Escuridão. Escuridão total.
Estava flutuando, pairando em um preto totalmente sem reflexo. Se estava flutuando por aí ou suspenso no local, não poderia dizer.
Tudo que sabia era que não havia mais nada, nenhum som, gosto, cheiro, ou toque nesse mar de escuridão perpétua.
Era calmo no início. Senti como se eu fosse ambos, nada e tudo ao mesmo tempo. Me senti como um pontinho minúsculo em um vasto universo, também senti como se nada mais existisse além de mim.
Entretanto, conforme o tempo passava, me recordei mais do que eu era. Era um humano… com mãos, pés, e um corpo.
Ainda assim, não podia sentir qualquer coisa. Tentei curvar meus dedos das mãos e dos pés. Tentei alargar minhas narinas, abrir minha boca. Não conseguia sentir nada. Não conseguia nem mesmo me sentir respirar.
O medo tomou conta rapidamente. Não veio em nenhum sinal fisiológico que estava acostumado. Sem bater no meu coração, sem acelerar minha respiração, sem tremer o meu corpo.
Inferno, desejei que pudesse sentir isso, qualquer coisa para verificar que algo mais além de só a minha consciência existia. Mas estava preso aqui com o passar do tempo sem maneira de acompanhar.
Tentei de tudo para ficar são. Gritei, mas não saiu som algum. Tentei morder minha própria língua, mas não havia sensação.
Simplesmente existi.
Fiquei cada vez mais louco a cada segundo subjetivo que passava.
Insanidade efervesceu, espalhando-se cobrindo cada canto da minha consciência. No entanto, as alucinações que aguardava, esperava, desejava, nunca vieram. Nenhum dos sintomas de insanidade poderia ser materializado em um mundo com literalmente nada e um corpo que nem tinha certeza se tinha, muito menos sentia.
Logo me cansei do medo incessante, ansiedade, pavor e paranoia que se agarravam às minhas entranhas… se tivesse entranhas. Memórias que pareciam estar na ponta da minha língua hipotética nunca estiveram ao alcance para que me lembrasse de verdade.
O tempo passou, mas em um estado de nada, era difícil até mesmo adivinhar se estava indo rápido ou lento.
Foi só quando senti um leve espinho no meu… braço, sim, meu braço, que eu sacudi para fora do meu estupor.
Senti algo pela primeira vez. Alguns momentos depois, senti outro espinho, desta vez um que se espalhou pelo meu peito. Esses espinhos logo se intensificaram em dores agudas, mas não me importei. Até a dor era prova verificável de que eu existia fora da minha consciência.
Esperei pelo próximo acesso de dor. A sensação de agulhas escaldantes cavando em cada um dos meus poros teria me levado à loucura do tormento que causaram, mas depois dos éons subjetivos do nada literal, recebi com prazer cada rodada, cada vez mais agonizante da dor que queimava e perfurava cada milímetro do meu corpo.
Mais emocionante, minha visão começou a clarear até que o vazio em que estava ficou mais leve e mais leve.
Pode ter sido pela dor que sentia, mas como o branco ultrapassou cada vez mais a minha visão, senti como se tivesse experimentado isso antes.
Foi quando me veio à cabeça.
Não. Não. Por favor, não me diga que estou reencarnando de novo.
Uma onda de pânico me tomou quando me aproximei das nuvens nebulosas de branco.
Meus olhos se abriram para ver que meu olhar embaçado estava nivelado com o chão, minha bochecha pressionada planamente contra um chão liso e duro.
Imediatamente, tentei me mover, tentando me tranquilizar de que mais uma vez não era um recém-nascido. Não poderia começar de novo, não agora. Havia muito o que fazer, tantas pessoas que eu tinha que proteger. Minha mãe, minha irmã, Virion, Tess, Sylvie.
Sylvie!
Lutei até para levantar minha cabeça, as ondas perfurantes de dor ainda abrangendo todo o meu corpo.
Isso não era um bom sinal.
Meu corpo parecia estranho para mim, pesado e duro como usar uma armadura projetada para uma diferente espécie, muito maior.
Abri meus lábios e forcei um som da minha garganta.
— Ah… Ahhh.
A familiar e clara voz masculina soou no meu ouvido, enchendo-me com algum semblante de alívio.
Rangi meus dentes, e engoli, enviando uma onda ardente pelo meu esôfago.
Dentes! Eu tenho dentes!
Não temendo mais a possibilidade de ser mais uma vez criança, trabalhei em tentar me levantar do chão.
Tentar levantar meus braços foi o primeiro grande obstáculo ao meu objetivo. Poderia muito bem ter tentado arrancar uma das árvores centenárias na Floresta de Elshire porque meu corpo não se moveria. Em vez disso, fui recebido com outra onda de dor penetrante em todo o meu corpo como se alguém estivesse tentando me massagear com uma maça espinhosa que tinha sido acesa em chamas.
Depois de várias tentativas de, Deus me livre, levantar meu próprio corpo e desmaiar várias vezes da dor que veio depois, desisti.
Ainda assim, fiquei um pouco aliviado com a dor. Não de um jeito masoquista, mas o fato de que podia sentir dor significava que meu corpo poderia estar apenas ferido em vez de completamente paralisado. E depois de todo esse tempo passado na escuridão eterna, o limitado campo de visão que tinha na sala em que estava ainda era uma visão para olhos doloridos.
Pelas paredes curvas que atravessavam meu campo de visão, parecia que estava em uma grande sala circular. Pilares brancos lisos sem um traço de decomposição erguiam o teto. Uma luz etérea quente brilhava fortemente das arandelas que se alinhavam ao longo das paredes, espaçadas uniformemente a cada poucos metros enquanto as runas familiares, mas indecifráveis, eram gravadas entre elas.
Me afastei das luzes tentadoras e me concentrei no chão, ou, mais especificamente, no que estava no chão.
Sangue. Muito sangue.
Mas o sangue era marrom seco e cobria os cantos onde o chão encontrava as paredes. Era difícil dizer quanto tempo as paredes e pisos estavam ensanguentados, mas à medida que mais e mais áreas de poças de sangue secas se tornaram visíveis quanto mais cuidadosamente olhava, parecia que isso era algum tipo de campo para pessoas feridas… ou bestas feridas.
Tremia com a ideia de uma besta de mana sanguinária atrás de mim em meu estado vulnerável. A única fonte de conforto veio do fato de que ainda não tinha sido comido.
Tentei me mover de novo para ter pouco sucesso. Ainda sentia como se estivesse em algum tipo de concha, sempre que tentava me mover, como se este corpo não fosse meu.
Depois que o tempo passou e fiquei sem detalhes nas paredes, chão e pilares para me distrair, memórias indesejadas e dolorosas que estava tentando esquecer, começaram a ressurgir.
Eu, lutando contra Nico, que reencarnava no corpo de Elijah. Na verdade, Elijah sempre foi Nico, lembrei-me dele me contando como suas memórias antes de chegar ao reino de Darv eram tudo um borrão.
Lembrei-me de Tess se sacrificar, porque não podia vencer contra Cadell, a Foice que matou Sylvia.
Lembrei-me, por algum acaso, que eu era capaz de me aproveitar do Éter a fim de criar não apenas uma dimensão de bolso, mas um portão de teletransporte também, usando o medalhão feito pelos magos antigos. Sabia até então que não ia conseguir. Meu corpo mal foi capaz de funcionar graças à vontade do dragão de Sylvia e o Éter me mantendo vivo. Sabia que uma vez que eu retirasse o Realmheart, sentiria o impacto total do meu fraco, corpo sucumbindo aos efeitos posteriores de explorar tanto a mana quanto éter a tal ponto.
E foi aí que a memória mais dolorosa reapareceu. Como se estivesse marcada no meu próprio cérebro, pude relembrar meus últimos momentos com Sylvie, antes que ela me empurrasse para o portal instável, com tanta clareza que quase podia vê-la na minha frente agora.
Lágrimas se formaram, borrando minha visão, enquanto soluços ameaçavam sair da minha garganta seca. Toda vez que fechava meus olhos, a memória de Sylvie desaparecendo bem na minha frente reaparecia repetidamente.
Pelo vínculo que compartilhamos, sabia que ela tinha usado uma arte poderosa para basicamente sacrificar seu próprio corpo físico para me salvar.
Eu a odiava por se sacrificar.
Mas mais do que isso, me odiava por isso.
Estava tão envolvido em tentar lidar com tudo do meu jeito, salvar Tess, obter a minha vingança contra a Foice que matou Sylvia, confrontar e derrotar Nico, meu passado, que não poderia apreciar a única pessoa que estava ao meu lado durante tudo isso.
A tomei como garantida, supondo que sempre estaria aqui comigo.
Agora, tinha ido embora.
Meu estômago se arrastou e meu peito apertou segurando outro soluço. Apertei os olhos fechados, rangendo os dentes para tentar me conter.
Mas eu não podia. Perdi Sylvie, a única que ficou comigo por muito mais tempo do que qualquer outra pessoa neste mundo, tentando salvar a todos.
— Ghhh… — soltei, com soluços guturais que ecoavam pela sala como se zombassem de mim.
— Eu… sinto muito. E-eu sinto tanto… Sylv.
Não podia dizer quanto tempo eu tinha passado afundando em tristeza e autopiedade, mas fui abruptamente sacudido pela sensação de picadas de alfinetes correndo por todo o meu corpo. Foi chocante, como se milhões de insetos estivessem rastejando em cima de mim, sob minha pele.
Outra onda veio, mais forte desta vez, mais dolorosa. E a última onda que me lembrei de sentir, parecia que os milhões de insetos debaixo da minha pele tinham estourado para fora de mim.
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Quando abri os olhos e senti a fria viscosidade da saliva grudada embaixo da minha bochecha, sabia que tinha desmaiado.
Tirando meu rosto do chão molhado, virei-me para minhas costas.
O breve momento de euforia com o fato de que eu poderia realmente me mover, foi interrompido por um sentimento esmagador de sede.
Engolindo a pequena saliva que deixei para umedecer minha garganta seca, me levantei me apoiando nas minhas costas. O movimento parecia estranho e meu corpo ainda se sentia duro e alienígena, mas ainda sim estava animado com a minha nova gama de movimento.
Sentando no chão, as primeiras coisas a entrarem no meu campo de visão, foram minhas próprias mãos.
— Que merda é… Minhas mãos estavam pálidas, quase brancas, mas não apenas isso; não havia uma única falha em minhas mãos que pudesse ver. Os calos nas minhas mãos que se acumularam ao longo dos anos empunhando uma espada não foram encontrados. As cicatrizes que estavam espalhadas nos meus dedos das batalhas se foram. Até mesmo as cicatrizes no meu pulso que tinha recebido lutando contra aquela bruxa tóxica, o primeiro Retentor contra o qual lutei, tinham ido embora, substituídas por uma pele lisa e perolada.
Parecia que Sylvie havia feito muito mais do que curar as feridas de abusar do Físico Realmheart.
Rangi meus dentes, tentando afastar o pensamento do sacrifício do meu vínculo antes de sucumbir a um poço ainda mais profundo de pavor.
Continuei estudando minhas mãos, notando cada vez mais diferenças a cada segundo que passava.
Meus braços ainda estavam tonificados com os músculos que tinha acumulado ao longo dos anos de treinamento, mas também eram mais finos. Minhas mãos também pareciam menores e meus dedos mais delicados, mas isso poderia ter sido pela falta de calos e cicatrizes.
Foi só quando meu olhar se deslocou para meus antebraços, mais especificamente meu antebraço esquerdo, que senti uma pontada afiada no meu peito.
A marca tinha sumido.
— H-Hã? — gaguejei.
O pânico aumentou em mim mais uma vez, quando comecei a girar freneticamente meu braço para ver se estava do outro lado de alguma forma. A marca tinha sumido. A marca que eu tinha conseguido depois de formar meu vínculo com Sylvie tinha desaparecido completamente ao lado de todas as cicatrizes e calos que tinham cravado minhas mãos e braços.
— Antes de ficar todo choroso, olhe para a direita. — uma voz clara e cínica ressoava nas proximidades.
Não ameaçado pela voz por alguma razão, virei-me à minha direita para ver uma pedra iridescente do tamanho da minha palma.
Meus olhos se abriram, e por puro instinto, mergulhei em direção à pedra colorida e agarrei-a para dar uma olhada mais de perto.
— Isso é…
— Yup. É o seu vínculo. — disse a voz secamente antes de uma sombra negra aparecer na minha visão periférica.
Um fogo-fátuo preto do tamanho de uma grande bola de gude veio à vista, exceto que esta lágrima preta flutuante tinha um conjunto de olhos afiados e brancos olhando para mim e dois pequenos chifres nas laterais de sua… Cabeça.
Senti minha boca abrir, enquanto tentava falar, mas antes que pudesse continuar, o fogo fátuo negro em forma de lágrima com chifres e olhos flutuava mais perto de mim. Ele se inclinou, como se curvando para mim, e falou em um tom exagerado.
— Saudações, meu mestre deplorável. Eu sou Regis, a poderosa arma que finalmente se manifestou e rastejou para fora de sua bunda metafórica.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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