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O Tempo com Você – Cap. 02 – Adultos

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Aquele pobre garoto parecia um cachorrinho perdido.

Ele estava usando uma camisa branca, jeans arremangado e sneakers, e a sua franja preta tapava um pouco os seus olhos, como se ele a tivesse deixado crescer por mais de um mês. A sua pele tinha um bronze saudável e um brilho que parecia vir de dentro, embora eu pudesse ver que ele nunca tinha tocado em um produto de beleza para pele em sua vida, ou de branqueamento. Os seus olhos grandes brilhavam, cheios de curiosidade.

Aquele verão era um dos pontos mais baixos da minha vida, e eu estava apenas vagando sem rumo. Era as férias de verão durante o meu quarto ano na faculdade. Os meus colegas tinham ofertas não oficias de várias empresas, mas eu nem tinha começado a procurar ainda. Os meus pais viviam na cidade, e eu não estava fazendo grande diferença nas despesas diárias, mas eu ia para o meu trabalho de meio período todos os dias. Não porque eu amava o meu trabalho lá; eu intencionalmente passava todos os dias matando tempo como um tipo de protesto contra algo. Se tivesse que colocar em palavras, o algo era, talvez, os “meus pais”, “sociedade”, “expectativas” ou “dever”. Mesmo que eu soubesse que essa era uma forma infantil de se rebelar, não conseguia me ver começando a procurar emprego. Eu tenho tempo, dizia para mim mesma. Ainda era cedo. Eu não estava preparada. Não queria me submeter a nada no momento.

Então, basicamente, estava amuada porque não queria crescer. Bem patético, eu sei. Eu poderia dizer que estava quase no limite sobre o quão impotente eu era, e foi então que o garoto apareceu. Ele era totalmente inocente e indefeso, e era quase ridículo a facilidade com que se impressionava com tudo o que dizíamos, tudo o que acontecia com ele, tudo o que via.

Ele meio que estava no caminho, mas era interessante, e eu tive um pouco de orgulho ao ajudá-lo, como se tivesse sido escolhida de repente para ser a mentora de um membro mais jovem de um clube escolar. Mesmo agora, enquanto o ouvia me chamando com euforia na parte detrás da minha motocicleta — Senhorita Natsumi, Senhorita Natsumi! — Eu tinha uma estranha sensação de nostalgia e o emocionante avanço para um novo começo. Pela primeira vez em muito tempo, o vento chuvoso batendo contra a minha motocicleta era bom.

 

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— Senhorita Natsumi, ei! Aquele lugar se parece Versailles! — gritei, sem pensar.

Com o canto dos olhos, vi uma enorme mansão do estilo europeu, cercada por um gramado verde.

Conforme Natsumi pilotava a motocicleta, ria:

— Meu deus, você é hilário, Hodaka! Esta é a Casa de Convidados do Estado; esta área é propriedade imperial de Akasaka.

Eu fiquei vermelho.

— Você está sempre se divertindo, não é?

Olhei para as costas da capa de chuva de Natsumi, feliz por ela não conseguir ver o meu rosto. Nós estávamos indo ao próximo local de entrevista em sua motocicleta. O cenário encharcado pela chuva passava rapidamente e ficava para trás. Ainda não tinha ideia de que parte de Tóquio eu estava, mas não importava aonde fosse ou quanto visse, nunca me cansava da paisagem. Um parque semelhante a uma floresta, prédios brilhantes refletindo o céu, ruas comerciais de estilo antigo cheias de pessoas, um estádio com a forma saída direto de um filme de ficção científica, igrejas e portões torii em locais inesperados, amontoados de prédios arranha-céus de apartamentos que colocavam milhares de quartos em uma só vista — parecia uma caixa de jardim abarrotada com todos os tipos de locais, e, até mesmo agora, o fato de que a chuva estava caindo sobre mim aqui, nesta cidade, parecia irreal.

A empresa era uma pequena agência de edição gerida pelo Senhor Suga.

A primeira parte do trabalho que me pediram para fazer consistia de tarefas gerais. O escritório também era onde o Senhor Suga morava, então eu acordava às sete e preparava o café da manhã. Eu nunca tinha cozinhado antes, por isso não tinha ideia alguma do que estava fazendo no começo, mas, felizmente, o Senhor Suga não era exigente com as tarefas. Ele comia tudo o que eu levava para ele — de ovos fritos mal feitos e sopa de missô até sopa de missô instantânea e acompanhamentos que eu comprava em lojas de conveniência — de maneira desanimada, mas indiscriminadamente, e sem dar comentários.

Então vinha a limpeza e organização. Eu limpava os copos, taças e latas vazias que o Senhor Suga deixava para todo canto, lavava a louça, separava o lixo e o tirava. Juntava as meias e camisas que ele tirava e deixava atirada como um garotinho, as colocava na máquina de lavar roupa e esfregava o banheiro e a área de banho.

Depois disso, enfim passei a receber as tarefas que pareciam mesmo um trabalho de verdade. Eu separava cartões postais e envelopes enfiados na caixa do correio, escrevia faturas para enviar aos editores e pegava os recibos da caixa vazia em que eram colocados e os passava para um caderno, separados por data. A tarefa que mais tomava tempo era a transcrição de entrevistas. Eu transformava o áudio que gravava com o meu celular ou minigravador em arquivos de texto, os quais seriam usados como recurso quando o Senhor Suga ou Natsumi — ou, raramente, eu — redigiam artigos.

Sem demora, Natsumi chegou ao escritório em sua Honda Cub cor-de-rosa. Ela era uma funcionária de meio período, não de tempo integral, mas era ela quem estava no comando da contabilidade da empresa.

— Uh, com licença? Tenho certeza que eu te disse que os custos com licor são gastos sociais! — repreendeu Natsumi, checando o livro de contas.

— O quê, é só isso que você tem ainda? — disse o Senhor Suga para mim, espiando a tela do computador.

— Você sabe que precisa comprar essas coisas na promoção. — Natsumi me incomodou quando viu o recibo do supermercado.

— Eu já te disse antes, pegue todas as partes importantes! Qual é o sentido em escrever todos os pontos e vírgulas?! — gritava o Senhor Suga para mim, quando leu a minha cópia.

“Ele ainda está fora do escritório? Ontem, você me disse que ele voltaria ‘amanhã’, lembra?”

Eu pedi desculpas a um editor que ligou com um lembrete de prazo final.

— Garoto, se não resfriar água com gás, você ferra com ela! — O Senhor Suga criticou a minha estimativa enquanto ele estava ocupado fingindo não estar em casa.

Todos os dias, eu sentia que estava sendo arrastado junto a uma torrente lamacenta desconhecida, e passei esses dias trabalhando como louco, chocado com cada vez que me deparava com a minha própria ignorância e incompetência. Ainda assim — e eu mesmo pensava que era bem estranho —, apesar das críticas constantes, o trabalho não era nem um pouco doloroso. Na realidade, quanto mais gritavam comigo, mais animado e feliz eu ficava. Por quê? Eu era esse tipo de pessoa? Mês passado, ser mandado e forçado tinha sido mais do que eu podia aguentar, mas… o que mudou em mim nestas últimas duas semanas?

— Essas pessoas dizem que estão procurando por uma garota sol!

— Eles estão o quê?! Isso é engraçado demais!

As três alunas do ensino médio gritavam e riam. Eram tão barulhentas que eu olhei para trás por reflexo.

Nós viemos a um restaurante familiar do outro lado de uma grande loja de departamento, e o local estava lotado de pessoas, mesmo que fosse meio-dia em um dia de semana. Natsumi tinha marcado com essas garotas online, e elas estavam sentadas na cabine com os pés erguidos, abraçando os joelhos, mesmo que estivessem usando as curtas saias do uniforme escolar. Era a primeira vez que estive tão perto de garotas da minha idade há um tempo, e a personalidade forte delas era um tanto opressora. A compensação para as três para nos contar sobre os rumores era acesso ao bar de bebidas e uma sobremesa, da escolha delas, por pessoa.

— A minha irmãzinha diz que a colega do amigo do namorado da amiga dela é, tipo, uma legítima garota sol! Huh? Idade? Sei lá, a mesma que a da minha irmã? Ensino fundamental? De qualquer forma, ela é incrível. Tipo, não estamos falando sobre o tempo ficando limpo às vezes quando ela está por perto ou coisa do tipo. Ela está em um nível completamente diferente! É só rezar, tipo quando você faz no seu altar em casa, e dizer que quer sol nesse ou naquele dia. Tipo, se você tiver um encontro chegando ou qualquer outra coisa, e quer que o tempo fique bom não importa o quê—

Eu fazia anotações como se a minha vida dependesse disso. Ainda me lembrava do que o Senhor Suga me disse: Não dependa apenas das gravações. Siga o fluxo e faça anotações.

— Okay, indo em frente: temos um encontro marcado na Waseda daqui a trinta minutos! — chamou Natsumi, e eu corri atrás dela como um membro júnior do clube dela.

— Como eu lhe disse no meu e-mail… — Do lado de fora de um laboratório, um homem de aparência séria, com óculos pequenos, falava conosco como se esse fosse o maior desperdício de tempo. — Eu concordei com isso porque a apresentação veio do Senhor Sekiguchi, mas nós somos um laboratório extremamente respeitável; até trabalhamos com a Agência Meteorológica. Ah, não estou dizendo que a sua revista não é respeitável, mas—

Vinte minutos depois, o homem, que antes estava relutante, inclinava-se para frente, falando com tamanha intensidade que saliva voava dos seus lábios.

— Então, a sonda de vídeo do balão de observação que eu estou monitorando pegou algumas leituras muito bizarras! Você jamais veria aquilo a partir do chão, mas no fundo de uma nuvem de chuva, havia grupos de pequenos objetos movendo-se como criaturas vivas! Quero dizer, não sei se estão mesmo vivas, é claro; pode ser apenas estática. No entanto, bem, eu geralmente tento não dizer isso assim, tão aberto, mas não ficaria surpreso em encontrar ecossistemas que ainda não conhecemos no céu. O céu é muito mais profundo do que o oceano, afinal. Na realidade, histórias semelhantes surgem de vez em quando sempre que participo de festas com bebida junto de pesquisadores mais velhos. Por exemplo—.

— Eu te disse, é prolixo demais. Seja mais direto. Você está usando muitas metáforas confusas aí. — O Senhor Suga me repreendia enquanto lia a cópia impressa.

— Uh, como é?! Encontros preliminares vão nos “gastos de encontros”, se lembra?! — Natsumi não ficou feliz quando viu o livro de contas.

— Ouça, eu já te disse antes: coerência é o nome do jogo! A introdução e a conclusão não têm nada a ver uma com a outra. Se livre desse parágrafo inteiro e reescreva-o! — O Senhor Suga gritou para mim, olhando para o computador.

Não voltamos às entrevistas até a noite, e já era tarde, mas ainda estávamos escrevendo uma cópia para a “Última Edição: Lendas Urbanas de Tóquio”, um artigo especial de trinta páginas.

— Oh, mas este parágrafo não é ruim. Tente encaixá-lo no topo da página e use-o como um gancho.

— Sim, senhor!

— Hodaka, pode fazer um café para nós?

— Sim, senhora!

— Não do tipo instantâneo. Torre alguns grãos.

— Sim, senhora!

— Hodaka, estou ficando com fome.

— Sim, senhor!

— Eu também. Na verdade, esqueça o café; eu prefiro macarrão.

— Sim, senhora!

— Udon para mim. Sara udon, sopa não.

— Sim, senhor!

— Na realidade, faça aquele udon grelhado.

— Sim, senhor!

Eu coloquei um iPad com o site de receitas Cookpad aberto ao lado da pia, então, sentindo-me estranho, cortei as cebolas e fatiei as cenouras. Não havia carne de porco, por isso adicionei atum no lugar, fritei o macarrão udon com o tempero em pó e espalhei bonito flakes por cima.

Quando comecei a grelhar o udon, os outros dois estavam debruçados sobre a mesa, adormecidos. O manuscrito seria entregue amanhã, e ainda não estava pronto. Preciso acordá-los, pensei, mas continuei ali por um tempo, olhando para o rosto deles. A pele do Senhor Suga era seca, e o pouco de barba que tinha possuía alguns fios de cabelo branco aqui e ali. A pele e o cabelo de Natsumi eram ambos lisos, e, quando me aproximei, ela cheirava tão bem que o meu peito ficou apertado. Eles são realmente… bacanas, eu pensei. Parando para pensar, cortar cebolas faz você chorar, mesmo. Só agora que me caiu a ficha que essa era uma experiência nova para mim. E, tudo de uma só vez, os pontos se ligaram.

Entendi. É por isso que todos nos contam praticamente tudo durante as entrevistas. As garotas do ensino médio, o pesquisador da universidade e aquela vidente falaram daquela forma porque estavam conversando com Natsumi. Ela não rejeitava ninguém, e era tão atenciosa e curiosa quando ouvia; por isso que todos eram tão rápidos para lhe contar as coisas, mesmo que parecesse uma completa loucura.

Ah, é por isso… Eu entendi algo também: o motivo para todas as repreensões não me ferirem nem um pouco. Não fui eu que mudei, era porque as repreensões vinham desses dois. Nem o Senhor Suga nem Natsumi se importavam com o fato de eu ter fugido de casa. Eles estavam confiando em mim tão naturalmente como um membro normal da equipe. Cada repreensão deles era uma forma de me dizer você pode fazer um pouco melhor do que isso. Era como uma injeção; só a primeira picada doía, e isso estava me deixando mais forte.

Eu me sentia refrescado, como se finalmente tivesse me livrado de roupas apertadas e pesadas, então balancei o ombro do Senhor Suga, lhe dizendo que precisava acordar, pois poderia pegar um resfriado.

 

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Eu percebi que tinha entendido, mesmo que apenas vagamente, o porquê de Kei o ter aceitado. Naquela vez, eu acho que Kei e eu estávamos procurando por algum tipo de empurrão. Algo como uma fraca brisa que nos carregaria até um novo destino. Tipo uma luz de trânsito mudando de cor — uma simples oportunidade.

— Vamos, Senhorita Natsumi, você também precisa acordar. — disse ele, enquanto balançava o meu ombro, e, ouvindo a sua voz, eu, de alguma forma, soube que não demoraria muito. Quando o verão terminasse, a minha longa moratória terminaria, também.

 


 

Tradução: Taiyo

Revisão: Taiyo

 

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