POV ARTHUR LEYWIN
Bati levemente na porta antes de abri-la e espiar lá dentro. Uma mulher bochechuda olhou para mim, acenou com a cabeça e voltou a cuidar de seu paciente.
Seth estava deitado em uma cama, envolto em bandagens, cada centímetro exposto de sua pele estava brilhando com pomadas curativas. A mulher estava passando algum tipo de dispositivo em forma de bastão sobre seu torso, tratando suas múltiplas costelas quebradas, pélvis fraturada e quadril deslocado.
— Garoto durão. — disse Regis.
— Achei que ele estava acabado.
— Sim, bom, esse tipo de resistência provavelmente corre pelo sangue dele. — retruquei.
— Sua irmã provavelmente mostrou o mesmo.
— Claro, claro, vamos culpar essas crianças pelo que Agrona forçou seus amigos e familiares a fazer. Totalmente justo, porque eles definitivamente poderiam ter resistido a sua vontade, certo? Que bando de covardes.
Suspirei.
— Já tivemos essa conversa, Regis. Estava apenas sendo mesquinho, e reconheço isso.
— Não me bajule como se eu fosse uma de suas princesas, Princesa.
Disse Regis com uma bufada.
Não havia nada que eu pudesse fazer por Seth, então voltei para a área de preparação, onde deixei Briar e Aphene no comando. Assim que abri a porta, dei de cara com Briar gritando por cima da cacofonia da minha turma superexcitada.
— Fiquemquietos! Nós temos um convidado—oh, Professor Grey…
Briar olhou pra mim e depois para o diretor Ramseyer, que acabara de vir do campo de combate, parecendo incomumente relaxado, até um pouco perplexo.
— Não seja muito dura com nossa equipe campeã. — disse ele.
— É natural que estejam animados, considerando os eventos. É por isso que estou aqui, claro, para dizer algumas palavras. Se importa, Professor Grey?
Fiz sinal para ele continuar.
O diretor esperou até que os últimos alunos conversando se calassem.
— Foi um prazer assistir às lutas.
Disse, sorrindo para os alunos.
— Parabéns a cada um de vocês por um desempenho tão impressionante durante o torneio e, claro, um trabalho excepcional feito por nossa campeã do torneio, Lady Enola, do Alto Sangue Frost.
Gritos e aplausos explodiram dos alunos, mas diminuíram rapidamente enquanto o diretor olhava com expectativa.
— Além disso, gostaria de reconhecer Marcus, do Alto Sangue Arkwright e Valen, do Alto Sangue Ramseyer, que se apresentaram de acordo com os altos padrões de seus sangues, conquistando os melhores lugares nesse torneio, depois da nossa campeã!
Outra salva de palmas, embora eu também tenha captado alguns olhares ríspidos e nada sutis do diretor para o seu próprio neto. Valen pareceu não ter percebido, praticamente irradiando prazer com o elogio de seu avô.
— E é claro
O Diretor Ramseyer continuou.
— Não podemos esquecer seus colegas feridos, Seth, do Alto Sangue Milview e Yanick, do sangue Farshore. Espero que vocês transmitam minha simpatia e meu orgulho quando os virem mais tarde.
Pouco depois da vitória mal conquistada de Seth contra o moleque da Academia Bloodrock, a perna de Yanick foi quebrada por um oponente descuidado, mas foram os únicos ferimentos graves. A Academia Central se destacou no torneio depois disso, apresentando uma porcentagem de vitórias melhor do que qualquer outra academia presente.
Os alunos ficaram mais selvagens e energéticos a cada rodada, correram para o campo de combate em um estado de frenesi quando Enola finalmente ganhou o campeonato. Me encontrei em uma posição estranha, incapaz de ignorar minha parte no sucesso deles. Afinal, foi meu treinamento que os trouxe a esse ponto. E saber disso me deu orgulho, mas também trouxe culpa.
E assim, em vez de dar a esses garotos o reforço positivo que precisavam, recuei, direcionando meus pensamentos para o meu plano para o Victoriad, eventualmente me retirando completamente, usando o ferimento de Seth como uma desculpa para ficar alguns minutos sozinho na relativa calma da sala de espera enquanto minhas emoções misturadas esfriavam.
— Agora.
Disse o diretor Ramseyer, batendo palmas.
— Com os eventos de hoje terminando, tenho certeza de que todos vocês estão ansiosos por um momento para descansar seus corpos e relaxar suas mentes, então vou deixá-los nas mãos do Professor Grey e suas assistentes. Mais uma vez, parabéns a todos, bom trabalho!
O diretor fez questão de apertar minha mão ao sair, os alunos zumbindo com uma conversa cansada ao fundo.
— Para você, Professor Grey, também devo estender meus parabéns. A classe de Táticas de Aprimoramento Corpo a corpo nunca foi exatamente a prioridade da nossa escola, receio, mas veja o que você conseguiu com ela.
Sua expressão normalmente severa deu lugar a um largo sorriso.
— E pensar que quase te substituí. Hah!
Balançando a cabeça, saiu da área de preparação o ouvi murmurar claramente:
— Oh, mal posso esperar para esfregar isso no nariz dos outros diretores no jantar esta noite.
Briar e Aphene estavam me observando, esperando. Eu dei-lhes um aceno de cabeça.
— Escutem! — Briar gritou.
— Estamos indo para nossos quartos. Sem enrolação, sem desvio. Parece que todos vocês afundaram até o pescoço na merda depois de apanhar tanto, mas não pensem nem por um segundo que eu não enfiaria a cabeça inteira de qualquer um queira dar uma de espertinho.
Segurando pra não rir, segui atrás deles, só prestando metade da atenção no grupo à frente.
— Todo mundo já deve ter o número do quarto.
Disse Aphene quando chegamos ao corredor onde nos foram fornecidos aposentos.
— Quem tiver esquecido seu número, vai ter que dormir no corredor.
— Eu sei que a maioria de vocês está ansiosa para sair de seus quartos e sair com os amigos. — acrescentei.
— Tudo o que tenho a dizer é… apenas não sejam pegos.
Houve algumas risadas apreciativas e até mesmo Aphene abriu um sorriso, mas Briar apenas revirou os olhos e me lançou um olhar desaprovador. A linha de alunos logo se dispersou quando começaram a procurar pelos seus quartos.
Com meus deveres de professor completos, entrei no meu tranquilo e pequeno aposento, fechando a porta atrás de mim.
Regis imediatamente pulou para fora do meu corpo e farejou ao redor.
— Não é exatamente um castelo, é?
As acomodações oferecidas para estudantes e professores visitantes eram suficientes, embora um tanto espartanas. Nos deram quartos no próprio coliseu e fomos convidados a ficar para o resto do evento, que consistia em mais um dia de jogos de guerra e duelos entre ascendentes de alto escalão.
Não seria até o terceiro e último dia do Victoriad que os retentores e Foices aceitariam desafios pelas suas posições. Se Nico ia morder minha isca, seria no terceiro dia. Até lá…
Ativando minha runa de armazenamento extradimensional, conjurei a última pedra-chave que recebi. Tinha sido um dia longo e mentalmente desgastante, o que eu realmente precisava era meditar e focar minha mente.
Sentado de pernas cruzadas na cama com a gema entre os joelhos, fechei os olhos, mas não imbuí a relíquia com éter. Em vez disso, esperei. Minha breve sessão de treinamento com Enola e a gema me mostrou que o que eu realmente precisava para progredir com a percepção da relíquia era de ajuda.
Alguns minutos se passaram antes que a batida na minha porta viesse.
— Pode entrar.
A porta se abriu e Caera entrou, parecendo exausta. Ela passara as últimas rodadas do torneio estudantil com seu sangue em sua sala particular a pedido de Corbett.
— Desculpe. — murmurou.
— Lenora me prendeu em uma conversa muito desconfortável com um jovem homem de sangue Vritra que foi adotado por algum Alto Sangue em Sehz-Clar.
— Ah.
Disse, ajustando minha posição e gesticulando para a única cadeira do meu quarto ao pé da cama.
— Existe um noivado em potencial no futuro, Lady Caera?
— Não. Professor Grey, mas isso não vai impedir Lenora de tentar.
Caera caiu na cadeira com um bufo, então me deu um olhar mais sério.
— Então, o que você queria discutir? Finalmente está planejando me dizer qual é esse plano misterioso?
— Não.
Admiti, dando-lhe um sorriso de desculpas.
— Na verdade, eu preciso da sua ajuda com uma coisa.
Ela se recostou na cadeira e cruzou os braços, me dando um olhar desconfiado.
— Ah, sério?
Seu foco mudou para a gema de éter.
— Algo a ver com essa coisa, suponho?
Passei alguns minutos explicando o que eu queria que ela fizesse, depois ela ajustou a cadeira e ficou um pouco mais confortável.
— Então apenas…?
— Exatamente. — respondi.
Ela fechou os olhos. Calor irradiava de seu corpo e, embora eu não pudesse sentir sua mana, ainda podia sentir os efeitos físicos que causava. Um leve movimento no ar deslocou uma mecha de seu cabelo, que caiu na frente de seu rosto. Seus lábios pressionaram em uma linha fina enquanto se concentrava. Seus olhos se moveram sob as pálpebras fechadas, que estavam levemente maquiadas de uma cor cinza esfumaçada para o Victoriad.
— Obrigado, Caera.
Disse, fechando meus próprios olhos e injetando o éter na gema, deixando minha consciência seguir. Como antes, além da parede de energia púrpura encontrei apenas um vazio negro.
A escuridão estava viva na presença da mana de Caera, mudando e se movendo. Vagando pela vastidão, observei a dança rítmica acontecendo dentro da escuridão viscosa com atenção, tomando nota de todos os aspectos que pude pensar.
Por algum tempo, quinze minutos, supondo que Caera seguisse minhas instruções apesar de que o tempo parecia durar muito mais dentro da relíquia, o movimento assumiu estrias verticais que saltavam e se contorciam como chamas em um tronco.
Então os movimentos mudaram, ganhando uma aresta irregular e cortante, manifestando de forma errática e difícil de quantificar, como se as muitas formas afiadas, cada uma ainda parte do todo, travassem uma guerra repentina e violenta umas contra as outras.
Isso não durou muito antes que a forma do movimento mudasse novamente, agora fluxos sutis, fluindo e irradiando para fora, como um rio de lava e o intenso calor que emitia.
A cada passo, eu praticava a formação do éter de várias maneiras, tentando causar algum tipo de reação no movimento incolor do reino da gema. Chicotes, arcos cortantes, rajadas moldadas e até uma forma etérea áspera em forma de pá que arrastei pela escuridão, mas nada afetou meus arredores.
Nada funcionou.
Fosse qual fosse esse quebra-cabeça, faltava-me algo essencial, seja compreensão ou habilidade para navegar nele…
Suor frio umedeceu minha testa em uma percepção repentina e arrepiante, saí da pedra chave, meus olhos se abrindo.
Caera estava sentada na cadeira, atualmente canalizando mana por todo o corpo para melhorar suas habilidades físicas. Seus olhos estavam abertos e ela estava olhando para mim. Ela pulou um pouco e cortou a canalização de sua mana.
— Eu não estava esperando…
— Aqui.
Disse, entregando a pedra chave.
Ela hesitou, olhando para a pedra como se fosse explodir.
Saí da minha posição sentada e me movi para o final da cama. Tomando a mão dela na minha, coloquei a gema em sua palma, então envolvi as suas mãos com as minhas, segurando a pedra chave no meio.
— Vou canalizar o éter para a gema. — expliquei.
— Preciso que você me diga o que você vê… supondo que isso funcione.
— Hum, tudo bem, você está—
Suas palavras foram cortadas em um suspiro de surpresa quando comecei.
Os olhos de Caera se fecharam e seu corpo enrijeceu.
— Eu vejo… uma parede enorme e etérea… como se eu estivesse me aproximando da borda do mundo.
Manobrando pela prática e instinto, guiei sua consciência mais profundamente no reino da pedra chave.
— Estou me movendo é tudo roxo, uma centena de tons diferentes… e está quente. Parece que—
Ela suspirou novamente, desta vez ainda mais alto.
— Que a Luz me guie… é mana. Eu consigo ver! Todas as cores… o mundo inteiro aqui é feito de mana, moldado por ela. O que é isso, Grey? O que eu estou vendo?
Pulei para fora da cama, andando rapidamente a curta distância até a parede, meu estômago apertado desconfortavelmente.
A pedra-chave tem algo a ver com mana, já aprendemos muito. Só que… Caera pode ver partículas de mana dentro da pedra, mas parece um vazio negro para mim, o que significa… o quê?
Eu não tenho um núcleo de mana, mas a presença de um não permite que um mago veja partículas de mana. Senti-las, sim, mas eu precisava ativar a vontade de besta de Sylvia e o poder de Realmheart para ver a mana diretamente, mesmo antes de meu núcleo ser destruído.
— Então por que é tudo escuridão sem fim e ondulações assustadoras de monstros de tinta quando você entra lá?
Regis perguntou de onde ele havia se encolhido no canto.
— Minha falta de um núcleo de mana deve estar me impedindo de sentir corretamente o que quer que a pedra-chave esteja tentando me mostrar.
Respondi, olhando para a relíquia cubóide descansando na mão de Caera, ainda usando meu éter para mantê-la aberta e sua mente submersa lá dentro.
— As ondulações no escuro, obviamente, são causadas pela própria mana se movendo, mas isso não faz sentido… a menos que seja uma manifestação dos efeitos da mana, como o calor saindo do corpo de Caera enquanto ela canalizava mana de fogo.
— Talvez seja como quando você vê uma névoa de calor subindo de uma pedra queimada pelo sol. A mana está se movendo, causando uma mudança no ambiente e, você sabe, interrompendo a informação sensorial que você recebe.
Regis rolou, enterrando o rosto no travesseiro da minha cama, que deve ter roubado quando eu não estava olhando.
— Mas o fato de você sentir alguma coisa lá dentro, qualquer coisa, é um bom sinal, certo?
Me encostei na parede enquanto considerava isso, imaginando qual mecanismo da pedra-chave e qualquer insight que ela continha me permitia sentir o movimento da mana, mesmo que eu não estivesse vendo. O reino dentro da relíquia era de natureza etérea, não havia luz natural, então a comparação de Regis com uma pedra quente não se encaixava na imagem que eu tinha na minha cabeça. Era mais como…
…o reflexo da água visto do lado de fora do copo. Minha mente remontava a antes da guerra, quando Lady Myre me explicara pela primeira vez o éter.
“O éter compõe os blocos de construção dos quais o mundo é feito, enquanto a mana é o que o enche de vida e sustento.”
Ela comparou o éter a um copo, e a mana à água que o enche. Mas se a água mudar de forma, ela não altera o copo de forma alguma. Ou… altera?
— Ok, estou ficando perdido. Os dragões não estão um pouco atrasados em relação à arte do éter?
O lobo soltou uma risada retumbante.
— “Art” do éter. Haha, entendeu?
O próprio reino da pedra-chave é etéreo por natureza, apenas abrigando mana. Não consigo ver a mana, mas de alguma forma minha conexão com o éter está me deixando sentir seu movimento. Pelo menos quando está reagindo a estímulos externos, que devem causar flutuações mais fortes.
— Grey?
A voz de Caera era um sussurro calmo e nervoso, fazendo-me perceber que eu estava quieto já há algum tempo.
— Desculpe. — disse imediatamente.
— Estava apenas pensando. Você se importa de ficar um pouco lá dentro? Há mais algumas coisas que eu gostaria de tentar.
— Você está de brincadeira? — Caera sorriu.
— Isso é incrível. É… lindo. Imagine ver o mundo assim o tempo todo?
Sorri tristemente, afastando os pensamentos de Realmheart e da besta Sylvia.
Havia trabalho a fazer.
POV TESSIA ERALITH
O vento frio acariciou minha bochecha e jogou uma mecha perdida do meu cabelo cinza metálico atrás da minha orelha. Ele dançou ao meu redor, carregando uma pequena rajada de neve que girava a cada torção e mergulho na descida até à fortaleza de Taegrin Caelum abaixo.
— Fraca.
Esfreguei com força o ponto em meu peito onde a lâmina de Grey me perfurou… em uma vida diferente, um corpo diferente e ainda assim agora que eu tinha a memória disso, era como se eu pudesse sentir a cicatriz da velha ferida.
— Eu esperava mais de você.
O vento rodou para dentro, puxando minha blusa como se quisesse que eu dançasse também. Tão alto acima da fortaleza de Agrona, o ar estava frio e claro, ansioso para sentir o toque de mana.
As montanhas se estendiam até onde eu podia ver em todas as direções. Nuvens se acumulavam no horizonte, cinza-fofo e cheias de neve, mas fora isso o céu enorme era azul cristalino. Frio, mas convidativo.
— Eu sou o melhor candidato.
Fechei os olhos com força, tentando afastar aqueles últimos momentos da minha vida, que agora se repetiam em minha mente por dias… semanas? O tempo se movia estranhamente em Taegrin Caelum, como se a virada do mundo significasse pouco para a fortaleza ou seu governante.
— Se eu tiver que deixar você e Nico para trás para alcançar meu objetivo, eu deixo.
Essas foram suas últimas palavras reais para mim, essa pessoa que deveria ser minha amiga. Antes que tivesse enfiado sua espada no meu peito. E Nico tinha visto isso acontecer.
Essa era minha última lembrança. Virando a cabeça para ver Nico, cercado por um feixe de luz, meio obscurecido por nuvens de poeira, seu rosto congelado em uma máscara de tortura quando chegou tarde demais para ajudar…
Soltei um suspiro trêmulo.
Não é à toa que ele é do jeito que é.
Afastei o pensamento. Não foi culpa de Nico. Tudo que eu tive que fazer foi morrer e acordar, mas Nico… seu caminho tinha sido muito mais longo, muito mais doloroso.
Ser forçada a lembrar da minha própria morte me colocou em uma fuga por dias e mesmo depois disso levei mais dias para voltar a mim mesma. Depois de demorar tanto para me ajustar ao meu novo corpo, meu corpo, estar presa em meus aposentos novamente parecia uma prisão, uma tortura. Já tinha vivido uma vida de prisão, na qual nunca me permitiram ser eu mesma, viver por mim mesma, fazer escolhas por mim mesma.
Mas servir a Agrona não é a mesma coisa?
— Vou fazer com que não seja. — disse ao vento dançante.
— Vou controlar meu próprio destino.
Liberei meu controle da magia que me fazia voar.
Meu corpo se contorceu no ar até que eu estava olhando para a fortaleza. O ar raleou à minha frente enquanto soprava forte por trás, enviando-me para baixo em um ritmo alucinante. Taegrin Caelum, pequeno como um brinquedo de criança apenas um instante atrás, correu em minha direção, expandindo-se para engolir minha visão.
Virei-me de repente, meu corpo doendo com a força e voei pelas portas da minha varanda aberta com velocidade suficiente para que se fechassem atrás de mim. A porta para o labirinto de corredores se abriu pouco antes de eu a ter arrebentado, respondendo à minha vontade, me precipitei pelos corredores do castelo com uma velocidade perigosa.
Quando parei, a súbita explosão de vento que minha passagem criou enviou uma besta de mana empalhada pra fora de seu pedestal largo, caindo no corredor. Estremeci, não querendo causar nenhum dano, mas também havia uma pequena parte de mim que sentia prazer vingativo no ato.
Bati na porta de Nico, mas não houve resposta. A mana da terra permaneceu na fechadura de metal pesado e pulou para o lado ao meu comando, permitindo que a porta se abrisse.
Meus pés saíram do chão e voei para o quarto. Estava escuro, vazio e sem calor…
Nico não estava lá.
Havia apenas uma outra pessoa em Taegrin Caelum com quem eu podia conversar, pra falar a verdade, então saí do quarto de Nico, voando de sua varanda e contornando a fortaleza. Parei, pairando no ar, enquanto um conjunto de portas na sacada do alto da parede da ala privada de Agrona se abria para fora, como se fosse me dando as boas-vindas.
Cada vez que nos encontrávamos, era como se eu estivesse vendo Agrona pela primeira vez.
Seus chifres estavam sem ornamentos, suas roupas finas costumeiras substituídas por calças de couro escuras e uma túnica branca simples que pendia casualmente em sua figura ágil, com os botões superiores abertos, expondo seu peito e permitindo que as tatuagens rúnicas que o cobriam aparecessem. Sua pele de mármore brilhava na luz fria do meio da manhã, ou talvez fosse a força de sua mana brilhando através de seu corpo vinda de seu núcleo, que queimava como um sol em miniatura dentro de seu esterno.
— Se sente melhor?
Perguntou, fingindo um ar casual.
— Estava pensando em você. Draneeve disse que você faltou à sua última avaliação. Eu…
Sua cabeça inclinou ligeiramente para o lado, sua língua saindo para molhar seus lábios.
— O que se passa tanto em sua mente, Cecil?
Encontrei seus olhos brilhantemente escarlates, esse ser que estava mais perto de Deus do que do homem, levantei meu queixo.
— Eu tive muito tempo para considerar tudo o que você me mostrou, Agrona, e preciso te dizer uma coisa.
Seu sorriso era gentil, mas carregava a confiança de um conquistador. O que quer que eu tivesse a dizer, sabia que ele ouviria, mas ele não seria afetado por isso.
— Eu não serei sua arma.
Continuei, minha voz carregada pelo vento.
— Ou sua ferramenta. Quero poder fazer minhas próprias escolhas, ter uma vida, não apenas estar viva.
O encolher de ombros de Agrona foi perfeitamente casual.
— Claro, Cecil. Sua vida é só sua.
Ele me deu um sorriso encantador, caloroso e compreensivo que tornou difícil lembrar o que eu queria dizer.
— Eu pediria a você para discutir mais sobre isso, mas honestamente eu amo o drama de você voar por aí, com o rosto frio como gelo esculpido, pronta para fazer exigências.
Ele está mentindo, é claro.
Respirei fundo e a mana ao nosso redor inchou como se fosse uma parte de mim. O ar esquentou, o vapor d’água se solidificou e começou a cair enquanto flocos úmidos de neve e até as pedras de Taegrin Caelum gemeram.
— Me conte a verdade.
Agrona deu um passo largo para a varanda. Seus olhos se fecharam e ele respirou fundo, enchendo seus pulmões com o vento que soprava.
— Poder.
Disse, sua voz um sussurro retumbante.
— Cru e impossível.
Abrindo os olhos, estendeu a mão para pegar alguns dos flocos de neve.
— Acha que eu repetiria os erros daqueles tolos que te enjaularam em sua vida passada? Suprimindo seu potencial restringindo você, tentando controlá-la? Espero não parecer tolo aos seus olhos.
— Mas você fez algo parecido com Nico
Apontei, segurando o tremor que teria destruído meu corpo com a menção casual de Agrona dos muitos anos de prisão e tortura, sob o disfarce de treinamento, pelos quais passei na minha última vida.
— Ele…
— Não é o Legado.
Agrona disse facilmente.
— Embora… o que ele suportou por você, apenas pela chance de ficar ao seu lado novamente… Nico estava fraco e impotente enquanto observava Grey tirar sua vida. Incapaz de fazer qualquer coisa, por menor que fosse. Estava disposto a suportar qualquer dor para trazê-la de volta e mantê-la segura, não importa o custo para ele.
Agrona me inspecionou de perto.
— Mas não é sobre Nico que você veio falar, ou é? Não estou mentindo quando digo que suas escolhas são suas, mas há algo que você precisa saber.
Ele parou quando um pássaro passou voando por mim e pousou no parapeito da varanda. Ele bateu o bico no metal, emitindo um tinido oco e eriçou suas penas pretas e vermelhas. Agrona estendeu a mão, que de repente estava cheia de sementes. A criatura saltou da amurada para a palma da mão e começou a comer, abanando as quatro asas.
— É… lindo
Disse, momentaneamente distraída.
— Você não vai encontrá-los em nenhum outro lugar em Alacrya.
Agrona comentou, observando o pássaro bicar as sementes.
— Eles vêm de Epheotus, nativos apenas das encostas escarpadas do Monte Geolus. Trouxe alguns aqui, há muito tempo, quando…
As feições de Agrona ficaram intensas quando parou. De repente, seus dedos se fecharam como uma gaiola ao redor do pássaro. Ele deu um guincho assustado e começou a bater em sua mão e bicar inutilmente seus dedos.
— Eles estão fora do seu habitat, assim como você.
Disse ele, seu olhar intenso sobre o pássaro.
— Você está em perigo, Cecil, e estará até que a guerra seja vencida e o Clã Indrath seja jogado de sua montanha.
— Por quê?
Perguntei, incapaz de tirar os olhos do pássaro, um forte pressentimento fazendo meu estômago revirar.
— Ao contrário de nós Vritra, que nos orgulhamos de explorar o desconhecido, o resto dos clãs Asura tem medo dele. Se eles alguma vez colocarem as mãos em você…
Seus olhos se desviaram do pássaro para encontrar os meus e me senti atraído por eles, como se estivesse olhando para a caldeira de um vulcão ativo. Eu podia senti-lo vasculhando minha mente como se estivesse folheando as páginas de um livro. Mas em vez de se sentir como uma violação, havia um calor e conforto nisso, como se a presença dele lá significasse que eu não estava sozinha.
Mas você não está sozinha, Cecilia.
Sua mão fechou. O pássaro deu um grito abafado, que foi imediatamente substituído pelo esmagamento de pequenos ossos ocos. Quando a mão de Agrona se abriu novamente, a bela criatura era pouco mais que penas dobradas e asas quebradas.
Com um movimento do pulso, o pequeno cadáver caiu da beirada da sacada e desceu para as pedras afiadas lá embaixo.
— Mas minha guerra com os outros Asura não é por sua causa.
Agrona disse, sua voz pesada com intenção.
— Eles não são apenas um perigo para você, mas também para todos os serem inferiores. E as pessoas de Alacrya e Dicathen merecem uma existência sem medo de sua tirania. Posso governar os seres inferiores, guiar sua evolução, mas não tenho interesse em construí-los apenas para quebrá-los e começar de novo como Kezess fez.
Ele estendeu a mão para mim, palma para cima, como se esperasse que eu a pegasse.
— Se você lutar comigo na guerra que está por vir, você pode proteger a si mesma e as pessoas de dois continentes do perigo que os Asuras representam. Afinal, eles já mostraram a profundidade de seu desprezo por vidas inferiores em Elenoir quando cometeram genocídio apenas pela chance de impedir que você desenvolvesse seu poder total.
À menção de Elenoir, uma névoa esmeralda vazou do meu núcleo, enchendo minha visão e me fazendo balançar no ar. Agrona ficou tenso, mas recuperei o controle imediatamente e empurrei a sensação para o fundo, de volta ao meu núcleo, onde a presença anormal do guardião de Elderwood permanecia, seu poder ainda fechado para mim.
Agrona estava traçando meu corpo com os olhos, inspecionando cada centímetro de mim.
— A besta se irrita com a menção do ataque. — observou ele.
— Muito interessante. Caso você ganhe controle sobre ela, adicionar esse poder formidável ao controle livre sobre a mana que você já tem será uma benção, mas isso não é estritamente necessário para você atingir todo o seu potencial.
Esfreguei meu esterno sobre meu núcleo de mana, desconfortável.
— Mas eu entendo que este mundo nunca será sua casa.
Agrona continuou, como se estivesse puxando pensamentos direto da minha cabeça.
— E então eu prometo a você isso. Quando derrotarmos os Asuras e derrubarmos o Clã Indrath, usarei o conhecimento que ganhei das Relictombs para devolver a você sua antiga vida, seu antigo mundo, mas como deveria ter sido.
Minha respiração ficou presa no meu peito.
— Imagine isso, Cecil. Imagine exatamente como seria essa vida, o que você quiser. Agora, o que você faria para reivindicá-lo?
É um truque, ou uma armadilha, ou…
Mas seu tratamento em relação a mim já estava mudando. Seu tom era respeitoso, até mesmo cauteloso. A maneira como ele olhou para mim, podia ver em seus olhos, como se ele me visse como uma parceira, não uma ferramenta e isso era exatamente o que eu vim aqui para exigir. Havia uma confiança e uma pergunta naquele olhar, sabia com absoluta certeza que ele poderia fazer o que disse.
Mas o que eu faria nesta vida por uma chance de voltar à vida que deveria ter tido?
— Qualquer coisa, Agrona.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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