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O Começo Depois do Fim – Cap. 440 – Um fio partido

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POV CECÍLIA

Vozes acima, ao redor. Familiares, mas distantes. Tão, tão distantes…

As palavras, falando sobre as chamas em minha carne, dançando como espíritos. Girando, mana ansiosa, queimando, queimando. Demais. Mais e mais, atraídas para mim, como as chamas para a mariposa. Preenchendo-me. Meu sangue, meus ossos.

Meu.

O meu, como o buraco. Profundo e sem fim. Um poço cheio de gelo. Não consigo me lembrar… O que havia antes? No buraco?

Magia. Mana. Uma chave. Um núcleo.

As palavras novamente. Vozes estranhas e familiares. — Delírio. — Febre. — Perigo. — Tempo.

Tempo. Um fio partido, puído, incoerente.

Luz, trevas, luz, trevas… Trevas…

Olhos abertos. Uma escuridão cheia de cor. Mana… Vermelha, amarela, verde, azul…

Figuras surgindo. Agulhas em minha carne, metal pressionado contra minha pele. Mais palavras. — Atraso. — Vontade. — Alma. — Cura. — Integração.

Trevas novamente.

Acordei tremendo. O eco de um grito soando em meus ouvidos, o coração disparado, estourando. Apavorado.

Havia estrelas. Fora das minhas janelas. A silhueta roxa das montanhas. O nome delas me escapou. Algo estava errado. Com minha mente, com minha magia.

Fechei os olhos, tentei pensar. Doía. Eu doía. Minha pele estava queimando. Os músculos doíam. Cada respiração estava cheia de dor irregular. Dor e… Mana. Cada respiração estava cheia de mana. Não fluindo para o meu núcleo, mas… para mim.

Se acalme. A mana estava lá. A magia estava lá.

O vento soprou através de mim, esfriando meus ossos. O sono voltou sobre mim.

Pisquei acordada novamente, uma presença desconhecida enchendo meu quarto. Ao pé da cama, um homem estava de pé. Como Agrona, mas também nada como Agrona. Seus olhos, dois rubis brilhantes, me perfuraram como lanças com pontas de sangue. Estremeci, sentindo seu olhar na minha pele, sob minha pele, me descamando camada por camada.

Ele tinha um rosto frio e cinza, impassível em torno de seus olhos penetrantes. Dois chifres em forma de saca-rolhas saíam do topo de sua cabeça. Conhecia aquele rosto, pensei. Apenas…

Ele disse algo e outra pessoa apareceu, sua própria presença ofuscando o primeiro homem. Agrona. Ele sorriu para mim e falou palavras gentis.

Soberano Oludari Vritra de Truacia.

Nomes e lugares, cujos significados eu não conseguia captar.

Oludari respondeu, preocupado.

Agrona ignorou as preocupações, confiante, seguro. Assustador.

Oludari, implacável. Agrona, comandando. Oludari, subserviente. Ele lançou um olhar inquieto para mim e meu espírito murchou. Fechei os olhos e tentei respirar.

Quando os abri novamente, estava sozinha. O tempo parecia mais tangível… mais real. Poderia dizer que várias horas haviam se passado.

Me esforcei para pensar na conversa de Agrona com Oludari, mas era como tentar lembrar de um sonho depois de acordar. Quanto mais tentava me agarrar à memória, mais ela escapava de minhas mãos.

Minha febre havia passado. Quanto tempo faz? Me perguntei. Semanas, suspeitava.

— Tempo suficiente para eu não ter certeza de que iríamos sobreviver, afinal.

Tessia disse em minha mente.

— Integração… Eu nunca poderia ter imaginado experimentar isso por conta própria. Como todos irão rea—

Gemi e rolei, puxando um dos travesseiros manchados de suor sobre minha cabeça.

Me deixe em paz.

Não houve resposta.

Depois de alguns minutos, afastei o travesseiro e joguei minhas pernas para fora da cama. O chão estava frio contra minha pele quente e, quando me levantei, minhas pernas tremeram violentamente. Tropecei até a porta da sacada, que estava aberta, me encostei na grade. O vento das montanhas era muito frio, provocando arrepios por todo o meu corpo e fazendo-o tremer ainda mais.

Mana fluiu para meus membros e o tremor diminuiu. Encheu meus pulmões, ajudando-me a respirar profundamente. Ela brilhou dentro da minha mente, clareando meus pensamentos.

Antes, sentia como se estivesse em harmonia com a mana. Ela me ouvia, reagia aos meus pensamentos e desejos, uma ferramenta com a qual poderia fazer qualquer coisa. Deveria estar mais forte agora, mas…

Havia uma sensação inescapável de ironia. Não conseguia me lembrar de me sentir mais fraca e menos eu mesma desde que reencarnei neste mundo. Eu era o Legado e agora havia passado pela Integração, tornando-me talvez a maga mais poderosa do mundo. Mas não consegui evitar que meus joelhos tremessem ou que o suor escorresse pela minha testa. Cada respiração parecia que estava forçando meus pulmões, como se da próxima vez que tentasse respirar, pudesse não conseguir.

Agrona me disse que eu já tinha passado pelo pior, mas não parecia assim. O que quer que tenha acontecido comigo enquanto estava inconsciente, logo após a minha Integração, não conseguia ver como era pior do que essas semanas de cura e enjoo.

Havia uma sensação assustadora de incorreção nisso. Mais ou menos como quando eu tinha um enorme centro de ki, mas não fui capaz de impedi-lo de sair de mim e machucar Nico…e Grey.

Inclinando-me para a frente, vomitei na beirada da varanda. Me apoiei na grade fria, sentindo o gosto amargo da minha própria bile nos dentes e me perdendo por um tempo. Então, lentamente, tropecei de volta para minha cama e caí nela, mas o sono estava distante e inalcançável.

Apenas fiquei lá, incapaz de fazer nada além de arrastar o foco da minha atenção para o funcionamento interno deste frágil corpo élfico. Ainda estava nos estágios finais de aclimatação à mana, agora infundindo cada célula. Era uma sensação estranha ter mana que não era limitada por um núcleo. Eu realmente era uma com a mana. A Integração era isso. Agrona tentou descrevê-la, mas o que ele me disse não correspondia à realidade. Talvez sua mente Asura não pudesse sequer conceber o que a Integração realmente significava. Mas então, pensei, ninguém que não tivesse experimentado essa sensação de equilíbrio e poder poderia entendê-la.

Tentativamente, comecei a experimentá-la, sentindo o fluxo de mana ao meu redor e através de mim. A mana do atributo água acalmou meus músculos doloridos, enquanto a mana do atributo vento esfriou minha pele. A mana do atributo terra endureceu em meus ossos e a mana do atributo fogo aqueceu meu sangue.

Esse tipo de observação imparcial ajudou a trazer alguma clareza. Percebi que a Integração era na verdade muito parecida com despertar para a mana depois de passar toda a minha vida anterior tentando controlar meu ki.

Da mesma forma que a mana parecia muito mais completa e mágica, a Integração parecia exponencialmente mais potente do que depender de um núcleo para usar magia. A criação de um núcleo de mana era semelhante à condensação de um centro de ki, pois cada um exigia a concentração de energia para se formar, com a sensação de mana preenchendo e fluindo livremente pelo meu corpo muito semelhante à manipulação do ki na Terra.

Me senti encolher com esse pensamento, ainda com medo de que minha mana, como com o ki, surgisse além do meu controle. Sem um núcleo para controlá-la…

Sentei-me e empurrei minhas costas contra a parede, diminuindo minha respiração. Ser o Legado não impediu que isso acontecesse antes, na Terra. Estou no controle, assegurei a mim mesma, repetindo isso várias vezes como um mantra.

Eventualmente, o sono se apoderou de mim e eu cochilei.

Acordei gritando e um grito ecoante voltou para mim.

Levantando-me da cama, olhei com os olhos arregalados para a assistente assustada que estava limpando meu quarto. Nico estava sentado ao lado da minha cama e rapidamente dispensou a assistente, que fez uma reverência e saiu correndo do quarto com um olhar assustado para trás em minha direção.

— O que foi isso?

Nico perguntou, sua voz suave. Quase soava como sua voz antiga, sua voz real, do jeito que era na Terra.

Olhei para ele mais de perto. Não seu cabelo escuro e traços marcantes. Não, seu rosto de Alacryano não era mais dele do que o rosto élfico de Tessia Eralith era meu. Mas a maneira como ele cravava as unhas na palma da mão, a maneira como tentava não mostrar isso quando estava mordendo o interior do lábio, como se inclinava para mim de vez em quando, como se quisesse estar um pouco mais perto de mim… Nesses momentos, eu podia vê-lo. E quando fechei os olhos, pude imaginá-lo com muita clareza.

Fiquei tensa de repente quando a voz de Tessia entrou em minha mente.

— Mostre a ele a mana, de antes.

Soube do que ela estava falando imediatamente: a mana que eu havia tirado da mesa coberta de runas de Agrona, aquela em que acordei depois de minha Integração. Ficou dentro de mim, ainda carregando a forma e o propósito que lhe foram dados pelas estranhas runas.

— Lembre-se, Cecília. Você sentiu que algo estava errado quando acordou pela primeira vez. Há mais em tudo isso do que está sendo dito.

Eu não reconheci o que ela disse, mas estava correta. Acordei naquela mesa me sentindo fraca, mas eu mesma, apenas para afundar novamente na doença na mesma noite. Palavras meio lembradas caíram na parte de trás da minha cabeça, fora de alcance.

Hesitante, comecei a explicar a Nico o que tinha visto e feito ao acordar e o desconforto que senti por estar cercada pelos estranhos magos.

— Você fez o quê? Isso não faz sentido, Cecil.

Ele me deu um olhar de pena.

— Não é… bem, possível.

Estendi minha mão, com a palma para cima. Uma luz quente saiu da minha pele quando um fio de mana apareceu no ar, queimando na forma das runas que originalmente lhe deram forma.

Os olhos de Nico se arregalaram e sua respiração tornou-se superficial. Ele se inclinou para frente, olhando para a mana, seu esforço para entendê-la e aceitá-la claramente escrita em seu rosto.

Contei a ele sobre as runas e o que queria fazer.

Movendo-se com cuidado, Nico pressionou a ponta do dedo na mana. Condensou-se em um enxame de partículas individuais e foi puxada para dentro de seu corpo. Mantive meu foco em torno dele, permitindo que o feitiço mantivesse sua forma em vez de se dissolver nos componentes individuais de sua mana. Os olhos de Nico se fecharam, pulando sob suas pálpebras.

— É… não tenho certeza.

As palavras de Nico saíram dele em um sotaque lento enquanto seu foco permanecia no feitiço. Eu o senti canalizando mana em sua regalia.

— A estrutura, as runas, a magia, não é como nada que já vi, mas…

Seus olhos se abriram e ele olhou para mim. Seu medo era óbvio.

— Isso vai levar algum tempo. Nós… não devemos contar a mais ninguém sobre isso.

Concordei completamente.

Nico hesitou, claramente pensando muito sobre algo, então acrescentou:

— Exceto… Draneeve, talvez. Só se for absolutamente necessário. Podemos confiar nele porque… bem, apenas saiba que podemos confiar nele. Eu o mantive de olho em você sempre que não podia.

Apesar de não entender realmente, reconheci o que ele disse.

Depois disso, Nico vinha aos meus aposentos sempre que era prudente. Lentamente, passei mais tempo acordada do que dormindo, mas a experiência da Integração deixou para trás uma fadiga profundamente enraizada que me manteve em meu quarto.

Nico ficava inquieto quando se deparava com um problema, um quebra-cabeças a ser resolvido, um nó a ser desatado. Sua mente não conseguia se concentrar em mais nada e mesmo quando ele não podia estar comigo, minha presença era necessária para manter a forma da mana, ele pensava nisso incessantemente.

Eu poderia dizer que algo o estava incomodando, mas ele estava escondendo seus medos de mim. Durante todo esse tempo juntos, não queria atrapalhar seus pensamentos e por isso não entrei em mais detalhes sobre o retorno de minhas velhas memórias…

Mas não, realmente, isso era apenas uma desculpa. Eu estava com medo. Com medo do que poderia ouvir depois de confessar. A que essa conversa levaria? Não estava pronta para dizer a ele que havia me matado e deixado Grey assumir a culpa.

Sempre que alguém batia à minha porta, esperava que fosse Nico. Fiquei surpresa, então, no dia em que Melzri entrou. Ela torceu o nariz enquanto olhava ao redor do meu quarto, sem esconder seu desgosto.

— Olá, Legado. Fui encarregada de buscá-la para um treinamento. Tenho certeza de que está tão empolgada com a perspectiva quanto eu.

Ignorando seu sarcasmo, levantei-me e gesticulei sem palavras para que ela mostrasse o caminho. Ficamos quietas enquanto passávamos pelos corredores de Taegrin Caelum, não conseguia me livrar da sensação de correr como um rato em seu rastro. Odiava me sentir tão vulnerável.

A longa trança branca brilhante de Melzri balançava a cada passo. A maneira como seus chifres se curvavam sobre sua cabeça apontavam para mim como lanças. Nunca nos demos bem, mas não podia deixar de admirar sua óbvia autoconfiança, o jeito como se sentia totalmente à vontade consigo mesma. Pensei em tentar bater um papo para quebrar o silêncio constrangedor entre nós, mas não sabia por onde começar.

Ela era uma Foice e toda Alacrya conhecia sua história. Quando seu sangue se manifestou, o confluxo de mana resultante matou seus irmãos adotivos de alto-sangue. Seu pai adotivo, o homem que a criou por doze anos, ficou furioso e tentou matá-la. Defendendo-se, queimou o coração em seu peito. Depois disso, foi acolhida por Agrona e criada dentro desta mesma fortaleza.

Provavelmente é por isso que era tão amarga comigo. Afinal, ela era como uma filha para Agrona antes de eu chegar. De alguma forma, tinha certeza de que ela pensava que eu a havia suplantado.

E suponho que, realmente, eu havia. Isso não me fez sentir mal por ela ou algo assim. Na verdade, ao considerar a situação, senti cada vez mais fortemente que ela havia recebido exatamente o que merecia. Melzri e o resto das Foices eram pessoas presunçosas e cruéis. Eles foram terríveis com Nico. De repente, aquela autoconfiança que eu admirava apenas alguns segundos antes parecia imerecida.

Cerrei o maxilar e caminhei em silêncio.

Acabamos em um longo corredor no fundo da pedra na base de Taegrin Caelum. As paredes nuas e o chão estavam rachados e enegrecidos com marcas de queimaduras de muitos magos poderosos, Retentores, Foices, até mesmo Assombrações, que treinaram ali ao longo de décadas. Não havia equipamento ou armamento, nada para ajudar no treinamento. Qualquer um forte o suficiente para ser trazido ali não precisava de coisas assim.

Não fiquei surpresa ao encontrar a Foice Viessa já presente, junto com Draneeve e um punhado de magos sem nome que não reconheci. Dos presentes, Viessa tinha a assinatura de mana mais forte, depois Melzri. Draneeve era um distante terceiro lugar. Os outros eram todos magos medíocres na melhor das hipóteses. Só podia supor que eram pesquisadores ou cientistas, não guerreiros.

Melzri parou ao lado de Viessa, olhando para mim. A pele de porcelana de Viessa estava desbotada na penumbra, seu cabelo roxo escuro e seus olhos negros ainda mais escuros.

Ela teria sido aterrorizante, exceto…

Olhei para minha própria mão, esfregando meus dedos juntos. Podia ver a mana em cada um deles, observá-la agitando-se em seu núcleo enquanto era purificada e sabia melhor do que elas mesmas o quão fortes ou fracas realmente eram. Poderia quebrar essas Foices com um estalar de dedos. Se eu quisesse.

Draneeve se inclinou para frente, sua expressão escondida atrás de sua máscara horrível.

— Ah, Senhorita Cecília. Lorde Agrona lamenta não poder se juntar a nós no momento. Mas ele espera que as Foices Melzri e Viessa sejam…

Parou, seus olhos pulando para as Foices atrás da máscara. Limpou a garganta e terminou:

— Que elas sejam parceiras adequadas para o seu treinamento de hoje.

Viessa sibilou baixinho.

— Deveríamos estar ajudando Dragoth a investigar a traidora, não cuidando dessa criança reencarnada.

Melzri apenas levantou os ombros e sorriu.

— Poxa, irmã, não seja assim. O Legado precisa de toda a ajuda possível. Apesar de tudo que o Alto Soberano fez para levá-la a este ponto, ela não teve nenhuma vitória real para ele.

Viessa fez uma careta, circulando ao meu redor e longe de Melzri para que as duas estivessem me flanqueando.

— Sua assinatura de mana não parece tão forte quanto antes, garota. Sem um núcleo, você parece… murcha.

Todas as minhas dúvidas e ansiedade se dissiparam diante de suas provocações. Essas duas não eram nada para mim. E com certeza não estava intimidada por seus golpes desesperados.

Draneeve deu vários passos para trás e os outros magos seguiram seu exemplo.

— A Senhorita Cecilia está testando seus poderes, vocês duas deveriam—

Viessa empurrou suas mãos para frente. A mana negra se juntou ao redor delas, espalhando-se como um enxame de gafanhotos.

E então desaparecendo.

Ela olhou para as próprias mãos, incrédula, as empurrou para a frente uma segunda vez. Nada aconteceu. A mana não respondeu a ela.

Melzri convocou sua lâmina, que explodiu em chamas negras e investiu contra mim. As chamas se extinguiram no meio do caminho, sua lâmina ficou tão pesada que ela tropeçou antes de ser arrancada de seus dedos, atingindo o chão com força suficiente para quebrar a pedra.

— Pare com isso de uma vez.

Viessa respirou, a mana em seu núcleo fervendo enquanto fluía por seus canais e veias. Mas não conseguiu transformá-la em um feitiço.

Melzri cerrou os punhos.

— O que você está fazendo?

Me senti sorrir. Era fria e cruel, o tipo de expressão que teria me assustado se a visse em outro rosto. E então disse a ela. Expliquei o que estava fazendo… E o que iria fazer.

Não foi sem um senso de autossatisfação que eu as vi se esforçando para entender, mas não foi até que ambas perceberam completamente a situação que eu soube que tinha estômago para o que estava por vir.

Fechando meus olhos, assumi o controle de toda a mana que Viessa tinha acabado de liberar e virei de volta para ela, conduzindo-a em suas veias, varrendo seus canais e bombardeando seu núcleo. Ouvi seus joelhos baterem na pedra enquanto um grito abafado ecoava pelo salão de combate.

— Sua vadia—

A voz de Melzri foi cortada com uma rajada quando seu corpo bateu no chão, a força da gravidade tão grande que sabia que seus ossos estavam esmagando a carne de seu corpo.

Não havia diferença entre a mana em meu corpo e o delas, ou na atmosfera ao nosso redor. Como o Legado, minha habilidade de controlar mana era inigualável. E agora que eu havia integrado, não exigia mais que minha mana fosse atraída para um núcleo, purificada e liberada antes de ser manipulada. A partir dessa nova perspectiva, até mesmo a ideia de mana purificada parecia inconsequente. Não precisava lavar a mana e torná-la minha para controlá-la.

Eu já controlava tudo.

As Foices eram indefesas contra mim. Mesmo essas Assombrações secretas de que ouvi falar seriam inúteis contra mim. De que adiantava a força de um Asura na magia se eu pudesse apagar seus feitiços antes que eles se formassem, separar seus corpos por dentro com seu próprio poder, privá-los do que os tornava especiais. Mesmo Agrona não era uma ameaça para mim—

— É por isso que ele encorajou você a ser tão subserviente.

A voz irritante de Tessia de repente entrou na conversa, interrompendo meus pensamentos.

— Ele sabia o que você se tornaria, ou pelo menos esperava e ele não permite que ninguém seja verdadeiramente poderoso. Então ensinou você a ser obediente.

Reprimi minha mana, tentando novamente abafar a voz de Tessia. Mas não consegui. Era a única coisa que eu não conseguia controlar.

— Hm, Senhorita Cecilia, talvez…

A voz afetada de Draneeve sumiu sugestivamente.

Abri os olhos e observei as duas Foices, uma se contorcendo de dor à minha esquerda, a outra achatada contra a pedra à minha direita. Liberei a pressão da mana rasgando as entranhas de Viessa e a gravidade esmagando Melzri, mas mantive a mana delas sob controle, impedindo qualquer uma delas de formar um feitiço.

Tessia continuou falando.

— Ele tem essa promessa de mandar você de volta para a Terra pairando sobre sua cabeça e a de Nico ameaçando vocês, se saírem da linha. Ele não se importa com você ou te ama. Provavelmente nem pretende deixar você controlar esse poder. Por que faria isso quando pode simplesmente substituir sua mente?

Empurrei sua voz para longe. Embora ela pudesse interromper meus pensamentos, não podia afetar minhas ações e minhas palavras.

Flutuando do chão, afastei uma mecha de cabelo prateado.

— Levantem-se, vocês duas. Quero entender até onde vai meu controle.

 

Separador Tsun

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O céu acima de Taegrin Caelum estava carregado de nuvens escuras. Voei por elas como um pássaro, aproveitando a sensação de toda aquela mana se condensando ao meu redor, atraída pela tempestade natural. Virando-me para cima, disparei no ar frio, a umidade se acumulando contra minha pele, até que avancei com velocidade no céu claro.

Abaixo de mim, as nuvens rolavam até onde a vista alcançava em todas as direções.

Gostava de lá. Era tranquilo. Separado. Treinar com meus novos poderes era mais como uma exploração, ver quais eram meus limites. Não precisava aprender por repetição, apenas pensar com uma visão clara o suficiente e manter a cabeça limpa era muito mais fácil de fazer ao ar livre do que enterrada sob a fortaleza.

As nuvens começaram a girar em padrões lúdicos. Vapor subia delas, condensando-se em esferas de água que flutuavam e refletiam a luz. As nuvens clarearam de um cinza profundo para um branco macio e fofo. Flutuando, deitei-me sobre as nuvens, descansando a cabeça nas mãos e cruzando os tornozelos enquanto olhava para a imensidão azul acima.

— Tessia.

Disse, minha voz flutuando na brisa suave.

Nenhuma resposta veio.

— Tessia.

Disse mentalmente e bruscamente, incapaz de reprimir minha irritação por ter que chamá-la duas vezes.

— Este jogo de poder não combina com nenhuma de nós.

Respondeu depois de alguns segundos.

— Nós duas sabemos que a única razão pela qual você está me chamando é porque isso lhe dá uma falsa sensação de controle. Você conseguiu, alcançou a Integração, jogou as Foices como se fossem bonecas de pano, mas não pode fazer nada sobre mim, e isso a corrói.

Fechei os olhos, rolei e mergulhei nas nuvens. Mantive uma imagem em minha mente, estendendo tentáculos de mana por todo o meu corpo, procurando. Não tinha certeza se estava funcionando, se pelo menos poderia funcionar, mas quando abri meus olhos, não pude deixar de sorrir.

Não estava mais cercada por vento frio e nuvens fofas, mas estava parada na grama verde macia sob os galhos espalhados de árvores altas de casca prateada, suas sombras salpicando o chão e fazendo o mundo inteiro parecer que estava balançando suavemente.

Tessia Eralith estava parada não muito longe. Sua trança prateada caía sobre seu ombro nu, um vestido verde esmeralda e dourado envolvia seu corpo ágil.

Olhei para mim mesma. Era mais baixa que ela, um pouco mais atarracada. Meu cabelo era castanho liso e comum, cortado em volta dos meus ombros como se tivesse sido cortado com tesoura.

Deixei escapar uma respiração profunda para me firmar.

— Odeio falar com você na minha cabeça. É nojento… como uma violação. Assim é melhor.

— Uma violação… sim, acho que sei exatamente o que você quer dizer.

Tessia disse, seu tom de tristeza cortado por uma vaga sensação de irritação.

— Sabe, depois que soube por você que Arthur reencarnou, muita coisa fez sentido. Seu intelecto, sua sabedoria, sua maturidade. Parece tolice, agora que penso nisso, que tentei tanto persegui-lo. Costumava ficar com muita raiva de mim mesma sobre como éramos diferentes quando pensava que era um ano mais velha… mas acontece que ele era trinta anos mais velho.

Ela riu e eu fiz uma careta.

— Por que eu deveria me importar?

— Porque eu pensei que você seria igual, que você seria… diferente. Estava confusa no começo. Mas então percebi—

— Sim, você já disse tudo isso antes.

— Então, você está preparada para ouvir?

Vigiei cuidadosamente o guardião Elderwood, que se contorcia nos arredores da clareira que criei para nossa conversa.

— Você pode ver dentro da minha cabeça, não pode? Todos os meus pensamentos e desejos são um livro aberto para você. Então me diz.

Tessia acariciou os cabelos caídos sobre o ombro, com os olhos no chão.

— Não é sobre você falar comigo. É sobre você ser honesta consigo mesma. Depois de tudo que aprendeu, ainda está lutando esta guerra. Por que ajudar Agrona a conseguir o que quer? Você realmente confia nele para mandá-la de volta para sua antiga vida depois de tudo isso?

Ela olhou para cima, seu olhar queimando o meu.

— E vale mesmo a pena?

Esfreguei meus olhos em frustração, virando as costas para ela.

— O que você quer que eu diga? Que sou egoísta? Uma pessoa de merda? Uma criança mimada acreditando em contos de fadas? Tudo bem. Tanto faz. Sou tudo isso e muito mais, Tessia. Talvez eu seja uma pessoa má. Mas cheguei longe demais, fiz…

Me engasguei, engoli em seco e continuei.

— … coisas, matei pessoas, e isso não pode ter sido por nada. Toda essa merda não pode ter sido por nada.

Tessia ficou quieta por tempo suficiente para que eu me virasse, me perguntando se ela ainda estava lá. Estava. E enquanto estava lá e me observava pensativa, sucumbi, o peso de minhas próprias palavras se estabelecendo em minha alma.

— Você realmente queimaria este mundo se isso significasse que você e Nico voltariam para casa?

Ela perguntou.

Balancei minha cabeça.

— E deixaria Agrona governar sobre as cinzas.

— E se você ficar presa aqui nas cinzas conosco?

Ela perguntou.

— Então pelo menos não sobrará ninguém para me julgar.

Disse lentamente, de repente muito cansada.

Antes que ela pudesse responder, passei minha mão pela projeção mental, limpando a clareira e abrindo meus olhos. As nuvens estavam escuras e pesadas de chuva. Relâmpagos brilharam e trovões explodiram.

Afundei sob as nuvens e na chuva pesada, deixando que o frio acalmasse minha pele, recusando-me a reconhecer que o rubor de minhas bochechas era de vergonha. E os riachos que correm pelo meu rosto também não são lágrimas.

— Cecilia!

Vacilei, não tendo notado a assinatura de mana que se aproximava.

Nico, voando em um casulo de vento conjurado por seu cajado, parou a seis metros de distância, seu rosto protegido contra o vento e a chuva por um palmo.

— Você está bem? Essa tempestade surgiu do nada!

Olhei para ele inexpressivamente, levou vários segundos para que meus pensamentos se encaixassem. Assim que o fizeram, a chuva parou. As nuvens se dissiparam e estávamos voando sob o sol brilhante e frio da tarde, o Taegrin Caelum projetando-se das montanhas abaixo de nós.

Uma brisa desconfortavelmente quente começou a soprar, nos envolvendo e nos deixando secos em instantes.

— Hum, Agrona chamou todas as Foices e… você. Os outros já chegaram. Ele está nos esperando imediatamente.

Quando se virou, deixei escapar:

— Eu sou uma má pessoa, Nico?

Invertendo o curso, Nico voou para mais perto, sua carranca preocupada se aprofundando ainda mais.

— Do que está falando?

— Nada.

Soltei.

— Deixa para lá. Não devemos deixar Agrona esperando.

Acelerei, mergulhando em direção à fortaleza, voando em velocidade ao redor do amplo exterior da ala privada de Agrona e pousando em uma de suas muitas varandas.

Uma parede de ruído me atingiu quando a rajada de vento em meus ouvidos diminuiu: o bater de pés com botas, o chamado e a resposta de comandos latidos a onda de mana canalizada.

Abaixo da torre, milhares de magos estavam dispostos em formação no pátio. Estandartes de todos os domínios eram exibidos, mostrando onde os soldados de Etril estavam separados daqueles de Vechor e Truacia, cada força tendo sido trazida pela Foice daquele Domínio.

As portas de vidro da varanda estavam fechadas, trancadas e protegidas, mas a mana se desdobrou quando me aproximei e o trinco saltou, permitindo que uma rajada de vento abrisse as portas.

Mais adiante havia uma confortável sala de estar. Um fogo queimava em uma enorme lareira, Agrona estava encostado em um balcão baixo. Estava vestido formalmente de preto e dourado, os enfeites em seus chifres refletiam a luz e brilhavam como estrelas quando se virou para olhar para mim. Ele parecia exatamente como sempre, desde que o conheci. Mas, enquanto me olhava, suas sobrancelhas ligeiramente levantadas, não pude deixar de pensar que algo havia mudado. Ele havia mudado, mas não sabia exatamente como, tive que me perguntar se estava apenas imaginando.

Ou talvez, pensei, sou eu quem mudou.

Nico entrou na sala atrás de mim e cuidadosamente fechou as portas, sua inquietação saindo dele em ondas.

— Ah, finalmente estamos todos aqui.

Agrona disse com um sorriso muito largo, gesticulando para entrarmos.

Fiquei surpresa ao ver Melzri e Viessa já presentes, sentadas desconfortavelmente em um dos sofás macios que enchiam a sala. Nenhuma das duas encontrou meus olhos. Dragoth também estava presente, parado na frente da lareira, de costas para mim. Seus ombros estavam curvados, seus chifres largos caídos.

Mais surpreendente foi a presença dos Retentores. A enferma Bivrae se escondia nas sombras, enquanto o escultural Echeron permanecia perto de Dragoth, tentando e falhando em esconder seu nervosismo. Mawar pairou perto das janelas e olhou para as Montanhas Presa de Basilisco, a luz fria pintando sua pele mutável com uma cor de mármore pálido quase translúcida.

Pela primeira vez desde que cheguei a Alacrya, pensei ter entendido um pouco de como Agrona deve ter se sentido quando viu todas essas pessoas poderosas reunidas. Em qualquer outro lugar do mundo, eles teriam sido uma força formidável, até mesmo avassaladora, mas aqui, agora… eles pareciam tão sem importância. Não eram nada.

Senti a decepção de Tessia borbulhar por dentro.

— O quê?

— Você acha que foi assim que os pesquisadores se sentiram em relação a você enquanto a picavam e cutucavam? Sob uma autoridade tão alta, talvez eles a vissem como nada mais do que como você agora vê as Foices… Como um objeto, soldados a serem tolerados talvez, mas não respeitados.

Engoli em seco, cuidadosamente guardando meus pensamentos para mim mesma.

— Todas as minhas poderosas Foices e seus temíveis Retentores juntos novamente.

Disse Agrona, com os braços abertos.

— Está faltando apenas nosso cordeirinho perdido, Seris, e seu fiel cão. A presença dela teria sido um presente maravilhoso, mas, infelizmente…

Dragoth se virou quando Agrona começou a falar, ele empalideceu com esse comentário. Ao lado dele, Echeron olhou para seus próprios pés.

— Ainda assim, não sejam muito duros com Dragoth.

Agrona nos deu um largo sorriso.

— Vocês todos sofreram sua parcela de derrotas e fracassos, de constrangimentos, ultimamente, não é?

Agrona sorriu como um pai orgulhoso e compreensivo. Se empurrou para cima do balcão, deixando suas pernas balançarem para frente e para trás, seus calcanhares ocasionalmente batendo contra a madeira.

— Mas nós, todos nós, às vezes devemos assumir nossas culpas e seguir em frente.

Bateu com os nós dos dedos no tampo do balcão algumas vezes.

— Para misturar metáforas, permitimos que nossa casa acumulasse sujeira por tempo suficiente. A situação de Seris chegará ao fim no devido tempo, mas há muitos outros lugares que podemos começar a limpar agora.

As Foices e Retentores trocaram olhares incertos, mas ninguém ousou interromper Agrona, especialmente quando fingia estar de bom humor.

— A presença dos dragões em Dicathen significa que não há mais nada a ganhar com nossas lutas internas.

Continuou ele.

— Enquanto Dragoth continuará a perseguir Seris nas Relictombs, o resto de vocês colocará nossa casa em ordem. Acredito que, antes que nossos esforços nesse departamento sejam concluídos, veremos Arthur Leywin colocando a cabeça para fora também, quando isso acontecer, quero que vocês o capturem ou o matem.

Melzri e Viessa trocaram um olhar significativo.

— O que você vai fazer?

Perguntei, frustrada por esta menção irreverente de matar Grey. Grey já havia derrotado um esquadrão dos assassinos Asura de Agrona. Sabia que Agrona não esperava que nenhuma dessas Foices realmente derrotasse Grey.

Inclinou a cabeça para o lado, balançando os ornamentos em seus chifres. Seu sorriso não vacilou, mas suas pernas pararam de balançar.

— Por que você pergunta, querida Cecil?

Engoli em seco, algo sobre seu olhar me fazendo questionar minha franqueza.

— Eu… só quis dizer, se Grey é uma ameaça tão grande…

O sorriso de Agrona se alargou, expondo seus caninos, deslizou para fora do balcão, ficando de pé. Sua sombra parecia cair sobre todos ao mesmo tempo.

— Apesar da minha fraqueza fingida, aquele velho dragão cauteloso ficou satisfeito em deixar a situação neste mundo persistir, permitindo-me mergulhar nas profundezas das Relictombs e aumentar minha compreensão sobre o poder deste mundo. Finalmente, porém, graças ao nosso amigo rebelde reencarnado, Arthur, Kezess abriu o caminho entre Dicathen e Epheotus. Agora, enquanto vocês acabam com essa guerra civil boba e caçam Arthur Leywin, estarei… me preparando para tirar o máximo proveito do passo em falso de Kezess.

Qualquer coisa agradável deslizou do rosto de Agrona como se tivesse tirado uma máscara. Abaixo havia algo escuro e perigoso.

— Em meu próprio fingimento de fraqueza, alguns de vocês se permitiram tornar-se realmente fracos. Dei a vocês novas regalias junto com minha paciência. É hora de provarem que são dignos de ambas.

A sala parecia congelada, como se os outros nem estivessem mais respirando. O tempo poderia ter parado e não teria mudado nada.

Os olhos de Agrona percorreram lentamente cada um de nós.

— O Legado se concentrará principalmente em Arthur Leywin. Se você não puder trazê-lo inteiro, pelo menos me traga seu núcleo. Faça uso das Foices como achar melhor para garantir que isso seja feito.

Ele se virou e saiu da sala, deixando para trás um silêncio profundo e taciturno.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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