POV ARTHUR LEYWIN
Cadell se enrijeceu quando viu a relíquia de armadura, surpreendido pela minha transformação. podia ver sua mandíbula se apertando e sentir sua frustração emanando dele como o calor de uma chama.
— Seus truques são uma zombaria para os Asuras, garoto.
Disse, cheio de ódio, enquanto sua postura crepitava com energia.
Mas sua voz estava abafada, sufocada pelo som de sangue subindo à minha cabeça. O mundo era apenas um borrão e meus olhos se travaram em Cadell, o primeiro monstro que eu tinha visto nesse mundo.
Me lancei no ar em sua direção ao mesmo tempo que Cadell descia do céu como um raio negro.
Uma onda de fogo escuro saiu de sua mão. Contra ataquei com uma explosão de éter antes de golpear na direção de sua garganta com minha lâmina etérica. No entanto, o corpo de Cadell dissipou como fumaça, sumindo nas chamas que ainda enchiam o céu.
Meus braços viraram apenas um borrão à medida que eu atacava ao meu redor, despedaçando as chamas como cortinas de seda.
Mas quando Cadell reapareceu, foi atrás de mim. Sua mão, envolta em garras flamejantes, se afundaram em minha lateral, através da armadura e do éter e envolveram minhas costelas. Ignorando a dor, reverti a lâmina de éter e golpeei pra trás e pra baixo, por pouco não acertando seu peito quando voou pra longe.
Canalizei minha vontade de seguir, de voar, de simplesmente ignorar as restrições deste mundo de acordo com as instruções dos djinn, porém a gravidade me puxou de volta pra baixo.
Com um urro de frustração, arremessei a lâmina na sua direção, mas ela começou a dissolver assim que saiu da minha mão.
Caí no chão com outra arma já conjurada, me atirei na direção da Foice, brandindo a espada com negligência, penetrando a nuvem de chamas espirituais. Mas a minha arma não encontrou o alvo e novamente Cadell consolidou as chamas para me atacar, dessa vez acertando meu braço e deixando marcas de garra que quase o amputaram na altura do cotovelo.
Liberando a lâmina de éter do meu braço ferido e conjurando-a novamente na outra mão, dei uma estocada na direção de seu peito com a força completa do meu impulso, que tinha o ímpeto de uma pedra arremessada por uma catapulta, mas ele se transformou em chamas e desapareceu novamente na nuvem de fogo.
Parei vinte metros depois, no meio do chão destruído da arena, xingando audivelmente.
A figura de Cadell se distorceu na minha visão, a memória dele antes de massacrar as pessoas no castelo, antes de matar Buhnd, antes de matar Sylvia se sobrepunham. Ele foi responsável por tantas mortes, incluindo a que deveria ser minha, caso Sylvie não tivesse se sacrificado por mim.
A morte não seria suficiente pra ele. Eu precisava esmaga-lo, fazer com que se sentisse fraco e desamparado, assim como eu tinha me sentido. Aqui, diante de toda Alacrya, Cadell tinha que sofrer.
Sangue e éter correram por meus membros conforme as emoções que eu estive suprimindo por todo esse tempo ameaçavam tomar conta de mim. Não era a Destruição que tentava tirar minha autonomia dessa vez. Era eu.
A nuvem de chamas se dissipou, revelando Cadell, que flutuava sobre o campo de batalha com uma lâmina em cada mão. Uma era feita do mesmo ferro negro que Uto e Nico haviam usado, mas a outra de um preto vazio, como um pedaço do céu noturno no formato de uma espada longa.
— Você é um menor até a raiz. — Cadell cuspiu.
Emitindo uma explosão etérica pra me proteger, corri pelo chão antes de me jogar até ele, com minha arma em punhos.
Nós colidimos um contra o outro.
Faíscas negras e roxas voaram conforme o éter impactava suas armas envoltas em fogo espiritual. Cortava e perfurava, mas cada golpe era desviado. Uma dúzia de novas feridas se abriram em meu corpo, mas elas pouco importavam.
Então, estava sendo arremessado através do ar.
A ponta da arma negra tinha penetrado no meu peito, estava crescendo me carregando junto. Cinco metros, dez, vinte, cinquenta, até que eu colidi contra um dos enormes escudos que protegiam a plateia.
Mas a lança continuou a expandir, crescendo através de mim e fazendo tanta pressão no escudo que começou a vibrar. Minha armadura foi removida, rasgando um buraco em meu peito.
Ataquei com minha lâmina de éter, mas o material negro se moveu, se reformando ao redor da minha espada. Golpeei loucamente, como um garoto sem treinamento tentando partir um tronco. Minha cabeça começou a latejar, meu pulso se acelerou e cada batida do meu coração bombeava sangue pro ferimento ao redor da lança.
De repente uma frieza como gelo estava emanando do meu núcleo, limpando a raiva quente, e submergindo-a em uma indiferença cheia de foco.
Uma sombra me cobriu.
Regis, em sua pura forma de Destruição. Asas enormes, feitas de uma sombra negra, o mantinham no ar sem esforço. Sua gigantesca mandíbula cheia de dentes se abriu, e uma gota de destruição caiu na lança e começou a queima-la. As chamas violetas correram em ambas as direções, devorando a arma. Eu senti, por um instante, a fome daquelas chamas dançando no buraco do meu peito, lambendo a parte de dentro da minha ferida, e se afundando até meu núcleo.
Então, eu estava caindo.
Atingi o chão com as costas, e fiquei jogado no solo.
Regis flutuou acima de mim, para me proteger, podia ver seu duelo com Cadell, usando a Destruição pra se defender de outro ataque.
— Depois de ter sido condescendente com Nico… olhe pra você.
Sua voz era um inferno em minha cabeça.
— Retome o controle.
Eu cuspi um bocado de sangue enquanto o buraco em meu peito se remendava vagarosamente, os ossos se uniam e os órgãos se reposicionavam. Finalmente, consegui respirar fundo. E durante as respirações seguintes, percebi que com esses meus movimentos imprudentes eu tinha canalizado muito éter nos meus ataques, ignorado minhas feridas e negligenciado minha armadura.
Apesar da situação e do local onde eu me encontrava, permaneci nos destroços e cinzas por um momento a mais e deixei que a raiva que tinha tomado conta de mim se dissipasse em frustração e vergonha.
Qual era o sentido de ter ficado mais forte, ter aprendido as artes etéricas, obtido as relíquias, se tudo o que eu ia fazer era atacar sem pensar?
— Sim. Eu estou bem agora.
Avisei Regis com um suspiro calmo.
Com a mente limpa, mas ainda incapacitado, continuei a atrair éter da atmosfera enquanto estudava a batalha acima.
Chamas roxas irrompiam da mandíbula de Regis enquanto uma barragem de mísseis negros voava como um bando de corvos corruptos, tentando evitar as chamas roxas, mas não rápido o suficiente.
A Destruição pulava de um míssil para o outro, queimando a magia com o atributo de Decaimento como se não fosse nada, depois perseguindo Cadell até o céu, forçando-o a recuar. Pedaços da arena e dos escudos queimavam com chamas roxas, mas elas foram apagadas rapidamente pelo meu companheiro.
Já tinha enfrentado tanto as chamas espirituais quanto o metal negro antes, mas a magia preta que vinha em rajadas era um atributo diferente, provavelmente do vento, o que significava que Cadell podia controlar pelo menos três elementos diferentes. E ele podia combina-los, como tinha feito ao fundir as chamas espirituais e o vento pra desaparecer na atmosfera.
Seu poder era mais versátil que o meu, mas a mana não oferecia proteção forte contra o éter. Tudo que eu precisava era de um único golpe decisivo para derrotar Cadell, assim como eu tinha feito com Nico.
Os céus acima de nós ficaram escuros. Cadell pairava no centro de um furacão de vento carregado com Decaimento, que se juntou para formar uma nuvem impenetrável.
Ele fez um gesto com a mão e uma chuva de estacas negras e fogo espiritual desceu como uma torrente de virotes de balista. Linhas preto-carvão de um vento infernal ia atrás das estacas em chamas, acelerando-as cada vez mais.
O coliseu tremeu quando as estacas caíram no chão ao redor do solo destruído do estádio, algumas delas batendo nas paredes e outras penetrando o escudo que protegia os assentos mais próximos. Uma esfera negra momentaneamente envolveu a tribuna, e quaisquer espigões que a acertaram foram dissolvidos, se apagando como velas usadas.
Mas sobre Regis e eu, um escudo de Destruição devorava tudo que entrava em contato com ele, nos mantendo em segurança.
— Eu sei que você tem suas feridas físicas e psicológicas pra lidar, mas eu tenho um limite, sabe.
Regis pensou com um urro mental de exaustão.
Reparei na aparição tremeluzente e esfumaçada primeiro que o Regis.
Cadell se solidificou na penumbra das nuvens acima, golpeando com uma lâmina negra que queimava. Ativando o Passo de Deus, apareci diante dele, segurando o ataque com minha lâmina etérica.
— Eu só estava esperando você pedir arrego.
Respondi, me esforçando pra conter a força do golpe do Cadell.
O lobo de sombra se dissolveu, se tornando incorpóreo e flutuando até meu corpo.
— Já que você está fazendo piadas ruins novamente, posso presumir que você consegue lidar daqui em diante?
Apesar da sua provocação, podia sentir a fadiga se acumulando no meu companheiro. Ele estava chegando no limite de suas forças.
Espigões de metal negro surgiram do chão entre nós. Minha espada os cortou sem dificuldade, mas deu a Cadell tempo suficiente pra recuar e puxar sua própria espada.
— Seu novo vínculo é só um projeto mal feito de besta.
— Eu acho que a palavra que você está procurando é “majestoso”
Respondi, me lançando pra frente e liberando uma enxurrada de cortes e estocadas, pressionando-o mais pra trás. Ele tentou subir ao ar, mas usei o Passo de Deus para impedi-lo e puxa-lo de volta ao chão, onde ficaríamos mais equilibrados.
Cadell podia até ser mais versátil, mas eu era um espadachim melhor.
Perfurando suas costelas com minha lâmina, tentei um movimento lateral para dividi-lo ao meio, mas suas mãos se fecharam em volta do meu braço, me impedindo.
Nossos olhos se cruzaram, reparei na expressão sarcástica e cruel que parecia permanentemente escancarada em seu pálido rosto cinza. Seu queixo apontava para frente entre seus chifres que se enrolavam abaixo de suas orelhas. Mas o ar de absoluta confiança que normalmente emitia já tinha ido embora há tempos. Ele estava preocupado.
E ele estava com medo.
Notei a sombra quase tarde demais.
Usando o Passo de Deus, recuei um instante antes de várias estacas enormes me perfurarem, observei de cima quando elas atingiram o chão, puxando Cadell para uma cratera gigantesca.
Rachaduras corriam da cratera, passando por baixo da arquibancada, fazendo com que o estádio todo tremesse. Em algum lugar, o metal distorcia e madeira se quebrava e duas seções do estádio começaram a se separar.
A plateia esquecida gritava conforme o escudo que as protegia piscava e sumia, era substituído por dúzias de escudos menores quando os magos entraram em ação.
A fundação entrou em colapso, abrindo fissuras nas paredes e fazendo com que várias seções de assentos se afundassem. Algumas pessoas tiveram a sabedoria de correr para a saída, mas a maioria ainda estava congelada em seus assentos. Reparei que Seth, Mayla, e alguns dos meus outros alunos, todos agrupados abaixo de um escudo de mana conjurado por outro mago, estavam boquiabertos e com espanto em seus rostos distantes.
Algo se moveu nas sombras e me vi na borda de uma das centenas de estacas negras que saiam do chão. Uma criatura, mais sombra do que homem, rastejou pra luz e esticou seus longos e finos membros que terminavam em garras serradas.
As sombras ao redor de Cadell se retorciam e subiam no ar como chamas.
— Chega.
Sua voz estava áspera como dentes que dilaceravam ossos.
— Não existem dragões pra te salvar dessa vez, garoto.
Os seus braços se abriram e fogo negro começou a ferver de dentro dele. Sua magia corrupta derramou como piche fervente no que sobrou da arena e espirrou contra os escudos que protegiam a área de preparação, fazendo com que esses piscassem ao chegar no fim da sua capacidade de proteção.
Senti uma garra gelada apertando o interior do meu corpo ao me lembrar dos últimos momentos ansiosos da minha batalha contra Nico e Cadell, fugindo dessa mesma conflagração infernal com Tessia, desesperadamente exaurindo minhas últimas forças. Só que dessa vez, Cadell não estava se segurando.
Regis surgiu ao meu lado, com penugens em chamas, mas incapaz de manter sua forma por muito tempo.
Minhas sobrancelhas se franziram quando olhei para meu companheiro.
— Regis. Você não deveria—
— Relaxe, Princesa. Não sou um mártir; sou sua arma, lembra?
Instruções queimaram em minha mente como um ferro de marcar, me mostrando vislumbres de Regis em uma clareira escura na floresta.
— Isso é… Como você—
Minha visão se escureceu quando a sombra de Cadell desceu sobre nós.
— Não está aperfeiçoada, mas ainda vai funcionar, provavelmente. Só use!
Com a inundação de fogo quase nos alcançando, Regis fechou os olhos e seu corpo lupino se tornava transparente e nebuloso à medida que ficava incorpóreo. Segurei a lâmina de éter em minha mão, mas ao invés de atacar, eu a puxei e…
Afundei ela em meu companheiro.
Seu corpo se acendeu antes de invadir minha espada até a lâmina etérica crescer e ficar envolta em chamas violeta.
— Não importa quantos truques você invente, menor!
Cadell gritou enquanto sua forma demoníaca de sombra se aproximava.
Segurei com força a espada banhada na Destruição e um sentimento compartilhado de um vazio frio e sem emoções limpou minha mente de qualquer coisa além de Cadell. Seus membros longos de obsidiana oscilante, seus chifres serrados que tinham dobrado de tamanho e a sua aura de fogo espiritual que o evolvia como asas, assimilei tudo isso.
Cadell liberou seu arsenal de feitiços desenfreadamente, uma rajada de ferro de sangue, uma tempestade de vento vazio e uma barragem de fogo espiritual, mas era inútil.
A espada violeta na minha mão arqueou em chamas serradas quando meu corpo se moveu como um borrão. Movimentos concisos e sem desperdício criavam pequenas aberturas graças à minha nova espada.
Arcos de violeta rasgavam todas as magias que a Foice lançava e seus olhos vermelhos se abriam cada vez mais em terror.
Ignorando a sensação gelada ao redor do meu núcleo, deixei que o Passo de Deus me deixasse frente a frente com o rosto distorcido de Cadell. Levantei minha espada acima de sua cabeça e a Destruição desabrochava em um ardor violeta. Seus macabros braços pretos estavam cruzados na frente dele, cobertos por fogo espiritual e várias estacas se materializavam como escudos.
A lâmina desceu, passando pelas estacas como se não fossem nada além de névoa. O acertei com a força total do meu corpo reforçado, enchendo cada músculo com éter. Ele foi esmagado no chão e uma onda de choque saiu de nós, derrubando o espigão de dez metros que tinha se formado atrás de Cadell.
Gritos encheram o estádio quando parte do coliseu colapsou, arrastando milhares de pessoas que estavam sentadas, engolindo várias cabines particulares e enchendo o coliseu com uma nuvem grossa de poeira.
Cadell se levantou com dificuldade. Seus braços estavam oscilando entre fogo espiritual e Destruição. Ele se movia desesperadamente, como se pudesse apagar as chamas roxas. Seu corpo alternava entre corpóreo e incorpóreo, mas a Destruição estava grudada nele e sua própria torrente de mana era a única coisa que o impedia de ser consumido.
O rosto da Foice ficou pálido conforme tremia e as sombras que estavam apegadas a ele se desfaziam à medida que retornava à sua forma normal. Seus olhos escarlates estavam cheios de medo e sua arrogância tinha se transformado em uma máscara de desespero. Se virando para o outro lado, olhou na direção da tribuna de honra, talvez na expectativa que outras Foices ou até mesmo o Soberano viessem salva-lo.
Enquanto eu olhava pra ele, só sentia a fria aceitação da justiça que finalmente foi servida.
— Isso é pela Sylvia.
As chamas violetas se agitaram ainda mais quando dei uma estocada com a lâmina etérica. Ela penetrou seu peito e explodiu por suas costas. A Destruição o consumiu, devorando Cadell a partir do peito. Não teve sangue, nem órgãos caindo pra fora de seu corpo, apenas as chamas de Destruição que o purificavam como se nunca tivesse existido.
Não, pensei, não é exatamente assim. A mancha da existência de Cadell sempre estaria neste mundo, evidenciada pelos buracos que ele tinha deixado.
— Me desculpe por demorar tanto tempo.
Disse, revendo em minha mente o portal me puxando enquanto Sylvia me direcionava seus olhos dracônicos cheios de lágrimas e suas últimas palavras ecoavam em minha mente:
— Obrigada, minha criança.
Minha culpa pelo que não pude fazer diminuiu, mas eu sabia que nunca me deixaria completamente.
Puxei a espada do peito de Cadell e cortei acima de sua cabeça, decepando ambos os chifres. Regis, entendendo minha intenção, conteve a Destruição, deixando-os intactos.
Então se fora, deixando pra trás nada além dos chifres.
Regis flutuou pra fora da espada quando ela desapareceu, se movendo de volta para meu corpo junto ao meu núcleo. Seu éter estava exaurido, não precisávamos de palavras pra expressar como nos sentíamos nesse momento.
Me curvei para pegar os chifres e os guardar na minha runa dimensional. Uma fadiga profunda e avassaladora tomou conta de mim e passei os olhos pelo coliseu destruído.
Dúzias de magos corriam para a seção que havia desabado, trabalhando para puxar sobreviventes dos escombros. Os escudos que sobraram estavam oscilando. O resto da plateia estava em choque e seus olhos estavam fixos em mim ou no lugar onde Cadell esteve.
Houve movimento na tribuna, um dos únicos locais não afetados no coliseu inteiro, e minha atenção se voltou pra lá.
Um homem enorme com chifres ornamentados que apontavam pra frente se moveu até a luz cheia de poeira. Estava vestindo um robe solto e um sorriso faminto. Apesar de suprimida, sua aura era pesada o suficiente para virar as cabeças e ombros de todos os Alacryanos no estádio. Este era o Soberano, Kiros Vritra de Vechor.
Esperava mais, comparado com Aldir, Kordri e Lord Indrath.
Mantive meus olhos levemente desviados, não pra baixo nem em uma reverência como aquelas dezenas de milhares de Alacryanos ao meu redor, mas eu não olhei diretamente em seus olhos.
As palmas lentas que vieram do camarote me pegaram de surpresa.
Kiros estava aplaudindo. Sua expressão se alargou em um sorriso e suas mãos se moveram mais rapidamente. Alguns aplausos confusos e fora de ritmo vieram da audiência.
— Incrível!
disse Kiros, sua voz se projetando sem esforço pelo coliseu e silenciando o aplauso fraco.
— Uma bela demonstração de poder. E uma morte tão inesperada! E entregue com tal—
Uma forma oval perolada apareceu sobre o chão da arena, seis metros à frente da tribuna.
Kiros franziu a testa.
Duas figuras vieram através do portal.
A primeira era alguém que eu nunca tinha visto pessoalmente antes, mas soube quem ele era instantaneamente a mera visão dele foi suficiente para afastar minha fadiga.
Os chifres de Agrona saíam de sua cabeça e se espalhavam como os de um alce e as dúzias de pontas negras afiadas estavam ornamentadas com anéis e correntes. Ele tinha características marcantes que me causavam desconforto ao me lembrar de Sylvie.
Pra segunda, estava ainda menos preparado.
Tessia tinha a mesma aparência de quando eu a vi pela última vez, falando a seu povo de uma sacada em Elenoir. Ela estava usando vestes de batalha bem ajustadas, similar ao vestido usado por Seris, mas as escamas individuais eram de um verde esmeralda e num formato de pequenas folhas. As vestes deixavam seus braços à mostra, mostrando as mesmas runas sutilmente brilhantes que eu tinha reparado em minha visão.
Apesar de que ela parecia a mesma, cabelo cinza correndo pelas suas costas e sobre seus ombros, as tranças puxadas por trás de suas orelhas pontudas, os olhos de um azul brilhante, ela imediatamente e inequivocadamente não era a Tessia.
Tessia…
Tessia era uma princesa. Ela havia crescido no palácio real em Zestier, tinha sido ensinada nas maneiras e costumes da nobreza élfica, anã e humana. Esses ensinamentos se aplicavam na maneira com que se portava, na expressão de seu rosto, na cadência de seu andar…
Mas nada disso estava lá.
Ao invés disso, essa pessoa que se mascarava como minha amiga mais antiga movia com uma confiança agressiva, não era a Cecília da minha infância, mas não estava muito longe da jovem que eu havia batalhado no Torneio do Rei. Qualquer mal que aquela experiência tinha causado em sua mente, claramente tinha sido carregado até essa vida, sem dúvidas incentivado por Agrona, assim como a raiva mal direcionada de Nico.
Logicamente, entendia o que eu estava vendo.
Mas o olhar desconfiado e frio que a Cecília me lançava pelos olhos da Tessia enfiava uma faca em meu peito.
A visita de Agrona não era inesperada, exatamente, mas Tessia – Cecilia…
Eu tinha enterrado ela muito profundamente, identificado como um problema que só poderia ser resolvido no futuro quando tivesse mais tempo pra considerar…
Será que a Tessia poderia ser salva? Ela ainda estava lá em algum lugar? E se ela pudesse… será que proteger ela era mais importante que privar Agrona do Legado?
No passado não estive pronto para encarar essas questões.
Eu ainda não estava.
Regis cutucou meu núcleo.
— Isso é perigoso, Art. Se nós nos forçarmos ainda mais…
Deveria estar com medo. Não tinha nenhum jeito de eu lutar contra Agrona. Nem tinha certeza se conseguiria lutar contra Cecilia, sem saber nada dos seus poderes neste mundo. Mas não estava assustado. Sentia era que a aparição de Agrona em pessoa tinha simplificado grandemente tudo pra mim.
Isso significava que só havia um caminho a seguir e que eu estava livre do fardo de decidir o que fazer após o Victoriad.
A voz de Kiros reverberou, fazendo o já instável estádio tremer mais ainda.
— Vechor dá as boas-vindas ao Alto Soberano. Todos saúdam Agrona Vritra!
O povo caiu de joelhos e com o rosto no chão para se curvarem apropriadamente e suas vozes ecoavam: — Todos saúdam Agrona Vritra!
— Acho que finalmente atraí sua atenção.
Disse no silêncio que se seguiu.
Agrona deu um sorriso. Ele descansou uma mão nas costas da Cecilia e os braços dela fizeram um gesto complicado.
Algo aconteceu no meu núcleo. Pareceu como uma alfinetada de luz, queimando através de mim. As mãos de Cecilia se abriram e essa alfinetada se expandiu até um orbe de luz branca que me cercou completamente, afastando a terra e a poeira. Pequenos redemoinhos de vento e rajadas de chamas se manifestaram do lado de fora da esfera, a umidade se condensava e depois escorria, como o lado de fora de uma janela numa manhã cheia de orvalho.
Barras transparentes de cristal saíram do chão em um quadrado ao redor de mim. O cristal tinha uma textura líquida, se juntava acima de minha cabeça, formando uma gaiola.
Pra testar, segurei as barras. Elas eram frias como gelo e vibrando com energia. Puxei. Elas não quebraram.
— É algum tipo de nulificação de mana.
Regis transmitiu com um sentimento de admiração.
Apesar de que eu não conseguia sentir a mana que ela tinha movido, tinha certeza que Regis estava certo. Cecilia tinha puxado toda a mana da atmosfera, até mesmo do meu corpo… se eu ainda dependesse de um núcleo de mana, essa única magia teria me deixado impotente. Não conseguia nem começar a entender como isso era possível.
O sorriso de Agrona ficou mais afiado.
— Isso tudo foi feito apenas pra mim? Estou lisonjeado, Grey. Para um menor, seu sentimento de auto importância é incrível. Mas você parece ter se esforçado muito para atrair minha atenção. Bom, agora você a tem.
A cabeça de Agrona se inclinou levemente para o lado, enviando o tilintar de correntes pelo coliseu silencioso.
— Eu estou positivamente ansioso para ver como suas novas habilidades funcionam. Vou obter muito prazer em te desmontar em pedaços pra descobrir.
— Temos que ir. — Regis transmitiu.
Olhei em volta para o estádio. Primeiro, meu olhar pousou em Mayla, Seth, Deacon e nos outros. Apesar de que ainda prostrados, Seth estava olhando pra mim, seus olhos estavam cheios de confusão e medo. Repentinamente desejei ter sido mais gentil com ele. Ele tinha o coração de um guerreiro e não merecia o lado da moeda que a vida tinha forçado pra ele.
Encontrei Valen e Enola, em seus camarotes particulares próximos um ao outro. Apesar de que ajoelhados para seu Alto Soberano, ambos os estudantes estavam praticamente pressionados contra os escudos transparentes que os protegiam, me encarando assim como Seth.
Fiquei surpreso em ver Caera com um pé na terra queimada do campo de batalha, de joelhos após a repentina aparência de Agrona ter interrompido a sua pressa em vir ver como eu estava. Havia um terror genuíno em seu olhar escarlate, seus lábios se moviam em uma prece silenciosa.
Tinha esperanças que ela não me odiaria pelo que eu estava prestes a fazer. Me arrependia em não ter dito a ela quem eu era, mas mesmo agora eu ainda não conseguia dizer qual seria sua reação. Existia a possibilidade de que ela se voltasse contra mim, teria me arrependido de dizer a ela então.
Ela tinha sido uma boa amiga, se uma amizade verdadeira pudesse ser construída em cima de mentiras. Só esperava que meu olhar expressasse apropriadamente esse sentimento.
Enquanto estive olhando o coliseu, as Foices tinham voado para fora da tribuna, me cercando na arena.
A face de Seris estava ilegível e seus pensamentos estavam cuidadosamente ocultos. Melzri tinha saído do lado de Nico e estava me encarando com ódio aberto. Energia sombria se movia como tentáculos ao redor de Viessa, apesar de que seu olhar estava em Agrona ao invés de mim, esperando pacientemente por suas ordens. Por último havia o Dragoth, que franzia a testa na direção da mancha escura na qual Cadell tinha se tornado.
Uma coisa era consistente em todas as suas expressões, até mesmo a de Seris, um indício de incerteza que abalava a confiança natural deles.
Antes de seguir o conselho de Regis, encarei Cecilia mais uma vez, procurando em seus olhos por algo. Algum sinal. Eu tinha feito uma promessa. Mas eu nem sabia se a mulher pra qual eu tinha me prometido estava viva em seu próprio corpo.
Agrona gesticulou para que as Foices me levassem.
— Vou admitir, estou levemente desapontado. Esperava que você tivesse outro truque na manga. Mesmo assim, se o que eu testemunhei de você até agora for a extensão total de suas habilidades, tenho certeza de que te dissecar será uma distração útil.
Eu tinha que decidir. Era hora de ir embora. Eu poderia ir sem ela, dando as costas completamente para o problema, confiando que ainda haveria uma chance de resolve-lo no futuro.
Ou eu poderia tentar leva-la comigo, tentar achar alguma maneira de tirar a Cecilia do corpo de Tess e traze-la de volta…
Ou…
Fiquei levemente enjoado com o pensamento.
Mas era o caminho mais claro adiante, a medida mais decisiva. Poderia garantir que Agrona não usasse nem Tessia nem Cecilia e que qualquer poder que o Legado possuísse não pudesse ser controlado.
Senti meus olhos úmidos, mas endureci meu coração.
Me perdoe, Tessia.
Me preparando, canalizei éter pelo meu corpo exausto. Todo músculo e articulação protestaram com raiva, tive dificuldades para focar na costura complexa de éter e forma física necessária para usar a técnica do Passo Explosivo.
Me lembrando de como tinha sido sofrido o auto aprendizado nas florestas de Epheotus, sabia o que poderia acontecer se eu não fosse preciso ou se minha força falhasse…
As barras da gaiola eram extraordinariamente fortes. Mas minha armadura e meu corpo Asurano me protegeram quando me choquei contra elas, enviando pedaços cristalinos em todas as direções. No meio do movimento, conjurei a lâmina etérica, e mirei no núcleo dela.
Seus olhos azuis me seguiram a cada centímetro do caminho, como se fosse capaz de rastrear meu progresso mesmo enquanto usava o Passo Explosivo. Quando a ponta da minha espada estava pressionada contra seu esterno, seus olhos se abriram e brilharam em uma cor verde. Veias verde-musgo se espalharam em seu rosto embaixo da sua pele e, por um instante, ela pareceu… conformada enquanto um sorriso tenso enfeitou seus lábios pintados.
Seu corpo tremeu, sua mão subiu, não na direção da lâmina, não pra se defender, mas na direção do meu rosto. Um carinho.
— Art, por favor…
Era a voz da Tessia.
Liberei a lâmina de éter. Ela sustentou o olhar por um instante, dois, e então…
As veias verdes recuaram, seus olhos voltaram à cor natural e uma mão subiu até o rasgo em suas vestes onde minha espada tinha quase perfurado ela. Tess – Cecilia deu um passo pra trás, me lançou um olhar de ódio profundo.
— Oh, essa foi quase, não foi?
Agrona disse, achando graça.
— Você realmente pensou por um instante que você conseguiria, não?
O braço de Agrona deslizava em volta do ombro de Cecilia e a puxava para o seu lado.
— Você só é coração frio e calculista quando é fácil, Grey. Na realidade, você é fraco, emotivo e suscetível a afeição.
Olhei para minha mão vazia, minha mente estava em branco a não ser pelas palavras de Agrona.
O que deveria ter sido um momento de vitória se tornou amargo, com uma sensação vazia e o gosto de cinzas na boca.
— Levem ele.
Agrona ordenou. As Foices se aproximaram.
O sorriso confiante de Agrona finalmente sumiu quando ativei o Passo de Deus. Ele tentou me alcançar, liberando repentinamente seu poder, o peso da sua intenção fazia até mesmo a Força Real de Kordri parecer amadora.
Seu olhar de perplexidade foi a última coisa que vi quando os caminhos etéricos me levaram pra longe do coliseu e do Victoriad.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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