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O Começo Depois do Fim – Cap. 466 – Palavras quase ditas

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POV SETH MILVIEW

As duas horas após a chegada das Assombrações e a mensagem de Agrona pareciam um sonho febril. Lauden Denoir, Sulla Drusus e os outros não foram os últimos a sucumbir às nossas runas amaldiçoadas e não havia como aceitar que a pessoa ao seu lado entrou em combustão espontânea em uma nuvem de sua própria magia destrutiva.

Assim como não havia como aceitar o fato de que eu estava sendo requisitado a pegar uma arma e tirar vidas para salvar a minha própria; vidas das pessoas que o Professor Grey havia convencido a nos dar uma chance.

Não entramos em ação imediatamente. Nosso pessoal teve que ser trazido do outro lado da fronteira, o mais distante deles era uma viagem de algumas horas, Lady Seris estava recebendo nossa estratégia e instruções de Perhata, e estávamos esperando por mais magos de Alacrya.

Lyra me entregou ao intendente para ajudar a distribuir os equipamentos, fiquei quase feliz por ter sido levado para o grande salão de reuniões, longe da vista e da atenção, onde fiquei atrás de uma caixa de lanças e as distribuí uma a uma para todos que se aproximavam. Na ausência de uma necessidade de pensamento lógico, minha mente vagou desesperadamente, quase de forma vingativa.

Quando Circe foi para a guerra em Dicathen, ela não teve muita escolha, mas pelo menos era um soldado indo para a guerra. Ela acreditou que lutava por seu lar e seu sangue e que, se o fizesse bem, poderia me proporcionar uma vida melhor quando nossos pais não pudessem. Porém, isso era diferente. Fiz amizade com os dicathianos e vi a podridão no coração de Alacrya. Seria errado tirar a vida de outras pessoas apenas para prolongar a minha só porque o Alto Soberano colocou uma guilhotina sobre meu pescoço…

Olhei de relance para Lyra Dreide, que estava supervisionando as coisas, encorajando os que hesitavam, incentivando todos a agir. Lady Seris e Lyra viram muito mais da crueldade do Alto Soberano do que eu jamais veria, mesmo assim, ambas escolheram viver. O que isso diz sobre elas?

O que isso diz sobre mim? Eu me perguntava, entregando uma lança a uma jovem que reconheci da Academia Central, mas que não conhecia pessoalmente. Ela assentiu com firmeza e seguiu para pegar um escudo com Enola do Alto Sangue Frost, que estava por perto com uma expressão sombria.

Talvez… talvez fosse melhor recusar, como os outros. Levantar-me rapidamente e ser apagado como a chama de uma vela. Senti minha garganta se contrair ao pensar nisso. Não muito tempo atrás, eu poderia ter aceitado a morte como um fim para minha doença e meu sofrimento. Então Circe teve sucesso onde todos os outros Sentinelas falharam ao mapear a floresta mágica dos elfos, e fomos elevados, mamãe e papai foram embora para se estabelecer em Elenoir, e eu fui curado… e conheci o professor Grey, Mayla e o resto dos alunos da academia.

Pela primeira vez em minha vida, senti que realmente tinha algo pelo que viver, mas o custo era muito alto. Quantas vidas eu teria que trocar pela minha? Rapidamente mordi meus lábios para impedir uma risada sombria e sem humor. Nenhuma, provavelmente. Eu não era um soldado. Era mais do que provável que fosse abatido no primeiro minuto da batalha e morreria de qualquer maneira.

Esse pensamento trouxe uma espécie de calma pacífica, aliviando a dor torturante atrás de meus olhos. Eu não deveria morrer nos termos dele. Se minha vida tivesse que terminar, não deveria fazê-lo da maneira correta?

Fechei os olhos, sem reagir à fila de homens e mulheres que ainda esperavam por suas armas, e respirei fundo. Alto Soberano. Espero que você possa me ouvir. Se puder, ouça com muita atenção. Meu nome é Seth Milview. Minha irmã era Circe. Silas era meu pai e Cerise, minha mãe. Todos eles morreram por esta guerra, por você, mas eu não morrerei. Eu recu…

Um tumulto do lado de fora interrompeu meus pensamentos. As filas para armas e armaduras estavam se desfazendo à medida que as pessoas tentavam sair para a luz do sol, olhando ao redor. Enola me lançou um olhar sombrio e deixou seu posto.

A curiosidade travando uma guerra contra as palavras impensadas que ainda ardiam no fundo da minha mente, saí e segui mais devagar, quase me agarrando às paredes, nervoso para deixar o abrigo que elas ofereciam contra o caótico fluxo de atividade em todo o acampamento.

Do lado de fora, em um espaço aberto próximo a um dos campos elevados, vários Instiladores haviam montado uma grande estrutura retangular de algum material escuro. Era alimentado por uma fiação metálica azul conectada a grandes cristais de mana. Um portal já brilhava dentro da moldura, e as pessoas estavam começando a sair.

Meu coração afundou.

Reconheci alguns deles como membros dos sangues que haviam aceitado o convite do Alto Soberano para abandonar a rebelião e voltar à vida normal, mas eles supostamente se ofereceram para acabar com a luta em resposta à presença dos dragões em Dicathen.

Os que chegaram pareciam assustados e confusos. Estavam armados com muito mais eficiência do que nossa coleção desorganizada de armas e armaduras, mas falharam completamente em manter qualquer aparência de ordem. Seris, acompanhada pela Assombração, Perhata, tentou manter pelo menos um pouco de organização, oferecendo aos líderes da força instruções rápidas sobre onde ir e quanto tempo levaria.

Contudo, não entendi nada do que ela disse. Meu foco, toda a minha consciência, se concentrou em um único ponto.

Mesmo com seus longos cabelos castanhos escondidos sob um capacete de couro, Mayla era inconfundível. Seus olhos brilhantes, molhados de lágrimas e enrugados de preocupação, brilhavam como faróis em meio à multidão de corpos que a cercava. Ela segurava um pique enorme contra o peito, com a ponta afiada apontada diretamente para o céu, e olhava ao seu redor com evidente terror.

Começando a correr, passei por outras pessoas, mal percebendo que estavam tão deslocadas e desconfortáveis quanto Mayla, tentando alcançá-la. Ela estava sendo empurrada com seu grupo de batalha dentro de uma patrulha maior de jovens alacryanos, nenhum dos quais reconheci, além dela. Procurei em seus rostos uma garota mais velha que se parecesse com Mayla, mas ninguém correspondia a essa descrição. Embora não fosse motivo de muito alívio, pelo menos parecia que sua irmã não tinha sido enviada também. Como uma pessoa sem adornos, era improvável que Loreni tivesse sobrevivido até mesmo por alguns instantes em uma batalha contra magos dicathianos.

— Mayla! — gritei, acenando com uma das mãos sobre minha cabeça. — Mayla, aqui!

Ela franziu a testa, torcendo o pescoço para um lado e para o outro enquanto procurava quem estava gritando entre os soldados. Através de um espaço entre dois grupos de batalha amontoados, seus olhos encontraram os meus e ela começou a chorar.

Passei pelos outros e tive que me controlar para não derrubá-la quando a encontrei. Ainda assim, nos unimos como ondas de tempestade contra penhascos à beira-mar, arrancando de nós dois uma respiração difícil. Uma risada sem fôlego sibilou em meio ao choro de Mayla, e eu me engasguei com as muitas emoções conflitantes que se agitavam em meu próprio peito.

Um jovem fortemente armadurado, um metro mais alto e cem quilos mais pesado do que eu, agarrou o ombro de Mayla.

— Volte para a fila, Fairweather, precisamos…

Apesar de sua óbvia vantagem física, eu o fuzilei com um olhar incandescente, e ele afastou a mão como se tivesse sido queimado, olhou para mim incerto por alguns segundos, depois deu de ombros e se juntou ao resto do grupo de batalha.

— Por Vritra, Seth, o que está acontecendo? — Mayla perguntou depois de mais alguns longos momentos, com a voz tensa. — O que você está fazendo aqui?

— Eles não lhe disseram para onde você estava indo? — perguntei.

Ela balançou a cabeça fracamente.

— Estamos em Dicathen, certo? Nós… fomos todos reunidos e levados para Taegrin Caelum. Achei que eles iam nos matar! E mataram… alguns, pelo menos. Quando disseram que não iriam lutar. Porque foi por isso que nos reunimos, para sermos armados e enviados para lutar em Dicathen.

Eu estava balançando a cabeça em descrença.

— É pior do que isso, Mayla. O Alto Soberano está procurando pelo Professor Grey. É isso que estamos fazendo: lutando para atravessar Dicathen em busca dele. E se recusarmos… — Meus olhos se estreitaram, uma lâmina quente de raiva cortando a confusão de todas as outras emoções. — Ele vai virar nossas runas contra nós, Mayla. Queimar-nos com nossa própria magia.

De alguma forma, ela empalideceu ainda mais e seus olhos se arregalaram.

— Isso não é…

 — É — assegurei-lhe desesperadamente. — Ele pode sentir isso em nós, essa hesitação e recusa. Se você sequer pensar que não vai segui-lo, ele a queimará de dentro para fora.

Expliquei rapidamente tudo o que havia acontecido, minha vontade de recusar servi-lo diminuindo. Mayla ficava mais chocada a cada palavra e, quando terminei, estava vazia e esgotada. Inesperadamente, ela se iluminou de repente quando um pensamento lhe ocorreu.

— Mas o professor Grey… Arthur Leywin. Ele pode lutar contra Agrona. Se o encontrarmos, poderemos…

Balancei a cabeça freneticamente e apertei sua mão com força.

— Não faça isso. Nem pense nisso. Independente do que acontecer ou não, concentre-se apenas em lutar para chegar ao professor. Apenas isso.

Ela parecia hesitante.

— Mas e se… — Ela engoliu, claramente não querendo terminar a frase.

— Nós cuidaremos um do outro — disse com firmeza, tentando acreditar nisso. Mesmo que eu estivesse pronto para tomar essa decisão por mim mesmo, não poderia pedir a Mayla que o fizesse também. Tampouco poderia seguir o caminho mais fácil e deixá-la lutar e talvez morrer nessa batalha, sozinha. — Formaremos nosso próprio grupo de batalha e faremos o que nos foi dito do nosso próprio jeito. — Eu estava pensando, procurando um caminho para superar isso, mas tive o cuidado de controlar meus pensamentos. Não estava recusando o serviço, e Mayla também não. Estamos cumprindo, pensei com firmeza.

Segurando sua mão, comecei a puxá-la para longe das filas de alacryanos que ainda passavam pelo portal, e tive outra revelação. Seris e Lyra… não estão lutando contra essas ordens porque… elas não podem pedir que todos nós nos sacrifiquemos. Era isso, essa era a armadilha. Mesmo aqueles de nós que não lutariam para salvar suas próprias vidas, fariam por nossos sangues… nossas famílias… as pessoas que nós…  — meus olhos saltaram para Mayla e se afastaram ainda mais rapidamente — amamos.

— Para onde estamos indo? — perguntou Mayla, cambaleando ao meu lado.

— Encontrar o restante do nosso grupo de batalha — expliquei com firmeza, procurando rostos conhecidos na multidão. Quando vi quem eu mais esperava ver, acenei. — Enola!

Enola, do Alto Sangue Frost, era fácil de identificar; seu cabelo dourado praticamente brilhava ao sol. Ela estava com alguns membros de seu sangue, mas, felizmente, seu avô intimidador não estava presente.  Todos se viraram para olhar para mim quando gritei o nome dela, e me senti encolher enquanto meus passos vacilavam.

Enola disse algo para os outros, depois se separou e marchou rapidamente em nossa direção. Parei, feliz por poder falar fora do alcance do sangue dela.

— O que foi, Seth? Você não deveria… Mayla! — Enola olhou para a outra garota com ceticismo. — É verdade, então? Eles estão forçando todos os associados à Lady Seris a lutar?

Mayla contou a Enola tudo o que havia vivido, acrescentando alguns detalhes que havia omitido anteriormente, como a pilha de corpos que a retentora Mawar usou para fazer de exemplo para qualquer pessoa que estivesse assustada demais para obedecer ordens, ou o fato de que ela foi basicamente sequestrada de sua própria casa por dois capangas, deixando sua mãe e irmã gritando atrás dela. No entanto, não foram apenas aqueles que se afastaram da rebelião de Seris nas Relictombs que atravessaram o portal; todos os seus parentes, pelo menos os que fossem magos, foram forçados a lutar também, e muitos residentes de Sehz-Clar que estavam apenas tangencialmente ligados às forças rebeldes também foram pegos nisso.

— Pelos chifres de Vritra — amaldiçoou Enola, com as narinas dilatadas. — Tudo isso para quê? Uma perseguição de woggart selvagem em Dicathen pelo professor? Não posso acreditar que, depois de tudo, ainda acabei lutando nos exércitos do Alto Soberano. Professor Grey, ele disse… — Ela se afastou e balançou a cabeça levemente. — Não importa. Então, o que você quer de mim?

Limpei a garganta e me mexi desconfortavelmente.

— Eu… bem, Mayla e eu não temos sangue aqui. Não recebi nenhuma instrução para algum grupo de batalha, e ela foi colocada com estranhos que não a conhecem e a quem ela não pode confiar sua vida. Treinamos juntos e todos sabemos o que está acontecendo. Se ficarmos juntos…

O olhar de Enola era intenso e até mesmo um pouco intimidador, mas quando parei, ela não hesitou em responder.

— Meu sangue formou seus próprios grupos de batalha, mas eu não gostaria que vocês dois fossem deixados de fora. Vou me juntar a vocês. Juntos, podemos nos manter vivos e prosseguir com essa “missão” de uma forma que não manche nossa honra.

Dei um suspiro de alívio.

— Ah, obrigado.

Mayla praticamente caiu para frente e envolveu Enola com os braços, fazendo com que a outra garota parecesse extremamente desconfortável.

— Obrigada — disse ela em um soluço sufocado, depois se afastou e limpou a garganta, ficando um pouco mais alta. — Obrigada — disse ela novamente com mais firmeza.

— Eu sou uma Atacante, obviamente, e Mayla, você é uma Sentinela? — perguntou Enola. Quando Mayla respondeu afirmativamente, Enola me inspecionou de perto. — Parece que não me lembro de ter conversado com você sobre suas runas ou treinamento, Seth. Que função você desempenha?

Esfreguei a parte de trás do pescoço nervosamente.

— Sou… flexível. Parece que precisamos mais de um Escudo, mas também posso trabalhar como Conjurador.

Enola piscou os olhos.

— O que você quer dizer com isso?

Alguém começou a gritar atrás de mim e recuei instintivamente. Irritado comigo mesmo por causa da minha precipitação, forcei-me a me endireitar.

— Meu emblema é um pouco mais flexível do que a maioria, eu acho.

As sobrancelhas claras de Enola se ergueram, mas seus olhos passaram por mim, fazendo com que eu me virasse e olhasse.

— …Totalmente injusto! Um galho podre é motivo para podá-lo, não para arrancar a árvore inteira pela raiz e jogá-la no fogo. — Uma jovem de pele morena e olhos escuros estava fazendo uma cena. Lyra estava atravessando a multidão em sua direção.

Não reconheci a mulher, mas conhecia duas das pessoas que a cercavam, claramente do seu sangue. O diretor Ramseyer tentou falar com ela, buscando assegurá-la de algo, mas ela se recusava a olhar para ele. No entanto, por mais surpreendente que fosse ver o diretor aqui, de todos os lugares, ver Valen parado a vários metros de distância, com os braços cruzados e de costas para o sangue, com uma carranca horrível no rosto, era ainda mais surpreendente. Porém, seus olhos estavam vermelhos e sua pele escura estava pálida e com aparência quase doentia, imediatamente senti uma pontada de preocupação por ele.

Lyra também levantou a voz, apontando para o sangue de Ramseyer de forma acusadora, quando Valen percebeu que eu o estava observando. Ele lançou um olhar depreciativo por cima do ombro e se afastou rapidamente do tumulto, que havia atraído bastante atenção.

— Você estava aliado com Lady Seris? — Enola perguntou, incrédula, quase enojada.

— Claro que não! — Valen respondeu com seu habitual ar superior. — Mas minha prima, Augustine, não conseguiu manter uma cidade contra Arthur Leywin, e meu avô o contratou e lhe deu um apoio significativo antes que sua identidade fosse revelada; aparentemente isso é tudo o que é necessário para condenar todo o nosso sangue. Você consegue imaginar o que é enviar um homem de 80 anos para a guerra em um piscar de olhos? O Alto Soberano perdeu sua mente Vritra.

— Bem, agora você está conosco — disse Mayla com um sorriso fraco.

Ela estendeu a mão para Valen, e o simples gesto foi suficiente para quebrar seu exterior de pedra. Ele pegou a mão dela, aparentemente aliviado.

Contamos a Valen o que sabíamos e o que tínhamos planejado, seu rosto ficou novamente duro e distante.

— Isso faz sentido. Vendo como essa ralé é desordenada, ninguém pensará em nos contrariar. Não é o grupo mais testado em batalha, mas se ficarmos próximos aos sangues Ramseyer e Frost, estaremos bem protegidos.

— Ao mesmo tempo em que garantimos o cumprimento à risca das ordens do Alto Soberano! — Enola disse rapidamente, com a voz ficando momentaneamente rouca de nervosismo, enquanto seus olhos se voltavam como se ela esperasse encontrar o Alto Soberano escondido nas sombras nos observando.

— Então temos nosso grupo de batalha. — Eu disse com um aceno firme de cabeça.

Enola e Valen saíram para informar seus sangues sobre suas intenções, enquanto Mayla e eu saímos da agitação. Um silêncio incômodo caiu entre nós, engolido pelo barulho maior dos preparativos. Mais magos continuaram atravessando o portal por mais alguns minutos, com graus variados de desorientação e resistência.

Meus pensamentos eram uma confusão complicada e eu podia sentir o mesmo em Mayla. Demos as mãos, mas achei difícil olhar para ela, vestida com sua armadura de couro e correntes, com as runas em suas costas exibidas com orgulho. Sua mandíbula estava rígida de tensão e seus olhos estavam baixos.

Estávamos tão perto de uma vida diferente, mas eu me sentia como se tivesse acordado de um sonho de repente, e o pior é que não podia nem confiar que minha própria mente não me trairia. Eu precisava manter meus pensamentos ordenados e marchar em pequenas fileiras, contornando cuidadosamente qualquer intenção rebelde.

Apertei a mão dela.

— Vamos superar isso.

Ela tentou sorrir, mas a expressão não chegou a seus olhos. Tudo o que ela conseguiu como resposta foi um aceno fraco de cabeça.

Enola retornou primeiro, com a cara fechada, mas decidida a seguir seu caminho. Valen voltou um minuto depois, com o olhar distante e assombrado. Não conversamos, apenas assistimos enquanto pessoas muito mais velhas e assustadas do que nós se esforçavam para seguir ordens e se organizar em grupos de batalha. Por fim, os Instiladores desativaram o portal, pareciam trabalhar para alterar as configurações e depois o reativaram.

— Como eles sabem para onde nos enviar? — perguntou Mayla.

Pensei que talvez fosse uma pergunta retórica, mas ouvi a Assombração explicando para Seris antes, então respondi.

— Aparentemente, todos os dragões foram atraídos para o local onde nosso mundo se conecta ao deles. Estamos sendo enviados para uma cidade chamada Vildorial. Eles desativaram seus portais de teletransporte de longo alcance e até mesmo a maioria de seus portais locais, mas aparentemente essa nova tecnologia pode procurar e se conectar a qualquer portal ativo. Tudo o que precisamos é que eles tenham deixado passar um único portal, então poderemos nos conectar e nos infiltrar na cidade dessa forma.

— E eles deixaram? — perguntou Mayla. — Esse um, quero dizer?

Valen fez um gesto para o portal recém-ativado e os Instiladores se reuniram ao redor dele com Seris, Lyra, Lorde Frost, Lorde Denoir e vários outros alacryanos de alto escalão, todos sob o olhar atento de Perhata.

— Parece que sim. Duvido que tenha havido alguma dúvida. Não sei nada sobre essa cidade, mas parece improvável que o Alto Soberano tenha deixado tal coisa ao acaso. Não para uma operação dessa escala.

De repente, o grupo de Lyra estava se separando, e alguém fez um sinal. Os líderes de grupo gritaram ordens, os grupos de batalha se alinharam e meu coração começou a bater rapidamente.

Percebi que Enola estava desviando o olhar do portal. Segui a linha de seu olhar até um grande grupo de crianças que estavam sendo monitoradas por um punhado de pessoas sem adornos que, para sua sorte, não podiam ser forçadas a entrar nessa guerra pela ameaça de suas runas, já que não tinham nenhuma.

Quando olhei para trás, Lyra estava marchando em nossa direção. Eu me endireitei nervosamente.

— Você encontrou algumas pessoas em quem pode confiar para protegê-lo, isso é bom. — Ela começou sem preâmbulos. — Coloquem-se no meio das fileiras, se puderem. Evitem estar na linha de frente, mas estar muito perto da retaguarda pode fazer com que vocês encontrem um esforço defensivo vildoriano já engajado. Não sejam heróis, mas… — Ela fez uma pausa, enrolando as palavras em sua boca. — Essa coisa que precisamos fazer… não há razão para se tornarem vilões também. Confiem que há mais em tudo isso do que podem ver e se protejam enquanto são fiéis ao que acreditam. O mundo mudou muito nos últimos dois anos, para todos nós. Não se desesperem achando que essa mudança resultará em nada além de um retorno ao pior de nós. Entenderam?

Um calafrio subiu por minhas costas. Embora as palavras de Lyra tenham sido dirigidas a nós quatro, seus olhos permaneceram nos meus o tempo todo. Assenti fracamente com a cabeça.

— É claro, Lady Lyra. E… obrigado por tudo.

Ela sorriu levemente.

— Eu o verei do outro lado, Seth Milview. Você e seus amigos.

Fomos conduzidos a uma linha crescente de grupos de batalha que estavam na fila para atravessar o portal. Embora o portal nesta extremidade fosse largo o suficiente para que várias pessoas passassem lado a lado, foi dito que o portal de recepção só poderia receber quatro de uma vez e, portanto, cada grupo de batalha passaria junto, um após o outro.

De alguma forma, parecia demorar muito tempo e, ao mesmo tempo, que o tempo estava passando muito rápido, como se estivesse desaparecendo ao meu redor enquanto os primeiros grupos de batalha, aqueles trazidos por alguns dos alto sangues de Alacrya, magos realmente organizados com equipamento e treinamento adequados, marchavam para o retângulo brilhante e opaco do portal atrás de Lady Seris, seu retentor Cylrit e Lyra, que assumiu a liderança. Como um furo em uma represa, começamos a entrar na pequena abertura, desaparecendo quatro a quatro.

Minha imaginação se agitava e cambaleava, conjurando todos os cenários potenciais sobre o que estaria acontecendo do outro lado e, de repente, estávamos bem em frente ao portal. Anvald, um homem largo com a cabeça raspada que já foi o mago supremo da Associação dos Ascendentes, estava nos conduzindo pelo portal. A Assombração, Perhata, estava nos encarando com escárnio incontido do lado de Anvald.

Olhei para a minha esquerda, mas Enola estava olhando para frente, para o portal. À minha direita, Mayla estava segurando a arma com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos como ossos. Do outro lado dela, Valen cerrou os dentes e fez um aceno brusco para mim.

Como um, marchamos em direção à superfície opaca do portal.

O chão foi arrancado sob meus pés e me senti atravessando o continente. A sensação durou apenas um ou dois segundos e, em seguida, tropecei em um espaço escuro, empoeirado e apertado, quase esbarrando nas costas de um Conjurador de meia-idade que estava na fila à minha frente.

A câmara que continha o portal de recepção havia desmoronado parcialmente em algum tipo de explosão mágica, e os magos à nossa frente foram forçados a rastejar sobre os escombros. Enola não perdeu tempo em segui-los, forçando o resto de nós a correr atrás dela enquanto empurrava o mago à nossa frente com uma mão em suas costas.

Fogo mágico crepitava e explodia do lado de fora do corredor desmoronado. Não era um túnel longo, mas a dificuldade de navegar por ele fez com que nossas forças ficassem congestionadas, retardando nosso progresso. Através dos escombros e do espaço ocasional entre os corpos, pude ver outros alacryanos lutando além da abertura e, além deles, uma enorme caverna subterrânea como eu nunca havia imaginado.

— Seth, esteja pronto com um escudo — ordenou Enola com uma rápida olhada por cima do ombro. — Mayla, você fica com o Seth. Use suas habilidades como Sentinela para ler a caverna. Procure o professor, você se lembra de como é a presença dele. Valen…

— Passei pelo mesmo treinamento de formação de grupo de batalha que você, Enola — disse Valen. Ele tinha suor nas sobrancelhas e havia um tremor em sua voz. — Eu sei como lidar com minha própria magia, muito obrigado.

Engoli, pensando nas runas que marcavam cada uma de nossas costas.

— Tenham cuidado com seus pensamentos, pessoal.

A tensão, que já era espessa o suficiente para ser esculpida com um machado de batalha, aumentou ainda mais.

Quando os magos à nossa frente entraram pela boca do túnel, imediatamente se juntaram à luta, lançando feitiços, conjurando armas e se escondendo atrás de escudos enquanto tentavam abrir espaço para os que vinham atrás deles. Se o túnel ficasse bloqueado, nossas forças seriam divididas e rapidamente se tornariam impotentes, esperando para morrer uma a uma quando nos soltássemos. E eu não tinha ideia do que aconteceria com o portal se ele não tivesse lugar para colocar os recém-chegados…

O pensamento horrível me estimulou a seguir em frente e canalizei mana para o meu emblema. A magia foi ativada facilmente, expandindo-se por meus canais e veias para me envolver em um invólucro reconfortante de magia que emitia uma leve luz azul.

Levou muito tempo e muita prática para chegar a esse ponto, e ainda mais tempo para perceber que o emblema oferecia mais. Eu havia alcançado apenas os dois primeiros estágios de sua ativação, mas isso era o suficiente para entender que era incomum. O oficiante da cerimônia de outorga não agiu como se fosse algo estranho, mas nunca senti que o emblema se encaixava nas categorias rígidas normalmente atribuídas às runas alacryanas.

Quando a mana se agarrou à minha pele, eu a empurrei para fora e ela fluiu para a frente para envolver Enola. Um instante depois, ela se soltou dos escombros e uma bala de pedra a atingiu na lateral, estilhaçando e enviando uma forte ondulação através do escudo conjurado, além de uma dor como um soco em meu núcleo, enquanto o feitiço puxava meus estoques de mana para se sustentar.

Ainda assim, era melhor ter algo em que se concentrar. Enterrei todo o resto, todo o medo e o horror da batalha e as camadas de emoções conflitantes, sob o foco necessário para manter o feitiço.

— Vão, vão, vão! — gritou um mago corpulento, nos fazendo avançar. — Rompam as defesas e entrem na cidade! Encontrar a Lança deles é sua única prioridade, então vão!

Tínhamos chegado a uma espécie de estrada que contornava as paredes externas da enorme caverna. As forças de Dicathen, compostas principalmente de anões, mas também apimentadas com humanos e elfos, estavam nos cercando pela esquerda e pela direita, dando às nossas tropas recém-chegadas pouco espaço de manobra e quase nenhum lugar para ir. No entanto, os defensores ainda estavam lutando para se posicionar, obviamente pegos de surpresa com a nossa aparição repentina.

Os feitiços choveram ao nosso redor, então expandi o escudo de Enola para que envolvesse nós quatro enquanto atravessávamos a estrada para olhar a cidade dos anões.

Era incrível. Gostaria de ter tido a chance de vir aqui antes de tudo isso acontecer. A arquitetura era diferente de tudo o que já havia visto antes, robusta e objetiva, mas ainda assim muito bonita. Eu deveria estar estudando essas pessoas, não tentando matá-las.

Um raio perdido de fogo azul atingiu o escudo, que era mais fraco e difícil de gerenciar nesse tamanho, ele tremeu perigosamente.

— Seth, preste atenção! — Enola gritou. Ela apontou para a curva da estrada. — Ali, naquela rua lateral. Se conseguirmos passar por esses grupos dicathianos, poderemos nos esconder sob a cobertura dos prédios que se agarram à borda da caverna.

— E como exatamente você propõe que façamos isso? — Valen perguntou de forma mordaz, olhando de um lado a outro na estrada. — Nossas forças estão presas. Esse portal nos trouxe muito alto.

Como se fosse uma resposta, alguém do nosso lado conjurou uma enorme rocha de gelo azul profundo, que começou a rolar pela estrada curva, passando pela parede da caverna e esmagando a varanda da frente de uma casa esculpida na lateral à medida que ganhava velocidade, aproximando-se rapidamente da linha de defensores. Vários feitiços quebraram ou derreteram formando marcas no gelo, mas percebi, enquanto observava, que muitos dos dicathianos não eram magos.

Eles organizaram seus escudos de forma a bloquear e desviar a pedra. Ela bateu neles com força suficiente para fazer vários deles se esparramarem, e pelo menos um deles parecia não conseguir se levantar novamente. Os que estavam atrás trocaram de posição para empurrar a pedra contra a parede, usando o atrito para combater os efeitos da gravidade sobre ela. Percebi que estavam tentando evitar que continuasse a rolar ou que saísse pela beirada do penhasco íngreme da estrada, o que a faria despencar sobre as estruturas abaixo.

No entanto, vários grupos de batalha estavam seguindo o rastro do pedregulho, dando aos anões pouco tempo para lidar com o projétil rebelde.

— Lá, com eles! — Enola gritou, correndo para a frente. Não tive outra escolha a não ser segui-la, Mayla e Valen estavam bem ali conosco.

Nosso time mergulhou em sua linha dispersa com feitiços e lâminas, aumentando a distância e forçando os defensores a recuar. Meu estômago saltou para a garganta quando vi um anão ser empurrado para a beira do precipício por um colosso vestido com uma armadura de placas que parecia não ter nenhum remorso em matar.

Tive que puxar o escudo para mais perto de nós, forçando nosso grupo de batalha a correr em um nó apertado. Flechas de metal incandescente bateram contra a superfície do escudo e Enola foi forçada a desviar o golpe de um machado que conseguiu atravessar a barreira protetora antes que eu a estabilizasse. Seu contra-ataque fez um anão cambalear, e eu desviei o olhar antes que ela pudesse desferir um golpe mortal, mas ela não finalizou o anão, em vez disso nos levou para mais fundo em suas linhas.

Um trovão vindo da minha esquerda, ao ar livre, acima da maior parte da cidade, enviou um choque em meu peito e membros, fazendo meu coração bater dolorosamente e meus pés tropeçarem. Quase tropecei e caí, o que provavelmente teria sido o fim de nosso avanço, mas Valen me agarrou pelo braço e me manteve de pé.

Mal pude ver Lady Seris e Cylrit voando em círculos ao redor de um homem com uma grossa armadura de metal e segurando uma longa lança vermelha. Seus cabelos loiros estavam esvoaçando descontroladamente ao seu redor e seus olhos brilhavam com o branco-azulado de um relâmpago. A eletricidade passou por cima de sua armadura e brilhou em direção à estrada atrás de nós, diretamente para o grupo de alacryanos que segurava a entrada do túnel.

Uma névoa negra surgiu do ar e engoliu o raio, desfazendo o feitiço.

Com pouca atenção de sobra, ainda senti um choque primordial no fundo do meu coração enquanto observava os três trocarem feitiços e golpes, incapaz de acreditar que esse único cavaleiro estava se defendendo de uma Foice e um retentor.

Uma vibração punitiva, visível no ar como linhas pretas irregulares, rolou como uma onda gigantesca pelas forças dicathyanas. Escudos protetores de pedra e metal apareceram para interromper o efeito, mas todos se estilhaçaram. Os anões ao nosso redor levaram as mãos aos ouvidos e caíram de joelhos, abrindo caminho para que passássemos correndo e sem pressa.

Enola continuou a liderar o caminho, batendo nas pedras do pavimento da estrada curva em busca de cobertura. Mais dicathianos ainda estavam chegando de toda a cidade, se não encontrássemos uma maneira de sair da zona de batalha, ficaríamos isolados e…

Tentei não pensar nessa parte. Estava tão ocupado me preocupando em ter que matar alguém que quase me esqueci de que havia uma possibilidade muito real de que eu morresse nessa batalha. O conhecimento se abateu sobre mim com o peso de minha própria mortalha fúnebre e, com raiva, enxuguei as lágrimas de medo.

— Ali! — Enola não esperou por nós, ao invés disso, pulou da beira da estrada, caiu vários metros e aterrissou no telhado inclinado de uma casa de anões que se formava diretamente na parede da caverna abaixo de nós.

Valen a seguiu sem medo, lançando um raio de mana negra crepitante em um esquadrão de soldados dicathianos que se aproximava enquanto ele voava pelo ar. Hesitei o suficiente para pegar a mão de Mayla e saltamos juntos, com balas de obsidiana colidindo em meu escudo nos momentos que antecederam o deslizamento para baixo da borda da estrada.

Aterrissei de forma desajeitada e meus pés saíram de baixo de mim, de modo que despenquei pelo telhado inclinado como uma criança em um trenó de neve. A mão de Mayla se soltou da minha enquanto ela se segurava, mas tudo o que eu conseguia ver era o fim iminente do telhado antes de despencar três andares em um jardim de pedras irregulares.

Meus dedos se esforçaram para se firmar nas ranhuras dos azulejos, mas só se atrapalharam. Senti meu coração parar quando o ar livre se abriu sob mim, com as rochas irregulares brilhando abaixo.

Parei bruscamente, minha armadura de couro marrom liso me sufocou quando alguém a segurou pela nuca. Lentamente, fui puxado de volta para a borda do telhado. Olhando ao redor, encontrei os olhos de Enola. Estavam arregalados e vermelhos por causa do suor que escorria por eles.

— Obrigado — sussurrei.

— Não iremos muito longe sem nosso escudo — respondeu ela com aspereza. Todavia, não me soltou até ter certeza de que eu estava com os pés no chão.

Acima de nós, Valen e Mayla estavam descendo cuidadosamente a encosta. Acima deles, um anão olhou para baixo da estrada. Suas mãos rodopiaram à sua frente, seus lábios se moviam rapidamente sob a barba em uma espécie de canto, enquanto a luz laranja se condensava em magma líquido à sua frente.

— Vão, vão! — gritei desesperadamente, conjurando o escudo mais uma vez, tendo deixado o feitiço cair enquanto fazia o mesmo, e colocando-o sobre nossas cabeças.

Enola não se preocupou em verificar o que eu estava vendo antes de pular do telhado para uma sacada vários metros abaixo. Valen estava logo atrás dela e Mayla alguns passos depois.

Manchas de lava laranja brilhante espirraram como chuva grossa no escudo, minha mana estourando e sibilando contra o ataque do anão. Ajoelhando-me, puxei e fortaleci o escudo, engrossando a barreira e, então, esperando não matar o homem, empurrei para cima. O escudo atirou a lava para longe, pulverizando-a contra a parede da caverna e sobre a borda da estrada.

O anão deu um grito e sumiu de vista, eu me virei e pulei para a varanda com os outros. Enola já estava descendo por um pilar, com Valen esperando logo atrás, com a mão cheia de mana negra pronto para qualquer um que atacasse nesse meio tempo. Enviei minha mana para Enola, protegendo-a enquanto ela estava exposta, e fiz uma varredura nas proximidades em busca de inimigos.

Pela porta de vidro da varanda da casa, encontrei os olhos de vários anões, todos agachados no chão, perto da parede mais distante de um quarto anão. Meu peito doía ao considerar minhas ordens: atacar civis inocentes fazia parte do meu mandato?

Desviei o olhar, sabendo no fundo que não poderia fazer isso, não importava o custo.

A dor no meu peito se espalhou pela minha coluna e por minhas runas, senti a magia fervilhando, mal permanecendo sob meu controle, a barreira ondulou e se desfez ao redor de Enola. Felizmente, ela chegou ao chão sem incidentes, mas eu fiquei ofegante e tremendo. Mayla era a nossa Sentinela, ela poderia encontrar o Professor Grey, ela poderia, eu sabia disso, por isso precisava protegê-la, estava cumprindo meu dever, seguindo ordens; a tensão diminuiu, a mana crepitando sob minha pele foi se acalmando e retornando ao meu controle.

Conjurei a barreira novamente, envolvendo-a em torno de Mayla enquanto ela descia. Tremendo, eu a segui, fazendo o possível para manter a mana de proteção no lugar, mesmo quando minha mente ficou entorpecida pelo medo. Mais uma vez, concentrei-me na sensação de conjurar o feitiço, usando-a para forçar todo o resto em minha mente para baixo.

— Você está bem? — Valen perguntou enquanto descia atrás de mim.

Sem conseguir falar, apenas assenti com a cabeça antes de me virar e esconder o rosto.

Enola estava examinando a rua estreita. A parede esculpida com casas surpreendentemente grandes em ambos os lados. Mais casas se agarravam à parede da caverna abaixo de nós.

— Ali! — disse uma voz áspera; dois dicathianos haviam contornado a borda da casa vizinha, pegando-nos em pé na rua.

Valen lançou um feitiço enquanto Enola se colocava entre nós e eles, incentivando Mayla a correr na outra direção.

Um dos dicathianos — uma elfa, pelo que parecia — segurava uma estranha lâmina de duas mãos. O metal estava enegrecido e brilhava com veias alaranjadas e havia um volume estranho na proteção e no cabo, que se encaixavam desajeitadamente em suas mãos. Mesmo quando o notei, ele se tornou laranja com um calor intenso que eu podia sentir a seis metros de distância.

Os elfos não podem usar mana do atributo fogo.

O pensamento surgiu do nada, algum fato guardado para uso posterior durante meu estudo de Dicathen.

Eu ainda estava pensando nisso quando os dois soldados dicathianos atacaram.

Recuei um pouco mais, mantendo Mayla atrás de mim e meu foco em Enola para protegê-la. Valen lançou seus feitiços, mas a elfa se moveu com uma rapidez impressionante para alguém sem uma assinatura de mana, fluindo como o vento ao redor dos raios negros de mana. Quando a lâmina laranja foi em direção ao seu quadril, Enola se esquivou instintivamente, mas não trouxe sua própria lâmina para contra-atacar, em vez disso, mirou um rápido contragolpe no braço da elfa.

Um suspiro saiu dos meus lábios quando a espada atravessou a mana que eu estava conjurando, por pouco não atingindo Enola. A própria surpresa de Enola minou a força de seu golpe, sua lâmina imbuída em mana deslizando inofensivamente sobre a armadura da elfa.

Todavia, a espada estava tão quente que deixou o quadril de Enola chamuscado, fazendo-a imediatamente tropeçar para trás, com a mão pressionada contra o local, horrorizada.

O homem humano lançou o escudo contra minha mana no mesmo instante em que eu o forcei de volta, selando o ferimento deixado pela estranha arma. Ele girou e bateu com um martelo na cabeça de Enola, mas o ataque foi desviado. Um raio de mana escuro o atingiu no peito um instante depois, o jogando no chão, com a pesada armadura de metal enegrecida e rasgada sobre seu torso.

Poderia ter sido um ataque fatal se não fosse pela capacidade inerente dos dicathianos de se protegerem com mana o tempo todo.

A elfa esculpiu meu escudo de novo, dessa vez atacando o feitiço diretamente e abrindo-o o suficiente para que pudesse passar por ele. Ela golpeou Enola, forçando-a a tropeçar para trás, ainda com o pé errado, e depois avançou em direção a Valen. Em vez de tentar protegê-lo, envolvi minha mana em torno dele e o afastei do golpe, interrompendo o lançamento de seu próximo feitiço, mas deixando-o bem longe do alcance do corte fatal.

Contudo, a elfa não parou de se mover, lançando-se com o pé traseiro e mirando em meu pescoço. Minha mana se condensou em torno do braço dela, que parou de se mover repentinamente e com força suficiente para arrancar seu ombro do encaixe.

Fiquei com náuseas quando ela gritou de dor e a espada caiu de suas mãos moles.

A lâmina de Enola brotou do peito da elfa. Minha mana escapou do meu controle, soltando o braço da mulher, ela caiu no chão com sangue saindo de sua boca. Fiquei congelado, incapaz de ver qualquer coisa, exceto a mulher que eu tinha acabado de ajudar a matar.

Quanto de sua família morreu em Elenoir junto com a minha? Eu me perguntava, esquecendo-me de tudo o mais.

Um rugido de fúria de batalha arrancou a cortina de meus olhos bem a tempo de eu ver o martelo do homem colidir com a lateral do capacete de Enola, deslocando sua cabeça para o lado e derrubando-a como se ela estivesse cheia de grãos em vez de músculos e ossos.

Valen lançou outro feitiço, mas ricocheteou no escudo gravado com runas do homem, que zumbiu ao extrair mana de seu portador para sustentar o encantamento. O martelo do homem voou pelo ar em direção a Valen no momento em que eu estava conjurando meu escudo novamente; foi por pouco que o desviei dele, mas isso o forçou a atingir Mayla na canela, derrubando-a de joelhos com um gemido agonizante.

Dei um meio passo em direção a ela, distraído, e só vi pelo canto dos olhos o homem mergulhar na arma em chamas da elfa morta. Valen estava recuando, lançando feitiços, mas o dicathiano desviava de um após o outro.

Quando alcançou a lâmina, em vez de continuar, mexeu na empunhadura e senti uma onda de energia mágica vindo de dentro dela.

Agindo por puro instinto, eu o envolvi em um casulo de mana, mas ele atravessou com a lâmina, abrindo caminho e emitindo uma onda de calor intenso que me derrubou e avermelhou minha pele mesmo com uma camada adicional de mana. Ele ergueu a lâmina com um braço trêmulo enquanto se defendia dos feitiços de Valen com seu grande escudo de metal, eu senti o poder se condensando dentro dele como uma explosão de um prédio.

Um raio prata surgiu no ar, vindo da nossa esquerda, e atingiu a espada, arrancando-a das mãos do homem e fazendo-a voar. Ela ficou presa na lateral da casa. Houve um clarão de calor e luz e, de repente, eu estava deitado de bruços no chão, a três metros de onde havia começado. O dicathiano, Valen e Mayla estavam igualmente de bruços.

Botas de sola macia bateram no chão com um som quase inaudível por causa do zumbido em meus ouvidos, então um par de pernas apareceu em minha visão. Olhei para a ponta reluzente de uma flecha de mana branca brilhante. Seguindo o braço que puxava a corda do arco, me vi olhando em choque para um rosto familiar.

— Eleanor?

Ela fez uma careta, com os olhos vermelhos em um rosto feroz e cheio de raiva. Meu único pensamento, desprovido de qualquer sentido real, foi que a expressão parecia muito diferente da garota que eu havia conhecido nas Relictombs.

— Não se mexa, Seth. Não me obrigue a matá-lo.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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