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O Tempo com Você – Cap. 04 – Uma Garota 100% Sol

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Testemunha ocular, Relato A — K_ko (26 anos), dona de casa, residente do Distrito Koutou, Tóquio

Não era mesmo grande coisa, não o bastante para sair contando às pessoas.

O meu filho ainda tinha quatro anos, e eu tenho certeza de que ele, às vezes, tem problemas em distinguir fantasia e realidade. Mas, sim, também vi. Ou pelo menos senti que vi.

Sim, é claro. Vou começar a partir do começo então.

O tempo naquele dia? Chuvoso, obviamente. Quero dizer, está chovendo há décadas, não é?

O tempo ruim começou muito antes deste verão, mas, naquele dia, estava especialmente ruim, com ventos e raios. Nós estávamos no trigésimo oitavo andar — sim, o nosso prédio é um arranha-céu — e a vista era incrível durante a tempestade. As nuvens de chuva que passavam pela janela pareciam efeitos especiais saídos direto de um filme, e dava para ver raios acertando o prédio.

Por causa do tempo, a creche estava fechada, e o meu filho ficou em casa. Eu estava cozinhando, se não me engano — Oh, o que estávamos fazendo? Tenho quase certeza de que era bagna càuda. Não, nem um pouco, é bem simples! Fica bom com vinho e é um sucesso tanto com homens quanto com mulheres. Sim, isso mesmo. Quando nós, mães, temos nossas confraternizações, assumimos turnos para providenciar a comida. Se for simples demais, todos ficam entediados, e se for chique demais, as pessoas vão achar que você está tentando dizer alguma coisa, por isso que bagna càuda é perfeito. Se tiver um bom prato principal, a coisa toda fica atraente, mesmo que o resto seja apenas massa ou biscoitos Ritz. Nós, no grupo das mães, tendemos a ter consciência uma das outras desta forma.

Trinta minutos de conversa sobre o grupo das mães se seguiram.

Ufa. Então, do que estávamos falando? Ah, sim, é claro! Quando o peixe caiu do céu.

Eu estava cozinhando, e o meu filho começou a me chamar:

— Mamãe, peixe!

Como estava focada na comida, não prestei muita atenção, por isso só disse: — Ohh, legal. — Ele sempre percebia que eu estava ocupada e desistia quando eu fazia isso.

Mas, naquele dia, ele puxou as minhas roupas.

— Mamãe, vem aqui, tem peixe lá fora. — Mas certeza que era impossível, sabe? Estávamos no trigésimo oitavo andar.

Mesmo assim, ele quase nunca era tão insistente desta forma, então fui até a janela com ele.

— Onde está o peixe? — perguntei, e ele apontou para o parapeito de concreto estreito do lado de fora da janela. Olhei com mais atenção, mas tudo o que vi era a chuva batendo ali.

Mas o meu filho continuou perguntando:

— Você viu?

— Hhu? — eu disse.

— Olhe com mais atenção — disse ele — para as gotas de chuva.

E eu tive um calafrio. Fiquei um pouco assustada, mas encarei a água da chuva até sentir que estava caindo nela. E, então… vi um peixinho, igual a um killifish, entre as gotas de chuva! Aquilo me deu arrepios pelo corpo inteiro.

Não… não eram peixes de verdade; era apenas chuva. Simplesmente água clara em forma de peixinhos. Mas a forma com que acertavam a parede e saltavam era como se estivessem vivos. Aquela janela era fixa, por isso não conseguia abrir, e, enquanto os observava de perto, passaram a se parecer como as antigas gotas de chuva. O meu filho notou, também.

— Hm? — disse ele — Eles foram passear…

Isso mesmo; foi por isso que eu disse mais cedo que só senti que os tinha visto. Não parece importante o suficiente para contar às pessoas. O meu marido não acreditou nem um pouco em nós.

— Isso é gestaltzerfall — disse ele. — Às vezes, palavras também param de se parecer com palavras para mim. — Ele soava tão orgulhoso consigo mesmo, mesmo que isso tenha sido completamente diferente. Tenho um pouco de alívio por poder conversar sobre isso com você.

Gostaria de vir visitar e ter uma noite das meninas conosco algum dia?

Testemunha ocular, Relato B — Y_jiro (13 anos), ensino fundamental, residente do Distrito Taitou, Tóquio

Você tem certeza que quer ouvir sobre isso? Quero dizer, é claro que eu não me importo em te contar; eu queria mesmo falar sobre isso para alguém. O fato é, não tenho total certeza do que aconteceu, e nem ele. Ninguém mais viu aquilo, e a única coisa que sei de certeza é que nós dois ficamos encharcados.

Naquele dia, o clube tinha recém terminado, e eu estava me preparando para ir para casa. Sim, estamos nas férias de verão, mas ainda temos clube… Hm? O quê…? Uh, não importa tanto assim que tipo de clube, né? Quero dizer…, é o clube de shogi, mas… pfft, sem chance, garotas não se importam nem um pouco se você joga shogi na vida real… Você acha? Uh, bem, é legal ouvir isso.

Voltando ao assunto, eu estava no clube, e o meu amigo entrou na sala, todo animado. Ele estava tipo: “Venha ver! Encontrei algo bem maneiro!” Ele é umas das pessoas mais calmas da nossa turma, então eu fiquei tipo: hein, isso é uma surpresa. Se ele estava dizendo que era maneiro, quer dizer que provavelmente era mesmo. Eu o segui, e abrimos nossos guarda-chuvas e corremos ao longo dos trilhos de trem.

— Então, o que é bem maneiro? — perguntei para ele, mas ele disse que não conseguia explicar e que eu tinha que ver para entender. Entramos em um beco que tinha a largura suficiente para apenas um carro. Havia prédios em construção dos dois lados, cobertos pelas chapas redutores de ruído, mas ninguém estava por perto.

— Viu? Bem aqui! — O meu amigo apontou para cima, através dos fios de energia, em direção às nuvens entre os prédios.

— Huh? Qual é, não tem nada lá.

— Não, tem sim! Olhe com mais atenção!

Ele estava tão intenso sobre aquilo, então pensei que poderia tentar. Por isso comecei a olhar o céu, mas algo me pareceu… estranho. Depois de um tempo, percebi o que era. Eu conseguia ouvir a chuva, mas não tinha nada caindo sobre nós. Era como se tivesse um teto invisível ou algo do tipo sobre o lugar em que estávamos. Foi então que vi algo se movendo, cintilando no céu, eram pequenas ondulações circulares. Ondulações estavam aparecendo no céu, então sumiram, como se estivéssemos olhando para a superfície de uma piscina em um dia chuvoso.

— O que foi isso…?!

Eu dei alguns passos para trás, mas não conseguia desviar os olhos. Quando o fiz, o céu se deformou. É água, pensei. Era como… se uma coisa enorme feita de água estivesse presa entre os prédios.

— Um peixe? — murmurou o meu amigo, ao meu lado, e eu também pensei nisso. Tinha a forma de um golfinho, ou de uma baleia. E, no instante seguinte, o peixe de água colapsou de repente e caiu sobre nós.

Nós ficamos tipo: “Waugh!”.

Foi um aguaceiro rápido e pesado, tipo uma tempestade forte multiplicada por dez, ou como se tivéssemos sido transportados para debaixo de uma cachoeira. Quando a água parou, nós dois estávamos encharcados, e as abas dos nossos guarda-chuvas se dobraram como se tivessem sido atingidas por um tufão de vento. Seja o que for que estava entre os prédios, tinha ido embora sem deixar nada, a não ser por uma fraca neblina ao nosso redor.

Então, bem, no fim, meio que pareceu que a gente se deparou com uma chuva louca, e foi isso. Não há prova em lugar algum, e eu não contei a ninguém. Tentei fazer com que soasse como uma brincadeira naquela pequena sinopse que escrevi online, mas a sua mensagem meio que me surpreendeu.

Hm, você trabalha para a TV, moça? Huh? Não? Bem, é que, tipo, você é bem bonita e tal… Ei, sabe, acabei de perceber que eu acho que nunca conversei tanto assim com uma garota.

 

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Sol para você.

Escrevi as palavras em letras grandes no meu caderno, desenhei um quadrado debaixo delas e escrevi 5.000 ienes dentro. Depois de pensar um pouco, apaguei o 5, coloquei um 4, então apaguei de novo.

— Não seria caro demais…?

Hmm. O que devo fazer? Uma TV de tubo antiga estava no balcão de bar, e no pouco tempo que se passou, o locutor do tempo esteve falando na tela chuviscada.

“Já registramos mais de dois meses de dias chuvosos em sequência, e a previsão para o mês que vem mostra que chuvas fortes ainda continuarão. A Agência Meteorológica publicou uma declaração avisando que esta é uma situação extremamente anormal e pede que tenham atenção extrema com deslizamentos—”

— Então, Hodaka! — chamou alguém, alegre, e eu tirei os olhos do caderno.

Natsumi estava sentada com os pés para cima do sofá, abraçando os joelhos, ocupada com um tablet.

— Isso é bem incrível até!

Um fosso de drenagem de beira de estrada estava cheio de coisinhas brancas como leite, com o tamanho e forma aproximadas de sardinhas jovens.

A próxima foto era de um estacionamento em algum lugar. Lá, estavam ao redor dos pneus dos carros.

Depois daquela, foi a vez de uma foto que uma mãe tirou da sua filha. As coisas brancas estavam espalhadas sobre as pedras de calçamento, e pombos estavam beliscando-as. A garotinha olhava para elas no chão enquanto segurava o guarda-chuva.

  — Se parecem peixes mesmo, talvez, mas… — Dei um zoom na foto — Essas coisas caíram do céu, com a chuva? — Todas as fotos que haviam sido postadas nas redes sociais tinham o relato daquele efeito. — Mas são apenas fotos, e não há prova, né?

— Se você os tocar, eles desaparecem. Veja.

Natsumi deu play em um vídeo que alguém postara. Ele mostrava uma protuberância de algumas polegadas de comprimento, com uma superfície parecida com geleia seca. O dedo da pessoa que estava filmando apareceu na tela, então tocou a protuberância, com cautela, então, com um fraco plish, a coisa se transformou em água e escorreu.

— Uou! — gritei.

Natsumi continuou, animada:

— Você se lembra do que aquele cara da universidade nos disse quando o entrevistamos antes? O mundo do céu é muito mais profundo e estranho do que o oceano. Humanos só viram uma pequena porção dele diretamente, e uma única nuvem carregada é o seu tipo de “mundo”. Uma nuvem com várias milhas de tamanho tem água o suficiente para encher um lago e inúmeros organismos dentro. Há muita luz do sol, água e coisas orgânicas em um espaço grande, onde ninguém pode alterar. No fundo do oceano, onde a luz não chega, existe todos os tipos de criaturas únicas, então não seria nem um pouco estranho encontrar novos ecossistemas ainda não descobertos no céu. Ele disse que não faz sentido assumir que o céu e o mundo biológico estão totalmente separados!

Natsumi continuou, apressada, e eu fiquei surpreso tanto pela sua memória quanto pelo seu entusiasmo:

— Então deve ter mesmo algo no céu!

— E são esses peixes?

— Talvez! Bem, isso não é incrível?!

—  Então — Sendo assim, comecei a pensar bem. Então — Se fizermos um artigo sobre isso, podemos fazer uma boa grana! A reportagem sobre as lendas urbanas já está pronta, mas se fizermos uma sobre os criptidos logo, podemos—

— Huh? — A voz de Natsumi foi fria.

— Oi? — Eu parei.

— O que quer dizer com “podemos fazer uma grana”? O importante aqui é se as pessoas acham que é interessante, não?

— Huhh…

— Garoto, você está se parecendo cada vez mais com o Kei.

— Hein?

— Aposto que vai crescer e se tornar chato.

— Hein?!

Natsumi se levantou do sofá, bruscamente amarrando o cabelo longo com um elástico.

— É melhor não falar isso perto da garota sol que enfim você conseguiu encontrar, ou ela pode não gostar muito mais de você. Vocês têm um encontro hoje, né?

— Huh? Não, não é um encontro ou algo do tipo, é mais como se eu estivesse me certificando… Ou me desculpando, ou… dando uma sugestão…

Enquanto eu hesitava, ela pegou um blazer preto, ficando parecida com uma verdadeira adulta trabalhadora — o que era incomum. Ela sempre usava roupas casuais que mostravam bastante os braços e as pernas, por isso se parecia quase como uma pessoa diferente agora.

— Hm? Qual é a ocasião, Senhorita Natsumi?

— Vou procurar emprego.

— Hein?! — Procurar emprego?! — Espere aí, e quanto ao escritório?!

— Isso é algo temporário, até que eu encontrasse algo melhor. — respondeu ela, e eu pude ver que essa não era toda a história. Ela acenou com a mão para mim e saiu do escritório.

Eu encarava a porta pela qual ela saiu, em choque, sentindo-me deixado para trás repentinamente. Não, só pode ser brincadeira dela, né? Pensei, apressado.

— Espere, eu também preciso sair! — Eu disse alto para afastar o pequeno incômodo que sentia, então me levantei do sofá.

Acredite ou não, a garota não tinha um smartphone nem um celular.

Como resultado, ela me deu apenas uma pequena nota escrita à mão. Checando as direções que ela marcou à mão, desci na Estação de Tabata. Quando subi as escadas no final da plataforma, como as instruções indicavam, encontrei uma pequena catraca não tripulada com uma fileira de apenas três roletas. Eu tinha a ideia de que todas as catracas na Linha Yamamote eram tão espaçosas quanto quadras de tênis e tão movimentadas quanto festas, mas o movimento nesta me surpreendeu.

Passei pelo portão, abri o meu guarda-chuva e comecei a andar pelo asfalto preto molhado. Uma estreita rua de subida estava à frente, e embora eu tivesse caminhado por cerca de cinco minutos, as únicas pessoas que encontrei eram duas mulheres idosas. Na minha direita havia uma fileira de cerejeiras verdes exuberantes, e, na esquerda, uma vasta paisagem. Vários trilhos percorriam alinhados, além deles estava os trilhos elevados do Shinkansen, e, mais além, os prédios molhados pela chuva pareciam não ter fim. A vista era cinza, mas hoje eu conseguia ver os sutis traços de cor. Desde o dia em que vi a garota sol — quando vi a verdadeira Tóquio brilhando sob a luz do sol — todas as cores que eu via pareciam um pouco mais saturadas. Era como se os meus olhos fossem, de certa forma, novos, ou como se alguém tivesse dado um upgrade secretamente na imagem.

O prédio do apartamento dela era bem antigo, com uma hera cobrindo tudo. De acordo com a nota, o quarto da Hina era o último no segundo andar. No topo das escadas de ferro, eu conseguia ver os trilhos elevados do Shinkansen. Um trem verde estava percorrendo-os com um suave hiss.

Em frente à porta, respirei fundo, então bati.

— Espere — De repente, percebi algo importante — Esta é…?

A chuva batia levemente contra o teto fino do corredor compartilhado.

— Esta é a primeira vez que estou indo à casa de uma garota?!

Click. Naquele momento, a porta se abriu, e Hina colocou a cabeça para fora.

— Oi, Hodaka.

— Huh, hmm, agh!

— Aposto que teve dificuldades para encontrar o lugar, né?

— N-Não, é, aqui! Não é muito, mas—!

Apressado, estendi uma sacola plástica com as duas mãos.

— Uou, fico feliz por isso! Obrigada!

Hina a pegou sorrindo, então abriu mais a porta e me convidou para entrar. Sentindo-me estranho, tirei os sapatos na menor entrada que já tinha visto.

O apartamento transbordava de cores.

Havia uma pequena cozinha logo depois da entrada, com uma sala de estar com cerca de 140 pés quadrados ou mais, e mais um quarto depois dela. Era um local acolhedor destinado a uma família. Cada local era dividido por cortinas de pano multicoloridas e decoradas com pequenas imagens e figuras de animais, e tecidos coloridos também estavam pendurados nas janelas. Havia uma janela redonda de madeira na sala, com fios de esferas de vidro transparente penduradas nela como um tipo de apanhador de sol. Me sentei agachado a uma mesa de chá na sala de estar.

— Hodaka, você já almoçou? — Hina me chamou, fazendo barulhos pela cozinha.

— Ainda não… — Eu disse, mas imediatamente percebi que ela podia estar planejando preparar algo para mim, então gritei: — Oh! Mas não se preocupe com isso.

Hina riu e disse:

— Tudo bem, apenas sente-se. Se importa se eu usar isso, Hodaka?

Quando olhei, ela estava segurando as batatas chips e o ramen de frango que comprei para ela. Na loja de conveniência que ficava no caminho para cá, pensei bastante sobre o quê comprar, então acabei perguntando no Yahoo! Respostas e comprei o que a primeira resposta dizia. Agora que penso nisso, tirando as batatas chips, eu não sabia por que sugeriram ramen de galinha.

— Hã? Claro, se você tiver alguma forma de usá-los!

— Obrigada!

Usá-los? Para cozinhar?

Parecia um tipo de pergunta vergonhosa, então, por um momento, para fazer com que eu mesmo me acalmasse, olhei para o local mais uma vez. O apanhador de sol na janela balançava com a brisa, refletindo a fraca luz que reunia do céu chuvoso e lançando-a em um fraco padrão. As portas de correr do armário tinham sido removidas, e as prateleiras do lado de dentro estavam sendo usadas como uma estante para livros. Ela tinha de tudo: livros ilustrados e revistas educacionais, light novels e quadrinhos, e até mesmo livros espessos de capa dura. Uma pequena máquina de costura elétrica ficava em um canto da sala, e eu pensei: aposto que a maioria das decorações daqui são feitas à mão. Estranhamente, mesmo que o espaço pequeno fosse abarrotado de coisas, não parecia bagunçado. O local estava repleto de prazer, como se o próprio recinto gostasse de ser assim.

— Hina…, você vive sozinha?

— Com o meu irmãozinho. Coisas aconteceram.

— Huh…

Coisas. Não tive coragem de perguntar, mas a ideia de que eles podiam não ter pais passou pela minha mente. Ela estava alegremente cortando folhas que pareciam brotos com uma tesoura de cozinha. Aquilo é um jardim de cozinha? Pensei. Ela era mesmo do tipo faça você mesmo.

Enquanto Hina se mexia lá, eu a observava em segredo com o canto do olho. Ela estava usando um casaco sem mangas amarelo-pálido e shorts azuis. O seu cabelo caía suavemente sobre os seus ombros, amarrado em uma maria-chiquinha, como de costume. Agora que parei para prestar atenção, percebi que ela era muito magra. Natsumi usava tops sem mangas e shorts o tempo todo também, mas era bem diferente.

— E quanto a você, Hodaka? Por que fugiu?

— Hm… — A pergunta inesperada me deixou perdido — Bem, eu meio que… — Apressado, busquei por um motivo, tentei colocá-lo em palavras, mas as únicas que encontrei eram simples e idiotas. — Estava sufocante… O local em que eu vivia e os meus pais. E, tipo, eu sonhava em vir para Tóquio…

Assim que disse isso em voz alta, fiquei envergonhado sobre o quão ridiculamente infantil isso soava.

— Nenhum motivo grande. — adicionei, mais do que depressa.

— Entendo.

A breve resposta de Hina não era uma afirmação nem uma negação. Apenas disse isso com um sorriso. Ela quebrou um ovo, separou a gema da clara em pratos diferentes com uma mão hábil, então mexeu rápido. Colocou um fio de óleo em uma frigideira quente, e o cheiro de óleo de gergelim e gengibre logo apareceu. Tirando arroz frio da geladeira, ela o colocou na frigideira e começou a fritá-lo, criando um chiado que soava delicioso. Ainda mexendo com a colher de madeira, Hina me fez outra pergunta:

— Você não precisa voltar?

— Eu… não quero. — Não havia outra forma de responder, por isso apenas comentei sobre o que estava sentindo.

— Entendo.

Ela abriu o saco de batata chips, esmagou-as com as mãos e misturou-as com o que estava na frigideira.

— Desculpe a demora! — disse ela, com uma voz melodiosa enquanto carregava a comida em uma bandeja.

— Uau! — gritei. Em cima de cada tigela de arroz com batata chips havia um ovo cru brilhante com um círculo de folhas verdes ao redor dele. A salada no prato maior tinha grandes pedaços de ramen de galinha nela.

— É chamado de… hmm… arroz frio com batata chips e broto de feijão com óleo de gergelim eeee… salada de frango super-crocante.

— Uaaaau…!

Eu fiquei impressionado. Ela inventou algo original apenas com aquilo. Eu estava faminto agora.

Abruptamente batendo as mãos ao se lembrar de algo, Hina se levantou.

— Oh! As cebolas!

Da cozinha, ela trouxe um copo com uma borla grossa de cebolinha verde crescendo nele. Ela cortou-as com a tesoura, deixando os pedaços caírem sobre a sopa chinesa que também tinha feito. Os pedaços de peixe branco e macio que flutuavam nela foram reunidos com manchas verde-brilhantes.

— Então…, como tem andado as coisas desde que você veio a Tóquio? — perguntou Hina, de repente.

— Huh? Oh… — Novamente, eu disse o que estava sentindo. — Bem, está mais… fácil de respirar agora.

Hina olhou para mim e sorriu.

— Entendo! É legal ouvir isso. Okay, vamos comer de verdade desta vez!

Nós dobramos as mãos e falamos ao mesmo tempo:

— Obrigado pela comida.

Eu usei a minha colher para quebrar a gema do ovo, então enfiei uma colher cheia de arroz, brotos de feijão e batata chips na boca.

Depois que limpei o meu prato, percebi que o recorde das “melhores coisas que já comi na vida” tinha sido quebrado duas vezes neste mês, e tudo graças à mesma garota, em ambas as vezes.

— Hodaka, você está sério sobre isso

Hina estava olhando duvidosamente para o meu caderno. Eu tinha escrito Sol Para Você com legras grandes e fiz notas sobre as sugestões de design, como enviar um pedido e uma programação de taxa logo abaixo.

Era um projeto para a minha ideia: o site do “Negócios da Garota Sol”. Depois que terminei de comer, coloquei o iPad que trouxe do escritório sobre a mesa e, agora, lápis, borrachas, etiquetas e outros materiais de escrita estavam espalhados sobre ela. A tela do iPad mostrava um modelo que criei em um aplicativo.

— Bem, você é uma garota sol de verdade, não é, Hina? — perguntei, apenas para ter certeza.

— Sim.

— Você pode fazer ficar ensolarado apenas ao rezar para o céu.

— Sim. — concordou dela, como se não fosse nada.

— Então…

— Não, ouça! — interrompeu — E se fizermos isso e o sol não aparecer?

— Você não consegue? — A desafiei.

— Eu consigo!

— Então vamos fazer! Você precisa de um emprego, certo?

— Bem, sim, mas… não tenho tanta certeza sobre ganhar dinheiro com isso… — murmurou Hina, escolhendo um bolinho da loja de conveniência. Eu a observava com o canto do olho.

— Além disso… — comecei. Ela parecia tão jovem; eu realmente nunca teria imaginado que era mais velha do que eu. O seu pescoço era fino, os seus braços, delicados, o seu corpo, frágil, o quadril, fraco, e as suas pernas não eram parecidas com as de Natsumi. — Você não parece ser capaz de trabalhar em uma casa noturna, Hina.

— Hein? — A mão dela parou de escolher o bolo.

— Hmm?

— Hodaka… — Devagar, se afastou de mim.

— O quê?

— Para onde você está olhando?!

— Não estou olhando nada! — respondi por reflexo, começando a suar.

— Ergh… — Hina olhava para mim com suspeitas. Droga, ela sabe. Eu ouvi dizer que garotas sempre sabiam quando um homem estava olhando, então era verídico? Será que eu devia me desculpar?

— Sinto muito…

A minha voz foi baixa, e, desta vez, Hina deu uma risada agradável. Eu não sabia dizer se ela estava mesmo brava ou se só estava me provocando; as emoções que vi no rosto dela estavam constantemente mudando, como um tipo de enigma que eu estava sofrendo para decifrar. Ela era como uma rajada de vento de uma tempestade com as cores do arco-íris.

— Hmm? Ei, você não acha que cinco mil ienes é um pouco demais? — disse ela, segurando o iPad.

— Huh? Você também acha? — Eu selecionei o texto e redigitei os números. — Você quer mudar para cerca de três mil ienes?

— Hmm… Por outro lado, preciso ganhar a vida com isso…

Hina digitou 3.500, e eu intervi:

— Espere, mas se for barato demais, vai parecer falso… E se fizéssemos uma loucura de tornar isso uma coisa para pessoas ricas? Cinquenta mil ienes por pedido!

— Eu odiaria! Sem chance!

À medida em que discutíamos isso e aquilo, nos aprofundamos cada vez mais na criação do site.

— Na verdade, talvez devêssemos só cobrar se funcionar. — sugeri.

— Verdade. E usar um preço discricionário.

— E se fizermos a primeira vez de graça e tentar uma propaganda boca a boca?

— Isso pode funcionar. Não, mas de novo, preciso ganhar a vida com isso…

— O site é um pouco simples. Talvez precise de uma imagem ou sei lá.

— Oh, vou desenhar uma!

— Hein? O que é isso? Um hipopótamo…?

— Uh… é um sapo.

— Hm? Sério mesmo?

Antes que eu percebesse, já estava escuro do lado de fora. Pela janela, eu conseguia ver as luzes de um Shinkansen distante.

— Pronto!

Gritamos juntos. O site finalizado tinha a imagem de um sol e as palavras Sol para você! com caracteres coloridos. Um sapo rosa em uma capa de chuva amarela dizia Garota 100% Sol! em um balão de diálogo. Ao lado dele havia um ícone de carrinho que mostrava o preço de 3.400 ienes, taxas incluídas, e um formulário de pedido com campos para a Data e hora desejados, Local desejado para o sol, Endereço de e-mail e Motivo para querer sol.

Com o dedo sobre o ícone publicar do aplicativo, eu disse a ela:

— Tudo bem, vou fazer o upload. Preparada?

Naquele momento, ouvi um click, e a porta do apartamento se abriu.

— Chegueeeei. Ei, Mana, as sardinhas estavam baratas hoje, por isso eu… Hmm? Quem é você?

O garoto ali de pé, franzindo a testa para mim, era um aluno do ensino fundamental usando uma mochila escolar e carregando uma sacola de supermercado.

— Huh…? — Eu acabei dizendo — Oh, ei, você é o…

Ele tinha um short bob sedoso, olhos afiados e características de uma criança, mas simétricas— era o garoto que possuía todas as namoradas no ônibus naquela vez.

— Huh? Ei, o que está acontecendo? Vocês dois se conhecem? — perguntou Hina.

— Eu o vi no ônibus algum tempo atrás—

— Hmm — Hina colocou-se entre nós, tomando a frente, e bruscamente nos apresentou fazendo gestos.

— Hodaka, este é o meu irmãozinho, Nagi. Nagi, este é o Hodaka. Ele é o meu parceiro de negócios!

— Hein? — Nagi parecia ainda mais perplexo, e justo quando—

Ting-a-ling. O iPad apitou. Olhei para a tela, então conferi mais uma vez.

— Eita, temos um pedido!

— O quê?! Você já fez o upload?!

— Bem, sim. Uou, e é para amanhã!

— Huh? Espere só um segundo aí, vamos mesmo fazer isso?!

A TV estava no meio da previsão do tempo naquela hora, e a mulher na tela estava tranquilamente anunciando as previsões do tempo para amanhã.

“Veremos chuva sobre uma grande área novamente amanhã.”

— Mas vai estar chovendo! — gritou Hina.

— Bem, sim! Caso contrário, não faria sentido! — Eu gritei de volta.

— Agh, o que eu faço?! Estou ficando nervosa… Ei, que tipo de pedido é? É um pequeno, né? De uma criança ou sei lá?

— Hm… diz que quer que você faça ficar ensolarado para um mercado de pulgas.

— Ô meu deus, é sério mesmo!

Nós nos agitamos, ficando ainda mais frenéticos.

Nagi apenas colocou as compras na geladeira, observando a gente pelo canto dos olhos.

— E agora? E agora? E agora? — Hina estava dizendo para mim. Eu tinha que fazer algo antes que ela começasse a chorar, então, desesperadamente, forcei-me a agir.

— Hina, vai ficar tudo bem, eu vou ajudar!

— Como?!

— Não se preocupe, apenas deixe comigo!

Okay! Me decidi. Estarei trabalhando até bem tarde hoje à noite.

 

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Chovia na manhã seguinte, é claro.

— Hina, use isso! — Eu estendi um guarda-chuva amarelo para ela enquanto ela saía para o corredor do seu apartamento.

— Huh? O que é isso?

— Abra-o!

Com um ruído, ela abriu o guarda-chuva, e talismãs de bonecos do bom tempo apareceram. Cada uma das oito abas do guarda-chuva tinha um par deles amarrado. Este era o guarda-chuva da garota sol com um total de dezesseis bonecos do bom tempo. Um dos meus melhores trabalhos, se tivesse que dizer.

— Sinto muito, não preciso disso. — Hina fechou o guarda-chuva com um clique.

— Oi?!

Ai! Não, espere!

— Ei, só um minuto! Tenho mais uma coisa para você!

Apontei para as escadas.

Clack, clack, clack. Passos se aproximavam.

Um traje de um enorme boneco do bom tempo, com cerca de quatro pés e meio de altura, apareceu. Outro dos meus melhores trabalhos, se tivesse que dizer.

— Sinto muito, também não preciso disso.

— Oi?!

— Vá se ferrar, Hodaka! — Nagi tirou a cabeça da fantasia e gritou comigo, o seu rosto estava vermelho-brilhante.

O mercado de pulgas era em Odaiba, ao longo de uma esplanada que ficava entre o prédio da TV Fugi e do hotel Hilton. Era possível gravar uma novela de TV lá.

Fileiras de tendas tinham sido armadas, e alguns fregueses com guarda-chuvas circulavam entre elas. Nós três estávamos em uma plataforma de observação que se projetava na Baía de Tóquio, rezando desesperadamente para o céu. É claro, pedir por bom tempo era o trabalho da Hina, mas, na tentativa de provir um pouco de apoio, eu estava girando o guarda-chuva de bonecos bom tempo, e Nagi — com o fato de ser muito bom nos esportes — estava usando a fantasia e correndo em círculos ao redor de Hina.

Então tínhamos uma garota do ensino médio que chamava a si mesma de garota sol, um cara do ensino médio balançando um guarda-chuva com dezesseis bonecos do bom tempo pendurados e um garoto do ensino fundamental correndo em círculos enquanto usava uma fantasia branca de uma forma estranha, que se parecia com uma dança. A nossa cerimônia provavelmente parecia algo feito de qualquer jeito.

Eu ouvi conversas sussurradas da tenda do patrocinador do mercado de pulgas, que também era o nosso cliente.

— Quem foi que convidou aquele grupo?

— Oh, bem, era apenas uma superstição. Pensei que pudéssemos ter sorte…

— Ei, criançada! — Um homem mais velho gritou para nós — Já deu, entenderam?

— Só mais um pouco! — Eu gritei de volta, mas a minha ansiedade e preocupação foram ficando maiores. — Hina, você quer um pouco de água?

— Mana, coma um doce!

Nós estávamos começando a ficar nervosos, mas Hina nos ignorou e rezou desesperadamente, as suas mãos estavam juntas, e suor escorria pelo seu rosto. E, então, aquilo aconteceu.

— Só pode ser brincadeira! Está ficando limpo!

Ao ouvir uma voz da tenda do patrocinador, olhei para o céu. Um suspiro deixou a minha boca.

As nuvens espessas se partiram, e o sol cintilante estava brilhando por elas. Até agora há pouco, o mês de julho estava quase parecendo frio, mas, no momento, a temperatura estava subindo rapidamente. O oceano cinza tornou-se um azul vívido, a Ponte do Arco-Íris brilhava de branco e cada um dos carros que passava cintilava com alegria.

— O que achou?

Hina ficou sem fôlego depois de correr até a tenda do patrocinador, mas ela soava triunfante.

— Cara, aquilo foi um choque!

— Vocês são mesmo incríveis. Você é uma verdadeira garota sol!

As pessoas que passavam pela esplanada fecharam os guarda-chuvas e olharam para o céu, saboreando os primeiros raios de sol há tempos.

— Muito impressionante, mesmo que tenha sido apenas uma coincidência! — proclamou o idoso, que eu assumi estar no comando.

— Não foi uma coincidência! — Um boneco do bom tempo gigante protestou, e eu o parei, sorrindo.

— Aqui, vinte mil ienes pagam? — disse o idoso, colocando o dinheiro na mão de Hina.

— Huh?! É demais!

— Considere um bônus, jovenzinha, por ser tão bonitinha!

— Isso é assédio sexual, Chefe. Quero dizer, sim, ela é bonita, mas ainda assim.

— Não, mas se você olhar para as vendas quando está chovendo e para as vendas quando está ensolarado, é como a noite e o dia. Vinte mil ienes não é quase nada.

— Eu tinha várias dúvidas no começo, mas essas crianças são realmente incríveis.

— Aquele boneco do bom tempo é adorável. Foi você mesmo quem fez?

Todos estavam nos elogiando, elogiando Hina. Era difícil saber se eles acreditavam mesmo na Garota Sol, mas eu podia ver que estavam muito felizes.

Nós passamos pelo agitado mercado de pulgas, parando em frente à estação Yurikamome. Olhamos um para o outro. O nervosismo que sentimos quando estávamos ali naquela manhã já parecia algo de um passado distante, e não conseguimos esconder a alegria que surgia dentro de nós.

— Conseguimos!!

Nós três pulamos no ar, trocando um bate aqui. Rimos com total abandono. Os transeuntes nos olhavam de soslaio, se perguntando sobre o que estava acontecendo, mas os raios de sol tinham colocado sorrisos nos rostos deles também.

— Aquilo foi fantástico, Mana!

— Sim, eu acho que posso fazer isso!

— Tudo bem, vamos conseguir um pouco mais de dinheiro com o clima!

— Sim!

Nós três demos um soco no ar.

E foi assim que o nosso “negócio do sol” começou.

 


 

Tradução: Taiyo

Revisão: Taiyo

 

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