POV CAERA DENOIR
Dei um tapinha nas costas do jovem antes de me afastar. O sorriso dele era grato, mas cansado, e com um leve toque de angústia. Ainda assim, ele sorriu. Era alguma coisa. Quando ele se aproximou do tempus warp, instalado no vasto saguão da biblioteca central de Cargidan, a maga de cabelos castanhos claros, responsável por conduzir essa última transmissão, murmurou palavras suaves e encorajadoras.
O jovem tinha pouco a que voltar. Era por isso que se sentiu confortável esperando tanto tempo para ser o último dos refugiados a retornar ao seu povo. Ninguém estaria esperando por ele. A guerra havia levado todos.
Nossa atendente voluntária, uma integrante do sangue nomeado Kaenig, estremeceu ao ativar o dispositivo tempus warp. Sua mana tremulava, inconsistente. Ainda assim, o mecanismo foi ativado, e o jovem foi puxado por um ondular de espaço e mana. Com isso feito, a maga se sentou na beirada da plataforma e enxugou a testa.
— Obrigada — falei, forçando-me a ficar ereta, apesar das dores nas costas e do desconforto persistente atrás dos olhos. — Diga ao seu lorde que a ajuda dele não será esquecida.
A maga Kaenig deu uma pequena risada sarcástica.
— Seja lá o que isso valha. Ainda assim, suponho que essas pessoas mereçam morrer no conforto de suas próprias casas.
Engoli minha resposta amarga, repetindo apenas meus agradecimentos antes de me virar e caminhar com propósito em direção à saída da biblioteca. A verdade era que o propósito era uma fachada, não para os outros magos que permaneciam na biblioteca, mas para mim mesma. Eu não sabia ao certo o que fazer agora. Passara tempo demais no pequeno escritório que ocupei no andar de cima e relutava em incomodar Seris; ela estava ciente que os últimos refugiados estavam programados para ir para casa hoje.
No entanto, a própria cidade de Cargidan oferecia pouco para mim. Embora minha casa, de certo modo, não ficasse tão longe, escolhi permanecer na biblioteca até agora. Era nossa base de operações, onde Seris e Cylrit também decidiram ficar, e eu era necessária quase todas as horas do dia.
Lá fora, parei e virei o rosto para o sol do fim da tarde. Meus dedos foram ao esterno, pressionando contra a pele. Sob a carne, os músculos e os ossos, meu núcleo doía.
A primeira onda de mana havia sido ruim. Veio como um tsunami vindo de um mar distante, avançando sobre nós e, quando recuou, levou nossa mana com ela. Todos os magos foram afetados, mas os mais fortes sofreram mais.
A segunda onda foi muito pior.
Comecei a andar novamente, meu propósito incerto pela primeira vez em semanas. Após o primeiro pulso, Corbett e Lenora haviam se retirado para as Relictombs com a maioria dos outros alto-sangues. Agora, os dois primeiros níveis das Relictombs estavam em risco de superlotação. Com tantos ascendentes de alto escalão envolvidos na rebelião de Seris, a organização deles rapidamente desmoronou, e os alto-sangues em cada cidade estavam limitando o acesso às Relictombs onde podiam. Era outro desastre em formação.
Enquanto ponderava sobre as últimas semanas e tentava direcionar meus pensamentos para as próximas, meus pés começaram a me levar para a propriedade Denoir. Apenas os guardas e servos que ainda não haviam fugido da cidade estavam lá, mas eu fazia questão de visitar a cada poucos dias. Também seria agradável dormir em um lugar mais confortável do que a maca no meu escritório.
O segundo pulso de mana atingiu como uma lança no núcleo de cada mago em Cargidan, já enfraquecidos pela batalha, aprisionamento, choque pela derrota de Agrona e o primeiro pulso de mana. Tempo e previsão nos permitiram preparar diversos elixires para aqueles em maior risco de sofrer as consequências, em especial os mais fortes e os mais fracos entre nós, o que deu a Seris e Cylrit uma forma de conter os piores efeitos. Isso os manteve vivos, pelo menos, mas, mesmo racionando os elixires apenas para aqueles em perigo de lesões permanentes ou morte, a cidade já estava ficando sem suprimentos.
Pedi várias vezes para Seris buscar abrigo nas Relictombs, mas ela resistiu até agora: “Assim que estiver bem o suficiente para viajar, voltarei para minha propriedade em Sehz-Clar. O que restou dela, pelo menos”. Ela disse com um sorriso distante. “Além disso, preciso estar aqui quando Alaric retornar. Ainda estamos trabalhando nos detalhes de como transmitir as provas que ele encontrar. As redes de transmissão de Agrona estão em ruínas.”
No silêncio, eu sabia que a propriedade de Seris não seria longe o suficiente. Relatos iniciais após o segundo pulso indicavam que ele tinha alcançado quase todo o continente. Apenas os pontos mais ao sul de Sehz-Clar estavam seguros.
O que significava que um terceiro pulso certamente atingiria cada mago em Alacrya. Minha pele formigou com o pensamento.
Mesmo assim, a maioria daqueles que não podiam acessar as Relictombs estava fugindo para o sul. Os rios estavam abarrotados de embarcações, as estradas, de carroças, e era quase impossível acessar um tempus warp com tantos magos doentes e exaustos.
Seris sabia disso tão bem quanto eu, então essa conversa de retornar para sua propriedade era apenas uma distração. Eu havia experimentado em muitas ocasiões o quão orgulhosa ela podia ser. O restante da liderança de Alacrya estava morto ou escondido. Ela mesma poderia ter ido para as Relictombs ou até para Dicathen, mas permanecia em Cargidan, o marco zero para o que quer que fossem esses ataques.
Às vezes, quando não percebia que estava sendo observada, uma expressão estranha e focada tomava seus traços, como a de um minerador escavando rocha ou um estudioso absorto em um texto difícil. Ela estava pensando, teorizando, planejando. Para ela, planejar da segurança das Relictombs enquanto os menos afortunados continuavam a sofrer aqui era fraqueza, não sabedoria.
Chutei uma pedra no caminho. Ela quicou em um beco, assustando uma pequena besta de mana carniceira, que gritou irritada e fugiu.
As ruas estavam quase desertas. Cruzei ocasionalmente com um guarda ou um servo não mago, levando mensagens ou cumprindo tarefas para seus mestres acamados, mas era um contraste gritante com a habitual agitação de Cargidan.
Isso será um problema em breve também, reconheci ao passar por uma mercearia vazia e com as portas fechadas. O comércio estava acabado, a indústria paralisada. As fazendas distantes que alimentavam milhões de Alacryanos nas cidades não conseguiam nos alcançar ou estavam acumulando seus recursos para suas pequenas comunidades. As Relictombs eram como ilhas, com uma indústria no primeiro nível o suficiente para sustentar sua população normal. Contudo, com tantos fugindo dos pulsos para lá, seus recursos logo se esgotariam também, forçando-os a retornar a Alacrya ou a enfrentar zonas mais profundas em busca de sustento.
Meus pensamentos continuaram girando, percorrendo os mesmos caminhos desgastados, até que cheguei à propriedade Denoir. Ela ainda estava de pé, inalterada — bem, talvez um pouco descuidada e desleixada, como um nobre que passou tempo demais sem cortar o cabelo. Ao me colocar diante do portão frontal desprotegido, olhando para ela, percebi a verdade: eu não queria estar ali.
Corbett e Lenora haviam partido. Lauden se foi. O sangue estava dividido, despedaçado, em guerra entre si.
— Assim como o resto de Alacrya — murmurei para a brisa.
Em vez de descansar como pretendia, continuei descendo a rua, decidindo dar uma volta pela cidade para afastar meus pensamentos tortuosos.
Minhas pernas e mente estavam exaustas quando acabei de volta na biblioteca, três horas depois.
Após o caos de organizar todos os refugiados e soldados que retornaram de Dicathen, o pequeno grupo de atendentes e operativos sob o comando de Seris fazia a biblioteca parecer ainda menos viva do que se estivesse completamente vazia. Eles mal prestaram atenção enquanto eu marchava, cansada, pela biblioteca até o escritório no segundo andar que estava ocupando.
Destranquei a porta, fiz uma rápida inspeção para garantir que nada estava fora do lugar e me joguei na cadeira de couro desgastado atrás da mesa emprestada. Lá, sentei-me por vários minutos olhando para o nada. Meus pensamentos estavam finalmente, abençoada e silenciosamente, quietos.
Porém, a calmaria não durou muito. A ansiedade, um impulso sutil, mas invasivo, de fazer alguma coisa, rastejava como vermes sob minha pele. Destranquei minha mesa e peguei um certo pergaminho. Eu o verificava várias vezes ao dia, mas fazia algum tempo desde a última vez que ele mostrara algo além de mensagens antigas.
Meu coração acelerou ao ver novas palavras rabiscadas na superfície.
A excitação se transformou em decepção quando li a mensagem escrita por Lyra Dreide, que foi transmitida de seu pergaminho bidirecional para o meu, atravessando a vasta distância entre os continentes. Ainda nenhuma resposta de Arthur em Epheotus. Parecia improvável que Arthur retornasse tão cedo. Nem sequer podíamos ter certeza de que ele havia recebido nossa mensagem, que foi enviada com o meio-asura, Chul.
Isso foi um risco desnecessário, quase tolo, que eu não teria corrido, pensei, me corrigindo em seguida. Afastei o pensamento e continuei lendo.
De acordo com a nota, uma aprovação provisória foi dada para que um pequeno número de Alacryanos retornasse a Dicathen, se desejássemos. Isso foi, Lyra deixou bem claro, graças ao trabalho de Tessia Eralith. As meca quimeras, o novo arsenal de máquinas infundidas com bestas de mana de Dicathen, estava sendo realocado para Elenoir para montar artefatos adicionais de teletransporte de longo alcance e supervisionar o processo.
Coloquei o pergaminho de lado, deixando-o enrolar parcialmente. Esta notícia era inesperada, e o momento era ruim. Provavelmente haveria muitos Alacryanos dispostos a retornar às vilas estabelecidas entre a Clareira das Bestas e Elenoir em Dicathen, mas tínhamos acabado de ajudar as pessoas a deixarem Cargidan. No momento, eu não sabia nem por onde começar a oferta de realocar pessoas mais uma vez.
— Talvez uma loteria. Parece que temos algum tempo para pensar nisso, pelo menos… — Minha voz soava vazia e cansada, até mesmo para meus próprios ouvidos.
Minha porta se abriu de repente, sem aviso prévio.
— Falando sozinha agora, garota? — Uma voz rude perguntou. — Não está ouvindo vozes na cabeça, espero.
Alaric entrou cambaleando, parecendo ter sido levado pelo vento. Seris, segurando a porta, entrou no escritório logo atrás dele. Minha mentora usava um vestido preto simples e confortável que flutuava logo acima do chão, dando a impressão de que ela mesma pairava sobre o piso polido. Nenhum sinal de cansaço ou aflição transparecia em suas maneiras ou feições.
Levantei-me.
— Alaric. Você voltou. — Meus olhos saltaram para Seris. — Foi bem-sucedido?
— De certa forma — resmungou o velho ascendente, caindo em uma cadeira do outro lado da mesa.
Seris acomodou-se em uma cadeira também, talvez o único sinal de fraqueza que demonstrou.
— Temos a chave para a gravação. — Ela deslizou o pequeno pedaço de cristal entalhado pela mesa até mim. — Ainda não assistimos. — Seu olhar dirigiu-se apontando para um artefato de projeção sobre minha mesa.
Meu coração disparou enquanto eu carregava o cristal de armazenamento e ativava a projeção. Alaric estendeu a mão e deixou sua mana fluir em uma série de pulsos que reconheci como uma chave de mana.
Enquanto esperávamos a projeção se materializar, perguntei:
— E quanto ao Instilador?
— Morto. Ataque cardíaco, pobre coitado. — O grunhido que acompanhou de Alaric não expressava exatamente um profundo senso de pesar. — Pelo menos ele conseguiu me passar a sequência da chave de mana antes de morrer.
Franzi o cenho, mas não disse nada.
A imagem de uma densa e interminável extensão de floresta foi projetada em uma área vazia da parede. O ângulo do artefato de gravação mudou ligeiramente enquanto o pequeno artefato animado ajustava sua posição. Por alguns segundos, nada aconteceu. Uma força externa causou uma distorção na gravação visualizada, e o artefato, semelhante a um pássaro, girou à esquerda.
Várias figuras surgiram, voando rapidamente sobre as copas das árvores. A distorção se intensificou, mas então a imagem se normalizou. As figuras, oito ao todo, passaram rapidamente. O artefato de gravação saltou de seu poleiro e os seguiu. Quatro das pessoas pareciam estar conscientes, duas voando à frente e duas atrás. As outras quatro estavam horizontais, imóveis no ar, seus corpos flutuando ao vento entre os outros. Achei que tinha reconhecido as quatro formas imóveis, mas o ângulo era ruim.
— Bem, isso não vale nada — resmungou Alaric.
— Silêncio — ordenou Seris. Sua voz era suave, mas o tom de comando era absoluto.
Assistimos à gravação continuar por mais alguns minutos. O artefato se inclinou, tomando um ângulo mais íngreme para se posicionar acima do pequeno grupo, que estava desacelerando ao chegar a um local onde a floresta estava completamente destruída. Reconheci os pedaços quebrados de alguns dispositivos semelhantes aos que Seris havia usado para congelar os portais das Relictombs.
Foi então que finalmente tivemos uma boa visão das oito pessoas.
Caídos entre quatro asuras estavam Arthur, Sylvie, Cecilia (que já sabíamos que havia voltado a ser Tessia Eralith) e o próprio Agrona. O Alto Soberano estava inconsciente, sua cabeça pendendo, mesmo sustentada magicamente. Vê-lo assim me deixou profundamente desconfortável, e arrepios percorreram meus braços.
— Pelas costas peludas de Vritra, é ele mesmo — disse Alaric, sua voz mal passando de um sussurro.
— Aquele é…?
— Kezess Indrath em pessoa, sim — respondeu Seris à minha pergunta inacabada. — Com ele estão Charon Indrath, líder das forças dracônicas que antes ocupavam Dicathen; Windsom Indrath, seus olhos e voz em nosso mundo; e esta quarta dragão, a mulher, deve ser Myre, a esposa de Kezess, embora eu não possa confirmar isso com absoluta certeza.
Conforme a imagem gravada continuava, concentrei-me em Kezess. Ele parecia muito mais jovem do que eu imaginava, suas feições eram marcantes e suaves. Cabelos loiros brilhantes caíam abaixo dos ombros, agitados pelo vento do voo, e ele vestia roupas ricas em branco e dourado. Eu não sabia o que esperava, considerando o mito de sua existência, mas com certeza não era esse… homem relativamente comum.
Uma fenda distorcida e cintilante apareceu na gravação.
— A abertura para Epheotus — explicou Seris. — O artefato não conseguiu capturá-la adequadamente.
Kezess e Myre se viraram para olhar para a terra atrás deles. Trocaram algumas palavras, mas não havia som, e o artefato estava voando alto demais para tentar ler os lábios deles. Então, se viraram novamente e flutuaram para frente, desaparecendo no portal que não podíamos ver claramente. Um por um, o restante do grupo os seguiu.
O artefato de gravação deu várias voltas pelo local, então virou e acelerou em outra direção, provavelmente para algum local de extração pré-determinado.
— É o suficiente? — perguntei, me virando para minha mentora. — Parece bem claro para mim. Kezess capturou Agrona. Os outros Soberanos estão todos mortos ou desaparecidos, assim como as Foices. E as Assombrações sumiram. Alacrya está livre do clã Vritra.
— Suficiente para o quê? — Seris perguntou, embora as palavras não fossem direcionadas a mim. Em vez disso, falou ao ar, então olhou ao redor como se esperasse que o ar respondesse. — Aqueles capazes de acreditar, mas que aguardavam por provas, serão convencidos. Há outros que não serão convencidos por nenhuma evidência. — Ela balançou a cabeça, como se afastando teias de aranha. — Ainda assim, com mais da população assegurada de que Agrona não retornará, podemos tomar medidas mais concretas.
Eu sabia o que ela queria dizer. Os Domínios estavam sem rumo, divididos em centenas de pequenas facções que mal podiam ser consideradas cidades-estados administradas por alto-sangues. Organização e liderança eram mais necessárias do que nunca. Não era a primeira vez que eu desejava que Seris assumisse o comando. E, no entanto, por mais que respeitasse minha mentora, também sabia que o que Alacrya precisava era escapar da velha estrutura de governança, não substituir um Vritra por outro.
Seris desativou a projeção e tirou o cristal de armazenamento. Depois de virá-lo na mão, passou-o para Alaric.
— Certifique-se de que todos estejam prontos para a transmissão de emergência. Não alcançaremos todos os lugares, não com a bagunça em que as coisas estão, mas fizemos o melhor que podíamos.
Alaric assentiu ao se levantar. Percebi como seu olhar ficou preso por um instante em um canto do escritório. Ele hesitou, congelando por um momento antes de limpar a garganta.
— De acordo. Todos estão prontos.
O velho ascendente me deu uma piscadela cansada antes de sair. Observei-o com curiosidade e preocupação, mas os demônios que ele enfrentava eram só dele.
Seris e eu ficamos em silêncio por um minuto, talvez dois. Era difícil pensar em tempo quando o resto do meu cérebro estava tão cheio de pensamentos, alguns relevantes, outros bem menos.
Foi minha mentora quem quebrou o silêncio:
— Você fez um bom trabalho, Caera. Se ainda não disse, quero que saiba. Você lidou com essa transição, essas pessoas, da melhor maneira possível.
Mordi minha bochecha enquanto olhava para cima, da mesa, para encontrar seus olhos. Ela estava com um cotovelo apoiado no braço da cadeira, a bochecha repousando na mão. Ela parecia… menor, de certa forma. Não exatamente diminuída, mas mais normal do que o habitual. Mais real, reconheci para mim mesma. Antes eu a via como algo além do humano, mas passamos tanto tempo juntas que não consigo mais vê-la como algum tipo de divindade. Em voz alta, disse apenas:
— Obrigada, Lady Seris.
— Sei que não sou muito boa com pessoas — continuou Seris. Seu olhar se deslocou, focando em algo no meio do vazio. — Eu vejo problemas e soluções. A vida é uma série de ações tomadas para resultar em um resultado específico. As pessoas se tornam tarefas ou obstáculos. Ferramentas a serem usadas.
Uma carranca escureceu meu rosto enquanto eu tentava entender o que ela estava me dizendo e porquê.
— As pessoas raramente gostam de ser usadas como ferramentas.
— Não, elas não gostam. — Seu olhar permaneceu desfocado, mas suas sobrancelhas se uniram, formando uma linha fina entre elas. Seus lábios se apertaram em uma linha pálida. — Você é diferente. Você enxerga as necessidades individuais dentro do quadro maior. As árvores dentro da floresta, por assim dizer.
— Eu… — hesitei, engolindo em seco e mexendo no pergaminho meio enrolado sobre minha mesa. — Obrigado? — repeti, sem querer que as palavras saíssem como uma pergunta.
Seris acenou levemente, sem olhar para mim.
— Alacrya está em mais perigo agora do que jamais esteve. Apesar de todos os seus defeitos, nossos líderes asuras, os remanescentes do clã de basiliscos Vritra, nos protegeram dos outros, se não de si mesmos. Agora estamos fragmentados e expostos. Nossos magos estão fracos, nossa população aterrorizada.
Reclinei-me na cadeira, cruzando os braços sobre o peito.
— Por isso você deveria estar nas Relictombs, recuperando sua força e evitando os pulsos contínuos que drenam mana.
— Você presume que haverá mais.
Lancei um sorriso irônico para minha mentora.
— Não banque a desentendida comigo. Com tanta mana sendo drenada? Algo que exige uma quantidade incrível de poder foi ativado nas Montanhas Presas do Basilisco, provavelmente no Taegrin Caelum. A população aterrorizada que você mencionou foi transformada em uma bateria. Você sabe para que serve?
Não tinha intenção de fazer essa última pergunta. Sempre esperei que Seris soubesse mais do que me contava. Separar e ocultar eram o jeito dela. Isso a havia mantido viva até agora, e, por extensão, aqueles como eu que a seguiam. Eu tinha certeza de que ela entendia algo mais profundo sobre esses pulsos, e normalmente não forçaria uma resposta além do que ela quisesse me contar.
Contudo, eu estava cansada. E com medo.
Ela olhou-me nos olhos e manteve meu olhar, tornando-se novamente de ferro, não mais pequena, mas como uma estrela brilhando diante de mim.
— Não, mas eu sei de outras coisas. Agrona tem milhares de anos, talvez dezenas de milhares. Ele tem a mente mais afiada e astuta de qualquer ser vivo que já conheci. Nunca o vi colocar-se em perigo.
Entendi o que ela não conseguia dizer em voz alta. A derrota de Agrona foi tão repentina e completa, sem sequer uma luta de verdade. Era difícil para um velho soldado como Seris aceitar.
Levantei-me e caminhei até a janela atrás da minha mesa, olhando para o gramado oeste da biblioteca. Estava vazio, e onde não estava coberto pela vegetação, a paisagem tinha sido esmagada por tendas e colchões, ou revirada pelas centenas de refugiados que haviam passado por ali nos últimos dias.
Tive que umedecer os lábios para falar, e fiz um esforço consciente para manter minha voz firme.
— Arthur nos deu essa chance. Mesmo que ele não possa estar aqui agora, sei que está nos defendendo de Epheotus. Não tenho dúvidas disso. Não podemos nos agarrar ao medo do nosso próprio passado. Temos que olhar para o futuro que podemos criar.
O sorriso de Seris foi quase audível, fazendo-me virar para encará-la.
— Como eu disse, você é diferente. Vamos precisar de…
A porta se abriu sem aviso, e Alaric entrou, tropeçando.
— Tudo pronto. Vai sair para todo o continente, pelo menos onde for alcançável agora. Amanhã, será reproduzido em outro horário, e depois todos os dias, conforme necessário. Não será sem resistência, tenho certeza, mas… — Ele deu de ombros e se jogou na cadeira.
Reativei o dispositivo de projeção. Ele captaria imediatamente a transmissão de emergência quando começasse.
Não demorou muito. A imagem se deslocou, mostrando as florestas da Clareira das Bestas. A imagem estava congelada e distorcida.
Uma voz se projetou pelo campo telepático criado pelo artefato de projeção.
— Povo de Alacrya. O Alto Soberano Agrona Vritra foi derrotado. Alacrya está livre!
Foi isso. Uma mensagem simples para chocar e atrair atenção. Outra seria emitida no dia seguinte, com a mensagem sendo atualizada e se tornando mais complexa e envolvente com o tempo, ajustando a mensagem conforme a resposta. Estávamos preparados para essa etapa antes mesmo de sabermos o que a gravação mostraria.
Novamente, vi Agrona, Arthur e os outros sendo levados por Kezess e seus dragões. A imagem parecia desacelerar e focar em Agrona quando ele apareceu, facilitando a identificação. O artefato de gravação decolou e seguiu, acelerando a sequência para chegar ao destino final mais rapidamente.
Depois, desacelerou novamente quando a perspectiva permitiu uma visão melhor de Agrona. Não havia como escapar do fato de que Arthur estava na cena, mas sua presença seria explicada em mensagens futuras.
A distorção da fenda ondulou pela imagem, e Kezess e Myre se dissolveram nela. O corpo de Agrona se aproximou e…
A imagem congelou. Eu estremeci quando um zumbido estático invadiu minha cabeça através do campo telepático. A distorção do portal não registrável começou a se espalhar pela imagem, como um pedaço de pergaminho em chamas, escurecendo no meio. Logo, a imagem inteira ficou preta e vazia.
— Que merda, o que aqueles idiotas… — As palavras de Alaric foram cortadas quando outra voz entrou em nossas mentes.
Meus olhos se arregalaram e me virei bruscamente em direção a Seris. Suas mãos estavam unidas na frente dos lábios, suas narinas se ampliando e suas pupilas dilatadas.
— Meu povo de Alacrya — disse o barítono untuoso vindo da escuridão.
Tradução: NERO_SL
Revisão: ***
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