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O Começo Depois do Fim – Cap. 455 – Troca Equivalente

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POV ARTHUR LEYWIN

Observei as Assombrações caírem, separadas, com os feitiços que as protegiam se desprendendo de seus corpos enquanto despencavam em direção ao chão. Uma fina névoa de sangue pairava no ar, marcando o local onde cada uma delas havia morrido, como lápides incorpóreas. À medida que a névoa vermelha se dissipava, cravei os dedos em meu esterno, a coceira desconfortável em meu núcleo era um lembrete de meus fracassos, mesmo quando deveria sentir o sabor da vitória.

Atrás de mim, Windsom levou os dois dragões feridos para o chão, enquanto Charon ainda estava perseguindo as outras três Assombrações para o norte.

— Devemos ir atrás dele? — Sylvie projetou, sua voz incerta em minha mente.

Não, voe para Windsom — pensei, tomando cuidado para evitar que minha raiva se espalhasse para ela. Para Regis, acrescentei: — Qual é a situação do Soberano?

Irritado — respondeu Regis, junto com uma imagem mental do Vritra preso e com sua mana suprimida olhando para cima do chão.

Sylvie aterrissou com dificuldade, suas garras afundando no solo macio do vale baixo. Pulei de suas costas, atingindo o chão com um ruído úmido e comecei a marchar em direção a Windsom e aos outros dragões.

— Arthur… — pensou Sylvie em tom de alerta.

— Qual de vocês é o líder aqui? — perguntei, embora meus olhos procurassem respostas em Windsom em vez de nos dois dragões desgastados pela batalha.

O grande dragão negro havia se transformado, retomando sua forma humanoide, alta e de peito largo, com cabelos escuros e barba curta. Ele tinha leves traços verdes de descoloração ao redor dos olhos e no pescoço.

Ele se endireitou, irritado com o tom da minha pergunta, e deu um passo seguro, passando por Windsom para me encarar.

— Eu estou. E você deve ser o menor que… Ah!

As costas da minha mão atingiram a lateral do rosto dele com um estalo que pareceu um trovão. O asura cambaleou para trás, tropeçando.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Windsom me olhou impassível, o único sinal externo de sua surpresa foi um leve erguer de sobrancelhas. A boca da mulher asura ficou aberta, com os olhos vermelhos olhando incrédulos para seu capitão. O próprio asura de barba negra parecia atordoado, com uma mão manchada de lama pressionada contra o lado do rosto onde eu o havia atingido, com os olhos desfocados em minha direção.

A mulher, cuja armadura branca estava manchada de sangue, saiu de seu estado de estupor e deu um passo agressivo em minha direção, com uma lança longa se manifestando em seu punho.

— Como você se atreve, menor! Minha irmã acabou de dar a vida em busca de seus objetivos, e você demonstra tanto desrespeito por uma pessoa do clã Matali?

Windsom colocou uma mão em seu braço, segurando-a.

— Não se esqueça. — Ele me olhou em silêncio por um momento. — Qual é o significado desse ataque, Arthur?

— Estou ciente das circunstâncias e da decisão que precisou ser tomada aqui — comecei, enunciando cada palavra com firmeza. — Sei o que precisava ser feito e quais eram os riscos, mas será que não passou pela sua cabeça a ideia de salvar qualquer um daqueles a quem você foi encarregado de proteger? Como dezenas de menores pereceram pelo simples choque de seus ataques, as mortes deles significaram algo mais para você do que um sacrifício que você considerou mero efeito colateral?

— Salvá-los? — repetiu o asura atordoado. Em vez de ficar de pé, ele voou, pairando para poder olhar para mim. — Os riscos eram grandes demais para nos concentrarmos em qualquer coisa que não fosse a batalha. Capturar esse Vritra, destruir esses mestiços desgraçados, muda a face do mundo. A morte desses menores, para o bem ou para o mal, não muda nada.

— E quantas vidas desses menores podem ter sido salvas pelo que fizemos aqui? — questionou a mulher, virando-se para o outro lado. — Preciso encontrar os restos mortais de minha irmã. Um membro do clã Matali não será deixado para apodrecer aqui.

Windsom se moveu entre nós.

— Esses dragões acabaram de sacrificar um dos seus para manter as Assombrações aqui por tempo suficiente para que pudéssemos chegar. Seria bom que você se lembrasse de nosso maior objetivo, Arthur.

— Não estou cego para seu sacrifício — disse, dirigindo minha resposta à mulher asura. — Mas suas ações hoje foram frias e contrárias à missão que as trouxe aqui. Depois de seu desprezo insensível pela vida humana aqui hoje, você espera que as famílias dos mortos lamentem sua própria perda?

Sua cabeça se inclinou ligeiramente enquanto seus olhos deslizavam por mim, então voou para longe.

O asura de barba negra balançou a cabeça.

— Você pode fingir ser um asura o quanto quiser, Arthur Leywin, mas está claro que você ainda tem a visão míope de um menor.

— Felizmente — respondi, sentindo um pouco da minha raiva arrefecer, afastada por uma melancolia amarga.

A verdade é que esses guardas não tinham toda a responsabilidade pelo que havia acontecido aqui. Apenas uma pessoa poderia reivindicar essa honra duvidosa, e logo falaria com ele. Antes, porém, havia outros detalhes importantes que exigiam minha atenção.

O asura de barba negra voou atrás de sua companheira, dei as costas para Windsom e comecei a marchar pelo pântano. Sylvie havia se transformado e se juntado a mim. Windsom não disse nada, mas caminhou ao lado de Sylvie.

Não muito longe dali, à beira de um pequeno rio que havia sido praticamente soterrado pela queda de rochas da montanha em colapso, Lilia Helstea havia reunido várias pessoas, sobreviventes do grupo pego no fogo cruzado desse conflito. Estavam lutando para recolher os feridos e voltar a se movimentar, mas tudo isso foi interrompido quando me aproximei.

Lilia parecia estar às portas da morte. Seus longos cabelos castanhos estavam cobertos de lama e sangue, a maior parte de sua pele visível estava coberta de lacerações e o início de hematomas escuros e, para meu horror, faltava-lhe grande parte da pele de sua mão direita. De repente, me vi transportado de volta à minha infância em Xyrus, morando na mansão de sua família, ensinando magia a ela e a Ellie, garantindo que ambas despertassem e formassem seus núcleos. Lilia havia sido como uma irmã para mim naquela época, eu lhe devia mais do que a fraca proteção que ela havia recebido dos dragões.

Mesmo assim, não fui até ela.

Quando os olhos de todos os presentes se fixaram em mim, soube que meu papel aqui não era oferecer conforto apenas a ela, mas dirigir-me a todos como uma Lança de Dicathen.

— Para aqueles que não me conhecem, meu nome é Arthur Leywin — comecei. — Sinto muito, de verdade, pelo que vocês vivenciaram aqui, hoje, mas também fico feliz por ver tantos sobreviventes dessa terrível batalha.

— General…?

Olhando à minha esquerda, vi um homem terrivelmente desfigurado pelos efeitos de algum feitiço. Não parecia que ele sobreviveria por mais de dez minutos, mas de alguma forma ainda estava de pé.

— Sim! Você é a Lança! — Ele olhou em volta para os outros, cansado, mas revitalizado. — É a Lança Godspell!

O feitiço que minha chegada havia lançado sobre os outros sobreviventes se quebrou e alguns vieram em minha direção e de Sylvie, alguns me agradecendo, outros implorando para que os tirasse dali, para salvá-los ou curá-los. O pior eram aqueles que me imploravam para procurar seus entes queridos nos destroços da passagem da montanha. 

Sylv, preciso que você fique com essas pessoas. Ajude-os como puder.

Imediatamente, meu vínculo deu um passo à frente, parecendo brilhar com uma luz interior que atraiu toda a atenção para ela e silenciou os sobreviventes.

— Acalmem-se, amigos, por favor. Queremos levá-los para longe daqui e para os emissores. Agora vamos fazer um balanço do estado de saúde de todos. Windsom, fique e me ajude. Seja eficiente, mas minucioso, precisamos…

Minha atenção se voltou para Lilia. Ela me deu um pequeno aceno de cabeça, quase imperceptível e tentei expressar apenas com meus olhos minha tristeza pelo que ela havia vivido. Depois, recuando alguns passos enquanto Sylvie e Windsom se tornavam o centro das atenções, ativei God Step, seguindo os caminhos etéreos de volta à caverna sob os escombros.

Regis estava sentado e olhava fixamente para o Soberano.

— Você deveria ter acertado aquele idiota com um soco etéreo — disse ele, virando-se para me olhar por cima do ombro.

Eu precisava enviar uma mensagem, não começar uma briga — pensei. Em voz alta, eu disse: — Você chegou a Dicathen com uma maré de sangue, Oludari. Tanto para Dicathianos, quanto Alacryanos. Não estou aqui para negociar ou barganhar com você, Vritra, e ainda não estou convencido de que o melhor curso de ação não seria simplesmente matá-lo. Convença-me de que estou errado.

— Talvez, se você me soltasse, pudéssemos conversar de uma maneira mais confortável…

Minha intenção etérica apertava o asura algemado como um torno, roubando o ar de seus pulmões.

— Começamos mal.

— Tudo bem, tudo bem. Você é tão sanguinário e frio quanto sua exibição no Victoriad sugeriu. — Ele respirou um pouco mais aliviado quando diminuí a pressão que estava exercendo. — Você é bem inteligente para um menor, não deveria ter percebido tudo já? Você mesmo não viu os restos mortais do Soberano Exeges? Não tinha intenção de ser vítima do mesmo destino.

— Você acha que Agrona matou Exeges — disse, aproveitando os poucos detalhes que Lyra Dreide havia conseguido fornecer. — Por que ele faria isso?

Os olhos de Oludari se estreitaram.

— Talvez menos inteligente do que fui levado a acreditar. — Ele limpou a garganta, lançando-me um olhar nervoso. — Pelo mesmo motivo que você absorveu toda a mana do chifre do retentor Uto!

Ajoelhei-me ao lado dele, sem me preocupar em esconder minha irritação.

— Fale claramente, Vritra. Parece que você não está entendendo. Você é um inimigo e uma ameaça até que prove o contrário. Manter você fora das mãos de Agrona é, por si só, uma vitória, então te matarei para fazer isso se você não provar sua intenção.

Olhando para mim, ele demorou um pouco para se recompor e depois disse:

— Acima de tudo, Agrona busca a concentração de poder. Ele pensou em encontrá-lo nas Relictombs, entre os ossos dos djinn, mas tudo o que haviam deixado para trás eram bugigangas antigas e seu maldito labirinto de quebra-cabeças entediantes. No entanto, ele não foi deixado de mãos vazias, pois descobriu o uso das runas, com as quais poderia construir sua própria nação de magos, alimentada pelo sangue de basilisco.

— Eu já sei disso — disse com acidez, sentindo que o Vritra estava dançando em torno de qualquer ponto que estivesse tentando defender.

— É claro, é claro — respondeu, com suas táticas de conversação mudando a cada segundo enquanto tentava me apaziguar. — Controlar tantos menores e magos dessa forma concentrou o poder deles, tornando-o dele, entende? Por serem fiéis a ele em tudo, eles não podem nem mesmo traí-lo se quiserem. Há muito tempo eu suspeitava que a lenta redução do nosso número em Alacrya tinha algo a ver com a ânsia de Agrona por força individual, mas agora tenho certeza: ele drenou Exeges e tomou sua mana para se fortalecer. Ele sabe, entende… — Ele parou, seus olhos se arregalaram ligeiramente.

Levantei uma sobrancelha e me inclinei um pouco mais para perto.

— Sabe do quê?

O Vritra rolou de costas, tentando parecer indiferente, mas só conseguindo ficar ainda mais desconfortável em suas amarras.

— Sabe, estou tendo dificuldade em manter essa conversa. Se eu estivesse mais confortável, seria…

Minha mão estava em volta de sua garganta antes que ele pudesse terminar a frase, e o bati contra um dos espigões de ferro ensanguentado que reforçavam a caverna. Conjurando uma espada em minha mão esquerda, pressionei a ponta contra sua bochecha até que uma gota de sangue escorresse por sua pele pálida.

— Última chance, Vritra.

A fachada impassível de Oludari se desfez, revelando o terror por baixo. Quando o soltei, ele caiu no chão de bruços, com os membros puxados para uma posição não natural pelas correntes.

— Hmm. Você teria dado um Vritra decente… — murmurou ele no chão de pedra coberto de lodo. Sua cabeça se virou ligeiramente e ele se balançou até cair de lado. — Quando saímos de Epheotus, havia centenas de asuras entre o clã Vritra e nossos aliados. Kezess brincava há muito tempo com as criaturas do seu continente como seus pequenos experimentos, mas ele havia cedido Alacrya para a pesquisa de Agrona antes mesmo de rompermos com os Oito.

“Alguns se arrependeram da fuga apressada de nosso lar e tentaram retornar. Talvez alguns tenham sido bem-sucedidos. Outros foram perseguidos como traidores. Muitos outros morreram lutando contra as forças de Kezess quando elas atacaram, e alguns poucos foram sacrificados dentro do matadouro que você conhece como Relictombs, pois Agrona tentou de tudo para rompê-la com um asura puro-sangue.

“Contudo, mesmo essas mortes nunca explicaram realmente a diminuição de nosso número. Mas, à medida que os Vritra diminuíam, a população de Alacrya se expandia exponencialmente. Ah, os primeiros dias desse experimento. Imagine, moldar uma espécie inteira à sua imagem… — Ele parou com um sorriso melancólico suavizando seu rosto severo.

“Agrona era um líder receptivo, e tínhamos liberdade para fazer as experiências que quiséssemos. Quem tinha tempo para se perguntar por que metade de nossa população havia desaparecido no espaço de um ou dois séculos, quando havia mistérios tão grandes para desvendar? — O sorriso se desfez e ele balançou a cabeça com amargura. — A maldição da mente de basilisco. É difícil ver o que está bem à sua frente quando seu olhar está sempre duzentos anos no futuro.

— Então você acha que ele está… o quê? Matando e absorvendo seu próprio povo desde o início? — perguntei.

— Ah, não, não exatamente — continuou Oludari, arrastando-se como um verme na sujeira. — Não, ele precisava de algo especial para isso.

— O Legado — respondi sem hesitar.

— Sim, ela. — Oludari disse isso como uma maldição. — O Legado, um espírito que leva seu potencial de uma vida para a outra. Vida após vida de crescimento unida em um único ser. Agrona teorizou que esse ser poderia controlar a mana livremente, ultrapassando os limites da magia tanto dos menores, quanto dos asuras. Mas eles são extremamente raros. Apenas um foi registrado durante a vida da civilização asura. Assim, para estudar uma delas, Agrona precisou trazê-la para cá e garantir que ela cooperasse.

Assenti com a cabeça, já sabendo o resto.

— Então, ao estudar o Legado, ele aprendeu a absorver mana diretamente de seu próprio povo, mas isso ainda não me diz porquê.

— Eu já disse isso — respondeu Oludari com simplicidade. — A concentração de poder. Há camadas neste universo, dobradas umas sobre as outras, como o local onde repousa o Relictombs.

— E Epheotus — sondei.

— Hmm — murmurou Oludari, franzindo a testa. — Não exatamente. Epheotus é… algo diferente. Ele não está mais aqui, mas também não está totalmente lá. Uma projeção do mundo físico alojada em outra dimensão. Talvez seja o mesmo que o Relictombs, mas não tenho certeza. É interessante, mas você, sem saber, percebeu a conexão.

— O que você quer dizer com isso?

Oludari suspirou e fechou os olhos, parecendo resignado.

— Não sei tudo, mas Agona provou ser bastante hábil em distrair e compartimentar, vou lhe dizer o que posso. Depois que você me libertar e me ajudar a escapar deste lugar. Leve-me para Kezess. Contarei tudo aos dois, e você pode pressioná-lo para que eu volte para minha casa. Posso ser útil para os outros clãs de basiliscos, posso…

— Não — interrompi, dando um passo para trás e virando-me para olhar a água negra que fluía suavemente no rio subterrâneo.

— O quê? — perguntou ele, incrédulo. — Mas por que…

— Charon está indo para aí — Sylvie enviou ao mesmo tempo em que senti a assinatura de mana do dragão se aproximando.

Mais uma vez em sua forma humanoide, o dragão desceu pelo túnel deixado pelas Assombrações que fugiram e aterrissou levemente na minha frente. Ele parecia derramar sua própria luz branca e fria na caverna escura.

— Eu teria preferido que você esperasse para falar com o prisioneiro até que eu chegasse — disse sem preâmbulos.

Esperei um momento, sentindo Windsom vindo atrás dele. Os pés de Windsom tocaram o chão silenciosamente e ele passou por Charon para inspecionar o Soberano.

— Ele quer desesperadamente ser levado para Kezess — expliquei. Windsom começou a concordar, mas o interrompi, dizendo: — É exatamente por isso que não faremos isso.

Windsom fez uma careta e olhou para Charon em busca de apoio. O asura com cicatrizes estava franzindo a testa, mas não me contrariou imediatamente.

— Esse menor fala em nome dos grandes dragões do clã Indrath? — Oludari se irritou, cuspindo no chão em sua raiva. — Na verdade, vocês são patéticos…

O pé de Windsom pressionou o pescoço do Vritra, sufocando as palavras de sua garganta.

— Até que saibamos mais, Oludari não conseguirá o que quer — continuei. Essa era apenas a metade da verdade, é claro. Na verdade, eu não queria dar a Kezess nenhuma informação adicional sobre os planos de Agrona até ter certeza de que esse conhecimento seria compartilhado ou, pelo menos, até que tivesse conseguido adquiri-lo primeiro.

— Isso não depende de você, rapaz — reclamou Windsom. — Oludari Vritra é um prisioneiro valioso demais para ser deixado aqui, onde pode ser procurado de novo, resultando em mais ataques e mais baixas.

— É por isso que estou pedindo que Charon assuma a autoridade pessoal sobre a proteção de Oludari. Torne-o um alvo difícil demais para valer a pena ou, melhor ainda, exiba seu corpo e diga que ele foi morto junto com três grupos de batalha de Assombrações, as forças de elite de Agrona, enquanto tentavam invadir nosso continente.

Charon demorou um pouco para dar sua resposta antes de falar.

— Para que os espiões de Agrona relatem a morte do Soberano… e nós, dragões, possamos apresentar isso como uma vitória para o povo. Inteligente. E onde você estará?

— Windsom vai me levar para ver Kezess — disse com firmeza. — Agora.

Windsom nos encarou, primeiro Charon e depois eu.

— Eu já sabia, quando o conheci, que você seria uma criatura obstinada, mas uma vida sob os holofotes deste continente menor lhe deu a falsa crença de que o mundo inteiro, ou mesmo o universo, gira ao seu redor. A verdade é que você é uma peça muito pequena em um tabuleiro muito grande e o jogo não depende inteiramente de cada movimento seu, Arthur.

Sem me intimidar, olhei com firmeza para o asura.

— Tudo bem — disse ele, levantando-se e tirando a poeira do uniforme. — Aguardo ansiosamente que você explique essas decisões ao Lorde Indrath.

Depois de enviar algumas instruções mentais para Sylvie e Regis, que ficariam para trás, repeti minhas expectativas em relação a Charon, incluindo a de que nenhum outro Dicathiano corresse perigo, então me abaixei na frente de Oludari.

— Sugiro que você se esforce muito para se lembrar de tudo quando eu voltar, se quiser ver Epheotus novamente, Vritra. — Finalmente, fiquei de pé e olhei para Windsom com expectativa.

Windsom olhou de um lado a outro entre mim e Charon, com a irritação estampada em cada linha de seu rosto, zombou:

— Então vamos lá, Arthur. Parece que fui reduzido a um mero serviço de táxi entre reinos.

Sem perder mais tempo, ele retirou um objeto redondo e plano e o colocou cuidadosamente no chão. Tirando uma gota de sangue da ponta de seu dedo, ele deixou o sangue cair no disco. O disco se expandiu, projetando uma coluna de luz, exatamente como havia feito todos aqueles anos atrás, quando me levou pela primeira vez a Epheotus para treinar.

Tenha cuidado — pensei para Sylvie. — Charon ainda está desempenhando o papel de líder razoável, mas não sei se podemos confiar em suas intenções ainda. 

— Você também — pensou ela. — As coisas estão progredindo rapidamente agora, mas ainda há muito que não sabemos.

Respirando fundo, entrei no portal.

O ar esfriou quando apareci no topo da montanha, exatamente como da primeira vez. O castelo Indrath pairava sobre mim, magnífico e ameaçador, uma estrutura esculpida na própria terra e brilhando com milhares de pedras preciosas cintilantes. A ponte incandescente e multicolorida atravessava os dois picos como antes, e uma leve brisa soprava por entre as pétalas cor-de-rosa das árvores que cobriam o topo da montanha.

Quando fui trazido para cá pela primeira vez, tive uma sensação de admiração de outro mundo. Agora, porém, o fogo frio da minha raiva reprimida queimou tudo, exceto o desejo de acabar com isso.

Windsom não esperou por mim, continuou marchando em frente e atravessou a ponte, sem sequer olhar para trás. Eu o segui, mas permaneci muito consciente dos tentáculos de magia que se contorciam sobre e através de mim enquanto atravessava a ponte de minérios preciosos.

Chegamos à porta da frente, que o próprio Windsom abriu. Quando passei por ela, o amplo saguão se contorcia desconfortavelmente, depois parecia desabar, levando-me junto.

Saí cambaleando em uma sala redonda muito menor. Olhei ao redor tentando me orientar, com uma espada etérea já em punho.

Windsom não estava mais comigo, mas depois de um segundo reconheci o que estava ao meu redor.

O bem usado Caminho do Insight dominava o centro da câmara da torre.

Uma presença poderosa agarrou o éter em meu punho e o expeliu com força total.

— Não haverá necessidade disso aqui —, a voz de Kezess soou na sala.

Fiquei olhando em volta, sem vê-lo a princípio. Então, com uma rapidez desorientadora, ele estava de pé no lado oposto do círculo feito no chão.

Eu sabia que ele estava jogando comigo, tentando me desequilibrar e me deixar desconfortável. Com firmeza, controlei para acalmar minha respiração e diminuir meus batimentos cardíacos. Em relação a casualidade dele, soltei um leve suspiro.

— Você já sabe o que aconteceu?

Kezess inclinou ligeiramente a cabeça, enviando uma onda de movimento através de seus cabelos claros.

— Windsom explicou algumas coisas. O resto, ele disse que você me contaria.

— Não é nada acolhedor da sua parte. Há quanto tempo já estou aqui? Certamente você entende a importância do meu retorno rápido a Dicathen.

Ele examinou as unhas, sem olhar para mim.

— Talvez você estivesse com menos pressa se tivesse trazido minha neta e Oludari do Clã Vritra com você.

Deixei apenas uma pequena careta transparecer em meu rosto.

— Você prometeu proteção para Dicathen, garantiu que o conflito entre os asuras não se espalharia pelo continente, mas acabei de chegar de um campo de batalha que deixou mais de duzentos dicathianos mortos, e não tenho ideia de quantos refugiados alacryanos antes disso. Como posso confiar em você com Sylvie ou Oludari se você não vai cumprir a sua parte do acordo?

— Ah sim, as Assombrações e seu ataque… um sobre o qual você avisou Charon com dias de antecedência… — Kezess refletiu, imóvel, com seus olhos brilhantes de ametista afiados e sérios como o fio de uma espada. — Esse foi um ponto que Windsom não conseguiu esclarecer para mim. Como exatamente você sabia que as Assombrações iriam atacar Etistin?

— Não mude de assunto — respondi. — Preciso de sua garantia de que os dragões que supostamente guardam Dicathen terão suas prioridades definidas. Não temos utilidade para marionetes sem alma.

As narinas de Kezess se abriram, o único sinal de sua irritação.

— Marionetes sem alma? O que é, vai me criticar novamente por minhas ações contra os djinn? Eu já lhe disse, Arthur, que não hesitarei em sacrificar uma vida por um bem maior, ou mesmo duzentas, e meus soldados também não. Mas você entende bem isso. Não foi você quem disse que mataria milhões de alacryanos para salvar milhares de dicathianos? Você fez a aritmética moral, assim como eu.

— Não estou aqui para trocar palavras ásperas, apesar de ter muitas outras guardadas — rebati após alguns segundos de silêncio. — O que importa é o nosso acordo. Seus soldados não estão fazendo o que você prometeu, e você mesmo não está me contando tudo o que sabe. Eu vi como Charon e Windsom reagiram às notícias sobre as divagações de Oludari. Eles sabiam mais do que queriam deixar transparecer.

A postura de Kezess se suavizou e ele relaxou.

— Você está certo. Seu conhecimento sobre o éter será de pouca utilidade para mim se Agrona vencer a guerra em seu mundo. Não posso permitir que Agrona aprenda tudo o que sei, ou mesmo o que imagino, por isso o isolei de certas informações. Continuarei fazendo isso, mas agora vejo que há uma necessidade de que certas coisas venham à tona.

Cruzei os braços e me encostei na parede, relaxando um pouco.

— Talvez você possa começar me dizendo por que permitiu que as coisas chegassem a esse ponto? Você poderia ter lavado Alacrya em uma maré de sangue séculos atrás. Um exército asura contra um clã?

— Agrona deixou Epheotus com todo o seu clã a reboque, sim, e isso foi parte do problema. E não apenas os Vritra, mas também alguns aliados. — Kezess começou a caminhar lentamente ao redor do círculo desgastado que era o Caminho do Insight. — Essa ação era uma ameaça para a existência de todos os menores e asuras. Um conflito dessa escala em seu mundo teria sido devastador.

— Para os menores, sim, mas para os asura também? — Franzi a testa e balancei a cabeça. — Qual é a parte que você não está me contando?

— Agrona estava praticamente nos desafiando a entrar em guerra — respondeu Kezess, olhando para o caminho enquanto percorria seu lento círculo. — Seu clã e aliados foram posicionados de forma muito estratégica para garantir que qualquer batalha quase certamente resultaria na destruição do seu mundo.

Tive o cuidado de controlar meu tom de voz e minhas feições faciais, reprimindo uma zombaria incrédula.

— Supondo que isso seja verdade, você já havia cometido genocídio contra a cultura dominante do mundo. Qual era o problema? O que o impediu de fazer com Agrona, mas não com os djinn…

— Tudo! — exclamou, sua máscara de controle total caindo por um instante. — Tudo o que fiz foi para manter este mundo vivo, e seria sensato que você colocasse isso firmemente na vanguarda de quaisquer outras suposições que fizer sobre mim.

No silêncio que se seguiu à explosão inesperada de Kezess, lembrei-me das palavras do julgamento da última pedra-chave. Ele disse aos djinn que o uso do éter por eles era um perigo para o mundo. Lady Sae-Areum disse que ele lhes deu algum tipo de aviso, algo que os levou a procurar além das fronteiras de nosso mundo, mas o que foi?

Apesar do desejo de pressionar Kezess ainda mais, guardei meus pensamentos para mim. Precisava entender, mas tinha que ser cuidadoso.

Kezess ficou mais alto, suas costas se endireitaram. A tensão pareceu se dissipar de sua postura de uma só vez e ele começou a andar novamente.

— Em vez de travar uma guerra cataclísmica, independente de nossa capacidade de vencer, enviei assassinos, tantos e tão poderosos quanto pudesse arriscar. Muitos Vritra morreram, mas foi impossível alcançar Agrona.

Isso, pelo menos, estava de acordo com o que me foi dito antes, mas as palavras de Sae-Areum e do Soberano Oludari ainda estavam me incomodando.

— Então, o que Agrona realmente quer, no final das contas? Para que tudo isso?

Kezess parou de andar e me encarou.

— Deixe-me contar um pouco da nossa história, Arthur, para que você possa entender melhor.

“Quando Epheotus ainda era um terceiro continente no oceano entre Dicathen e Alacrya, os asuras eram muito parecidos com os elfos de Elenoir. Nossos ancestrais eram um povo que se apoiava no mundo natural ao seu redor, em equilíbrio com ele, mas equilíbrio significa conflito e, por meio da luta constante, crescimento.

“Nosso crescimento foi tão grande que nossa magia ultrapassou os limites de nossas formas físicas. Quando isso aconteceu com os djinn, eles adotaram o uso de formas mágicas, fortalecendo seus corpos e aprimorando sua conexão com a mana e o éter por meio de tatuagens rúnicas. Porém, para os asuras, era bem diferente.

“Buscamos novas formas. Manifestações físicas da capacidade mágica bruta que havíamos aperfeiçoado ao longo de muitas eras. Nós nos tornamos o dragão, a hamadríade, o panteão. E, ao longo de muitas eras, essas características evoluíram para se tornarem um aspecto inerente de nossas raças, que se distanciaram umas das outras, cada ramo da árvore genealógica asura se tornando mais exclusiva com o tempo.

“Nos tornamos mestres do mundo, subjugando tanto a magia quanto as feras naturais, criaturas muito mais terríveis do que as que agora ocupam sua Clareira das Bestas. Então, à medida que nossos recursos se esgotavam e nossa constante ânsia por crescimento aumentava, começamos a subjugar uns aos outros. As Assombrações, não os soldados mestiços de Agrona, mas um ramo antigo da árvore genealógica dos asuras, eram os piores. Uma raça de guerra, que se construíram sobre os ossos daqueles que conquistaram. Por fim, todas as raças e todos os clãs foram arrastados para uma guerra que varreu o mundo, afundando continentes e queimando mares. Esquecemos que antes estávamos em equilíbrio com a terra, pois o conflito levou nossa magia a uma devastação cada vez maior.

“Foi somente quando o último das Assombrações caiu que o resto dos asuras viu o que haviam se tornado.”

Kezess fez uma pausa, avaliando minha reação.

Considerei cuidadosamente as camadas de sua história.

— Isso é história ou fábula?

Kezess me deu um sorriso divertido.

— Ambos, eu acho. Foi isso que aconteceu, conforme relatado em nossos registros, mas não estou apenas lhe dando uma aula de história. Agrona forjou para si uma nação totalmente subordinada a ele. Eliminou qualquer rival em Alacrya e, com seus exércitos, magos cobertos de runas, Assombrações e até mesmo o Legado, busca subjugar seu mundo e depois virá para o meu. Isso, Arthur, é o que Agrona quer: tomar o que seu povo e o meu construíram, conquistar nossos mundos e tomá-los para si. Ele quer governar a tudo e controlar a todos a qualquer custo.

Acenei com a cabeça em sinal de compreensão, refletindo sobre sua declaração enquanto escondia minha dúvida crescente. Oludari tinha sido claro em uma coisa: Agrona estava buscando força individual, privando-se de seus aliados mais poderosos no processo. Durante meu tempo como rei, era essencial entender a importância das pessoas que nos cercam. E se o que Oludari sugeriu for verdade, então até mesmo o Legado foi criado não apenas como uma arma para Agrona, mas como uma ferramenta para ele absorver o mana de seu povo.

Agrona demonstrou estar sempre três passos à minha frente, transformando cada situação em sua vantagem. Então, percebi que sempre me faltou algo essencial para qualquer vitória na guerra: compreensão.

A mesma coisa que o próprio Kezess estava me impedindo de fazer. 

Considerei cuidadosamente suas mentiras enquanto minha expressão se transformava em um sorriso de gratidão.

— Obrigado por ser honesto comigo, Kezess.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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