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O Começo Depois do Fim – Cap. 413 – Falsas Memórias

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POV Cecilia

Todo o meu corpo tremia com convulsões que eu não conseguia suprimir, enquanto o poder dentro de mim arranhava e martelava para fora. Abaixo de mim, a pequena cama que enfim aceitei como minha crepitou contra a tábua do chão, a moldura de madeira estalando feito lenha no fogo. Meus olhos não se fechavam, em vez disso, se arregalaram, verificando a sala sem decoração, a direção sendo mais decidida por onde quer que minha cabeça se inclinasse do que por qualquer intenção minha.

Senti como se estivessem esmurrando o interior do meu peito e por um momento de selvageria, tive certeza de que o poder estava tentando rasgar um caminho para fora. Então ouvi vozes atrás da pesada porta de ferro do meu quarto, percebi que a sensação era apenas meu batimento cardíaco, pois dava uma reviravolta repugnante.

Quis gritar, dizer a eles para irem embora, que não tinha como se aproximarem. Foi demais desta vez. Dava para ver o ki no ar, cortando em todas as direções.

Mas a porta estava se abrindo e não consegui falar pela minha garganta apertada.

Da entrada, pude apenas distinguir a diretora Wilbeck e alguns outros. Randall, o grande homem que ajudava a limpar depois de todas as crianças, estava inclinado para frente, uma mão para proteger os olhos da energia que pairava dentro do meu quarto. Ele hesitou, e, pouco antes de avançar, uma figura muito menor correu para dentro.

Nico, pensei, meu coração se agarrando com igual medo e gratidão.

Ele se esquivou de uma explosão de ki que atingiu Randall no peito, o jogando de volta na parede.

— Você não pode!

Falei, as palavras enfim saindo entre meus dentes cerrados.

— V-você vai se machucar!

Porém algo estava errado. Seja devido à tempestade de ki destruindo a sala ou através da minha própria percepção enfraquecida, ele estava começando a se tornar um borrão, ou melhor, ficar tão claro que impossibilitava uma visão detalhada, enquanto uma auréola borrada o cercava. Tentei me concentrar, mas olhar para a auréola fez minha cabeça doer de um modo terrível.

Ele estava quase que se arrastando para a minha direção, estendendo a mão. Não conseguia olhar para ele, e então me virei, ainda podendo vê-lo pelo canto do olho. A imagem cristalina dele e da auréola difusa se separaram em duas imagens individuais.

Uma delas era claramente Nico, seu rosto fixo em uma careta heroica enquanto passava pelo surto de ki que meu ataque estava desencadeando. O outro, a imagem embaçada, era um menino da nossa idade com ki inchando dentro de si, o suor escorrendo por um rosto torcido em desespero.

A cama se separou, as penas, o tecido e pedaços de madeira girando no ar e espiralando ao meu redor como se estivessem presos em um tornado em miniatura. Senti ser levitada com os dois meninos, Nico para um lado, o menino embaçado para o outro. A cada poucos segundos, se juntavam, virando uma figura só e então explodiam de novo, caindo de ponta a ponta.

A sala estava se separando também, depois o orfanato. Conforme a tempestade do meu ki crescia, descascava camada após camada do mundo e esvaziava tudo.

Nico e o menino borrado de repente se dividiram em dezenas de cópias de si mesmos, cada um meio diferente, que nem a luz através de um caleidoscópio. Começaram a cair feito flocos de neve à deriva em tantas cenas sobrepostas, fotos das minhas memórias, jogadas lado a lado. Nico, ainda nítido e visível, fazia os mesmos movimentos do borrão, que se movia como uma sombra logo atrás dele.

Meus olhos se abriram.

Me inclinando, liberei a pressão que vinha aumentando dentro de mim. Um atendente pôs um balde debaixo do meu rosto bem a tempo de pegar o conteúdo do meu estômago. Alguém deu uma tapinha no meu cabelo e murmurou ruídos suaves e reconfortantes.

— Diga ao Alto-Soberano que ela está acordada.

Ordenou baixinho uma voz desencarnada nas proximidades.

Agora que o sonho havia acabado, minha mente desperta podia sentir as lacunas entre as memórias duplas, lugares em meu cérebro onde Agrona havia substituído por lembranças fabricadas. Entretanto, mesmo reconhecê-las era como enfiar um dedo em uma ferida aberta, desencadeando outra onda de vômito que fez minha mente ficar em branco.

Grey, percebi, o contexto das memórias sangrando pela névoa obscurecendo o olho da minha mente. Tanto Grey na minha vida… tantos buracos vazios preenchidos ou pavimentados com Nico…

Sentindo um pânico nauseante e repentino que desencadeou outra onda de vômitos, tentei lembrar das partes muito mais posteriores do nosso relacionamento, momentos com os quais nunca me conformaria totalmente quando visto por esse corpo, aterrorizada com o que encontraria.

Mas… estavam intactas. Isso foi real. Nosso amor foi real.

Quando a náusea se esvaiu do meu corpo cansado e dolorido, me inclinei para trás e fechei os olhos, vendo apenas um vislumbre da atendente de cabelos escuros que estendeu a mão com um pano para limpar meus lábios e queixo.

— Pronto, amor. Relaxe.

Disse ela com um leve aroma de lírio de Vechor.

Não tinha noção da passagem do tempo e perdi toda a coerência enquanto meus pensamentos iam de lembrança para lembrança. Podia sentir as falhas no meio das reais e das fabricadas da mesma forma que a língua sentia o vão de um dente perdido. Sem qualquer orientação direta, minha mente parecia correr de memória para memória, explorando as profundezas de si mesma, mapeando e dando sentido à mudança na consciência.

Se tivesse sido um minuto ou uma hora depois, não importava; uma presença sufocante apareceu ao meu lado, afastando todo o resto para abrir espaço para si.

Os meus olhos se abriram mais. Agrona estava ao meu lado da cama, olhando para mim com uma leve carranca que comunicava preocupação.

— Como você se sente?

Perguntou, seus olhos escarlates fixos nos meus.

— Meus melhores médicos e curandeiros vieram para vê-la, dizem que, fisicamente, você está ilesa.

— Estou bem.

Assegurei a ele, as palavras parecendo dilacerar a minha garganta. Quando mexeu um pouco a cabeça, continuei.

— Estou sendo honesta. Ele não me machucou.

Agrona, cujas mãos estavam atrás das costas, ficou totalmente imóvel quando fez uma pergunta.

— Cecilia, você pode me dizer o que estava fazendo naquele bloco de celas?

Franzi as sobrancelhas e olhei para os meus pés.

— Perdoe-me, Agrona. Sei que não deveria ter ido lá, mas…

Parei, sentindo as gavinhas da sonda mágica dele em mim. Que nem dedos amassando o tecido macio, procuraram meus pensamentos, a verdade e a mentira. Entretanto…

— Vá em frente.

— O servo de Nico, Draneeve, veio até mim… disse que Nico estava agindo de forma estranha, que estava obcecado com a ideia de que o Soberano Kiros tinha informações que precisávamos, algo que ele tinha medo de perguntar a você. Ele disse que Nico tinha se esgueirado para interrogar o Soberano, e então eu o segui.

Enquanto falava, mantive metade da minha mente na magia de sondagem. Ela traçou os meus pensamentos e acariciou as palavras que se formaram, mesmo antes de chegarem à língua. Senti a tal sensação centenas de vezes antes, mas algo estava diferente nessa vez.

— Eu deveria ter ido até você e dito na hora.

Admiti, deixando meus olhos se fecharem.

— Kiros tentou me matar.

Dedos fortes agarraram meu queixo e viraram um pouco a minha cabeça. Quando pisquei, estava olhando para o rosto dele.

— Sim, deveria. Ele foi tolo em não me fazer suas perguntas e você foi tola em persegui-lo para salvá-lo. Essa é uma fraqueza explorada com facilidade por quem te quer fazer mal, mesmo aqui em Taegrin Caelum. Se você deseja mesmo ganhar a minha guerra e voltar para suas vidas originais, precisa mantê-lo seguro.

O nariz de Agrona dilatou ligeiramente de desgosto.

— Em especial dele mesmo, o que pode significar encurtar a coleira dele.

— Sim, talvez.

Sempre achei difícil discutir esse tipo de coisa com Agrona. Ele fazia tudo parecer tão simples, quando na realidade era o contrário. Nico era sensível, autoconsciente e propenso a heroísmos. Sabia que se sentia cada vez mais afastado pelo meu poder crescente, algo que achava muito difícil de gerenciar. Não porque queria ser o mais forte ou o mais importante, mas porque queria me manter segura.

— Onde ele está?

Questionei, de repente percebendo que Nico não estava presente quando acordei e o que isso poderia significar.

— Nico?

Agrona me deu um sorriso compreensivo e estendeu a mão para escovar os dedos sobre o meu cabelo.

— Ele ficou confinado por um tempo até que eu pudesse obter uma compreensão mais completa dos eventos com Kiros. Farei com que seja liberado para vir aqui de imediato. Agora que sei que você está bem, vou deixá-la descansar.

Começou a se virar, fez uma pausa e depois olhou de volta para mim.

— No entanto, há outra pergunta que devo fazer a você.

Seu tom era leve, curioso, quase indiferente.

— Você absorveu alguma mana de Kiros quando ele tentou matá-la?

As gavinhas ainda estavam nos meus pensamentos, porém percebi o que estava diferente de antes: ele estava sendo reservado, limitando o uso de mana.

É bondade ou o quê? Me perguntei. Ele me disse antes o quão perigoso seu tipo de magia mental poderia ser se não empunhado com cuidado e por um com controle e discernimento apropriados.

Se não fosse por essa percepção, acho que não teria coragem de fazer o que fiz.

— Não, Agrona. Você proibiu. Mesmo que quase tenha custado minha vida, não tirei mana alguma dele.

A linha fina que se formava entre suas sobrancelhas era o único sinal externo de seus sentimentos. Assentiu, fazendo os ornamentos dos chifres balançarem. Pensei que pretendia sair, todavia, em vez disso, se virou para mim, batendo na minha canela com uma mão.

— Você deve se concentrar em processar a mana remanescente da fênix em seu corpo. Seu núcleo está se aproximando do estágio de Integração, posso sentir.

Ele mostrou os dentes em um sorriso faminto.

— Você será a primeira em muitas, muitas gerações de menores a conseguir isso.

Fiquei em silêncio. As marcas de magia no meu cérebro haviam diminuído, não conseguia ler as intenções dele.

— A Integração é uma peculiaridade estranha da sua biologia inferior.

Ele refletiu, olhando para além de mim e pela parede em uma visão distante que só ele podia ver.

— Para um Asura, tal coisa é inimaginável. À medida que crescemos em força, nossos núcleos também crescem. Quanto mais tempo um Asura vive, mais eles aumentam. Não em tamanho, mas em potência e força. E, no entanto, estranhamente, ainda somos reprimidos.

— De que maneira?

Perguntei, hesitando. Na maioria das vezes, ele não era propenso a conversas simples e eu tinha certeza de que havia algum propósito mais profundo por trás de suas palavras.

— A Integração, acredito, é a chave para desbloquear um novo nível de compreensão mágica. Eu a tenho perseguido entre meus seguidores por décadas, mas tem se mostrado bastante evasiva. Seu papel como o Legado, no entanto, colocou você no auge em apenas uma fração do tempo que eu investi. É bastante notável. Você pergunta por que os Asuras são contidos e eu te direi.

A pressão da mão dele na minha canela cresceu.

— Temos poder, mas não evoluímos. Vocês, menores, se replicam como insetos e cada geração muda, moldando a casca de seus antepassados e se tornando algo novo. Na mudança há oportunidade, e na oportunidade há poder.

— Como… insetos?

Questionei, quase divertida com a comparação pouco educada.

Ele acenou com a mão com desdém.

— Uma vez que você tenha atingido o estágio de Integração, então você será capaz de entrar totalmente em seu poder como o Legado. Até lá, não deixe que pequenos contratempos atrapalhem seu progresso. A derrota de ontem se torna a lição que informa a vitória de amanhã.

Ele se endireitou e alisou o rico tecido roxo de sua camisa.

— Seres como nós dois não podem se dar ao luxo de deixar escapar nem a menor das lições, Cecil. Você deve absorver tudo, interiorizar cada uma delas e então se armar com o que aprendeu. Entendeu?

Mordi o lado da minha bochecha, incerto se tinha entendido de verdade, mas depois de um momento assenti.

— Descanse então e considere as minhas palavras.

Falou, antes de se afastar. Só então percebi que estava sozinha e que todos os servos e curandeiros tinham me deixado.

Afundei de volta na cama e olhei para o teto indescritível do meu quarto, forçando cada respiração para dentro e para fora, profunda e consistente. Apesar de tudo o que Agrona havia dito sobre absorver, interiorizar e Integração, encontrei meus pensamentos se afastando de seus conselhos desatendidos e de Nico.

Sempre soube do que ele era capaz. Quando acalmou minhas emoções ou me ajudou a enterrar as memórias da elfa, sabia o que estávamos fazendo. Ele até limitou meu acesso às memórias de minha própria vida anterior com o meu consentimento, esperando até que eu fosse forte o suficiente antes de revelar certas coisas para mim.

Contudo, foi para a minha própria proteção e muitas vezes por minha insistência. Foi o que pensei, pelo menos. Agora, por que Nico e Agrona sentiram a necessidade de mudar algumas dessas memórias, inserindo Nico no lugar de Grey… eu não conseguia entender. Grande parte da minha relação com Nico, todas as melhores partes, até era verdadeira. No entanto, eles o construíram, tentando torná-lo mais… heroico.

E todos apagaram Grey da minha vida. Só para me ajudar a odiá-lo?

Isso era desnecessário. Eu o odiava apenas em nome de Nico. Quando examinava a emoção no meu peito, tinha que reconhecer que não era ódio que sentia. Me segurei com firmeza à determinação em matá-lo para libertar Nico de sua raiva. Isso, ao menos, ainda era verdade. Não precisava odiá-lo para destruí-lo.

Enquanto considerava isso e muitas outras coisas, meus olhos ficaram cada vez mais pesados e acabei adormecendo.

Parecia que eu só tinha fechado os olhos por um instante, entretanto, uma pequena batida na porta me acordou de novo.

— Cecilia?

Um sorriso sonolento se espalhou pelo meu rosto.

— Entre.

A trava estalou e Nico entrou na sala, antes de trancar a porta outra vez. Depois, foi ao pé da cama, olhando para tudo, exceto para mim. Se sentou rigidamente, se apoiando em um braço, mas com cuidado não me tocou. O silêncio entre nós foi ficando estranho.

— Eles foram cruéis com você?

Perguntei ao não poder mais aguentar.

— Se tiverem sido, eu vou…

— Não.

Respondeu, a voz suave.

— Você… como você está se sentindo?

Observei o lado do rosto dele enquanto olhava para o colo. Estava pálido, mais pálido do que o normal e tinha uma expressão retraída. Seus dedos se agitavam sem parar contra o lado da perna. Apesar da maneira como seu corpo parecia envolto em si, também estava tenso. Algo estava claramente errado.

— Estou bem, sendo honesta. Exceto por, bem…

Engoli em seco.

— Eu menti para ele, Nico. Você me fez fazer isso. Você estava deixando ele sair, mas eu não entendo por quê. Por favor, me diga por que fizemos isso.

— Sinto muito, Cecilia.

Olhou para mim, mas só por um instante. Então, ficou quieto e pude vê-lo mastigando o interior da bochecha. O silêncio continuou por tempo suficiente para que eu não pensasse que fosse me responder, mas então começou a falar de novo.

— Estou muito feliz que você esteja bem. Não pensei que… deveria ter adivinhado que Kiros faria algo assim. Não queria que você se machucasse, apenas pensei, bem, que ele poderia… nem eu sei, na verdade. Que se você… hum…

Ele parou, pigarreou e depois olhou para mim de verdade.

Me sentei, puxando minhas pernas sob mim, então estava sentado de pernas cruzadas, depois me inclinei em direção a ele.

— Você tem sorte de Draneeve ter me contado. Se ele não tivesse feito isso, você seria…

Quando mencionei Draneeve, o punho de Nico se enrolou no meu cobertor.

— Não desconte nele, Nico Sever. É por causa dele que você está vivo.

— Não, é por sua causa que estou vivo.

Afirmou, cerrando os dentes.

— Ele é um traidor. Você não tem ideia do que ele fez.

— É pior do que o que você fez? O que eu fiz?

Perguntei com entusiasmo, então me arrependi de me permitir ficar frustrada ao vê-lo se encolher.

— Vamos apenas… não brigar, ok? Desculpa.

— Eu sei. Eu também.

Assentiu. Olhou para os meus olhos por um longo tempo antes de falar mais uma vez.

— Tem certeza de que está se sentindo bem? Algo… diferente? Você sabe, com a mana basilisca.

Além de me sentir desvendando uma memória de cada vez? Quis dizer, mas me contive. Não tinha como eu saber o quanto ele poderia saber sobre o que exatamente Agrona havia feito e nem queria me perguntar.

Então, com o reconhecimento desconfortável da minha própria estupidez, me arrepiei ao notar que a mente dele podia ter sido manipulada também. Só que, sem nenhuma maneira de romper a magia de Agrona, ele ainda estaria preso nessas memórias falsas. Minha hesitação em falar sobre isso de repente parecia quase presciente, pois chamar a atenção para o assunto sem primeiro estabelecer algum tipo de estrutura poderia desencadear qualquer reação dele. Ele poderia entrar em fúria, ou correr direto para Agrona em algum tipo de resposta pré-programada, ou ter um colapso mental completo.

Agrona substituiu Grey na mente dele também para torná-los inimigos? Me perguntei. Ou ele só pegou o ódio que você já sentia e o alimentou, aparando os bons momentos e deixando apenas o ruim? Nesse quesito, o basilisco era como um cirurgião com um bisturi, cuidadoso em cortar. Porém, não tinha dúvida de que ele poderia exercer seu poder com um machado, se lhe conviesse.

— Cecilia?

Pisquei várias vezes, percebendo que tinha sido arrastada para o fundo de meus próprios pensamentos.

— Estava apenas… me inspecionando, eu acho. Mas, não… não sinto grandes mudanças dentro de mim. Talvez seja mais fácil manipular o escudo de Sehz-Clar? Digo, a mana da fênix já deveria ter ajudado, com a basilisca deve ser ainda melhor, certo?

Várias emoções aparentaram brilhar no rosto dele de uma vez antes que as controlasse.

— Sim, claro. Tudo sempre tem um lado bom, certo?

Tentou sorrir, porém estava fraco e dolorido. Então, fez uma pergunta que me pegou desprevenida.

— Por que você não contou a Agrona?

— E-eu não tenho certeza…

Gaguejei, me inclinando para trás e deixando a cabeça encostada na parede.

Ele se reergueu, se acomodando mais na cama e me encarando.

— E você acha que ele não sabia? Ele pode sentir mentiras… praticamente ler mentes, eu acho.

Balancei a cabeça, certa em minhas observações anteriores.

— Ele estava se segurando por algum motivo. Acho que estava com medo de me machucar.

Soltou um suspiro de escárnio, mas logo estendi a mão e peguei seu pulso.

— Não, escute. Sei que você sofreu nas mãos dele, Nico e eu sinto muito por isso. Mas ele se preocupa conosco e com este mundo, com o seu próprio mundo além dele. Há uma paixão, bondade e solidão profundamente enraizadas nele que mantém embrulhadas, mas sei que está lá. Assim como sei que ele pode fazer o que diz… nos dar uma vida juntos, uma vida real, em nossos próprios corpos, em nosso próprio mundo.

Apesar de tudo, sabia que isso era verdade. Agrona tinha uma mente desumana e fazia coisas que outros consideravam imorais, contudo, não era justo julgá-lo pela moralidade de seres inferiores. A minha mente era minha, inalterada por qualquer magia exterior e sem influência externa insistindo na lealdade. Meus sentimentos sobre Agrona e este mundo não haviam mudado.

Desejei que Nico e Agrona não pensassem ser necessário alterar minhas memórias, esconder essas coisas de mim, mas nada do que vi nessas memórias falsas fez diferença. Meus sentimentos por Grey, talvez, fossem mais complicados do que eu imaginava; o fantasma de sua presença em mim era mais fácil de lidar, mais simples e dava para entender por que isso era preferível para todos nós, até para mim. Todavia, Grey não era a prioridade.

Abri a boca para continuar falando, mas engasguei com as palavras. Uma nova memória surgiu, e eu lutei para dar sentido a ela quando duas vozes falaram como uma, duas pessoas desempenharam o mesmo papel, uma clara e a outra uma auréola turva, assim como no meu sonho. Foi a última memória que Agrona havia aberto para mim e enquanto a revivia, agora mantendo a memória falsa e real juntas, uma sobrepondo a outra, meus olhos se arregalaram devagar, a respiração superficial e fraca.

— Cecilia? Cecil! O que há de errado?

Mãos nos meus ombros, um aperto suave, respiração quente no meu rosto…

— N-nada.

Gaguejei, lutando para me recompor e incapaz de segurar o presente e as duas lembranças ao mesmo tempo.

— Tudo simplesmente… me pegou de surpresa, eu acho.

Ele pulou da cama, passando a mão pelo cabelo preto, nervoso.

— Claro, eu não queria… eu vou embora. Você precisa descansar.

Lutando para manter os olhos abertos e sem lágrimas, registrei ele me olhando uma última vez. Sem sequer uma despedida, se virou e saiu correndo da sala.

Eu caí de lado e me encolhi, apertando meus olhos com força para bloquear a visão e permitir que a memória dividida continuasse rodando atrás das minhas pálpebras.

Nela, por baixo da versão falsa criada por Agrona, me ouvi dizer todas aquelas coisas amargas e vis a Grey. Eu o provocava e insultava, brincava com ele… todas as coisas que eu achava que ele tinha feito comigo. Exceto que, no fim, depois que sua espada mergulhou em meu corpo, tinha mais. Somente a lembrança falsa foi apagada, permitindo que o que estava em camadas atrás dela entrasse em foco.

Quando a lâmina dele perfurou o meu peito, meu sangue correu por suas mãos e braços. Meu peso total o pressionou, o punho da sua espada entre nós e eu passei meus braços ao redor dele, quase como um abraço.

— Sinto muito, Grey. Esta… era a… única maneira.

Falei, o sangue borbulhando em meus pulmões e manchando os lábios.

Ele soltou a espada e meu corpo cedeu contra ele.

— O-o quê? Por quê?

— Enquanto… eu viver… Nico será… preso e… usado contra mim.

Ele tropeçou para trás, fazendo com que eu caísse sobre ele e fosse perfurada mais ainda pela lâmina. Soltei um suspiro de dor, mas mal senti. A maior parte do meu corpo já estava frio.

— Não… não, isso não pode ser…

Ele gaguejou.

Grey me segurou em seus braços, tremendo, até que a memória se transformou em escuridão.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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