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O Começo Depois do Fim – Cap. 474 – Rachaduras no Gelo

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POV VARAY AURAE

 

— Se o exército atacar, acho que não temos forças para detê-los. 

— Claro que não! Não tivemos chance de nos recuperar da guerra e da Batalha de Bloodwater. Sem os dragões, podemos abrir as portas e deixar o inimigo entrar!

— Falou como um verdadeiro Beynir.

— Como ousa, senhora! A Casa Beynir é a mais antiga e mais fiel defensora da Casa Glayder!

— E ainda, Sir Lionel, seu irmão fez parte de um plano traidor para tomar posse da Muralha e mantê-la ao lado dos Flamesworths para seu próprio enriquecimento pessoal. 

— Isso foi…

— Basta. — Lorde Curtis não levantou a voz com raiva, mas apenas parecendo cansado.

Eu olhei para ele secretamente com o canto do olho. Ele tinha bolsas escuras sob seus olhos, seu cabelo castanho, normalmente impecável, estava bagunçado, e havia uma certa suavidade na maneira como ele se encolheu em sua cadeira que me lembrou intensamente de seu pai.

Ao lado dele, Lady Kathyln parecia como sempre: rígida, consciente e imediatamente presente na conversa. Seus olhos castanhos escuros não davam qualquer indício de seus pensamentos, e, ao contrário de seu irmão, nem um único cabelo preto-azeviche estava fora do lugar, pois marcavam seu rosto pálido e caíam como uma cascata em suas costas.

Mesmo a mana que os dois reis expiravam era o completamente oposto: A mana tremeluzente e fervorosa de Curtis parecia tremer e fluir com cada comentário, enquanto a de Kathyln estava quieta e estóica, assim como ela. 

Acima da mesa ornamentada dos irmãos reais sentava-se o conselho. Otto Beynir, um homem baixo e rechonchudo com uma pele de aspecto não saudável, olhou para Lady Vesta da Casa Lambert. A mulher mais velha, que parecia ser a mais velha estadista da casa com seu vestido roxo e marrom inchado e seu chapéu de penas ridículo, não encarava com raiva, mas fervilhava de desdém, uma sobrancelha erguida e os lábios levemente franzidos.

O Senhor Abrham da Casa Astor, um homem de meia-idade com uma barriga proeminente e uma barba desigual devido à cicatriz em seu lado esquerdo, limpou a garganta desconfortavelmente. 

— Eu tenho dificuldade em ver como Otto está errado aqui, Vesta. Olhe para os fatos. — Ele batia na tampa da mesa de mogno com o dedo caloso, sua calma vacilando com os nervos suprimidos. — Nós investimos tudo o que tínhamos para garantir uma relação com os dragões, mas eles simplesmente nos abandonaram para morrer. A estratégia misteriosa de Arthur Leywin espalhou os defensores de Dicathen por todo o continente. Estamos enfrentando um adversário que já nos derrotou uma vez, e facilmente, devo acrescentar. O único desenvolvimento positivo que posso ver é que as forças alacryanas ainda não voltaram sua atenção para Etistin.

A senhora Mountbatten tremeu enquanto se inclinava para frente sobre a mesa. A representante eleita para ser a voz dos plebeus, Dee parecia mais uma padeira do que uma conselheira real, mas, normalmente, era uma voz sensata dentro da política do conselho.

— Eu ainda não entendo. Você prometeu que os dragões protegeriam as pessoas!

Jackun da Casa Maxwell soltou uma risada estrondosa, causando uma onda de mana que se espalhou ao seu redor. O guerreiro aposentado era um homem grande, e quando queria, sua voz facilmente engolia a de todos os outros.

— Eles nos deixaram realmente fodidos. É óbvio que fomos absolutamente estúpidos por termos alguma vez colocado fé neles.

Um coro de admoestações explodiu em torno da mesa ornamentada, mas Jackun os afastou com seu habitual desrespeito pelas gentilezas esperadas.

— Isso não está ajudando. — A câmara do conselho ficou em silêncio enquanto a voz gelada de Lady Kathyln cortou as suas discussões. Todos os olhos viraram-se para ela, até mesmo os do irmão dela. Seu olhar constante atravessou os conselheiros. — Vocês se esquecem, todos vocês. Nosso propósito aqui é servir o povo de Etistin, e toda a Sapin. Esse pânico, conflito e queixas fatalistas dificilmente ajudam. Não estamos derrotados, portanto, não vamos abandonar nosso dever.

Ela fez uma pausa, convidando os conselheiros para responder, mas a câmara estava mais silenciosa do que eu jamais tinha ouvido. Dentro do silêncio, no entanto, havia uma tensão palpável que senti como uma espécie de foco nas múltiplas assinaturas de mana. Um tremor esperado passou pelo meu núcleo e eu me mexi desconfortável.

— Nós cometemos erros, todos nós — continuou ela, um pouco daquela dureza deixando sua voz. — Curtis e eu estávamos ansiosos para acreditar que os dragões eram nossa salvação, e talvez tenhamos permitido que esse desejo obscurecesse nosso julgamento, mas todos vocês falam como se a esperança estivesse perdida quando se desenrolasse um plano maior que não entendemos completamente.

Otto Beynir resmungou desdenhosamente. Quando Kathyln respondeu com um olhar perfurador, o homem astuto ao menos teve a decência de parecer apologético.

— Querida Lady Glayder, seria uma esperança de tolo confiar que Arthur Leywin pode parar o que está se desenrolando.

— Não foi Arthur quem nos advertiu para não confiarmos nos dragões? — Kathyln interveio. — Estou envergonhada por ter permitido que o descontentamento deste conselho me convencesse de que era Arthur quem representava um perigo e não os dragões.

— Senhora, não vamos agir como se Arthur Leywin fosse infalível — contra-argumentou Beynir. — Se as mensagens que recebemos estiverem corretas, os alacryanos tão ignorantes “presos” do outro lado da Muralha se viraram contra nós, e as forças alacryanas avançaram por grande parte de Dicathen. A única graça de salvação é que eles parecem estar concentrando seus esforços em encontrar o próprio Leywin.

Florian Glayder, terceiro primo de Curtis e Kathyln, escovou os dedos pelos cabelos que correspondiam à cor de Curtis antes de falar pela primeira vez em alguns minutos.

— E essa, eu acho, é a nossa estratégia. Nós já evacuamos a área rural, trazendo todos dentro de 80 km para trás das muralhas. Temos provisões para durar durante um cerco, caso tentem algo assim, o que seria improvável, já que a Lança Godspell não está na cidade de qualquer maneira. Precisamos ficar dentro das muralhas e esperar.

— Talvez seria melhor se o homem fosse pego — disse Vesta provisoriamente, como se estivesse testando verbalmente as águas desta linha de pensamento.

Meu olhar saltou para Curtis e Kathyln. Curtis inclinou-se para frente e esfregou o queixo com os dedos, uma pequena ruga aparecendo em sua testa enquanto ele considerava as palavras de seu conselheiro. Sua mana saltou e estourou como um fogo lutando para pegar em madeira molhada. Ao lado dele, sua irmã estava congelada, sua boca levemente aberta, uma fenda em sua fachada cuidadosamente mantida.

— Finalmente, a senhora da Casa Lambert diz algo sensato — disse Otto, levantando as mãos.

— É uma coisa terrível de se dizer — disse a senhora Mountbatten quase ao mesmo tempo.

— Agora, Dee, pode parecer cruel, mas pense nisso — Abrham interferiu com um gesto de paz. — Arthur Leywin tem sido antagonista com os dragões e desrespeitoso com Lorde e Lady Glayder. Se o inimigo o quiser tanto assim, encontrá-lo pode dar tempo suficiente para o Guardião Charon resolver qualquer emergência para que ele possa varrer o resto dos Alacryianos do continente.

— Os dragões cospem na sua cara e você abre a boca para beber como chuva fresca de primavera — Jackun gritou, sacudindo a sua cabeça raspada. — Não me importo muito com este grande e poderoso Leywin, mas os dragões nos mostraram o quanto pensam de nós. Quantos desses bastardos escamosos estão em Dicathen? E mesmo assim não deixaram nem um para guardar Lady Kathyln e Lorde Curtis? Não, você teria que ser um idiota completo para esperar que eles voltem para ajudar.

Otto inclinou-se para a frente, pressionando as palmas na mesa.

— Talvez, mas isso não desconsidera o resto do plano. Sabemos onde o garoto Leywin está escondido. Poderíamos eliminar duas ameaças ao mesmo tempo se oferecêssemos trocar essa informação por uma promessa de paz.

A cabeça de Kathyln inclinou-se para o lado e seus olhos se estreitaram perigosamente.

— Então sua sugestão é oferecer ao inimigo o que eles querem e suplicar que simplesmente nos deixem em paz?

— Seria um caminho mais sensato do que usar os corpos de seu povo como escudos para um homem que se recusou a explicar porquê espera que morrêssemos por ele! — Otto bradou.

Houve um forte ruído de arranhão quando Kathyln empurrou a cadeira para trás da mesa e de repente se levantou. — Saia, agora, e fique feliz por eu estar permitindo que você o faça em vez de trancá-lo na masmorra do palácio. — O brilho de Kathyln estava amargamente frio e vazio de emoção. A ausência de raiva só fez a expressão mais cortante.

— L-L-Lady, eu… — Otto olhou para Kathyln com olhos largos enquanto sua voz o deixou, sua boca continuando a soprar silenciosamente.

— Kathyln… — Curtis começou, estendendo uma mão conciliadora em direção à irmã, mas ela silenciou qualquer argumento que ele estivesse preparando com um único olhar.

Curtis limpou a garganta e ficou de pé, com um gesto para que as portas da câmara fossem abertas, depois permaneceu ao lado delas e falou brevemente com cada conselheiro enquanto saíam. Eu segui Florian, mas Kathyln chamou meu nome, parando-me e indicando que eu devia ficar. Quando todos os outros foram embora, Curtis também dispensou os guardas e depois fechou as portas atrás deles.

Ele olhou para sua irmã com cautela.

— Isso foi mal administrado, Kathyln. Essas pessoas são tão poderosas quanto nós, talvez ainda mais, e devemos muito do nosso sucesso a elas.

— Eu não vejo isso como um benefício como você parece ver — Kathyln respondeu com objetividade. — Eles ultrapassaram os limites, e precisavam ser lembrados de seu papel aqui.

Curtis levantou as mãos em um gesto de paz.

— Não estou sugerindo que continuemos com o plano de Otto, claro, mas eles não estão exatamente errados em ter medo.

Kathyln respirou fundo, aparentemente acalmando seus nervos.

— Temo que o desejo de Otto possa se concretizar mesmo sem nossa interferência. De acordo com nossos espiões, os alacryanos estão se aproximando de encontrar a caverna escondida. Nossos magos do atributo terra cobriram bem, mas não podemos saber que tipo de magia esses invasores podem estar usando para procurar por Arthur. — Os olhos de Kathyln encontraram os meus. — Lança Varay, eu gostaria de saber o que você acha que devemos fazer.

Minha voz era um pouco áspera pelo desuso e tive que engolir para molhar minha garganta.

— Eu tenho uma sugestão, mas não tenho certeza se você vai gostar.

Kathyln permitiu-se o menor dos sorrisos, enquanto Curtis cruzou os braços e me olhou com preocupação desmascarada.

— Vamos lá — disse Kathyln.

— Arthur deixou uma coisa clara para nós —, comecei relembrando a nossa última conversa com ele antes de se esconder. — Ele nos pediu para fazer tudo que estivesse ao nosso alcance para garantir que sua localização não fosse descoberta. Com os alacryanos procurando nas terras selvagens ao redor, parece apenas uma questão de tempo. Precisamos chamar a atenção deles para uma direção diferente.

— O que exatamente você tem em mente, Lança? — perguntou Curtis, ficando tenso.

— A costa para o sudoeste é cheia de cavernas naturais. As forças alacryanas ainda não se concentraram nelas, mas temos relatos de alguns grupos de espionagem se movendo naquela direção. — Fiz uma pausa, sabendo como soaria a próxima parte. — Vou voar para lá imediatamente e atacar, agindo como se estivesse impedindo-os de procurar na costa.

— Você usaria a si mesma como distração? — perguntou Curtis, com a sua voz cheia de incredulidade. — Absurdo. Eu sei o quão poderosa você é, Varay, mas não pode esperar lutar contra um exército inteiro sozinha. E se eles forem liderados por Retentores ou Foices?

Ou mesmo Assombrações, reconheci, embora não tenha dito em voz alta.

— Quanto mais difícil for a batalha, mais venderá a distração.

— Você é muito valiosa — respondeu Curtis, balançando a cabeça e dando um passo mais perto de mim e de Kathyln. — Não permitirei que você se arrisque por Arthur, especialmente porque recebemos relatórios conflitantes sobre sua localização real.

As sobrancelhas de Kathyln se ergueram.

— Arthur pediu a nós que lhe comprássemos tempo. Se ele tinha uma razão para nos fazer acreditar que estava naquela caverna, então não importa se realmente está lá ou não. Temos que agir como se estivesse.

— Claro que importa — contra-argumentou Curtis imediatamente. — Se ele não está aqui, então não precisamos arriscar a vida de Varay ou dos soldados atrás das muralhas.

— No entanto, ceder e permitir que os alacryanos passem permitiria que eles procurassem seu próximo destino ainda mais rapidamente — Kathyln contra-argumentou.

— Esse é um problema para os defensores desses locais, então! — Curtis explodiu, cruzando os braços defensivamente.

Um estalo repentino silenciou os três e até mesmo Kathyln parecia surpresa enquanto recuava a mão que acabara de bater no rosto de Curtis. Mana fervilou entre eles, erguendo-se como duas serpentes de Hades opostas, preparando-se para atacar. Porém, o choque e a hostilidade desapareceram quase instantaneamente, e Kathyln continuou.

— Não devíamos ser os líderes, a esperança e a força de Dicathen e não apenas de Etistin? Não perca de vista o quadro maior. Não se torne nosso pai, Curtis.

Os irmãos reais se encararam por algum tempo, a mão de Curtis ainda pressionada contra a bochecha que Kathyln havia batido. Embora seu rosto estivesse pálido, exceto pela marca vermelha onde a mão de sua irmã havia batido, seu choque se dissipou para uma espécie de determinação firme, e ele assentiu, seus olhos se endurecendo com determinação enquanto ele encontrava primeiro os olhos de Kathyln e depois os meus.

— Vamos discutir as especificidades deste plano. Por favor, Varay, continue.

Sem perder tempo, forneci os detalhes de onde eu atacaria e qual seria o meu plano de contingência no caso de ficar sobrecarregada. E dentro de uma hora, eu estava voando para sudoeste ao longo da costa.

Eu fiquei alto, dentro das nuvens. A umidade fria acumulou em mim, mas não senti frio. Minha mente permaneceu agitada com considerações sobre como o ataque poderia se desenrolar, e no momento em que senti os grupos de busca alacryanos abaixo, senti confiança no que estava por vir.

Parando alto acima dos meus alvos, ainda envolta em uma nuvem escura, direcionei meus sentidos para as fracas assinaturas de mana abaixo. Quatro grupos de batalha se movimentavam juntos, explorando o campo. Pela forma como sua formação se movia, eu estava certa de que pelo menos dois dos magos eram Sentinelas. Os feitiços estavam ativos, o estalo de sua mana presente na atmosfera ao redor dos alacryanos, faiscando como um feitiço de relâmpago na superfície da água.

Uma parte profunda e desorientada de mim se perguntou como seria ver as partículas individuais de mana da maneira que Arthur podia. Se ele estivesse presente, poderia me dizer o que os feitiços estavam fazendo apenas olhando para a forma como a mana se formava? Mas toda a razão pela qual estou aqui é porque ele não pode estar. E preciso garantir que ele permaneça protegido.

A umidade dentro da nuvem condensou-se em agulhas de gelo, cada uma 30 cm de comprimento. Essas agulhas giravam ao meu redor enquanto eu descia até o fundo da nuvem e energia no ar aberto. Eu já tinha uma forte sensação de exatamente onde meus alvos estavam, levou apenas um instante para me concentrar visualmente nos dezesseis alacryanos. Mirando muito cuidadosamente, lancei a série de agulhas numa súbita chuva de morte.

Gritos mal ouvidos flutuavam para mim no vento enquanto metade dos magos alacryanos caíram mortos instantaneamente. Escudos de vento, água e fogo explodiram em cores sobre o resto dos alacryanos, assim que uma segunda onda de espinhos de gelo os atingiu. Um feixe de mana verde doentia perfurou o ar em minha direção, mas desviei facilmente antes de interceptar uma série de bolas de fogo azul com um pesado escudo de gelo.

Contra-ataquei com mais feitiços, que foram desviados pelos escudos entrelaçados. Os gritos dos alacryanos eram incompreensíveis, mas o pânico deles estava claro. Eles podiam fazer pouco além de se esconder sob seus escudos com seus dois últimos Conjuradores lançando feitiços fracos.

Empurrando mana para os meus olhos, espreitei através das distorções no ar para observá-los de perto. Uma mulher que eu tinha identificado como uma Sentinela estava canalizando um feitiço, sua atenção voltou-se para o leste, enquanto um Atacante rabiscava rapidamente em um pergaminho amassado com uma mão trêmula. Eu atingi os escudos com mais espinhos de gelo, certificando-me de não derrotar os magos que os conjuravam.

Os olhos da Sentinela se abriram e ela gritou algo que não consegui entender. Mensagem enviada. A cavalaria deve chegar em breve.

Tecendo uma rede de filamentos de gelo finos e quase invisíveis, eu a lancei sobre os inimigos restantes. Alguns Atacantes se esquivaram com uma explosão de velocidade, mas os outros se reuniram, se agachando sob suas barreiras protetoras.

Os filamentos finos cortaram diretamente a mana e evisceraram o punhado de soldados abaixo delas, extinguindo seus feitiços em um instante.

Os dois atacantes correram em velocidades impressionantes. Em vez de cortá-los, eu flutuei de volta às nuvens, desaparecendo da mesma maneira que apareci. Lá, eu me preparei para a próxima fase da batalha.

Minha primeira série de ataques tinha sido precisa, matando os magos mais fortes e a maioria dos Conjuradores, enquanto apenas feria os outros. A barragem seguinte foi enfraquecida propositalmente, prendendo os alacryanos naquele lugar, mas dando-lhes tempo para enviar pedidos de reforços com quaisquer artefatos ou magias que tinham à disposição. Com isso concluído, não havia razão para permitir que todos vivessem, mas deixar os dois últimos Atacantes escaparem forneceu um plano alternativo no caso de as mensagens anteriores falharem. Também deveria, calculei, fornecer um resultado suficientemente crível, considerando a imagem que eu estava tentando retratar.

A densa nuvem, pesada de umidade e já amargamente fria, era o terreno de preparação perfeito para a próxima fase desta batalha de distração. 

Drenando a mana atmosférica, a senti correr para o meu núcleo e começar a purificar. Ao mesmo tempo, usando a técnica que Arthur me ensinou ao remover as limitações dos asuras em meu crescimento, comecei a liberar meu próprio atributo de mana de gelo desviante purificado, que se agarrava ao vapor que compunha a nuvem. A sensação de rotação da mana nunca deixava de causar arrepios ao longo da parte de trás do meu pescoço enquanto eu absorvia mana, a canalizava e continuamente clarificava meu núcleo simultaneamente. Mesmo o simples ato de clarificar meu núcleo parecia estranho e animador depois de passar tanto tempo no estágio do núcleo branco sem nenhuma mudança.

As nuvens ao meu redor começaram a endurecer, congelando em uma espécie de casulo ou casca, que minha mana mantinha estacionária. À medida que essa nuvem congelava, o efeito se estendia para fora, o gelo se movendo sobre e através de cada massa vaporosa, endurecendo e ficando pesado no ar. 

Era necessário um estado mental meditativo para utilizar a rotação de mana dessa forma, e minha mente estava totalmente focada apenas no próprio ato enquanto eu congelava o próprio céu. Eu não experimentava nenhum senso de tempo focando tão intensamente, e assim foi com uma leve agitação de adrenalina que senti as assinaturas de mana se aproximando à distância.

No início, havia apenas duas auras pesadas e poderosas. Os magos que as exalavam estavam confiantes o suficiente para se aproximar abertamente, sem tentar suprimir suas assinaturas. Eu não reconhecia as assinaturas, mas com base na força, pensei que não poderiam ser Foices ou Assombrações.

Por mais confiantes que parecessem, as assinaturas que se aproximavam pararam bem longe de onde eu havia derrotado o grupo de reconhecimento. Agitados atrás deles, apenas sensível a esta distância à medida que seus números cresciam, uma horda de magos alacryanos também se reunia. Centenas, pelo menos, talvez milhares, pensei de uma maneira desapegada. Uma vez, talvez, eu teria rejeitado a ideia de enfrentar tal horda. Afinal, Lança Alea e todo o seu regimento não foram derrotados por apenas um único retentor e uma força muito menor de magos alacryanos? E ainda assim muito mudou desde aqueles dias.

Apreensiva contra a tensão de manter um peso tão grande de gelo formado por mana suspenso, eu esperei. Continuando a utilizar a rotação da mana, fiz o meu melhor para suprimir minha própria assinatura e disfarçar meu uso de mana dentro da densa e pesada  mana atmosférica dos atributos água e ar.

Os retentores permaneciam a uma distância segura, provavelmente consultando suas Sentinelas ou os líderes de seus vários grupos de batalha enquanto buscavam sinais de perigo ou pistas sobre o paradeiro de Arthur. 

Inspirei profundamente e acalmei minha mente. A paciência era uma habilidade que eu tinha cultivado desde pequena. A paciência do icebergue, da permafrost, recitei silenciosamente para mim mesma. 

Mais e mais alacryanos se reuniram até que um exército inteiro esperava no horizonte. Então, finalmente, após alguma ordem gritada, começaram a avançar. Os retentores ficaram para trás, notei com surpresa, liderando a partir da retaguarda, mas isso se adequava bem ao meu plano.

Vários grupos de batalha se reuniram em torno dos cadáveres de antes, investigando as evidências da nossa breve batalha, mas a maioria marchou para a costa atrás de mim. Eles se moveram com propósito e cuidado, seus Escudos conjurando barreiras protetoras de todos os elementos e designs, enquanto Conjuradores e Atacantes tinham seus próprios feitiços prontos, mana canalizando em centenas de runas alacryanas de uma vez.

Mais e mais deles entraram na sombra das nuvens congeladas, mas eu esperei. A vanguarda de suas fileiras passou sob mim e senti o toque da mana sondadora enquanto o feitiço de alguma Sentinela me procurava. Um tremor percorreu o exército, e senti como sua atenção coletiva se voltava temerosamente para o céu.

Cerrei os dentes, segurei as nuvens congeladas dentro do meu poder e empurrei para baixo. O gelo passou por mim enquanto caía, deixando-me flutuando acima do chão cinza ondulante em queda. As nuvens caíram, seu movimento anormal parecia um pouco estranho, como um desenho de uma criança em vez da coisa real. 

Eu senti a barragem de feitiços abaixo, embora não pudesse vê-los além da massa cinzenta sólida. Raios de fogo e jatos de ácido ardente queimavam dentro e através das nuvens, mas pouco faziam para interromper a queda. Centenas de escudos brilharam.

Toneladas sobre toneladas de gelo sólido atingiram o chão com uma onda de choque cataclísmica, e eu forcei mana para meus ouvidos a fim de apagar a explosão de som.

As nuvens congeladas se despedaçaram, tornando-se um turbilhão de lâminas afiadas de gelo que voavam em todas as direções. Eu puxei os fragmentos para frente e para trás através da terra destroçada, e meus inimigos eram como hastes de trigo sob as lâminas de um debulhador. As assinaturas de Mana brilhavam como estrelas escondidas atrás de nuvens de tempestade.

O ataque durou dez segundos, nada mais. Do meu ponto de vista, a centenas de metros no ar, o chão brilhou em azul, branco e vermelho: neve e espinhos de gelo, como se uma súbita e violenta tempestade tivesse agitado, encharcado os cadáveres imersos no sangue de centenas de magos alacryanos.

Um raio negro de mana disparou em minha direção a partir da figura distante do retentor. Eu me abaixei para desviar dele, mas explodiu, enchendo o céu com uma sombra obscura que não só roubou meu senso de visão, mas pareceu sufocar meus sentidos para a mana também, me cegando completamente. Na escuridão, algo duro e frio segurou meus braços e agarrou minha garganta. O gelo formando meu braço esquerdo rachou, enviando um tremor de dor fantasma para cima no meu ombro e peito.

Uma nova congelada irrompeu de mim e os membros que me agarravam se despedaçaram. Livre de suas garras invisíveis, mergulhei na escuridão. A geada se espalhou pela minha pele e armadura, me envolvendo em uma barreira congelada que desviou uma glave ardente que roçou minhas costelas antes de girar e retornar para a mão do homem que a havia lançado. O impacto enviou um choque através de mim, e meu núcleo doeu — Não, não uma dor… um tremor? — com a força do meu foco em manter minhas defesas.

Um homem imponente em armadura negra e carmesim voou apenas trinta metros de distância, ele pegou a glave quando retornou para ele, cintilando com fogo negro ao redor de sua manopla. Olhos cinza prateados brilhavam debaixo do elmo, através dos quais sobressaiam dois pequenos chifres de ônix. A partir da descrição que me foi dada, eu sabia que era Echeron, retentor de Vechor.

Atrás dele, flutuando apenas acima do solo a meio quilômetro ou mais de distância, envolta em um manto de sombra que a deixava pouco visível, exceto pelos cabelos brancos arrepiados e dois olhos amarelos brilhantes, estava a segunda retentora: Mawar de Etril.

Echeron varreu a glave através de seu corpo e uma onda de mana do atributo fogo negro se derramou pelo céu em um arco.

Condensando o gelo mais ao redor do meu corpo, cruzei os braços na minha frente e mergulhei nas chamas. O gelo chiou e rachou enquanto as chamas crepitavam e se extinguiam, então emergi do outro lado. Meus braços se lançaram para fora e duas lâminas de gelo abriram caminho pelo ar diante de mim e se fecharam como tesouras em direção ao pescoço de Echeron.

Ele trouxe sua lâmina ardente, pegando ambos os ataques, e houve uma explosão do fogo negro. Um eco flamejante do meu feitiço voou de volta para mim. Eu mudei de direção, mergulhando à minha esquerda, mas os ecos ardentes seguiam como se estivessem ligados a mim. Eu desviei novamente enquanto uma série de raios negros de mana lançados por Mawar explodiam ao meu redor como vários fogos de artifício negros.

— Conjuradores, recuem e ataquem de uma distância segura — ordenou Echeron, sua voz ecoando pelo campo de batalha abaixo. — Atacantes, Escudos e Sentinelas, concentrem-se em proteger seus Conjuradores!

As linhas traseiras das forças alacryanas haviam evitado o pior do meu feitiço e agora estavam se esforçando para voltar para a localização de Mawar. Alguns poucos sobreviventes das nuvens de gelo caídas também conseguiram se levantar e arrastar-se através do cenário despedaçado de rochas quebradas e fragmentos de gelo.

Eu parei abruptamente quando a glave voou bem na minha frente, então rapidamente lancei uma série de lâminas de gelo em forma de lua crescente na direção de Echeron. O fogo negro o envolveu, e as crescentes de gelo quebraram ineficazmente contra a sua armadura.

Cada nervo do meu corpo se incendiou quando o eco das duas lâminas me atingiu por trás. Eles não queimaram carne ou osso, mas os senti esculpindo minha mana e queimando algo que eu não poderia nomear dentro de mim. Respirando rapidamente, eu me abaixei sob uma salva de fogo mágico de um grupo de Conjuradores alacryanos, então tentei alcançar a mana atmosférica ao redor de Echeron.

O calor de suas chamas repelia qualquer frio natural ou umidade no ar, então derramei o meu próprio, fazendo com que o ar congelasse tão sólido quanto a permafrost mais profunda.

Uma barreira cristalina de gelo se formou no ar ao redor do retentor, brilhando na luz solar que ainda não tinha sido engolida pela nuvem fresca. Contudo, onde o fogo negro tocava o meu gelo, as duas forças se chocavam e estalavam, quebrando uma à outra.

Um raio irregular de relâmpago faiscou pelas minhas costas, e comecei a girar para evitar vários outros feitiços que me visavam.

Dentro da gaiola de gelo, Echeron estava momentaneamente distraído, seu foco estava em manter meu feitiço longe. Quando sua glave retornou para ele, no entanto, fez o gelo se estilhaçar, chegando em sua mão.

Um movimento do meu pulso fez dezenas de lanças de gelo caírem sobre os soldados alacryanos mais próximos. Algumas explodiram contra escudos, mas muitas mais encontraram seus alvos, e mais assinaturas de mana ficaram escuras no chão abaixo.

Echeron voou para frente, seu movimento súbito causando uma explosão de ruído e deixando um rastro visível no ar. A glave ardente girou, deixando para trás uma imagem residual negra.

O gelo do meu braço esquerdo se estendeu para fora em um escudo, enquanto uma espada formada por muitas camadas de gelo azul sobrepostas apareceu na minha mão direita. Eu desviei a glave com o escudo e enfiei a espada no quadril dele. Sombras emanando da assinatura sombria de Mawar se condensaram ao redor dele, formando tentáculos cortantes que se contorceram selvagemente enquanto pegavam e desviavam meu golpe.

A lâmina girou e desceu na borda superior do meu escudo. O gancho flexionou, e a lâmina partiu os cabelos acima da minha cabeça. Eu empurrei para cima e para longe com o escudo, depois para frente, golpeando as manoplas dele. Enquanto o escudo subia, eu empurrava a ponta da minha espada para as pernas dele, mas novamente os tentáculos sombrios desviaram o meu golpe.

Echeron se impulsionou com o meu escudo, voando em um salto mortal para trás antes de avançar novamente com a glave ardente. O impacto da lâmina contra o meu escudo me balançou de volta, e senti o golpe subsequente deslizar pelo meu lado coberto de gelo. Eu abaixei meu braço rapidamente, prendendo o cabo contra minhas costelas, e balancei a lâmina da minha espada em direção ao ombro dele. Um tentáculo sombrio envolveu meu braço, mas torci meu pulso e empurrei a ponta da lâmina de gelo para dentro do espaço entre o gorjal e o elmo de Echeron. A ponta da espada tremeu contra a sua mana e foi desviada, mas senti um solavanco ao meu lado e vi sangue na ponta da minha espada.

Enquanto lutávamos, dezenas de feitiços dos soldados no chão continuavam sibilando pelo ar ao nosso redor.

Echeron tentou recuar, mas eu mantive a arma presa ao meu lado. Os tentáculos sombrios emergindo das dobras escuras de sua armadura estalavam e cortavam como chicotes laminares, perfurando meu escudo e enviando rachaduras se espalhando pela sua superfície como uma teia de aranha. Uma dor aguda irradiou do meu ombro, e eu girei para longe da sombra ofensiva, arrancando a glave do alcance de Echeron.

Vários feitiços dos soldados restantes me atingiram, e houve um puxão afiado do meu núcleo enquanto a mana surgiu para manter minhas barreiras de proteção.

Echeron recuou, observando-me cautelosamente.

— Vocês Lanças são mais poderosos do que eu esperava. Você lutou bem e mereceu uma morte limpa. — Sua cautela se dissipou, e a glave se soltou dolorosamente do meu aperto, voou pelo ar e voltou a se firmar em seu punho. Ele sorriu arrogantemente. — Não se desespere. Seu povo simplesmente não está preparado para enfrentar o verdadeiro poder do continente alacryano…

Enquanto ele falava, o núcleo de sua lança estava congelando solidamente, meu gelo superando as runas imbuídas no cabo. As chamas negras se moveram de forma brusca, então congelaram no lugar ao redor de seu braço, sem serem notadas pelo retentor. Somente quando a geada tinha avançado pela metade de seu braço é que ele percebeu sua queima através de suas pesadas manoplas.

Echeron amaldiçoou e tentou lançar a arma, mas ela estava congelada em sua mão.

Encontrei seus olhos quando se arregalaram. Meu rosto não mostrou emoção.

— Eu te ofereço a morte em troca, alacryano, mas não será limpa.

Voando para trás em direção aos seus aliados, Echeron continuou a se debater com a lança, tentando se livrar do gelo que avançava e agora cobria todo o seu braço até suas palmas. As sombras protetoras conjuradas por Mawar recuaram enquanto a outra retentora o deixou ao seu destino, se virando para gritar:

— Ajude-me, porra!

Os feitiços continuavam voando do resto do exército deles, mas eu os desviava com uma cortina cintilante de mana do atributo gelo, que também cercava Echeron, impedindo-o de recuar. Sua mão esquerda estava agarrando seu braço direito, as manoplas de metal raspando audivelmente através da camada de gelo. Esse agarrar se transformou em martelar enquanto ele impulsionava seu punho contra o apêndice congelado. Com um som como um cristal quebrando, seu braço direito quebrou logo abaixo do ombro, ele e a lança caindo juntos para o chão trinta metros abaixo.

Todavia, o gelo estava em suas veias de mana e, a partir daí, em seus canais. Normalmente, a barreira de sua carne teria me impedido de controlar a mana dessa maneira, mas sua própria arma e runas agiram contra ele, pois sua magia se ligou à minha para criar os efeitos de eco que ele havia usado para me atacar anteriormente.

Em questão de instantes, o gelo alcançou seu núcleo e então ele estava caindo. Olhos cinzentos me encararam incrédulos, e eu observei enquanto a geada se espalhava sobre eles, transformando o cinza-prateado em um branco-azulado cego.

Quando ele bateu no chão, explodiu em pedaços ásperos de vermelho congelado e branco ósseo.

Os feitiços do resto dos alacryanos diminuiu momentaneamente.

Respirando fundo, eu me concentrei novamente na rotação de mana. Meu núcleo doeu com o esforço de superar a mana de Echeron, e eu ainda tinha mais uma retentora para enfrentar. Enquanto fazia isso, voei até o chão e peguei a glave congelada, que tinha sobrevivido à queda intacta. Voando a apenas alguns metros acima do solo, me aproximei do exército alacryano. Mawar agora pairava na linha frente, me observando com uma expressão indescritível.

A retentora tinha cabelos brancos curtos e brilhantes que se erguiam em uma série de picos. Seus olhos amarelos predatórios me acompanhavam de perto, surgindo de uma carne escura como meia-noite, e a maior parte de seu corpo era indistinta, perdida em um manto de sombra em movimento.

Eu segurei a glave em uma mão, em paralelo com a linha de soldados, e apertei com força. O cabo congelado quebrou e as duas extremidades caíram do meu aperto.

— Eu darei a vocês esta única chance. Arthur Leywin está sob minha proteção, assim como este continente. Deixem-no agora. Voltem ao seu Alto Soberano e digam a ele que ele falhou. Não voltem.

Mawar não expressou exteriormente nenhuma emoção sobre a minha declaração.

— Mate-a.

Minha mão disparou em direção ao céu e então desceu rapidamente. Uma chuva de espinhos de gelo caiu sobre as tropas inimigas, manifestando-se a partir dos pedaços das nuvens pálidas que se formaram novamente sobre nós. Os soldados entraram em desordem enquanto seus Escudos lutavam para conter o bombardeio, enquanto os Conjuradores e Atacantes restantes lutavam apenas para se manterem vivos.

Uma dúzia de chicotes negros e retorcidos, formados de mana sombria, estalaram e se lançaram contra mim vindos de Mawar, e onde quer que cortassem, a cor sangrava da área circundante, deixando-a fria e desprovida de mana atmosférica. Eu esquivei rapidamente entre os golpes, preparando meu próximo feitiço.

Uma esfera de cristal de gelo do tamanho do meu punho foi preenchida com mana do atributo gelo, condensando até se tornar visível como uma esfera flutuante transparente. Enquanto passava pelo campo de batalha, esquivando dos ataques de Mawar, concentrei toda a minha mana nesta esfera. A casca transparente escureceu, tornando-se branca e, em seguida, mais densa e assumindo uma cor azul. Imbuí não apenas mana, mas também minha intenção nela, dando ao feitiço poder e propósito.

Quando uma abertura entre os ataques apareceu, liberei a esfera. Ela disparou em direção à retentora, deixando um rastro de ar congelado para trás. 

Mawar deu um grito de advertência e derreteu-se na sombra, fugindo. O suor em minha testa congelou enquanto eu cerrava os dentes contra o esforço do feitiço. Como se estivesse puxando contra milhares de quilos, lutei para torcer meu pulso mesmo ligeiramente, fazendo a esfera de cristal de gelo virar bruscamente e seguir atrás da linha de sombra, o ar congelando-se atrás dela enquanto voava para o centro da massa da forma sombria da retentora.

Mawar parou bruscamente, aparecendo como nada mais do que uma massa incorpórea e giratória, no centro da qual estava a esfera de cristal de gelo girando rapidamente no lugar.

O rastro de ar congelado deixado para trás pela esfera caiu no chão e se despedaçou.

Tentáculos de gelo atravessaram as sombras como raios azuis brilhantes. Vapor subia da sombra em uma nuvem, e onde a nuvem se derramava sobre os soldados próximos, eles gritavam e sua pele escurecia pelo frio. 

Uma dor explodiu em minha perna quando um tentáculo laminado perfurou o gelo da minha armadura e minha camada de mana protetora. Ele separou a carne, quebrou o osso e depois se projetou do outro lado da minha panturrilha. Eu caí de joelhos, em grande parte ignorando a ferida enquanto concentrava meu foco no feitiço. Os flashes de frio vinham em rajadas, sobrecarregando as defesas do meu inimigo com picos repentinos de poder, e centímetro por centímetro as sombras se solidificavam.

De repente, a sombra vagamente em forma humana explodiu em uma suave explosão de gelo preto e Mawar desapareceu. No mesmo momento, algo bateu em mim por trás. 

Fui jogada de bruços e, em seguida, arrastada no chão congelado pelo tentáculo perfurando minha perna. De cabeça para baixo, encontrei o olhar impassível de Mawar; ela estava envolta em sombra, pouco mais de dez metros atrás de mim, ilesa pela esfera de gelo que ainda pulsava e piscava.

Feitiços me atingiram de todas as direções e só pude endurecer minha barreira contra eles. O esforço enviou uma dor trêmula através do meu núcleo, e senti o efeito colateral cortando meu foco.

Com um movimento brusco dos meus membros, enviei a esfera através do coração do exército alacryano. A cada batimento congelava uma dúzia de homens ou mais, mas não havia gritos de dor; eles morriam com o ar congelado em seus pulmões. Os feitiços diminuíram quando os magos mergulharam para fora do caminho do feitiço, mas mais tentáculos estavam me agarrando e atacando. Alguns foram desviados, mas outros perfuraram minha armadura, então feridas começaram a se acumular por todo o meu corpo.

A esfera de cristal de gelo curvou-se, passando por onde Mawar estava, e novamente ela desapareceu. Caí do ar, girei e pousei de pé. A esfera estava se movendo em um padrão espiral pelo campo de batalha, e quando se aproximou de mim, agarrei-a e a puxei de volta para o meu corpo, reabsorvendo a mana que havia gasto na conjuração.

Uma dor aguda veio do meu núcleo. Ofeguei e caí de joelhos, agarrando meu esterno como se pudesse arrancá-lo de dentro de mim. Algo estava errado. Reabsorver a mana deveria ter amenizado a reação, não a intensificado.

Levantando os olhos lentamente, com a realização surgindo amarga e indesejada, observei enquanto Mawar, mais uma vez oculta atrás de seus soldados remanescentes, erguia uma mão e gritava suas ordens. As forças alacryanas voltaram à formação e dezenas de feitiços novamente sibilaram pelo ar em minha direção.

Minha cabeça foi jogada para trás quando a dor atingiu uma crescente. Nunca antes senti uma reação como se algo estivesse rasgando e arranhando meu núcleo de dentro para fora. Suei frio assustada, sabendo que a magia das sombras da retentora poderia estar fazendo comigo algo semelhante ao que eu tinha acabado de fazer com Echeron.

Os feitiços do exército se aproximaram de mim. 

E como um só, os feitiços pararam.

Limpei as lágrimas, olhando para dezenas de balas elementais, bolas de fogo, raios de relâmpago e raios de mana amarelo e verde que pairavam no ar ao meu redor. O tempo pareceu congelar.

Lentamente, muito lentamente, o núcleo no meu esterno rachou. Eu podia sentir as peças começarem a se separar uma das outras.

As garras gélidas da morte me chamavam, mas eu as mantinha à distância. Se eu fosse morrer aqui, então não morreria sozinha. 

Utilizando a rotação de mana, lutei para continuar a atrair e circular a mana que meu núcleo não era mais capaz de manipular adequadamente… tentando moldá-la e condensá-la para explodir como uma bomba.

Senti algo, algum reconhecimento primal, faiscar em minha mente no momento em que meu núcleo se abriu.

Um grito se libertou de mim, e com ele, uma nova de mana azul brilhante.

Como se estivesse me vendo de cima, separada do meu próprio corpo, observei enquanto a nova se movia para fora, consumindo os feitiços flutuantes antes de colidir com a força inimiga. Em um instante, cem magos congelaram sólidos, seus corpos transparentes como vidro.

A nova em expansão ondulou e rachaduras surgiram nela, então ela se reverteu, sendo sugada de volta para dentro de mim num piscar de olhos.

A explosão que se seguiu estilhaçou os soldados de vidro e minha consciência ao mesmo tempo.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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