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O Começo Depois do Fim – Cap. 456 – Recordação

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Os olhos de Kezess mudaram para lavanda enquanto me inspecionava de perto. Depois de um momento prolongado, ele fez um aceno de cabeça satisfeito.

— Nosso acordo exige um certo dar para receber. Acredito que o que você retribui reflete gratidão e não apenas palavras vazias.

— É claro — respondi prontamente. Afinal de contas, se eu retribuir seu próprio comportamento, não haverá muito a dever.

— Agora, talvez você possa me contar mais sobre sua conversa com Oludari — disse Kezess, deixando o Caminho do Insight para ficar paralelo a ele enquanto apontava para o anel desgastado na pedra. — Então, acho que já passou da hora de retomarmos a transferência de seu insight sobre o éter, conforme combinado.

— Dar para receber — disse, repetindo suas palavras anteriores. — Com o fracasso dos dragões em proteger o povo de Dicathen de seu próprio conflito sangrento, parece injusto pedir que eu cumpra minha própria parte do acordo.

Kezess franziu ligeiramente a testa e seus lábios se curvaram quando abriu a boca para responder.

Levantei a mão.

— Mas não venho de mãos vazias. Em vez disso, tenho um tipo diferente de informação.

Enquanto conversávamos, considerei cuidadosamente esse momento. Recusar abertamente em entregar a Kezess quaisquer novos insights levaria a um conflito, um conflito que não estava preparado para levar até o fim, mas me curvar às suas exigências sem contra-atacar, desequilibraria nosso tênue relacionamento e lhe daria mais poder sobre mim.

— Sylvie está tendo visões — disse sem preâmbulos.

Os olhos de Kezess escureceram ao me encarar, mas não interrompeu.

Expliquei tudo, começando com a visão em si, depois voltando aos detalhes dos eventos que se seguiram ao seu renascimento, incluindo sua crise e o que ela vivenciou durante, embora tenha deixado de fora a parte disso ter ocorrido nas Relictombs.

Quando terminei, Kezess se afastou e ficou olhando para fora de uma das janelas que cercavam a câmara da torre. Três jovens dragões estavam se perseguindo nos penhascos das montanhas em algum tipo de exercício de treinamento militar.

— Você deveria tê-la trazido para mim imediatamente. Aqui, talvez eu possa ajudá-la, ao invés de andar por Dicathen como seu glorioso animal de estimação… — Ele se virou, seus olhos eram como um relâmpago roxo. — Sylvie deve ser cuidadosa. Os dragões raramente têm o tipo de visão que você descreveu. E qualquer envolvimento não intencional de suas artes etéreas poderia levar a consequências terríveis. Pelo que disse, parece que ela teve sorte em escapar desse mundo de sonhos.

— Ela já percorreu um longo caminho em sua compreensão. Pensei que talvez ela pudesse encontrar treinamento adicional aqui em Epheotus… se nós dois soubermos que ela estará segura.

— Segura? — Kezess questionou, a palavra afiada como uma lâmina. — Minha neta não estaria segura aqui, na sede do meu poder? Que noções você tem de mim, Arthur? Você realmente me acha tão horrível que, aos seus olhos, pareço uma ameaça ao meu próprio sangue?

— Peço desculpas por minha expressão — respondi de forma apaziguadora. — Claro que o que eu quis dizer é que ela teria a mesma liberdade que tem agora, para ir e vir quando quiser, para continuar participando da guerra contra Agrona, para…

— Sim, sim, eu entendo — disse ele, interrompendo-me e afastando minhas palavras. — Se isso os deixará tranquilos, então você tem minha palavra de que não trancarei minha neta na torre mais alta e me recusarei a deixá-la sair com você novamente, caso se comprometa com a surpreendente gentileza de… permitir que ela nos visite.

Kezess respirou fundo e houve uma mudança sutil em seu comportamento exterior.

— Aceito essas informações em troca de tempo no Caminho. Na verdade, haveria pouco tempo para isso, de qualquer forma. Haverá uma cerimônia de respeito e retorno aqui para a dragão que perdemos em Dicathen. Como senhor do clã Matali, realizarei a cerimônia no mausoléu do meu próprio clã e, em seguida, seus restos mortais serão devolvidos à casa do clã para um funeral adequado.

— Entendo — respondi, com meus pensamentos se voltando para o que viria a seguir. — Muitos perderam suas vidas lá, mas a morte de uma pessoa não diminui o impacto da morte de outra. Sinto muito por sua perda, é claro. Se Windsom tiver a gentileza de me devolver a Dicathen, vou seguir meu caminho e te deixar em paz.

— Pelo contrário — rebateu Kezess, com as sobrancelhas ligeiramente levantadas —, gostaria que você participasse.

— Por quê? — perguntei, confuso com seu pedido inesperado.

— Como representante de seu povo, em nome do qual essa guerreira dragão se sacrificou, seria uma grande demonstração de respeito — explicou.

Refleti sobre suas palavras e o significado por trás delas. Ele enviou dois asura para a morte em Dicathen, pensei, sabendo que isso deve ter afetado o relacionamento de Kezess com esses clãs. Seria politicamente conveniente para ele me exibir na frente desses asura, mas não podia discordar de sua lógica. Embora ainda estivesse furioso com os dragões pela forma como lidaram com a perseguição a Oludari, eles eram meus aliados, e uma demonstração de respeito naquele momento poderia ajudar a manter isso.

E, embora parecesse calculista até mesmo me permitir pensar nisso, também sabia que era uma oportunidade única de avaliar como os outros asuras se sentiam em relação às decisões de Kezess e à guerra contra Agrona.

— É claro. Seria uma honra — disse depois de organizar meus pensamentos.

— Sem barganha ou discussão? Talvez estejamos chegando a algum lugar, afinal de contas — disse Kezess, com a sobrancelha erguida uma fração de centímetro. — O mausoléu está sendo preparado neste momento.

Com essas simples palavras, a torre deu um solavanco desconfortável e, de repente, estávamos em um amplo salão esculpido inteiramente em pedra branca brilhante. Os pilares se estendiam por todo o comprimento, enquanto as paredes eram todas decoradas com estátuas, pinturas e pequenas estruturas, como… tumbas. O centro do salão era dominado por uma grande mesa de mármore, sobre a qual repousava uma figura de armadura.

Os empregados estavam correndo apressadamente pelo espaço, mas todos pararam quando aparecemos, fazendo uma profunda reverência a Kezess, que desviou a atenção deles com um gesto fraco, então voltaram correndo para o trabalho.

Observei, curioso, uma jovem mulher asura expelir uma nuvem de brasas. Elas congelaram no ar ao seu redor, e ela começou a arrancar as brasas uma a uma e colocá-las no canto da câmara. O resultado foram dezenas de chamas fracamente tremeluzentes que proporcionavam uma luz suave, mas quente. Perto dali, um homem estava voando perto do teto, com trepadeiras escuras se desenrolando de seu braço para se fixar na pedra. À medida que ele se arrastava lentamente, as vinhas começaram a crescer, espalhando-se pelo chão. Outra serva veio atrás dele, sussurrando para as videiras. Enquanto falava, as folhas surgiam emplumadas nas videiras, perfeitas folhas de outono em tons suaves de vermelho, castanho e laranja.

Um número ainda maior de pessoas estava carregando alimentos e bebidas de todos os tipos, alguns em grandes bandejas douradas, outros com enormes barris de bebida jogados sobre os ombros. Um deles chegou a equilibrar várias dúzias de pratos e taças douradas em pequenos redemoinhos que seguiam atrás dele como uma fileira de patinhos. O mausoléu estava impregnado com o cheiro de comida, o que me trouxe lembranças há muito não pensadas de meu treinamento aqui.

Fui até a mesa central e dei uma olhada mais de perto na asura falecida. Ela era idêntica à irmã, com seus longos cabelos loiros e armadura de placas brancas. Um escudo grande repousava em seu lado esquerdo, enquanto uma lança longa estava à sua direita.

Kezess apoiou a mão na borda do caixão por alguns segundos enquanto permanecemos em silêncio. Sem dizer nada, ele se virou e começou a caminhar ao longo da borda externa do mausoléu, olhando para cada artefato de seu clã pelo qual passávamos antes de parar em um grande mural de um homem que se parecia muito com o próprio Kezess. Seu cabelo era curto e ele usava um cavanhaque e bigode grossos, mas os olhos e as características faciais eram quase idênticos.

— Um parente seu? — perguntei, olhando para a pintura.

— Um dos antigos membros de nosso clã que nos trouxe para Epheotus — respondeu suavemente.

Concentrei-me na placa de identificação abaixo do retrato.

— Kezess do Clã Indrath, primeiro de seu nome. E qual deles é você? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Seus lábios se contraíram em um sorriso reprimido.

— São muitos para contar agora. — Ele ficou em silêncio por um tempo, apenas olhando pensativamente para o mural. — Nós, dragões, trabalhamos com o éter desde os dias anteriores à formação de Epheotus. No entanto, nunca tivemos uma oportunidade tão grande como agora para aprofundar nossa percepção. Essa “runa divina”, o Réquiem de Aroa, como os djinn chamavam, era bem interessante, mas nada que uma compreensão adequada e suficiente do éter, do tempo e do ramo aevum não pudesse simular sem a própria runa divina. Preciso ver mais.

Caminhei em direção à próxima tumba, uma estrutura ornamentada de pilares que sustentavam um telhado inclinado sobre um sarcófago sem características, tudo esculpido em pedra azul fria que brilhava conforme me movia.

— Mas acho que esse é exatamente o ponto — disse, deixando meus olhos vagarem pela tumba cintilante enquanto meus pensamentos aceleravam. — Os djinn haviam dominado a arte de manifestar o conhecimento mágico na forma de runas. Você mesmo disse que foi assim que se tornaram tão poderosos. As formas de feitiço que Agrona copiou para seu povo fazem a mesma coisa com a mana, mas como a mana em si é muito mais fácil de controlar diretamente, forçá-la a tomar forma e capturá-la como uma runa também é muito mais fácil.

— Entendo — ponderou Kezess, movendo-se para ficar ao meu lado e pressionando a palma da mão contra um pilar esculpido. — Essas “pedras-chave», então, são a tentativa dos djinn de forjar o insight do éter em uma runa que pode ser adquirida ao desbloquear a própria pedra.

— Não exatamente — expliquei, organizando meus pensamentos com cuidado. — As próprias pedras-chave não forjam a runa divina. Elas contêm… informações brutas, uma espécie de quebra-cabeça, que, ao serem trabalhadas, você obtém insights e as runas divinas, mas não é necessário ter uma pedra-chave para formar uma runa divina.

A boca dele se abriu ligeiramente, as sobrancelhas subindo pelo rosto antes que pudesse controlar a expressão novamente, afastando a surpresa.

— Você tem runas divinas que não foram formadas pelas pedras-chave?

Lentamente, assenti com a cabeça.

— A runa da Destruição. — Levantei a mão para evitar a pergunta que viria. — Ela não reside em minha forma física, mas na de meu companheiro, Regis.

— Então você pode… manifestar espontaneamente uma runa divina. — Ele fez uma pausa por um segundo. — Ao obter um insight suficiente do princípio que orienta o poder obtido?

— É esse o meu entendimento — confirmei.

O olhar de Kezess se aguçou quando ele voltou a se concentrar em mim.

— E isso é tudo?

Dei-lhe um sorriso irônico e continuei em direção ao próximo artefato da fila, uma estátua imponente de uma mulher estoica, cuja semelhança foi capturada em um momento de contemplação. O mármore quente, de cor creme, fazia com que ela parecesse quase viva. Atrás de nós, um dragão estava conjurando as videiras para esconder o retrato de Kezess, o primeiro. Outro dragão havia se juntado aos dois primeiros e, onde quer que tocassem as videiras, uma flor negra desabrochava.

— É, mas espero que não por muito tempo — continuei, voltando a um tópico que esperava abordar com ele. — Das quatro pedras-chave escondidas nas Relictombs, encontrei três. A quarta, no entanto, não pode ser aberta sem a terceira, que foi tirada de seu guardião antes de eu chegar. Há bastante tempo, pelo menos é o que parece.

Os olhos de Kezess perderam o foco quando olhou para a distância.

— Não sei nada sobre essas pedras-chave além do que aprendi com você e seu tempo percorrendo o Caminho do Insight. Mas… — Ele se virou, afastando-se da estátua e atravessando o corredor.

Lá, foi montado um tipo de santuário. Várias velas de prata queimavam, emitindo uma fumaça docemente perfumada que subia para emoldurar um retrato afixado na parede. A pintura retratava uma mulher com cabelos loiros muito claros presos em uma série de tranças que envolviam sua cabeça como uma coroa. Era uma mulher muito bonita, com uma aparência refinada e nobre. A princípio, não a reconheci, mas, ao observar seus olhos iridescentes de lavanda, capturados com detalhes impressionantes na pintura, percebi para quem estava olhando.

— Sylvia… — murmurei, com uma onda inesperada de emoção tomando conta de mim. — Eu… nunca a vi nessa forma.

Kezess acenou suavemente com a mão na frente do altar e a fumaça se enrolou e rodopiou. Através da fumaça prateada, não vi a mulher, mas a forma dracônica que ainda podia me lembrar tão claramente como se a tivesse deixado ontem, branca como pérola e coberta de runas douradas brilhantes.

Em seguida, a fumaça baixou e o retrato voltou ao seu estado original.

— O destino é uma coisa estranha, Arthur — ponderou Kezess, com o tom e a expressão ilegíveis ao olhar para a imagem de sua filha. — Apesar de não conseguirmos nos comunicar ou cooperar, aprendi algumas coisas com os djinn. Eles descobriram a conexão entrelaçada entre o éter e o próprio Destino, acreditando que se tratava de um quarto aspecto. Sempre achei que deviam ter escondido esse conhecimento nas Relictombs. Na verdade, temia que Agrona tivesse capturado alguma parte dele.

Seus olhos saltaram para o meu rosto.

— Entendo, agora. Quatro chaves criadas para desbloquear as profundezas do insight do usuário para, por sua vez, abrir o caminho para a compreensão do próprio Destino.

Hesitei, sem saber como responder, mas Kezess soltou uma risada pequena e consciente.

— Não há necessidade de negar isso agora. Fiquei intrigado com o significado desse Réquiem de Aroa e com o pouco da outra runa divina que você me deu. Realmheart… uma ode à minha filha, presumo? — Ele examinou a imagem de Sylvia por alguns segundos antes de continuar. — Agora faz sentido. Os djinn, juntamente com minha própria filha, enviaram-no em uma jornada para obter controle sobre o próprio Destino. — Kezess olhou novamente para o retrato e, pela primeira vez, vi uma tristeza real transparecer. — A traição final de Sylvia…

— Não foi uma traição — disse com firmeza, encarando-o de frente. — Ela sabia quem eu era, mesmo naquela época. Deve ter acreditado que esse era o melhor caminho a seguir. Você não poderia ter alcançado as pedras-chave, nem qualquer agente que pudesse ter recrutado em Dicathen. Quantas pessoas você teria enviado para a morte em busca das pedras-chave se soubesse antes?

— Isso não importa agora — respondeu Kezess, com a voz calma. — Você ao menos entende o que está me perguntando? — Ele deu as costas para a imagem de Sylvia. — Para ajudá-lo, estou implicitamente apoiando sua aquisição de qualquer insight que os djinn tenham escondido. Para esse nível de poder ser condensado em um único humano… — Ele deu uma pequena sacudida na cabeça e sua voz baixou como se estivesse falando consigo mesmo. — Talvez seja mais prudente simplesmente matá-lo agora, para evitar que alguém obtenha esse conhecimento, assim como fiz antes.

Meus instintos entraram em ação, pedindo que eu recuasse e mudasse minha postura para uma posição de batalha, mas mantive minha posição.

A sala piscou, a luz deu um leve salto, e Kezess não estava mais na minha frente. Virei e o encontrei três metros atrás de mim, com seus olhos ametistas flamejantes do meu relâmpago etéreo.

— O djinn que me contou sobre o Destino também me disse outra coisa. — Kezess parecia crepitar de poder, uma pressão não relacionada à Força do Rei que estava se formando no mausoléu. Os outros dragões pareciam momentaneamente congelados, com os olhares cuidadosamente desviados e sem expressão. — Uma pequena facção havia se separado e estava tentando recuperar esse conhecimento, que disse ter sido trancado.

— Você acha que um desses djinn pode ter pegado a pedra-chave, então? — perguntei, mantendo a tensão em minha voz.

— Talvez, mas nunca me chamou a atenção nenhum sinal de tal coisa. Se fizeram isso, a pedra-chave que você procura provavelmente queimou com o mundo deles. — Kezess balançou um pouco a cabeça. — Talvez isso seja o melhor.

Fiquei atônito. Tinha tanta certeza de que quem o havia levado tinha sido algum agente de Agrona, um dos milhares de ascendentes que havia sido enviado para a morte nas Relictombs. Será que a resposta realmente estava bem debaixo do meu nariz o tempo todo?

Afinal de contas, quem havia abrigado os djinn rebeldes enquanto o resto de seu povo continuava seu trabalho, mesmo quando os dragões queimaram sua civilização até o chão?

— A própria Sylvia me colocou nesse caminho — respondi finalmente, olhando para a foto dela e tentando reconciliar o rosto da mulher com a pessoa que havia conhecido. — Ela achou isso tão importante que incorporou em meu núcleo o conhecimento de como encontrar as ruínas que abrigam essas pedras-chave.

— Minha filha teve muitas ideias estranhas e, no final, infelizes — disse Kezess com naturalidade, sua agressividade desaparecendo tão rapidamente quanto havia surgido. — Não se esqueça de que foi seu próprio amor desinformado por uma criatura tão cruel e perversa como Agrona que resultou em sua morte. Porém, acho que já terminamos por enquanto. Antes da cerimônia, no entanto, talvez você queira… se refrescar. — Seu olhar percorreu minhas roupas, que ainda estavam manchadas da batalha anterior. — Após a cerimônia, Windsom o levará de volta a Dicathen e eu garantirei que o Guardião Charon enfatize a proteção de seu povo em futuras batalhas.

***

Depois de ser levado para um banho e receber uma muda de roupa, um terno perfeitamente feito sob medida de um tecido preto macio que não consegui identificar, voltei ao mausoléu. Era quase sombrio, como uma floresta no crepúsculo, depois de ter sido completamente transformado. Com os túmulos e as esculturas escondidos por cortinas de videiras floridas, o espaço restante era menor e mais pessoal. Mesas ornamentadas eram forradas com bandejas douradas de comida, além de garrafas e barris de bebida. Taças douradas pareciam fileiras de soldadinhos entre cada barril, e cada mesa era flanqueada por um servo.

Um altar havia sido montado aos pés do caixão fúnebre da dragão, sobre o qual havia uma tigela rasa com um líquido vermelho oleoso. No centro da tigela, um incenso agridoce estava queimando e soltando finas espirais de fumaça.

Windsom estava em posição de sentido junto à porta, como se estivesse esperando que eu chegasse. Seu uniforme de estilo militar parecia ainda mais nítido do que o normal e havia um peso ilegível em seus olhos alienígenas. Ele me fez um gesto para entrar com um simples aceno.

— Olá novamente, Arthur — começou ele, com a voz nítida e desprovida de qualquer emoção. — Lorde Indrath solicitou que você ocupasse essa posição de honra comigo. Como esta é uma cerimônia de retorno e tem como anfitrião o Lorde Indrath, atuamos como seus emissários, sendo os primeiros a dar as boas-vindas a todos que comparecerem.

Apesar da minha surpresa, me movi para ficar ao lado de Windsom. Minha chegada foi oportuna, pois o primeiro convidado entrou pela porta apenas um ou dois minutos depois.

O dragão de barba negra da batalha perdeu meio passo quando me viu, levando a mão à bochecha. Não havia nenhuma marca física que mostrasse onde o havia atingido, mas claramente a cicatriz mental ainda estava fresca. Ele havia deixado para trás sua armadura, aparecendo em um belo terno preto muito parecido com o meu.

— Bem-vindo, Sarvash do clã Matali — disse Windsom, estendendo as mãos.

O dragão, Sarvash, colocou as duas mãos em volta da mão direita de Windsom. A mão esquerda de Windsom pressionou a parte de trás da mão direita de Sarvash.

Eles mantiveram essa postura ritualística por alguns segundos e depois se separaram.

Atrás de Sarvash, a outra sobrevivente da batalha em Sapin caminhava de braços dados com outro homem. Ela também havia deixado para trás sua armadura branca brilhante, bem como seu escudo e lança, agora usava o cabelo em uma longa trança do lado esquerdo, destacando-se em contraste com a escuridão de seu vestido de luto.

O homem que segurava seu braço era um pouco mais baixo do que ela e muito mais roliço. Seu próprio cabelo era louro-acinzentado, ligeiramente ralo na parte superior. Ele tinha a barba feita, revelando bochechas redondas sob olhos cinzentos e sombrios. Um tecido preto e folgado caía sobre sua estrutura grande.

— Bem-vinda, Anakasha do clã Matali — disse Windsom, estendendo a mão para a mulher.

— Windsom do clã Indrath. É uma grande honra para alguém de tal posição receber o retorno de minha irmã caída em Epheotus. Em nome do meu clã e dos amigos do clã, obrigada.

— A honra é minha — respondeu Windsom solenemente.

Ao mesmo tempo, Sarvash pegou minhas próprias mãos, com as narinas dilatadas e o olhar focado no chão e não em mim. Copiando Windsom, peguei suas mãos. Ele me soltou quase que imediatamente e continuou a entrar no mausoléu, onde um dos muitos servos de Kezess o acompanhou até o jazigo que repousava no centro da sala.

Anakasha, a irmã gêmea da dragão falecida, mudou-se de Windsom para mim. Ao contrário de Sarvash, ela manteve meu olhar com intensidade mortal enquanto repetimos a saudação formal.

— Sinto muito por sua perda — disse, consoladoramente.

Uma linha fina se formou entre suas sobrancelhas quando ela me fez uma pequena careta e depois se afastou.

Ao meu lado, Windsom estava apresentando o terceiro asura.

— Bem-vindo, Lorde Ankor do clã Matali.

Eles trocaram o aperto de mão formal e, em seguida, ele estava de pé na minha frente. Estendeu as mãos de forma automatizada, aparentemente alheio a mim, ignorando a minha simples presença. Cumprimentamo-nos, mas seu olhar vermelho nunca encontrou o meu e, quando se virou depois de alguns segundos, ficou olhando em volta como se estivesse perdido, até que Anakasha o pegou pelo braço novamente. Um outro dragão fez uma reverência a eles e seguiu atrás de Sarvash e do outro.

Mais dragões chegaram depois disso, alguns apresentados como membros do clã Indrath, outros do clã Matali. Havia alguns dragões de outros clãs e até mesmo alguns panteões, embora não houvesse membros do clã Thyestes, incluindo Kordri.

Meus pensamentos divagaram. Meu curso após Epheotus ainda não estava claro, e a decisão pesava muito sobre mim. Chegar a Oludari antes que Windsom o levasse de volta a Epheotus era urgente, mas a pedra-chave era ainda mais, e essa era talvez a primeira vez que tinha uma pista real, por mais superficial que fosse. Apesar disso, também estava separado de meus companheiros e familiares e sentia um desejo crescente de me reconectar com eles também, mas uma decisão precisaria ser tomada, e logo.

— Bem-vindo, Lorde Eccleiah, representante da raça leviatã entre os Oito Grandes.

Automaticamente, estendi a mão para o próximo par de mãos, depois vi com quem estava apertando as mãos e meu foco voltou para o presente. O homem à minha frente era tão diferente dos dragões quanto um anão é diferente de um elfo. Ele tinha a pele clara, tão clara que era quase azul e tinha tantas rugas que parecia ter cem anos de idade. Isso significa que provavelmente está muito acima disso. As cristas se estendiam ao longo de suas têmporas, abertas como guelras, e, sob elas, seus olhos eram de cor branca leitosa.

Suas mãos estavam frias contra as minhas, mas seu aperto era firme e confiante.

— Ah, o garoto Leywin. Até que enfim.

— Bem-vinda, Lady Zelyna, do clã Eccleiah — disse Windsom ao meu lado, pegando as mãos de uma mulher de aparência assustadora.

Ela tinha uma aparência aquática semelhante à do velho, com pele azul-marinho que escurecia para um azul-marinho profundo ao redor das cristas que corriam ao longo de suas têmporas. Uma mecha de cabelo verde-mar crescia como um moicano e flutuava acima dela, quase como se estivesse debaixo d’água. Sua vestimenta escura e sua expressão igualmente escura sugeriam que ela poderia estar ali para lamentar a dragão falecida… ou para brigar.

Quando seus olhos azuis tempestuosos se voltaram para mim, eu já esperava que fosse a segunda opção.

A mão direita de Lorde Eccleiah soltou a minha e seu braço envolveu meu ombro com uma familiaridade inesperada.

— Deixe-me apresentá-lo à minha filha, Zelyna. Zely, este é Arthur Leywin. Um humano! Eles são da terra de Dicathen, caso não saiba. Fascinante, não é?

Zelyna soltou Windsom como se as mãos dele estivessem cobertas de fezes, cruzou os braços e fez uma careta.

— Sei muito bem quem ele é, pai. — Um músculo de sua mandíbula se contraiu. — O menor que matou Aldir…

Windsom limpou a garganta.

— Por favor, por gentileza, dirijam-se ao mausoléu. Lá encontrarão o clã Matali, como podem ver, caso desejem oferecer suas condolências.

Uma jovem serva de olhos brilhantes fez uma reverência e ofereceu o braço a Zelyna, mas ela a ignorou, preferindo forçar um sorriso falsamente doce em seus lábios roxos.

— É claro. Obrigada, Nojentsom, digo, Windsom. Perdoe-me minha língua tropeçante, é uma longa jornada até o Monte Geolus. — O sorriso desapareceu e ela me lançou um olhar fulminante, depois foi até o Lorde Matali sem esperar pela serva.

Enquanto isso, o Senhor Eccleiah ainda tinha seu braço em volta do meu ombro.

— Ah, não se preocupe com ela, Arthur. Ela parece chateada com você? Sim, mas como você executou o homem com quem ela esperava se casar, tenho certeza de que pode entender o motivo. Por ser magnânimo, você não terá sua hostilidade contra ela. Além disso, duvido muito que ela o agrida com algo que não seja os olhos.

— Eu… o quê? — Pisquei os olhos para o asura.

— Ah, mas, embora Aldir e eu fôssemos velhos amigos, liderei meu povo por tempo demais para não entender essas necessidades. — Lorde Eccleiah fez uma pausa e olhou para mim com conhecimento, com seu nariz a poucos centímetros do meu. — Mas não vamos falar mais sobre essa triste história, pois não estamos aqui para apoiar o clã Thyestes, mas o Senhor Matali e seu povo. — Ele apertou meu ombro de forma amigável. — Venha, junte-se a mim e lhe ensinarei as palavras de luto tradicionais de nossa raça.

— Receio que não possa, meu senhor. Seria negligente da minha parte abandonar meus deveres…

— Ah, acredito que somos os últimos — disse Lorde Eccleiah alegremente enquanto me levava para longe de Windsom.

Mas não nos aproximamos do Lorde Matali ou de sua filha, nem mesmo do caixão no centro do salão. Em vez disso, contornamos a maior parte dos participantes e nos dirigimos ao canto posterior da sala. Uma vez lá, seu braço fino, mas poderoso, deslizou para fora do meu ombro. Examinei a sala, mas ninguém estava prestando atenção em nós, exceto, talvez, Zelyna; acho que a vi desviando o olhar assim que me virei.

— O que realmente quer de mim? — perguntei suavemente, quieto o suficiente para garantir que não seríamos facilmente ouvidos. — Já conheci asuras o suficiente para saber que essa rotina de tio velho e rabugento é apenas uma atuação para baixar minha guarda.

O leviatã sorriu calorosamente.

— Não o culpo por pensar assim. De fato, passando todo o seu tempo com pessoas como o clã Indrath e até mesmo Wren Kain IV, seria muito improvável que você chegasse a outra conclusão, mas garanto que não estou inclinado a me apresentar falsamente, nem para você nem para ninguém. Estou muito velho para isso, e não faz parte da natureza de um leviatã. É exatamente por isso que Zelyna terá tanta dificuldade em não demonstrar externamente o desejo de palitar os dentes com seus ossos.

Soltei uma risada surpresa e depois fiquei sério.

— Ela e Aldir estavam realmente…?

O Lorde Eccleiah sorriu carinhosamente, mas detectei uma inclinação irônica na emoção por trás disso.

— Ah, bem, talvez seja mais complicado do que isso, mas não vou arriscar a ira dela falando mais sobre isso. De fato, já faz muito tempo que nós, leviatãs, não mantivemos uma tradição de que o governo era passado para os jovens que se mostrassem capazes de assassinar e devorar seus pais, mas odiaria dar à minha filha um motivo para ressuscitar essa tradição. — Seus olhos brilharam enquanto seu sorriso se suavizou. — Perdoe-me. Eu simplesmente quis exercitar minha curiosidade sobre o menor ligado a um dragão e dotado de um físico asura. Tudo isso apesar de não ter nenhuma assinatura de mana, nenhuma mesmo. Você é o empreendimento mais interessante que veio do velho mundo há muito, muito tempo.

— O velho mundo? — perguntei.

— A maioria não pensa desta forma, talvez. — Um lado de sua testa impecável se enrugou. — A maioria dos asuras não pensa assim, ou nos inferiores que vivem lá, apesar da conexão que ainda liga nosso mundo ao seu, mas isso não importa. Lorde Indrath chegará em breve.

Ele estendeu a mão, com a palma para cima. Em sua palma, havia três pequenas pérolas azuis brilhantes. Quando deixei que ele as enrolasse em minha própria mão, percebi que estavam cheias de líquido.

— Um presente do clã Eccleiah para o clã Leywin. Lágrimas da Mãe… ou pérolas de luto, se você preferir. Elixires poderosos.

— Obrigado, Lorde Eccleiah — agradeci, rolando as pérolas do tamanho de uma bola de gude em minha palma e observando o líquido azul brilhante dentro delas borbulhar à medida que se deslocava.

— Veruhn. Vamos deixar essas coisas de “lorde” para as reuniões dos Oito Grandes, está bem?

— Obrigado, Veruhn, mas meu… clã não fez nada para ganhar tal presente — disse, tentando devolvê-las.

— Esse não é um presente de merecimento — respondeu, dando meio passo para trás. — É um presente de respeito, de… reconhecimento. Essas coisas devem ser dadas, certo?

Antes que pudesse responder, houve uma explosão de mana e o aparecimento repentino de um peso sobre mim. Olhando ao redor, imediatamente encontrei Kezess ao lado do caixão, de costas para mim. A pressão diminuiu imediatamente.

— Obrigado a todos por terem vindo — disse ele, quando todos os olhares se voltaram ao altar. — E obrigado ao clã Matali por permitir que o Clã Indrath sediasse essa cerimônia de retorno. É uma tragédia de proporções incomparáveis quando um guerreiro dragão é levado antes do tempo devido. No entanto, também celebramos aqueles que se sacrificam em defesa de seu clã, sua raça e seu lar, como Avhilasha fez quando enfrentou os soldados de nosso inimigo mais antigo, Agrona Vritra.

Houve alguns murmúrios hostis ao ouvir o nome de Agrona.

— Agora, juntem-se a mim e demonstrem nosso respeito pelos mortos. Unjam-se com o sangue do coração dela para que possamos ser, neste momento, um só clã, o clã Asura, unidos desde agora até tempos imemoriais, uma única linhagem em nossa lembrança.

Kezess se aproximou pela frente do altar e mergulhou dois dedos no líquido vermelho. Tocando a ponta dos dedos manchados de vermelho na têmpora e espirrando depois as últimas gotas na armadura branca da dragão falecida. Afastando-se, ele inclinou a cabeça.

Anakasha deu um passo à frente em seguida. Quando mergulhou os dedos, tocou logo abaixo do canto do olho direito e uma lágrima vermelha escorreu por sua bochecha. Em seguida, também jogou algumas gotas carmesim na armadura da irmã antes de se posicionar ao lado do caixão, com as mãos apoiadas sobre ele, ao lado da lança.

Lorde Ankor se aproximou da tigela na sequência, mas apenas ficou parado, com o incenso subindo lentamente até emoldurar seu rosto. Depois de esperar alguns segundos mais, Sarvash deu um passo à frente e ajudou o estranho dragão a limpar os dedos. Ele espalhou a substância ao acaso em seu rosto e depois espalhou os restos por todo o altar ao redor da tigela. Sarvash rapidamente fez sua própria reverência e, juntos, foram para o lado de Anakasha.

Senti o Senhor Eccleiah se inclinar ao meu lado.

— Vá. Todos esperam que você renuncie a esse ritual ou que seja o último em seu posto de menor. Isso enfatizará que você está aqui como um igual para mostrar respeito aos mortos se não esperar.

Sem ver nenhuma razão para que o velho leviatã me enganasse, entrei em uma fila que estava começando a se formar. Mais de um dragão me olhou surpreso ou se surpreendeu, mas ninguém interveio com minha presença ali.

Quando chegou a minha vez, mergulhei três dedos no líquido, que era espesso e oleoso ao toque, e o arrastei pelos meus olhos fechados como se fosse uma tinta de guerra.

— Não estou cego para o seu sacrifício — disse suavemente, repetindo as palavras que havia dado à irmã dela. Através da minha visão periférica, vi os olhos de Anakasha se estreitarem enquanto me observava atentamente.

Com cuidado, joguei as últimas gotas sobre a armadura de Avhilasha e me afastei, ficando ao lado de Kezess, com a cabeça igualmente inclinada.

O ritual continuou até que todos tivessem ungido a si mesmos e a falecida. No final, sua armadura estava tão salpicada de pontos vermelhos que parecia ter acabado de voltar do campo de batalha.

Após a unção, as recordações começaram. Era fiel ao nome: uma recontagem da vida de Avhilasha por seu clã, sua família, instrutores e amigos. Um ancião brincou com o fato dela ter nascido com uma lança na mão, enquanto um jovem dragão contou como ela treinou melhor do que ele todos os dias durante quarenta anos seguidos e, não importava o que fizesse, nunca conseguia acompanhar o ritmo. Sua irmã descreveu a eterna rivalidade entre elas pelo respeito de seus pais e do senhor, antes de contar a história de uma caçada que fizeram juntas quando tinham apenas setenta anos de idade e como sua irmã conseguiu salvar sua vida e ainda matar a serpente de sete cabeças sem sofrer nenhum ferimento.

Durante as duas horas seguintes, essas e muitas outras histórias foram compartilhadas, algumas divertidas, outras impressionantes ou até mesmo surpreendentes, mas todas com um tom sombrio e de perda.

Quando terminou, Kezess se colocou novamente em frente ao caixão.

— E assim nos recordamos da guerreira caída, de seus feitos grandes e pequenos, e da forma dela em nossas vidas compartilhadas, entrelaçadas pelo sangue de seu coração. Por favor, fiquem o tempo que desejarem, nutram seu corpo com nossa comida e bebida, sua mente com conversas e seu espírito com o luto compartilhado.

O zumbido baixo da conversa que se seguiu à sua declaração foi como um rugido monótono após o foco solene do compartilhamento de histórias anterior.

Percebi que vários asura foram imediatamente até o clã Matali e entregaram uma série de pequenos itens. Presentes, presumi. Colocando a mão no bolso, enrolei as três pérolas, considerando. Um olhar furtivo para Lorde Eccleiah, que estava provando algum tipo de criatura marinha enrolada e espetada, não reforçou em nada minha suspeita repentina.

O que ele disse? “Essas coisas devem ser dadas”. É claro que o leviatã saberia sobre a oferta de presentes. Será que presumiu corretamente que eu não sabia e me preparou para isso antes do tempo? Por quê? Seria um insulto dar o que ele me deu? Pensei novamente nas palavras e me decidi.

Quando um panteão de quatro olhos se afastou de Anakasha, eu me aproximei.

— Lady Matali — disse seriamente, tirando os três orbes do bolso. Peguei-os com as duas mãos e fiz uma leve reverência, estendendo-os. — O sacrifício de sua irmã foi feito pelo meu povo. Sei que o que lhe dou hoje em troca não é nada comparado ao sacrifício do clã Matali, mas quero que tenha isto: três Lágrimas da Mãe para marcar este dia de luto.

Houve uma súbita explosão de murmúrios por todo o mausoléu, mas a alta mulher asura apenas olhou para minha oferta, parecendo chocada.

Foi Lorde Ankor quem estendeu a mão, mas não as pegou. Em vez disso, fechou minhas mãos em torno das pérolas e me deu um sorriso trêmulo, com os olhos brilhando de lágrimas que ainda estavam para se formar.

Sarvash estava pálido e cabisbaixo. A própria Anakasha era ilegível, seu olhar distante. Nenhum dos dois disse nada e, assim, com as pérolas ainda presas em minhas mãos, fiz uma reverência um pouco mais profunda, dei um passo para trás e me afastei, sem saber se havia lido a situação corretamente, mas, por um instante, vi o olhar do velho leviatã quando me virei, e ele deu uma piscadela antes de enfiar um espeto na boca.

De repente, desconfortável, afastei-me da multidão, pensando se deveria devolver o presente do Lorde Eccleiah a ele. Quando desviei meu olhar das pérolas mais uma vez, o leviatã já havia desaparecido.

No entanto, sem conseguir encontrá-lo em meio à multidão, segui meu caminho até a borda das cortinas escuras que escondiam os túmulos Indrath. Minha mente tentava entender por que Veruhn havia me dado um presente tão valioso. Para não ficar na dúvida, imbuí a runa de armazenamento extradimensional em meu braço e guardei as pérolas dentro, não querendo que nada acontecesse com elas.

Recordação.

Outro item em minha runa de armazenamento me chamou a atenção. Senti uma onda de sentimentalismo ao considerar o item, mas não o retirei imediatamente. Olhando ao redor, assegurei-me de que ninguém estava prestando muita atenção, passei por entre as videiras de flores negras e entrei na pequena alcova do outro lado.

Soltei um suspiro que não sabia que estava prendendo e meus ombros caíram enquanto relaxava. O barulho das conversas foi abafado, a sensação de ardor de tantos olhares me acompanhando arrefeceu e me deixei afundar no isolamento, tirando a fachada de nobreza obrigatória como um manto.

Lady Sylvia Indrath me observava de seu retrato na parede.

Retirei seu núcleo, segurando-o delicadamente com as duas mãos. Aliás, não havia mais éter ou mana nele. Nenhuma mensagem ou dica de como continuar. Era simplesmente o órgão vazio e seco de um dragão morto. Em breve, a asura deitada no caixão a seis metros de distância seria pouco mais do que isso, mas ela tinha sido. Ouvi suas histórias e vi seu sacrifício. Apesar da minha raiva pela forma como os dragões falharam em proteger as pessoas naquela montanha, também reconheci que estavam prontos para dar suas vidas para lutar contra as Assombrações.

O núcleo em minhas mãos não era Sylvia, assim como a lança e o escudo que estavam ao lado de Avhilasha não eram ela. Não conseguia entender ainda o que Nico queria dizer ao me enviar isto, mas tinha certeza de que ele mesmo não sabia. Estava se atrapalhando, lutando para fazer o que pudesse para ajudar Cecilia.

Assim como na Terra.

Fechei os olhos, inclinei-me para frente e pressionei minha cabeça contra a superfície áspera do núcleo. Eu não estava aqui para a cerimônia de recordação dela, nem mesmo sabia se Kezess havia lhe dado uma, mas ela merecia algo, por menor que fosse.

Havia portas embutidas na parte da frente que seguravam as brilhantes velas prateadas. Eu as abri e dentro havia uma pequena tigela cheia de um líquido vermelho oleoso. Um porta-incenso vazio estava preso no centro da tigela. Com cuidado, mergulhei a ponta de um único dedo, fechei os olhos e o pressionei na testa, entre as sobrancelhas.

— Você abriu meus olhos para uma vida que ainda não tinha vivido. Salvou-me duas vezes de uma morte que veio cedo demais. Confiou em mim com uma visão do futuro que você não viveria para ver. E… — minha voz ficou áspera — o mais importante de tudo, me acolheu em sua família em nome e através de seus atos. — Deixei uma única gota pingar no núcleo e o coloquei cuidadosamente em cima do suporte de incenso. — Lamento que Sylvie não possa estar aqui, mas um dia a trarei. Quando ela estiver segura.

Fechei as portas com cuidado e me levantei, tirando um peso sutil dos ombros ao deixar o núcleo para trás. Os olhos do retrato pareciam me seguir, capturando perfeitamente aquela profundidade incognoscível de compreensão que Sylvia havia refletido quando viva.

Engolindo a emoção que subia pela parte de trás de minha garganta, deslizei por entre as videiras e encontrei os olhos azuis como o oceano de Zelyna, que estava a alguns metros de distância. Ela franziu a testa e se virou.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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