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O Começo Depois do Fim – Cap. 452 – Entre os Caídos

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POV LILIA HELSTEA

Minhas pernas queimavam enquanto eu subia a longa inclinação da trilha. Com as mãos nos quadris, virei-me para admirar os vagões de trem que se estendiam pela encosta da montanha atrás de mim.

Jarrod Redner, que estava andando ao meu lado, colocou as mãos nos joelhos e ofegou por ar.

— Eu não… compreendo… por que estamos… pegando esse velho… caminho da montanha — disse sem fôlego.

Embora soubesse que ele estava falando retoricamente, respondi de qualquer maneira.

— Não há para onde essas pessoas irem ao norte de Sapin. Valden, Marlow, Elkshire… lá não podem apoiá-los. As aldeias agrícolas entre Xyrus e Blackbend, no entanto, têm espaço. Entretanto, não há estradas através da densa floresta pantanosa entre Marlow e Xyrus.

— Eu… sei… — Ele bufou, levantando-se com uma carranca estampada no rosto enquanto tentava controlar sua respiração.

Alguns dos aventureiros que atuavam como guardas passaram por nós, e depois a primeira carroça. Uma garotinha olhava desesperada para a borda da trilha na montanha enquanto seu avô controlava as rédeas de dois grandes skitters que puxavam sua pequena charrete. Seus pais haviam morrido lutando na Muralha.

— Olá, Kacheri — gritei, dando-lhe um pequeno aceno.

Quando ela não acenou de volta, tirei algo da bolsa e joguei a ela. Ela o viu navegar pelo ar e pousar no assento ao seu lado com uma expressão vaga, depois pulou de excitação e correu para remover o papel.

Seus olhos se arregalaram, brilhando de excitação enquanto enfiava o caramelo em sua boca.

— Pobre criança — lamentou Jarrod, recuperando o fôlego enquanto a charrete passava.

Havia mais de duzentas pessoas em nossa caravana, pessoas como Kacheri que haviam perdido quase tudo, a única esperança que tinham era escapar das aldeias menores como Ashber, porque não podiam mais se sustentar após a guerra. Famílias foram destroçadas, pessoas escravizadas, suas propriedades tomadas ou destruídas, e quando a guerra terminou tão repentinamente, Sapin não tinha a liderança e a infraestrutura para enviar ajuda ou reconstruir.

Com inúmeras mães, filhas, filhos e pais nunca mais voltando da guerra, muitas famílias simplesmente não conseguiram sobreviver tão longe das grandes cidades.

Ironicamente, alguns dos que estavam na caravana eram pessoas que havíamos ajudado a escapar das cidades e que não tinham conseguido arriscar fazer a viagem de volta por conta própria e, em vez disso, esperaram meses por ajuda. Alguns deles voltariam para Xyrus e Blackbend, mas outros não tinham casas, famílias ou vidas para retornar. Sem esperança própria, precisavam de alguém para intervir e ajudar reacende-la para eles.

Empurrando uma pequena rocha com o dedo do pé, observei como ela quicava pela montanha íngreme, o clack repetido, o clack silencioso de pedra sobre pedra sob o contínuo barulho das rodas de carroças e o estrondo de tantas vozes, tanto humanas quanto de bestas de mana.

Jarrod ficou em silêncio, mas manteve um rosto corajoso para o bem daqueles que passavam nas caravanas.

À frente, ouvi os guardas gritando e virei meu ouvido em sua direção.

— Apenas anunciando um descanso — disse Jarrod, vendo meu olhar preocupado. — Vai demorar um pouco para que todo mundo suba essa inclinação, então a gente pode tomar um ar, né?

Acenei com a cabeça, subindo minha mochila nas costas e continuando até a estrada, que se nivelava enquanto se curvava em torno de um amplo vale na encosta da montanha.

— Pelo menos meia hora para colocar os últimos comboios aqui, mas todos devemos caber confortavelmente neste espaço plano.

Jarrod cortou um vão entre uma carroça e a família que a seguia a pé, depois correu para uma grande pedra que havia caído da montanha e rachado ao meio na beira da estrada. Pela colocação, parecia que alguém a havia movido com magia há muito tempo, e agora virou uma conveniente mesa para Jarrod colocar alguns recipientes de comida.

Eu o segui, já confortável com o ritual. Retirando algumas coisas do meu anel dimensional, as coloquei para compartilhar, depois peguei uma maçã e mordi.

Uma mulher de armadura pesada com roupas de cores vivas assobiava enquanto passava por nós em sua pequena carruagem, puxada por um grande pássaro quase tão brilhante quanto sua dona.

— Oii, quando vai me chamar para almoçar, Jarrod Redner?

As bochechas de Jarrod coraram e sua boca trabalhou silenciosamente enquanto lutava por uma resposta.

— Talvez no dia em que só a sua própria presença não seja o suficiente para avermelhar seu rosto e roubar-lhe as palavras, Rose-Ellen — atirei, depois ri atrás da minha mão.

— Que pena então… — Ela gritou, virando-se em sua carruagem e ajeitando sua blusa apertada. — Temo estar condenada a ouvir apenas o som do silêncio daqueles lábios beijados pelo vento. — Ela me deu um sorriso perverso. — Ao contrário de você, Lady Helstea.

Acenei com a mão para afastá-la, depois escondi meu sorriso atrás da maçã, lentamente dando uma mordida.

Jarrod demorou seu tempo arrancando uma tira de carne seca de uma fatia e mordiscando-a, olhando para todos os lugares, menos para mim. Depois de um minuto, ele limpou a garganta e disse:

— Você já pensou sobre… antes? Tipo, Academia Xyrus, e como teria sido a vida se os Alacryanos não tivessem atacado?

— Claro — respondi, sem deixar a maçã nas mãos. — É difícil não pensar, mesmo sabendo que não ajuda em nada. — Hesitei, então encontrei o olhar de Jarrod. — O que está na sua cabeça?

— Eu só… — Ele fez uma pausa e deu uma mordida, mastigando lentamente. — Tudo o que aconteceu desde o ataque à academia foi… horrível, sabe? Mas… — Ele se deslocou em seu assento, seus olhos saltando enquanto procurava as palavras, e percebi que ele olhava… com culpa. — Não quero parecer que estou fazendo pouco caso do horror que essas pessoas enfrentaram… que todos em Dicathen enfrentaram, como os elfos, como aquela garota, mas…

Ele soltou um suspiro dramático e finalmente olhou para mim.

— Eu só queria dizer que gosto disso. Eu… como o que estamos fazendo. Ajudar essas pessoas? Gastando tempo… uh, fazendo uma diferença real, eu acho. Se não fosse a guerra, se você não tivesse salvado minha vida quando literalmente tentei matá-la, simplesmente não sei quem eu teria me tornado. Isso é… ruim, eu acho que gosto mais de quem eu sou agora?

Senti lágrimas se acumulando atrás dos meus olhos e rapidamente as afastei.

— Não, não acho que isso seja ruim. — Limpei minha garganta, mas não sabia mais o que dizer.

Sentindo o constrangimento, Jarrod riu ironicamente.

— Falando em salvar a minha vida, acho que é o Tanner subindo o cume ali, está vendo? Quem diria que eu acabaria trabalhando ao lado daquele piloto de Asa de Lâmina de novo, hein? Juro que ainda tenho pesadelos com Velkor…

Ri por trás da minha mão.

— Você deveria mostrar um pouco mais de apreço pela besta de mana que o ajudou a escapar de Xyrus.

— É fácil para você dizer — exclamou Jarrod, brandindo sua carne seca para mim. — Você não precisava montar naquela besta. Juro, ainda não tenho certeza se Tanner sabia como controlá-lo de verdade.

— Bem, ele parece ter um controle bom o suficiente agora… — Inconscientemente um suspiro irrompeu de mim, me levantei rápido enquanto um calafrio de horror subia por todo meu corpo.

O Asa de Lâmina estava se torcendo descontroladamente, seu voo rápido e errático momentos antes de um jato verde de luz atravessar o céu e atingi-lo por trás. Velkor e Tanner giraram fora de controle e a silhueta distante do Asa da Lâmina desapareceu de vista quando despencou do céu.

Quatro figuras sombrias, a princípio apenas manchas, cresceram rapidamente à medida que se aproximavam, a intenção de matar se expandindo deles era como uma esmagadora onda de mana negra.

— Guardas! — gritei, correndo o máximo que podia em direção à frente da caravana. Jarrod não hesitou, mas seguiu logo atrás de mim, enrolando seus braços e pernas em um feitiço de vento.

Os aventureiros já haviam começado a formar fileiras, alguns conjurando escudos ao redor dos refugiados, outros entoando e preparando feitiços ofensivos para lançar um contra-ataque a qualquer um que se aproximasse.

Mas todos nós podíamos sentir a força de suas assinaturas de mana indisfarçáveis, já podia ver olhares desesperados sendo trocados entre nossos guardas e ouvir o tremor de suas vozes.

Gritos desceram pelos vagões, fazendo com que as carroças parassem uma após a outra. A maioria das pessoas que estávamos escoltando não eram magos, e não conseguiam sentir o que estava se aproximando, nem tinham visto Tanner atingido no ar, mas viram os feitiços defensivos sendo lançados e isso era o suficiente para deixá-los em pânico.

Não havia tempo de nos organizar. Não podíamos nos virar, correr ou nos esconder. A distância da estrada até o cume onde o Asa de Lâmina havia aparecido derretia à medida que as figuras se abaixavam sobre nós no que pareciam segundos.

Diane Whitehall, uma das aventureiras que liderava a proteção de nossa caravana, desceu o braço ordenando:

— Ataquem!

Segurei a respiração enquanto uma saraivada de feitiços se lançava no ar.

Nenhum deles encontrou seu alvo.

Gelo negro cristalizou-se em torno dos pés de nossos defensores da linha de frente. O gelo condensou-se em espigões e empurraram-se para cima, perfurando mana, armadura e, em seguida, carne e ossos com extrema facilidade.

Ouvi a corrente rasgar e ossos quebrarem. Homens e mulheres gritaram, depois se calaram enquanto suas formas físicas familiares se tornavam uma bagunça vermelha desfiada manchando o gelo preto.

Atrás deles, a segunda linha tropeçou para trás, feitiços defensivos piscando, nenhuma barragem de fogo de retorno evidente, o horror da exibição roubou a força até mesmo dos guerreiros veteranos.

— Recuem! — Diane ordenou, seu tom de comando substituído por um grito maníaco, mas não havia para onde nenhum de nós ir.

A névoa verde se espalhou do que restou dos cadáveres, engolindo os sobreviventes. Não pude virar o rosto quando a carne deles começou a derreter como cera por seus corpos, seus gritos moribundos borbulhando de bile e sangue. O rosto sardento e os cabelos cacheados de Diane se desprenderam para revelar o crânio embaixo, então ela caiu.

Os skitters puxando a carroça trombaram uns nos outros para voltar, fugir, arrancando seus arreios e batendo no banco do motorista, rasgando o avô de Kacheri em pedaços. Então a névoa bateu no veículo e finalmente me virei, incapaz de assistir ao que se seguiu, incapaz de sequer sentir meu núcleo além da dormência doentia que estava tomando conta de minha mente e corpo.

De repente, Jarrod me segurou, arrastando-me para trás e para longe da névoa enquanto ela devorava o segundo e o terceiro carros na fila também. Tudo gritava… a montanha estava tombando sobre si mesma, virando de cabeça para baixo como se tentasse nos jogar no penhasco…

Caí de joelhos e vomitei.

Eu estive na guerra, do meu jeito. Tinha lutado, matado… mas nunca tinha visto uma morte tão casual e horrível. Mesmo nos piores dias da ocupação alacryana de Xyrus, não tinha experimentado nada assim.

— Lance outro feitiço e morra — disse uma das figuras, uma mulher, pela voz.

Tremendo, vi como ela pousou em meio à carnificina de seu ataque, a névoa se dissolvendo ao seu redor. Ela tinha cabelos pretos e olhos vermelhos… e chifres.

Uma Vritra, pensei, uma palavra que só parcialmente tinha significado até aquele momento.

— Desembainhe uma arma e morra — continuou, caminhando em direção ao punhado de aventureiros que ainda respiravam. — Corra e morra. Me irrite… e morra. — Ela parou de pé em minha frente, seu olhar carmesim varrendo a frente da caravana. Eu podia ouvir sua voz descendo a encosta da montanha, ecoando para que ela pudesse ser ouvida mesmo do extremo a meia milha de distância. — Quem fala por vocês?

— E-Eu — disse fracamente, embora não fosse verdade, a rigor. — M-Mais ou menos, eu acho. — Lutando, enxuguei minhas mãos vomitadas e me levantei. — Isto não é um… estamos apenas ajudando as pessoas a se mudarem para cidades sobreviventes, só isso. Não estamos transportando nada de valor… exceto vidas humanas.

A mulher sorriu, uma expressão cruel em seu rosto contundente.

— Conveniente, porque é exatamente disso que precisamos agora. — Por cima do ombro, ela disse: — Raest, vá para a retaguarda da caravana. Garanta que ninguém banque o corajoso.

Raest estava gravemente queimado e sem a maior parte de um braço, mas não deu nenhum sinal externo de dor enquanto acenava com a cabeça em compreensão e voava pela estrada.

— Varg, entregue o venerável Soberano a Renczi e me ajude nos preparativos — continuou ela, com seus olhos escarlates penetrantes piscando em direção ao céu.

Um segundo homem pousou ao lado dela. Ele tinha um rosto estreito e afiado com um queixo longo e curvo e chifres curtos crescendo de cada têmpora acima de seus pequenos olhos. Sobre o ombro, ele carregava uma forma prona. Ele se aproximou da mulher e falou em um tom baixo que mal consegui perceber.

— Você tem certeza que essa é a melhor ideia, Perhata? Nós poderíamos…

Ela mostrou os dentes para ele, calando-o.

— Por enquanto, temos o Soberano, mas nenhum tempus warp, já que o nosso estava com Cethin. Precisamos enviar um sinal, e esses dicathianos não magos nos dão cobertura caso tenhamos… companhia.

Seu foco voltou-se para mim, aguçando.

— Seu pulso acelera diante das minhas palavras, como se elas significassem esperança para você. — Ela expôs os caninos alongados e se inclinou para perto. — Saiba que se você sobreviver a isso, será porque fez exatamente o que eu disse. Será porque eu te poupei. Não busque esperança externa, entendeu?

Engolindo um nó na garganta, assenti. Quando ela estendeu a mão em direção ao meu rosto, me afastei, mas ela foi mais rápida, com os dedos apertando minhas bochechas.

— Vá, criança. Acalme seu povo. Explique o que é necessário a eles. Certifique-se de que entendam que sua existência contínua está firmemente em suas próprias mãos.

Ela me deu um empurrão suave quando me soltou, quase caí para trás.

Jarrod segurou meu braço para me firmar.

— Lilia, você está… — Ele se afastou, então usou a manga para limpar uma mancha de vômito agarrada aos meus lábios, sussurrando: — O que vamos fazer?

— O que ela disser — confirmei. — Venha, vamos evitar que esses pobres coitados pulem da encosta da montanha.

Apesar de minhas palavras confiantes para Jarrod, quando começamos a percorrer nossa caravana, falando com família após família, não pude deixar de me sentir uma mentirosa em minhas tentativas de espalhar calma. Afinal, se não tivesse ficado congelada como uma mera criança teria sido casualmente executada em sua crueldade, agora, aqui estava eu correndo para fazer o que a mulher, Perhata, mandava…

Talvez fosse algo bom que os quatro magos poderosos estivessem voando e lançando feitiços, suas auras punitivas como o peso de uma tempestade que se aproximava, porque a maioria das pessoas sob nossos cuidados estava com muito medo para fazer qualquer coisa, exceto exatamente o que lhes foi dito. Assim como eu.

***

— Apenas fique com sua família e mantenha a calma — disse a um homem de meia-idade cujos seis filhos choramingavam de dentro de sua carroça. Os quatro auroques que puxavam o grande veículo mexiam-se nervosos, mas ele os manteve firmes na mão. — Estou confiante de que, quando conseguirem o que querem, nos deixarão ir.

Sorri e me odiei por isso. Estava mentindo para o homem? Não tinha como saber, e isso partia meu coração.

Quando me afastei de sua carroça, que talvez estivesse no meio da linha de carroças, vagões e pessoas a pé que subiam a montanha, o chão resmungou e tremeu sob meus pés.

A pedra explodiu em algum lugar profundo abaixo de nós.

Ofeguei quando meu tornozelo girou em uma pedra, e os quatro auroques avançaram em direção à parte de trás do pequeno vagão à sua frente. O pai gritou em pânico, empurrando inutilmente as rédeas enquanto seus filhos gritavam por trás do pano grosso que cobria sua carroça. Os auroques mergulharam a cabeça e bateram na traseira do vagão, estilhaçando madeira e mandando-a para a borda da estrada.

A mulher solitária na carroça gritou de surpresa e terror, seus skitters sibilaram e tentaram subir a encosta da montanha, arrastando o carrinho quebrado atrás deles.

Os lagartos sibilantes assustaram ainda mais os auroques, e as feras desviaram para a direita para contornar a carroça menor, levando-os, e à família que estavam puxando, em direção à beira da estrada e ao penhasco abaixo.

Estendendo a mão, segurei a mana limitada do atributo água na atmosfera e a condensei em uma parede pouco antes dos auroques mergulharem da borda. As feras se chocaram contra o muro e foram forçadas a parar, mantendo-se na estrada enquanto corriam ao longo da borda, o vagão se rebatendo na parede de água atrás deles.

Empurrando as duas mãos para a frente, enviei a parede como uma onda pelo chão sob o vagão, empurrando-a para a terra e cascalho, amolecendo-a em uma lama grossa para pegar as rodas.

O vagão deslizou de um lado para o outro enquanto os auroques tentavam forçar a passagem pelo próximo carrinho na fila. Conjurei outro muro ao seu lado, impedindo-os de desviar muito para a direita e mergulhar na inclinação fatal, mas estava claro o que aconteceria se as feras em pânico transformassem nossa caravana em uma debandada completa.

Reunindo o máximo de força que pude atrás da parede de água, condensei-a em uma foice, soltando a lâmina líquida pelo arnês que conectava as feras à carroça. Madeira e couro se estilhaçaram e os auroques gritaram de terror, saltando da estrada. Por um momento, mantiveram sua formação, correndo em uníssono pela encosta íngreme da montanha, depois um pisou em falso.

Olhei para o lado, incapaz de suportar a visão que se seguiu.

A carroça ficou com uma metade na estrada, os gritos de crianças sem fôlego e apavoradas ainda saíam de seu interior. Com as rodas presas na lama espessa, estava estável no momento, mas não perdi tempo para correr em direção à traseira do vagão e rasgar a cobertura de pano. Seis rostos pálidos me encaravam, enquanto seu pai lutava para chegar até eles do outro lado.

— Vamos, para fora, para fora! — insisti, acenando.

Duas meninas mais velhas pegaram seus dois irmãos mais novos em seus braços e correram em minha direção. Os outros dois lutaram para escapar pela frente, com o pai arrastando-os pela abertura. À medida que o peso mudava, o vagão deslizava para os lados na lama.

Peguei as duas primeiras crianças e as puxei para um lugar seguro. Quando cheguei ao segundo par, a carroça deslizou novamente, a criança mais velha gritou e escorregou enquanto o chão de madeira balançava sob ela.

Uma rajada de vento bateu no lado largo do vagão, empurrando-o de volta em minha direção. A menina mergulhou e eu a agarrei, arrancando-a do convés e a colocando em terra firme.

Jarrod correu, canalizando a rajada de vento e empurrando lentamente o vagão de volta para a estrada.

Acima de nós, os dois skitters agarraram-se à encosta da montanha, uma carroça meio destruída pendurada debaixo deles. A motorista estava deitada na terra a uma dúzia de metros de distância, cuidando de um cotovelo muito machucado e xingando suas bestas de mana.

Uma aura mortal se aproximou, e olhei para cima para ver o Vritra, Raest, de um braço só, pousar entre nós. Ele lentamente olhou ao redor, seus olhos estreitos e hostis.

— Mantenha seu povo na fila, garota.

Minha raiva e ansiedade me venceram e pisei na frente da família encolhida e olhei ferozmente para ele.

— O que quer que estejam fazendo parece que vão derrubar a montanha com a gente! Seus feitiços assustaram algumas das bestas de mana, e essas pessoas quase…

Eu me engasguei com minhas palavras enquanto sua intenção assassina envolvia minha garganta como um punho com garras. Com os olhos esbugalhados, cocei o pescoço, mas não conseguia forçar a respiração.

O alacryano se aproximou.

— Não pense que a nossa necessidade de você é tão grande que nos deixa dispostos a ser desrespeitados, menina. Talvez o resto desse patético bando seja mais flexível se eu espalhar suas entranhas de uma ponta à outra da caravana?

— Por favor, chega! — Jarrod gritou, correndo para o meu lado. — Nós entendemos, tudo bem?

Raest olhou Jarrod com desdém, depois voou para longe, sua aura recuando com ele.

Afundei de joelhos, lágrimas escorrendo pelas bochechas e me arrastei em uma respiração ofegante.

— Estúpido… — ofeguei, balançando a cabeça e enxugando com raiva minhas lágrimas.

— Já me disseram — disse Jarrod, ajoelhado ao meu lado.

Eu chiava desconfortavelmente, metade rindo, metade chorando.

— Não você. Eu não deveria ter…

— Esqueça isso — afirmou, oferecendo-me a mão. Quando peguei, ele me ajudou a ficar de pé. — Vamos lá. Tem muita gente aqui nos procurando para algum tipo de liderança.

Sabendo que ele estava certo, posicionei-me e fiz o meu melhor para me recompor. Ajudamos a mulher a soltar os skitters. Várias outras famílias se apresentaram para encontrar lugares para a grande família se abrigar e redistribuir os bens contidos em sua carroça agora inútil.

Supondo que alguma vez saiamos desta montanha, peguei-me a pensar. Então, talvez isso signifique que ainda haja alguma esperança. Caso contrário, por que se incomodar?

Sentindo-nos um pouco melhor, Jarrod e eu continuamos ao longo da caravana, fazendo o nosso melhor para explicar o que estava acontecendo e oferecer consolo e orientação onde fosse necessário.

Demorou quase duas horas para chegar ao final, onde o mago de um braço vigiava a estrada para garantir que ninguém tentasse se virar e fugir. Enquanto isso, a montanha continuava a tremer como um vulcão prestes a entrar em erupção, nossos raptores não nos ofereceram mais explicações.

Um vento amargo começou a soprar pela encosta da montanha, tornando o ar frio, a maioria das pessoas se retirou para vagões cobertos para se amontoar em torno de artefatos de aquecimento ou construiu fogueiras e montou barracas contra a base do penhasco que margeava a estrada. Com meu manto apertado em torno dos ombros, me afastei da última carroça de nossa caravana e comecei a fazer meu caminho de volta até o alto da montanha com Jarrod.

— Você sentiu isso? — perguntou, parando e olhando para o oeste, usando a mão para proteger os olhos do sol.

— Impossível… — respirei, a palavra pouco mais que um gemido.

Assinaturas de Mana tão poderosas quanto as dos magos alacryanos que nos fizeram prisioneiros aproximavam-se rapidamente. Em instantes, pude perceber um aglomerado de cinco formas acelerando pelo ar em nossa direção.

Perhata e Varg se levantaram para encontrá-los. Os cinco recém-chegados eram todos com chifres e olhos vermelhos, assim como Perhata e seus companheiros, e cada um parecia ser pelo menos tão forte quanto um mago do núcleo branco…

Nove desses caras, pensei consternada. Como isso é possível?

— Talvez nos deixem ir agora — disse Jarrod esperançoso. — Se conseguiram o que queriam, não há razão para nos machucar, certo?

Não consegui concordar com ele, minha mente permaneceu nos terremotos que estavam sacudindo a montanha nas últimas horas.

— Talvez eu possa ouvir o que estão dizendo… — Jarrod murmurou, lançando um feitiço.

Uma leve brisa parecia se voltar contra o vento frio que vinha do leste, soprando apenas ao redor de Jarrod.

— Eles… Assombrações, acho que é assim que são chamados. O que são Assombrações? Aquele homem que eles capturaram, é um Soberano, o que quer que isso signifique. Estão esperando por um de seus dispositivos de teletransporte, mas esses recém-chegados, que estão respondendo a algum tipo de sinal que Perhata enviou, não têm um. Eles estão discutindo agora, e… ah, ah não. Merda…

Houve um sussurro molhado, então sangue brilhante floresceu como uma flor se abrindo no peito de Jarrod. Ele me olhou surpreso e confuso, com a boca abrindo e fechando, depois afundou no chão. Em algum lugar, um grito soou como um alarme distante, turvado pelos meus próprios batimentos em meus ouvidos.

— J-Jarrod…?

Caí ao lado dele, pressionando minhas mãos em seu peito. Havia uma pequena lágrima em sua camisa, e sob ela um buraco limpo em sua carne. O sangue estava se acumulando embaixo dele.

Sua mão alcançou minha bochecha, espalhando sangue pelo meu rosto, depois lentamente caiu de volta para o seu lado. Um gemido dolorido escapou de seus lábios, então ele ficou em silêncio, a luz desaparecendo de seus olhos.

Tudo o que pude fazer era olhar horrorizada para o corpo do meu amigo.

Com lentidão meticulosa, minha cabeça se virou para onde as Assombrações voavam acima de nós. Sequer estavam olhando…

As pessoas estavam se movendo ao meu redor, vindo ver só para parar e dar um passo para trás depois de perceberem que Jarrod já estava morto, mas não conseguia tirar meus olhos das Assombrações enquanto elas voavam para longe, pousando perto do início do nossa caravana.

Só então meus olhos cheios de lágrimas se voltaram para Jarrod.

Ele olhava cegamente para mim. Tremendo, fechei suas pálpebras. De repente, percebi que, embora estivesse cercada de pessoas, estava completamente sozinha. Eu conhecia alguns dos aventureiros que nos guardavam, mas eles não eram meus amigos, além disso, a maioria deles havia morrido no ataque inicial. As pessoas que estávamos ajudando a realocar eram quase todas estranhas para mim, na melhor das hipóteses pessoas que havia encontrado e ajudado a escapar de Xyrus. Pai e mãe estavam muito longe. Vanesy havia ajudado a organizar essa jornada, mas não havia necessidade dela comparecer pessoalmente…

Eu estava sozinha e não tinha ideia do que fazer a seguir.

Meu estômago torceu quando uma assinatura de mana das Assombrações se aproximou, sua intenção me atacando como um chicote. Era aquela de um braço que estava à deriva em nossa direção mais uma vez. Havia um sorriso horrível esculpido em seu rosto queimado.

— Perhata avisou, não foi? Lance um feitiço e morra. Idiotas. Tudo o que precisavam fazer era ficar parados, calarem a boca e ficarem fora do nosso caminho.

Eu não tinha forças para trocar palavras com esse demônio dos meus piores pesadelos, mas ele não estava ouvindo de qualquer maneira. Sua cabeça tremia, seu nariz grotesco e bolhoso farejando o ar como uma besta. Um rosnado baixo emanou de sua garganta e ele olhou para mim.

— Silêncio. Não diga nada, sob pena de morte.

Então, um a um, senti a presença das Assombrações desaparecendo. Mesmo quando olhei para Raest, perdi toda a percepção de sua sufocante assinatura de mana. No espaço de algumas respirações, era como se as Assombrações tivessem desaparecido.

Cegamente, minha mão apalpou até se fechar em torno do braço já frio de Jarrod. O que diabos está acontecendo?

Uma emanação distante, mas que se aproximava rapidamente, respondia à minha pergunta, mesmo enquanto eu pensava.

Girando onde me ajoelhei junto ao corpo de Jarrod, olhei sem compreensão para o céu, onde três enormes formas aladas haviam aparecido sobre as montanhas e voavam diretamente em nossa direção.

Dragões! Três dragões!

Sem fôlego, absorvi com fome a visão deles: dois belos seres branco-cristalinos com teias azuis de gelo em suas asas e espinhos reluzentes ao longo de suas costas, liderados por um terceiro, negro como a meia-noite e fervilhando com uma intenção assassina diferente de tudo o que havia sentido antes.

Considerei Raest pelo canto do olho enquanto os dragões diminuíam a velocidade, rodando para o oeste e investigando nossa caravana. Ele não estava me observando, mas tinha se escondido ao lado de uma carroça, com sangue nos olhos trancados nos dragões.

Não, pensei, de repente desesperada, meus dedos ficando brancos ao redor da carne morta de Jarrod. Vão pensar que somos apenas… nós, não saberão que as Assombrações estão aqui, vão ir embora!

Engoli pesado, me preparando para o que precisava fazer. As Assombrações me matariam, vi isso tão claramente quanto os dragões no céu, mas estava morta desde o momento em que elas abateram Tanner e seu Asa de Lâmina…

Respirando fundo, preparei-me para lançar um feitiço.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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