionou, todas as vezes que se encontraram até agora, ele mal tinha feito contato visual com Sanagi. Seus olhos se cruzaram por um instante inúmeras vezes, mas talvez não houvesse nenhum momento que pudesse realmente ser chamado de “contato direto”.

Sanagi continuou:

— Mas isso não significa que eu nunca poderei ir lá fora, ou andar por aí de olhos fechados, certo? Tentei ver se havia qualquer coisa que eu poderia fazer, e descobri que confiar em certos objetos poderia diminuir meus sintomas. Eu tentei um monte de coisas, mas… por algum motivo, a coisa mais eficaz não eram óculos ou máscara ou chapéu, mas os meus fones de ouvido.

— Ah… — Kousaka acenou com a cabeça em compreensão — Então é por isso que você sempre usava fones de ouvido tão grandes?

— Sim. Não faz muito sentido tapar os ouvidos por estar com medo de contato visual… haha… — Sanagi riu de forma sem graça.

— Entendo — Kousaka balançou a cabeça — Acho que entendi.

Ele não estava mentindo. Sabia muito bem por experiência própria o quão ilógicas as compulsões podem ser, e não foi a primeira vez de Kousaka ouvindo sobre escopofobia. No processo de leitura de livros sobre misofobia, ele adquiriu conhecimento de outros transtornos compulsivos, quisesse ou não. Kousaka tinha lido em algum lugar sobre pessoas que não podiam andar em meio a multidões sem fones de ouvido. E sobre pessoas que tinham medo de outras pessoas olhando para elas, mas propositalmente se vestindo de maneira chamativa e tingindo o cabelo de cores não naturais.

Kousaka conseguia entender seus sentimentos até certo ponto. O motivo pelo qual os fones de ouvido se mostraram mais eficazes em suprimir a escopofobia de Sanagi do que óculos de sol ou máscaras era provavelmente por ocupar seu sentido de audição e diluir a sensação de “estar lá”. E ela pode ter propositalmente tingido o cabelo de uma cor chamativa e se vestido de uma forma atraente para proteger seu coração frágil, ou talvez como uma espécie de barreira para aqueles ao seu redor. Como um inseto que imita a coloração perigosa de uma vespa para evitar predadores, se ela agisse como uma delinquente, pelo menos na aparência — embora mais olhos pudessem ser atraídos para ela — isso reduziria as chances de contato visual direto.

— Entendo… Escopofobia… — afirmou Kousaka mais uma vez — Eu não iria notar se você não dissesse… escondeu bem.

— …Talvez na sua frente. Mas não é assim com outras pessoas — Sanagi deu uma olhada furtiva para Kousaka, depois se virou — Você não tenta olhar para as pessoas nos olhos quando fala, não é?

Ela estava precisamente certa. Embora não tenha chegado à escopofobia, Kousaka também não se sentia confortável em olhar as pessoas nos olhos. O motivo não era achar o olhar de outras pessoas assustador, mas não querer olhar diretamente para a ‘’sujeira’’ delas.

Neste ponto, ele finalmente percebeu o que Izumi quis dizer com “adquado.” Em suma, essa garota só se daria bem com covardes que não conseguia olhar nos olhos dela.

Sanagi lentamente começou a contar as circunstâncias que levaram a ela ter chamado Kousaka.

Esta tarde, ela foi para a biblioteca como de costume. Enquanto devolvia um livro que ela alugou e procurava um novo para pedir emprestado, de repente, percebeu que seus sintomas de escopofobia estavam menos graves do que o normal. Talvez ir visitar Kousaka diariamente estivesse agora começando a mostrar seu efeito.

Ela parou e pensou “Se estou me reabilitando, que tal eu ler aqui na biblioteca?“. Por ser um dia de folga, a biblioteca estava bastante lotada, mas talvez isso tornasse a solução de seu problema mais eficaz.

Sanagi se sentou em uma cadeira vazia e abriu seu livro. No começo não foi capaz de se concentrar devido aos olhares que ela estava apenas imaginando, mas gradualmente estreitou sua visão e conseguiu se concentrar apenas nas palavras.

Depois de ler mais ou menos a metade, decidiu fazer uma pausa. Levantou-se para soltar seu corpo rígido e vagou entre as estantes de livros. Ela gostava de andar pela biblioteca assim, por nenhuma razão em particular. Ela gostava de ler livros pelos quais não tinha interesse no conteúdo apenas para ver detalhadamente sua estrutura geral.

Não devia ter se passado três minutos desde que ela deixou seu assento. Mas quando voltou, algo importante estava faltando. Os fones de ouvido que pendurou na cadeira não estavam em lugar nenhum. Sanagi imediatamente olhou em volta. O livro que ela estava lendo ainda encontrava-se no mesmo lugar, e seus outros pertences ainda estavam lá, então parecia improvável que os fones de ouvido fossem considerados um item perdido e levado embora. Eles foram roubados.

Ela culpou seu descuido por sair de sua cadeira e deixar seus fones de ouvido para trás. Sem eles, não conseguia andar através de multidões ou andar de trem —  como ela poderia ter sido tão negligente com algo tão importante?

Colocou o livro em sua bolsa e saiu da biblioteca com um andar incerto. “Devo levar uma hora caminhando para casa ou esperar e pegar o trem?”. Ambos pareciam igualmente difíceis. “Vou levar isso de forma otimista“, disse a si mesma. “Posso pensar nisso como uma chance de me superar. Uma vez que eu passe por esse desafio, posso ter certeza de que meu transtorno melhorou bastante”.

Mas nem cinco minutos depois de sair da biblioteca, seu coração estava rasgado em pedaços. Ela não conseguia se lembrar de como ela andava por aí antes. Que expressão ela tinha, onde ela colocava o olhar, o quão rápido ela andava, como ela balançava as mãos. Quanto mais ela pensava sobre isso, mais estranho parecia, e sua escopofobia se intensificava. Para fugir, ela saiu da estrada e desceu as escadas, se escondendo entre a ponte Sagae, e agarrando-se à sua única esperança, chamada Kousaka.

Esse foi o fim da história.

— …Achei que estava melhorando —  Sanagi murmurou no final.

Por um momento, Kousaka a ouviu soluçar.

Ele sabia dolorosamente bem como era perder a confiança e ficar envergonhado depois de um ataque como este. E ele sabia que consolos comuns não surtiram efeito nesta situação. Então Kousaka ficou em silêncio. Ele a deixou chorar.

Mas ao contrário de suas expectativas, Sanagi rapidamente parou de chorar. Ela enxugou as lágrimas, respirou fundo, se virou e sentou-se na beira da cama. E por um momento, ela deu a Kousaka um olhar significativo.

‘’Talvez a Sanagi esteja esperando algo de mim. Ou talvez eu queira fazer algo por ela, então estou analisando seu olhar.’’

De qualquer maneira, a conclusão foi a mesma.

Eu deveria fazer algo por ela“,  Kousaka pensou com firmeza. “Ao contrário de mim, ela está em uma idade onde ainda tem muito o que resolver, onde você é frágil e pode se machucar facilmente”.

Agora é a hora em que ela mais precisa de apoio.

Kousaka sentou-se ao lado de Sanagi. E ele timidamente ofereceu sua mão. A mão nua, já que ele havia tirado as luvas ao voltar para o quarto. Ele tocou a cabeça de Sanagi. Instantaneamente, várias palavras nojentas como “poros”, “pele oleosa”, “Queratina”, “staphylococcus epidermidis” e “Demodex folliculorum” passaram por sua cabeça. Mas Kousaka os adiou temporariamente com um estremecimento. Se fosse gritar, isso não surtiria o mesmo efeito. E, além de tudo, esse não era o momento para isso.

Sanagi ergueu o rosto em surpresa. Mas ela não mostrou recusa.

Kousaka desajeitadamente moveu a mão colocada em sua cabeça.

Pretendo acariciá-la.

— Você não precisa se forçar —  Sanagi disse com um suspiro.

— Não estou me forçando a nada — disse Kousaka, com um sorriso.

Mas ela podia sentir o corpo dele tremendo onde sua mão a tocava. Continuou a afagá-la. Talvez tenha percebido que ele provavelmente nunca faria isso de novo quando tudo acabasse, então era melhor aproveitar.

— Já chega — Sanagi disse.

Mas Kousaka não quis ouvir, dizendo:

— Não, ainda não.

— Tá, tá eu já estou me sentindo melhor. Você pode parar de me consolar.

Ouvindo isso, Kousaka finalmente tirou a mão de sua cabeça.

— Isso te distraiu?

— Você é idiota? — disse Sanagi, com um olhar de choque, mas aparentemente não negaria que sim. A voz havia recuperado um pouco de sua alegria.

— Eu realmente sinto muito por machucar sua bochecha.

Kousaka se desculpou.

— Ainda dói?

— Nah. Isso não é nada — Sanagi passou um dedo sobre o quase sarado ferimento — Vai lavar as mãos?

— Não, está tudo bem.

— Beleza.

Kousaka olhou para sua mão direita, acostumada a tocar Sanagi. Ainda estava tremendo um pouco, mas conseguiu resistir à vontade de ir tomar um banho imediatamente.

— Vou lhe contar uma coisa engraçada — disse Kousaka.

— Algo engraçado?

— Para falar a verdade, eu tenho compulsão por limpeza…

— …Sim. Eu sei.

— Claro — Kousaka sorriu ironicamente — Eu me sinto como se outras pessoas, exceto eu, estão completamente sujas. Apenas por ser tocado por eles, por apenas respirar o mesmo ar, me dá enjoo. Eu sei melhor do que ninguém que é apenas algo psicológico… mas não consigo fazer nada sobre isso. Eu tentei fazer vários tratamentos, mas só pioraram.

Kousaka olhou para verificar a expressão de Sanagi.

— Continue — disse ela.

— Mesmo quando encontrei alguém, não consegui beijá-la, nem mesmo segurar suas mãos. Um dia, ela tentou cozinhar para mim. Ela era boa nesse tipo de coisa e sempre cozinhou bem. Mas mesmo que ela tivesse feito todo esse esforço por mim, eu estava incrivelmente exitante em comer qualquer coisa que ela preparava. Por mais que eu tentasse considerar como comida, não conseguia suportar pensar que ela tocou nos ingredientes. Honestamente, eu não queria dar uma única mordida. E, no entanto, eu sabia que seria rude recusar a refeição que ela fez, então eu esvaziei minha cabeça e apenas me esforcei. O que você acha que aconteceu?

Sanagi silenciosamente balançou a cabeça. Como se mostrasse que não sabia o resultado.

— Depois de comer cerca de metade, vomitei tudo bem na frente dela. Eu não consigo esquecer a expressão em seu rosto. Nós terminamos menos de dez dias depois daquilo. Ainda sonho com isso às vezes. E desde que terminei com ela, eu nunca tive qualquer coisa parecida com uma namorada de novo.

Sanagi balançou a cabeça lentamente.

— Isso não foi muito engraçado…

— Sério? Não é pelo menos um pouco engraçado que eu nunca tenha beijado alguém com 27 anos?

Depois da história ‘’engraçada’’ de Kousaka, Sanagi saiu da cama e fez um grande alongamento. Então, pensando em algo, ela pegou um pote em uma prateleira e cobriu as mãos com desinfetante. Então cuidadosamente colocou luvas de látex descartáveis ​​nelas e até mesmo colocou uma máscara facial. No final, se virou para Kousaka.

Ela não deu tempo para que perguntasse o que estava fazendo.

Sanagi agarrou os ombros de Kousaka com as duas mãos e, através de uma máscara facial, colocou seus lábios nos dele.

Embora um pano fino os separasse, o rapaz sentia quase que claramente seus lábios macios. No momento em que Kousaka entendeu a intenção de suas ações, ela se afastou.

— Você vai ter que se contentar com isso —  disse Sanagi, tirando a máscara.

Kousaka não tinha palavras, parou como um brinquedo sem baterias. Ele podia até ter esquecido de respirar.

— O que estava tentando fazer? — perguntou.

— Eu senti pena de você, então eu te dei um beijo. Agora, me agradeça.

— Isso foi muito educado da sua parte.

Após o confuso agradecimento de Kousaka, Sanagi fez uma adição.

— Além disso… f-foi a minha primeira vez também, então não sei se fiz certo.

Ele não sabia exatamente o que ela queria dizer com “certo”, mas pela expressão dela, isso não a incomodava muito.

— Bem, então, já vou indo.

Sanagi se levantou e pegou sua bolsa.

— Você consegue chegar em casa sozinha? — Kousaka perguntou, preocupado.

— Sim. Não é muito longe e está menos lotado agora.

— Entendo…

Kousaka julgou pelo tom dela que ela provavelmente ficaria bem. Então teve um pensamento repentino, abriu a última gaveta da sua mesa, tirou os fones de ouvido e os colocou no pescoço de Sanagi.

— Tem certeza? Você sabe que vou ‘’sujar’’ eles, né? — Sanagi perguntou, com um olhar ligeiramente nervoso.

— Não vou usá-los novamente, então você pode ficar.

Sanagi colocou as mãos nos fones de ouvido e falou alegremente:

— Beleza… Você é um salva-vidas. Valeu.

— Certo, boa noite, Sanagi.

— Boa noite, Sr.Kousaka — ela sorriu, olhando-o diretamente nos olhos.

Depois que Sanagi saiu, Kousaka sentou-se em sua cadeira e fechou os olhos, apenas pensando sem rumo sobre os eventos que acabaram de acontecer. Ele pensava repetidamente em coisas inúteis como “espera, essa foi a primeira vez que ela me chamou de Sr. Kousaka’’.

Após cerca de trinta minutos, foi repentinamente atingido pelo fato de que ainda não tinha começado a limpar ou tomar banho. Não lembrava da última vez que passou tanto tempo sem se preocupar em limpar ou lavar alguma coisa.

’’Algo dentro de mim está começando a mudar.‘’

Assim sentiu.

 


 

Tradução: Wiker

Revisão: n2ny

QC: Axios

 

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