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O Paladino Viajante – Vol. 03 – Cap. 03.2

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Naquela tarde, Al e eu estávamos em meu escritório, tirando do caminho a pequena quantidade de papelada que tinha para fazer, quando ouvi barulhos na entrada da mansão. Imaginando que teria uma visita, guardei a papelada por enquanto. Então, alguém bateu na porta.

— William, estou de volta — uma voz familiar. A porta se abriu, e lá estava um homem com barba por fazer, olhos penetrantes e um corpo robusto. Sua espessa capa de pele de besta estava manchada de respingos de sangue e manchas de grama que não podiam ser lavadas. Era um aventureiro que ostentava o título de “o Penetrador”.

— Reystov! Bem-vindo de volta! Como foi?

— Eliminei todas as bestas que você ordenou. Havia alguns demônios Comandantes circulando liderando tropas, então cuidei deles também.

A Floresta das Bestas era vasta. Bestas e demônios apareciam por toda parte para causar problemas. Era fisicamente impossível para mim lidar com tudo sozinho. Sempre me esforcei para conseguir pessoas que tivessem uma personalidade confiável e as habilidades de combate necessárias para resolver esses problemas. Reystov, por sua vez, era um aventureiro em busca de inimigos fortes e substanciais para derrotar em busca de honra e glória. Suas habilidades com a espada, especialmente seus golpes rápidos como um raio, eram dignas de épicos, era um aventureiro leal com classe em um mar de rufiões.

Resumindo, nossos interesses basicamente se alinhavam. Eu garantia suas necessidades básicas e fornecia um fluxo constante de inimigos. Ele me emprestava suas habilidades com a espada, derrotava esses inimigos e adicionava mais feitos ao seu nome. Oficialmente, Reystov trabalhava para mim, mas, na verdade, era eu quem poderia aprender com ele. Ele era um verdadeiro veterano. Essa aliança, na qual não estava claro quem era realmente superior, estava indo muito bem até agora.

— Não encontrei nada particularmente incomum. Devo apenas relatar os detalhes para Anna como de costume?

— Sim, se não se importar.

— Também ouvi dizer que você tem um novo escudeiro, mas… — Ele olhou para Al. — Ele parece um Zé Ninguém — murmurou baixinho.

Há algum tempo, Reystov vinha visitando vilarejos distantes daqui, então esta era a primeira vez que via Al. Ele olhou para o anão ali parado e não disse nada por alguns instantes. Al tentou dizer algo, mas sujeito ao olhar firme do homem e à maneira direta de falar, ele encolheu um pouco e só emitiu um grunhido.

Reystov foi direto até ele.

— Você está curvado demais. — Ele deu um tapinha leve nas costas de Al, segurou seus ombros e os puxou em sua direção. — Seus ombros estão muito para a frente. Isso faz você parecer desanimado e destrói completamente qualquer presença dominante que possa ter. Ouça com atenção: se você é um homem, incline o queixo para dentro, endireite as costas e mantenha o maxilar firme. Não deixe seus olhos vagarem. Mantenha-os focados nos olhos ou na boca de quem estiver enfrentando.

— C-certo!

— Ótimo. Você parece um pouco mais respeitável agora. — Reystov sempre fazia contato visual ao falar. — Eu sou Reystov. Você é?

— A-Al… 

— Al. Entendo. O que você acha de William?

— Eu, eu o respeito!

Reystov assentiu.

— Então, como escudeiro, não se comporte de uma maneira que diminua o status de seu mestre.

O fôlego de Al ficou preso na garganta.

— Sempre ande de forma alta e digna, com as costas retas e os olhos fixos para a frente. Ao abrir a boca, fale as palavras certas com confiança. Se não puder, escolha permanecer em silêncio. Isso é o que fará de você alguém. Entendeu?

— Sim!

Enquanto Reystov continuava falando com Al, pude ver as costas de Al se endireitando e seus olhos se tornando mais focados. Tive a sensação de que sabia como Al se sentia naquele momento. Quando Reystov olhava para você com aquele olhar penetrante enquanto dava conselhos, você sentia que o que ele estava dizendo era realmente possível. Isso lhe dava confiança. Poderia ter sido mais um de seus talentos, ter esse efeito nas pessoas.

— William.

— Sim?

— Você não se importa?

— Fique à vontade. 

Às vezes, Reystov podia ser um pouco breve demais, mas já nos conhecíamos há alguns anos e, por isso, eu tinha aprendido a entendê-lo na maioria das vezes. Com “Você não se importa?”, ele queria dizer “Você se importa que eu me intrometa e corrija seu comportamento e assim por diante?”

— Na verdade, eu estava planejando pedir sua ajuda.

— Entendi. — Reystov assentiu lentamente, depois olhou mais uma vez para Al. — Você disse que seu nome era Al?

— Sim.

— Vou falar o que penso por um tempo.

— Sim, senhor!

Parecia que o sincero Al e o experiente e direto Reystov se dariam bem juntos.

— Ah, Reystov? — Eu disse, tendo a ideia repentina de lhe fazer uma pergunta.

— O quê?

— O que você acha que é bravura?

Ele franziu o cenho, olhou para mim e disse: 

— Não sei o que se passa em sua cabeça, mas você nunca descobrirá até parar de pensar dessa forma.

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Algum tempo se passou. Enquanto continuávamos coletando informações, mantive um olhar atento nas Montanhas Ferrugem, mas no final, foi uma paz completa do verão ao outono.

Tivemos uma colheita de trigo e um animado festival da colheita. Festas foram realizadas com cerveja recém-fermentada e vinho de frutas. Reunidos ao redor de uma fogueira com bebida em nossas mãos, não havia distinção entre anões e humanos. Todos bebiam com um sorriso e faziam barulho juntos. Pela harmonia da cidade, tomei a iniciativa e fui a várias festas diferentes. Reystov se juntou a Grendir, Ghelreis e todos os outros, e uma vez que todos começaram a falar de suas histórias heroicas, eles se deram bem. Menel estava com os braços em volta dos ombros de Al e dos meus. Era raro vê-lo de tão bom humor.

Quando o outono chegava e as nozes nutritivas, como as bolotas, começavam a cair das árvores, essa era a época do ano em que o gado era solto na floresta. Fazendo isso, os animais engordariam o suficiente para sobreviver ao inverno, embora uma parte do rebanho fosse então abatida e sua carne defumada ou salgada para preservá-la para a estação fria que viria. As pessoas também entravam na floresta com mais frequência nesta época do ano, em busca de bênçãos como frutas ou cogumelos e lenha para ajudá-los durante o inverno. Como o Senhor de Azevinho havia prometido, a floresta estava abundante este ano e todos estavam satisfeitos.

Essa também era uma época do ano movimentada para os aventureiros.

Até agora, as pessoas que viviam nesta área estavam muito restritas porque elas e seu gado seriam alvos de bestas se entrassem na floresta. Eles foram forçados a viver nas pequenas áreas seguras ao redor dos vilarejos que protegiam, pois adentrar a floresta seria um ato de suicídio.

No entanto, dois anos depois que cheguei, essa situação melhorou drasticamente quando os aventureiros e eu realizamos caçadas em larga escala. Depois disso, uma área bastante grande tornou-se propriedade das pessoas mais uma vez. O território das bestas encolheu e mais terra poderia ser usada para forragear ou criar gado. Entretanto, mesmo assim, ainda era a Floresta das Bestas. Havia muitas bestas que tentavam entrar nas regiões onde as pessoas viviam. Afugentá-las era um dos principais trabalhos dos aventureiros por aqui, além de explorar as ruínas escondidas nas profundezas da floresta.

As aldeias contratavam aventureiros para serem caçadores de bestas para elas especificamente, em troca de acomodação, comida, um pouco de dinheiro e das peles das bestas que abatiam. Por meio desse acordo, os vilarejos eram mantidos em segurança e os aventureiros recebiam recompensas e, às vezes, até mesmo honrarias quando abatiam um grande inimigo. É claro que, às vezes, eles também morriam. Também vi um aventureiro ocasional desenvolver acidentalmente um relacionamento profundo com a filha ou viúva de um vilarejo e acabar se estabelecendo lá.

Em qualquer caso, as peles e ossos das bestas obtidos de suas caçadas eram vendidos para o Porto da Tocha junto com qualquer trigo, vegetais, lenha ou carvão coletados. Com o dinheiro que ganhavam, os aventureiros reabasteciam e consertavam seus equipamentos, e os aldeões compravam ferramentas agrícolas, itens essenciais para o dia a dia e gado. Com isso, os vilarejos enriqueciam e aumentavam sua produção, e o Porto da Tocha, por sua vez, obtinha os alimentos e o combustível necessários para sustentar seus cidadãos.

Os artesãos trabalhavam diligentemente com a comida fornecida pelas aldeias agrícolas. Ferreiros, oleiros, marceneiros, tecelões e outros fabricavam produtos tanto para áreas rurais quanto urbanas. Em intervalos regulares e não tão regulares, navios vinham de Veleiro Branco carregados com mercadorias que não podíamos fabricar na área de Porto da Tocha. Trabalhadores descarregavam as mercadorias dos navios e, em seu lugar, carregavam os navios com produtos de cerâmica e madeira produzidos aqui.

Esse comércio fluvial entre Veleiro Branco e Porto da Tocha era lucrativo para os comerciantes. Em alguns casos, também ganhavam dinheiro conseguindo um armazém ou algo semelhante e abrindo lojas voltadas para a variedade de pessoas que viviam nesta cidade.

Quanto a mim, o lorde da Floresta das Bestas, eu coletava fundos e trabalho de vários pontos deste sistema e os usava para governar e administrar a área, embora dependesse dos sacerdotes que havia solicitado ao bispo para a maior parte do trabalho. Por exemplo, instituir impostos sobre a terra, serviço comunitário por um número fixo de dias, taxas para usar os portos, armazéns e mercados, e assim por diante.

E assim, Porto da Tocha tinha uma economia, uma indústria e um governo funcionais. Atualmente, as várias indústrias da cidade estavam crescendo a cada ano e, embora o mercado de trabalho flutuasse um pouco, manteve-se estável em favorecer os vendedores por uma quantidade razoavelmente segura. Foi graças a isso que não estávamos em um estado de necessidade de tomar medidas urgentes, embora os imigrantes do Prado, ao norte, estivessem aumentando. Embora oscilasse de vez em quando, tínhamos um ciclo de feedback positivo bem equilibrado.

Isso era motivo de satisfação, mas era importante lembrar que estávamos fazendo um perigoso número de malabarismos. Isso significava que, se o equilíbrio se rompesse, o ciclo de feedback positivo que estávamos desfrutando no momento também entraria em colapso muito rapidamente.

O que aconteceria, por exemplo, se as áreas rurais em toda a Floresta das Bestas, que eram a base deste sistema, fossem seriamente danificadas por bestas? Isso resultaria em um efeito dominó. Haveria uma crise alimentar em Porto da Tocha, que dependia dos vilarejos para fornecer alimentos e combustível, além disso, era muito possível que a escassez de combustível significasse que as oficinas teriam que suspender as operações. Se algo assim acontecesse, os mercadores também teriam que suspender seus negócios e haveria menos navios indo e voltando. Então as receitas fiscais cairiam, nossa capacidade de lidar com os problemas seria reduzida e as bestas se tornariam ainda mais devastadoras. Seria difícil se recuperar dessa cadeia de eventos assim que começasse.

Olhando objetivamente, tínhamos muito pouca redundância ou margem para erro caso algo acontecesse. Qualquer problema precisava ser resolvido antes que se tornasse sério.

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— Haaaah!

Senti meu corpo se erguer no ar. O céu e a terra trocaram de lugar. Bati no chão com o braço e consegui amortecer minha queda. Instantaneamente, um pé pisou bem ao lado da minha cabeça com força tremenda.

Eu estava me segurando um pouco, mas mesmo assim, uma derrota era uma derrota.

— Fantástico! Isso foi ótimo! — Eu disse com uma voz alegre, olhando para cima.

— O-obrigado! — Al respondeu.

Al havia sido ensinado por todos os tipos de pessoas nos últimos meses. Agora se mantinha ereto e com a cabeça erguida. Estava realmente começando a dar a impressão de alguém forte e corajoso. Ele ainda não havia lutado em batalhas reais, mas suas habilidades estavam melhorando muito, estava se portando de maneira mais apropriada também.

Ele realmente parecia ter um dom natural para isso. Falando puramente sobre as lutas que tivemos para praticar seus combates armados e desarmados, as probabilidades ainda estavam contra ele em uma luta contra Menel, Reystov ou eu mesmo, mas mesmo assim, ele já estava parecendo bastante respeitável. Seu combate desarmado, em particular, era incrível.

Algo que percebi durante nossas muitas sessões de treinamento era que os anões eram bastante adequados para técnicas de agarrar. Eles eram robustos e tinham músculos fortes, mas eram baixos em altura. Al era alto para um anão, mesmo assim não era tão alto a ponto de ultrapassar a altura de um humano ou elfo. E o fato de os anões serem baixos significava que tinham um centro de gravidade baixo.

Os lutadores amadores frequentemente imaginam lutar como aplicar força de cima para baixo e pressionar o oponente com força como se estivessem tentando esmagá-lo, e muitas vezes é isso que realmente fazem, mas a maneira correta de fazer isso é baixar seu centro de gravidade e levantar seu oponente no ar de baixo para cima. Se isso for difícil de entender, tente imaginar uma bola grande e uma bola menor com cerca da metade do tamanho empurrando uma contra a outra de lado. A bola pequena irá deslizar por baixo e empurrar a bola grande para cima. Uma vez que os pés do oponente estão fora do chão, eles não podem mais aplicar força. Torne-se a bola pequena, fique firme embaixo e use o poder do chão para empurrar o oponente para cima – esse é um dos princípios corretos para vencer um agarrão.

Nesse sentido, os anões foram abençoados por terem corpos baixos e pesados. O único problema era seu curto alcance. Eu me perguntei se isso significava que armas de cabo longo seriam as mais adequadas para eles em combate armado.

— Meu senhor, meu senhor. — Alguém me chamou.

Eu me virei para ver uma mulher de negócios com cabelos loiros trançados e aspecto sério.

— Anna.

Anna era uma das sacerdotisas que o Bispo Bagley havia enviado para mim. Ela sempre me ajudava com a administração da cidade, serviços religiosos e coisas assim. Recentemente, eu havia ouvido de Abelha que havia algo entre ela e Reystov, mas não conseguia entender esse tipo de coisa, então não tinha ideia se era verdade ou não.

— Algum problema? — perguntei.

— Uma situação que requer um pouco de urgência me foi apresentada.

— O que aconteceu?

— Disseram-me que houve um avistamento de mortos-vivos na floresta.

— Mortos-vivos…

Por um tempo, os principais problemas por aqui giravam em torno de bestas e demônios. Já fazia um bom tempo desde que tive que lidar com algo relacionado a mortos-vivos.

Eu havia providenciado que os assuntos relacionados a mortos-vivos perto da Floresta das Bestas fossem trazidos a mim antes de tudo através do templo. Eu poderia repassar para os aventureiros, mas eles não necessariamente teriam algum método para devolver os mortos pacificamente ao ciclo eterno do samsara. É verdade que alguns guerreiros com maças poderiam pulverizar um zumbi ou um esqueleto a ponto de ficar irreconhecível e o problema seria resolvido para as pessoas sob ameaça, mas senti que isso era um pouco cruel demais. Por causa da minha história de ter sido criado por Maria, Sanguinário e Gus, não podia deixar de sentir pena pelos mortos-vivos, então estava tentando garantir que, sempre que possível, assuntos como este fossem tratados pessoalmente por mim, ou, na minha ausência, por um dos sacerdotes.

— Ah! — De repente tive uma ideia. Isso poderia ser perfeito para a primeira batalha de Al. Devido à minha devoção ao deus da chama, eu tinha uma grande vantagem contra os mortos-vivos. Se Al entrasse em perigo, seria muito mais fácil apoiá-lo do que se estivéssemos enfrentando uma besta.

— Al, sobre isso, eu vou lidar pessoalmente. Você virá comigo?

O rosto de Al se iluminou. 

— S-Sim, senhor! Por favor, permita-me acompanhá-lo!

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Vestígios do verão ainda permaneciam na floresta, que cheirava fortemente a vegetação e solo e estava repleta de vegetação rasteira espessa e arbustos e videiras exuberantes. Passar por aqui quando a visibilidade estava tão ruim era perigoso, mesmo que a situação tivesse melhorado um pouco em comparação com o auge do verão.

Eu me virei para encarar Al, que estava andando atrás de mim.

— Ouvi dizer que os anões enxergam bem no escuro, mas certifique-se de não confiar demais em seu sentido de visão.

— C-certo.

Al estava usando armadura de couro batido e um capacete, e segurava um machado de batalha brilhante em suas mãos. Ele parecia muito elegante agora que estava ereto e devidamente equipado, ainda mais porque tinha uma constituição física sólida para começar.

— Então, vamos repassar. — Eu disse. — Para onde estamos indo?

— Monte dos Pilares, a oeste.

As recentes caçadas às bestas haviam expandido a área disponível para as pessoas. Novas ruínas estavam sendo descobertas frequentemente por aventureiros caçadores de bestas e outros que se aventuravam profundamente na floresta para coletar vegetais selvagens e caçar. O lugar para onde estávamos indo agora para nos livrarmos dos mortos-vivos era exatamente um desses lugares. Seu descobridor o chamou de Monte dos Pilares, e aparentemente era uma pequena colina com fileiras de postes de madeira velhos e podres.

— O relato de sua descoberta foi feito muito recentemente, mas ainda não foi feita uma busca. Há vários motivos para isso. A profundidade da floresta em que se encontra… — O vento soprou. Uma névoa cinza-esbranquiçada começou a se formar ao nosso redor. — O fato de que esta área fica muito nebulosa. Não está claro se isso tem algo a ver com a geografia, uma barreira mágica antiga, ou se é algo que está brincando, talvez um fada ou algo assim que se estabeleceu aqui. — A névoa estava ficando mais densa a cada passo que dávamos. — E por último, o fato de que havia uma aura profana sobre a área. O caçador que fez a descoberta disse que viu “mortos-vivos”, mas…

A experiência parecia tê-lo abalado bastante e só foi capaz de dar informações vagas sobre o avistamento – algo como uma presença arrepiante e a sensação de que algo se movia na névoa. Talvez estivesse simplesmente vendo coisas. Ou poderia ter sido uma besta ou um golem de algum tipo que tivesse saído de uma ruína.

— Não sabemos o que pode aparecer — falei. — Pode não ser nada. Uma atmosfera como esta pode te fazer ver coisas que não estão lá, mas vamos ter cuidado.

— Sim, senhor!

Caminhamos pela névoa em silêncio por um tempo, procurando por algo fora do lugar. De repente, nosso campo de visão se abriu. Atrás de mim, Al reprimiu um grito de surpresa.

— Ah, uau. — A visão me tirou o fôlego. Inúmeras fileiras de pilares de madeira estavam alinhadas em uma colina envolta em névoa espessa. Pareciam ter sido uma vez cobertos de tinta vermelha, embora estivesse meio descascada agora.

— A-Assustador.

— Sim. Porém magnífico. — Olhei através da névoa cinza-esbranquiçada para a floresta de pilares vermelhos podres com tinta descascada. As fileiras se tornavam mais indistintas quanto mais eu olhava para trás e pareciam balançar na névoa ao longe. Pareciam as figuras horrivelmente retorcidas e esguias de gigantes vermelho-sangue, parados silenciosamente neste lugar como os últimos vestígios da atividade que certamente existia aqui.

Sinalizei com um gesto de mão e avançamos cuidadosamente, pisando no solo úmido. Menel e Reystov não estavam aqui desta vez. Não era um problema grande o suficiente para todos nós irmos e tínhamos a profecia do Lorde de Azevinho para pensar, então os deixei de prontidão em Porto da Tocha, mas me arrependi um pouco dessa decisão. Na verdade, Menel era a pessoa mais adequada para esse tipo de busca. Como meio-elfo, ele tinha sentidos aguçados e também podia chamar as fadas em seu auxílio, por isso era mais adequado do que eu para esse tipo de trabalho de reconhecimento. Dito isso, não podíamos evitar o que não tínhamos. Eu teria de lidar com isso.

Lançando meus olhos para a esquerda e para a direita, aproximei-me lentamente da colina. A primeira coisa que fiz foi verificar os pilares. Como pensava, eram feitos de madeira. Tinham sido serrados com precisão em formato octogonal ou hexagonal e haviam sido enterrados profundamente no solo. Fiquei imaginando se o vermelho fazia parte dos costumes ou da cultura de uma tribo agora perdida. Talvez carregasse algum tipo de mensagem religiosa ou oração.

Uma rajada de vento quente passou por mim, pegando-me de surpresa. Al soltou um grito curto e ficou pálido.

Olhei para a direção que ele estava apontando.

Atrás de um pilar, algo estava lá, nos observando.

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Enquanto eu reflexivamente segurava Lua Pálida pronto para o combate, olhei para onde Al estava apontando. Ele estava olhando para algo com o rosto rachado, pele morena que começou a apodrecer, órbitas oculares vazias, dentes desalinhados…

Era… parecia exatamente com…

— Isso não é um zumbi — disse, sorrindo.

— Huh?

— Vamos, olhe mais de perto. — Peguei Al e me aproximei. Era uma figura esculpida em madeira no formato de uma pessoa. Horripilantemente, buracos pretos haviam sido cortados na figura para os olhos, e ela exibia fileiras de dentes feitos com penas de pássaros. A madeira usada provavelmente era a mesma dos pilares.

— Talvez ele seja um coveiro?

— C-Coveiro?

— Sim.

O fato de terem colocado uma figura assustadora como essa aqui provavelmente significava que…

— Este é provavelmente um túmulo. Um cemitério.

Olhei em volta para as linhas de pilares. Cada um deles certamente era a lápide de alguém que já viveu aqui. Assim que comecei a pensar dessa forma, tive a sensação de que explicava bem esse lugar estranho.

— O motivo da figura com o rosto assustador provavelmente é intimidar ladrões de túmulos.

Alguns podem pensar: “É apenas uma figura, qual é o problema?”, mas, assim como as bonecas japonesas do meu mundo anterior, as figuras humanoides que parecem ter a intenção de alguém dentro delas são bem assustadoras. Provavelmente pareceria ainda mais assustador para as pessoas que vieram aqui com a consciência pesada com a intenção de saquear os túmulos. Talvez não conseguisse afastar todas as pessoas sem escrúpulos, mas se ao menos aqueles que ainda tinham algumas dúvidas pudessem ser mantidos afastados com isso, já seria útil. Era meio como câmeras de segurança falsas no meu mundo anterior.

— Na verdade, a névoa também pode ser uma barreira mágica, ou algum tipo de acordo com uma fada local. — As pessoas do passado provavelmente arranjaram isso para que aqueles que amavam e que haviam falecido antes deles pudessem descansar em paz. — Acho que este lugar provavelmente foi feito ao longo de muitas gerações e com muito esforço e sentimento.

Coloquei suavemente minha lança no chão e me ajoelhei. Então, juntei minhas mãos e orei.

Não viemos aqui para perturbar seu lugar de descanso. Por favor, descanse em paz.

Depois de orar por um tempo, abri os olhos e vi que Al também estava fazendo o mesmo.

— Hum… mas então…

— Hm?

— Mas então onde estão os mortos-vivos?

— Agora que sabemos que este é um túmulo, estou começando a pensar que existe uma boa chance de eles terem apenas visto coisas.

— Hã? Eu pensei que mortos-vivos seriam mais propensos a aparecer se for um túmulo…

As palavras de Al me confundiram. Inclinei a cabeça. 

— Por quê? Todos foram respeitosamente colocados para descansar.

Túmulos geralmente continham corpos que haviam recebido um memorial seguindo um procedimento adequado. Na verdade, era raro para túmulos produzirem mortos-vivos, apesar da imagem que podem evocar.

— É quando alguém é morto e seu corpo é escondido ou quando um cadáver é deixado ao ar livre que se torna mais provável que eles recebam a proteção do deus da morte. — Fiz uma pausa e acrescentei com uma voz suave:

 — Ele é um deus bondoso de certa forma.

— O deus da morte é… bondoso?

— Sim. Muito bondoso. — Dei de ombros.

Embora eu já tivesse lutado contra ele como inimigo, tinha que admitir: o deus da morte, Stagnate, era bondoso. Só que eu e, provavelmente, a maioria das outras pessoas não conseguíamos aceitar o que esse deus considerava bondade, e era por isso que o chamávamos de deus maligno. Contudo, do meu ponto de vista, esse rótulo não mudava em nada o fato de que ele era bondoso.

— As pessoas sofrem mortes miseráveis e sem esperança que são horríveis demais para assistir. Stagnate, o deus da morte, não suporta isso. Então, assim como as estações e a natureza mudam com a bênção do deus das fadas, o deus da morte concede a todos os seres que encontraram a morte o direito de reverter suas tragédias se tornando mortos-vivos e se levantando novamente.

— Hm…

— Sim, eu sei o que você vai dizer. Isso não faria a maioria das pessoas felizes. Na verdade, uma bênção como essa não seria nada além de um incômodo. — Dei de ombros. — Para os vivos, seria um pouco insuportável, para dizer o mínimo, se seus pais mortos se levantassem apodrecidos do túmulo para um último abraço. E quanto aos mortos, os arrependimentos do momento antes da morte geralmente são gravados em suas mentes. Não há racionalidade real restante; eles apenas perdem o controle. Apenas um pequeno subconjunto de pessoas pode se tornar mortos-vivos racionais. Apenas aqueles com vontades e almas fortes.

Mas… mesmo assim…

— Mas, mesmo assim, é um fato que o que o deus da morte está dando é uma bênção, não uma maldição. Do fundo de seu coração, ele está tentando dizer que não precisam encerrar suas vidas com frustração e encorajá-los a reverter a morte com o brilho de suas almas.

— Hum… — Al parecia estar querendo muito dizer algo. — Mestre Will, err, você sabe muito sobre Stagnate. Será que você…

Oops.

— Você já se encontrou com um Eco de… não, no que estou pensando. Isso não poderia acontecer, nem mesmo com você. Você já encontrou um dos Arautos de Stagnate ou algo assim?

— …

— Por que você está desviando o olhar de mim?!

— N-Nenhuma razão, eu só, uh, eu só… Hahaha…

— Não ria!

— Hahaha…

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Com um momento estranho como esse para interromper as coisas, andamos um pouco pela colina, mas, como eu esperava, não vimos nada suspeito.

— Sim, parece provável que eles estivessem apenas vendo coisas.

— E-Então foi só um alarme falso…

Eu ri com simpatia. 

— Bem, às vezes acontece.

Al havia se preparado para sua primeira batalha e foi apenas um alarme falso. Seus ombros afundaram e sua expressão mostrava uma mistura de decepção e frustração.

— Ah, m-mas o caçador disse que sentiu uma aura profana, não é?

— Uma “aura” é um conceito bastante vago, afinal. Com uma atmosfera como esta, se você acha que viu algo morto-vivo aqui, poderia sentir como se estivesse percebendo uma aura, não acha?

— Acho que sim…

Dito isso, ele tinha um ponto. Aquela “aura” ainda estava me incomodando. Se o caçador realmente estava vendo coisas, tínhamos que voltar e dizer que não era nada, mas seria terrível se relatássemos que não era nada e depois houvesse baixas mais tarde. Com esses pensamentos em mente, rodei a colina mais uma vez.

— Hm? — Através da névoa, atrás de arbustos e vegetação rasteira no sopé da colina, tive a sensação de que tive um vislumbre de algo. — Al, por aqui. — Atravessando a vegetação rasteira, me movi em direção a ela.

Escondida entre os arbustos e a vegetação rasteira, na base da colina, havia uma porta velha e dilapidada.

— Isso é uma entrada para o monte?

Provavelmente não era muito grande, a julgar pelo tamanho da colina. Olhei para a porta com desconfiança. Havia uma chance de que alguma magia ou armadilha tivesse sido montada como uma medida contra o roubo de túmulos, mas eu tinha que verificar. Mentalmente disse algumas palavras de desculpas às pessoas enterradas aqui.

— Vamos verificar isso também.

— Certo.

Escutei atentamente e, com cautela, coloquei a mão na porta. Tinha uma construção extremamente simples, sem nem mesmo uma fechadura, e mesmo que muitos anos tivessem se passado, ela ainda conseguia abrir.

Lúmen. — Convergi mana para o Sinal gravado em minha lança favorita, Lua Pálida, garantindo uma fonte mágica de iluminação. — Okay. Ótimo. E… Flammo Ignis. — Também usei uma Palavra para criar fogo e acender a tocha que trouxe comigo. — Al, segure isso.

— Sim, senhor. Mas por que dois tipos diferentes de luz?

— Se você fosse um morto-vivo inteligente que conseguisse ver no escuro e quisesse usar a escuridão para emboscar alguém que não conseguisse, como faria?

Houve um longo silêncio.

— Fico feliz que tenha entendido.

A luz mágica não poderia ser apagada com água e, inversamente, a Palavra de Negação que poderia apagar uma luz mágica não apagaria um fogo que existisse fisicamente. Se usássemos dois tipos de luzes, não era muito provável que perdêssemos as duas ao mesmo tempo. Era um dos fundamentos da exploração.

Depois de preparar nossa luz e fazer algumas verificações adicionais no equipamento, avançamos cautelosamente pelo corredor de solo úmido, alertas para qualquer sinal de desabamento. Logo chegamos à câmara funerária na parte mais interna do monte. Naquele instante, todo o meu corpo foi atingido por uma aura profana anormalmente densa.

Al soltou um grito assustado. Congelei completamente e meu cabelo arrepiou.

Não. Não, algo estava errado.

Isso não era um morto-vivo normal e natural…

— Bem-vindo à minha morada temporária.

Uma voz ecoou das profundezas da escuridão. Um arrepio gelado percorreu minha espinha. Aquela aura espessa, tão forte que fazia você querer cair de joelhos – eu já havia sentido isso antes. Al tremia violentamente, ambas as mãos ainda firmemente segurando o cabo de seu machado de batalha.

— Já se passaram dois anos, guerreiro da chama?

Na escuridão na parte de trás da câmara funerária, olhos escarlates brilharam. Ele estava sorrindo. Eu podia ver em seus olhos estreitos.

 


 

Tradução: Erudhir

Revisão: NERO_SL

 

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Vol. 03 – Cap. 03.2