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O Começo Depois do Fim – Cap. 174 – A primeira Foice

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A encarei silenciosamente.

O suor encharcou minha pele e minha cabeça inteira latejava. Minha língua parecia um pano seco, meu corpo sentia medo, mas meu cérebro estava perdido em uma teia de pensamentos. Podia sentir as engrenagens girando enquanto meu cérebro tentava criar um cenário em resposta a essa mudança nos eventos. No entanto, a conclusão veio…

Não havia saída.

Sem mana sobrando no meu núcleo, meu corpo à beira do colapso da reação, e meu vínculo incapacitado, fiz a única coisa que pude fazer. Esperei.

Esperei a mulher em pé perto da borda da cratera que o corpo de Sylvie havia feito. Ao contrário dos Retentores que eu tinha visto até agora, ela parecia fundamentalmente diferente.

Seus cabelos eram longos e refletiam o sol como ametista líquida. Ao contrário da bruxa, Uto, ou Cylrit, cujos os aspectos variavam em tons doentios de cinza, a pele dessa mulher tinha a qualidade de alabastro polido. Seus olhos eram tão penetrantes quanto seus longos chifres pretos que espiralavam como os de uma impala.

Além de sua aparência não natural, o que mais me impressionou foi sua aura, ou melhor, a falta dela.

Ao contrário de quando aprendi a esconder minha presença, a aura da Foice parecia estar lá, mas contida, contida como uma bomba devastadora pronta para explodir. A única vez que senti isso foi quando conheci lorde Indrath. O avô de Sylvie e o atual líder dos Asuras tinham a mesma presença sufocante que deixava todo mundo desconfiado de quando ele poderia explodir.

Engoli em seco, que foi o maior movimento que fiz desde que tomei conhecimento da chegada da Foice.

No entanto, permaneceu imóvel. Aquilo foi um bom sinal. Se quisesse me matar, poderia ter feito isso agora. Eu queria perguntar por que ela estava atualmente segurando o Uto inconsciente ou morto pelos cabelos, mas não conseguiu juntar a coragem.

Tinha certeza de que nem Sylvie, nem eu, tínhamos feito nada com Uto, o que significava que ele havia excedido seus limites com aquele último ataque ou que essa Foice tinha algo a ver com o estado atual de Uto. Ambas as opções pareciam improváveis.

Permanecendo imóvel, continuei ganhando passivamente mana através da rotação de mana. Meu corpo queimou e meu núcleo se opôs à reação, mas suportei. Não havia nada que eu pudesse fazer, não importando quanta mana ganhasse. Não poderia escapar com Sylvie nessa condição e não havia como deixá-la para trás. Meu cérebro tremeu com a noção de que poderia valer a pena lutar contra essa Foice, mas esse pensamento foi rapidamente levado por todas as fibras do meu ser.

Então permaneci na mesma posição exata, olhando para a Foice de cabelo roxo. Dezenas de cenários possíveis passaram por meus pensamentos, mas o que ela fez foi algo que eu nunca teria previsto.

Estendendo a mão livre, a Foice arrancou os chifres de Uto, um por um, como se estivesse arrancando flores. Permanecendo em silêncio, casualmente jogou os dois chifres em mim e meu corpo reagiu imediatamente. Como se os chifres fossem bombas, pelo que eu sabia, elas poderiam ser, eu me encolhi em uma bola, protegendo meus sinais vitais. Posicionei-me entre os chifres cortados e meu vínculo nas fracas esperanças de poder de alguma forma proteger meu dragão de duas toneladas, mas nada aconteceu. Os dois chifres pretos rolaram e pararam ao lado dos meus pés anticlimáticamente.

Cauteloso, deixei os chifres no chão e fixei meus olhos na Foice. Suas ações não faziam sentido; pelo que havia entendido, os chifres de Vritra eram uma parte importante de si mesmos. Por que ela faria isso com seu aliado?

Quando pensei que suas ações não poderiam ser mais imprevisíveis, a Foice ergueu Uto pelos cabelos e atravessou seu corpo com uma lâmina fina do que parecia ser pura mana. O que me surpreendeu mais do que a lâmina roxa mortal que se projetava no esterno de Uto foi o fato de ele permanecer inconsciente.

Se era porque eu estava exausto, física e mentalmente, ou a Foice tinha algo planejado, não conseguia entender o significado por trás de suas ações. Nesse ponto, fiquei mais chocado com o fato de que ela era capaz de penetrar tão facilmente o núcleo de Uto.

Núcleos de mana eram partes densas e hipersensíveis do corpo que se tornavam mais resistentes quanto mais alto o estágio do usuário. Ser capaz de atravessar sem Uto estar em completa agonia significava que essa Foice havia matado o Retentor ou feito algo mais do que simplesmente deixando-o inconsciente.

A Foice jogou Uto como uma boneca de pano na cratera em direção a Sylvie e eu.

— Foi uma batalha difícil, mas você conseguiu derrotar Uto. Você foi capaz de mantê-lo vivo, mas por medidas de segurança, você perfurou seu núcleo para garantir que ele não poderá usar nenhuma arte de mana. Você fez isso para poder levá-lo de volta e interrogá-lo.  — Disse a Foice, como se estivesse lendo um roteiro.

Minha resposta inicial foi perguntar o que estava acontecendo, mas essa Foice parecia o tipo de pessoa que desprezava perguntas desnecessárias que desperdiçavam seu tempo. Através do poder mágico da dedução, parecia que não concordava com essa guerra ou tinha sua própria agenda pessoal. Se isso significava que eu não morreria hoje, eu poderia trabalhar com qualquer um dos motivos.

Eu fiz uma pergunta diferente.

— Seria pedir muito o seu nome? — murmurei, minha voz traindo qualquer tipo de confiança que eu estava tentando projetar.

Houve um ligeiro aumento em uma de suas sobrancelhas, mas essa foi a única mudança em sua expressão que exibia, externamente, pelo menos.

Depois de uma pequena pausa, respondeu de maneira inexpressiva.

— Seris Vritra.

Me levantando do chão, consegui me sentar com as costas apoiadas no corpo de Sylvie. Meu corpo parecia pesar tanto quanto Sylvie, mas fiz o meu melhor para parecer equilibrado.

— Obrigado, Seris Vritra. Não vou esquecer essa gentileza. — Curvei minha cabeça respeitosamente. Não estava claro se essa Foice era inimiga ou aliada, mas mesmo assim salvou minha vida e a de Sylvie. Por isso, o mínimo que podia fazer era agradecê-la, independentemente de sua raça e postura nesta guerra.

Seris abriu um leve sorriso.

— Menino peculiar.

A Foice girou, preparando-se para sair, mas pouco antes de desaparecer, disse:

— Pelo nosso bem, fique mais forte, rápido. Os chifres de Uto serão um recurso inestimável para você, se conseguir extrair a mana que está armazenada dentro.

De olhos arregalados, peguei cuidadosamente os dois chifres do tamanho de punhos e os guardei dentro do meu anel. Quando olhei para trás, Seris havia desaparecido.

Não tinha certeza se era porque Uto estava inconsciente ou porquê Seris havia destruído o núcleo dele, mas a cama de espinhos negros que Sylvie tinha me protegido com seu próprio corpo havia desintegrado. As feridas de Sylvie já estavam fechando e sua respiração ficou mais relaxada. Pensava que magos de núcleo branco curavam-se rapidamente, mas a taxa de recuperação de Sylvie era realmente visível.

Com a preocupação do meu vínculo morrer aqui desaparecendo, concentrei minha atenção no Retentor inconsciente e sangrando. A Canção do Amanhecer ainda estava atravessando seu peito, mas deslizou facilmente quando dei um puxão. Minha espada quase não deixou um corte no corpo de Uto, mas o ataque aparentemente indiferente de Seris foi capaz de atravessar facilmente o corpo e o núcleo dele.

— Parece que tenho muito o que fazer antes de tentar enfrentar outro Retentor, sem falar em uma Foice. — Murmurei para mim mesmo.

Odiava admitir, mas com a aparição de Seris, havia perdido completamente minha vontade de revidar. Fazia um tempo desde que me sentia tão impotente e desta vez também, não era um bom sentimento.

Com mana suficiente reunida, tentei usar magia. Quando o fiz, meu núcleo agitou-se, enviando-me um ataque de agonia. Mana queimou quando eu a canalizei através do meu corpo, mas fui capaz de envolver o corpo de Uto no gelo.

Apesar de quase morrer em várias ocasiões diferentes momentos atrás, havia uma sensação de calma que me cercava. Havia coisas que eu deveria estar fazendo agora: ajudar Aya se sua batalha já não tivesse terminado, informar Mica sobre a traição de Olfred, mas agora, não podia. Nesse estado enfraquecido, não poderia ajudá-los, mesmo que quisesse, então cedi ao desejo do meu corpo e descansei.

Inclinei minhas costas pesadamente contra o corpo de Sylvie, sua respiração rítmica quase terapêutica. Eu geralmente nunca me deixo cair em ilusões e pensamentos de fantasias melancólicas, mas agora, senti que merecia. Deixando meus pensamentos vagarem, me permiti imaginar minha vida depois da guerra. Me permiti alguns pensamentos felizes, mesmo que eles não se tornassem realidade.

Pensamentos de mim mesmo, crescido, talvez até com barba, com uma família própria. O rosto de Tess surgiu em minha mente e imediatamente resisti ao desejo de continuar meu devaneio. Mas merecia essa pequena pausa fantástica.

Então deixei as cenas continuarem. Tess parecia mais velha, mais madura, mas ainda deslumbrante. Ela sorriu brilhantemente para algo que eu tinha acabado de dizer, com suas bochechas com apenas um leve tom de vermelho. Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha antes de me olhar com um olhar tímido. Deu um único passo em minha direção, mas de repente estávamos peito a peito. Tess ficou na ponta dos pés quando fechou os olhos. Seu rubor se aprofundou e seus longos cílios estremeceram.

Assim que ela apertou os lábios, Tessia foi subitamente arrancada dos meus braços. Estava cercado pela escuridão, mas consegui distinguir vagamente a figura da pessoa em pé na minha frente, a poucos metros de distância.

Era eu. O antigo eu.

O que faz você pensar que pode ter essa felicidade, que você merece essa felicidade? O antigo eu falava, ou melhor, uma voz sem forma ecoava a partir da sua localização.

Depois do que você fez com eles, você acha que pode simplesmente esquecer e seguir em frente? Eles morreram por causa de suas escolhas. Eles pagaram o preço pelo seu egoísmo.

Se você é o rei Grey ou Arthur Leywin, você só pode existir sozinho.

Se você é o rei Grey ou Arthur …

… Gray ou Arthur …

… Arthur…

— Arthur!

Me despertei assustado. Na minha frente estava Aya.

Sua expressão imediatamente se suavizou e um lampejo de alívio brilhou em seus olhos.

— Você não acordava, por mais que eu o sacudisse. Comecei a me preocupar que algo aconteceu durante a luta.

— Estou apenas um pouco cansado. — reuni um sorriso para tranquilizá-la.

Aya assentiu.

— Eu estou contente que você esteja bem.

Olhando para a lança élfica, notei que o rosto dela estava muito mais pálido do que costumava ser, mas além disso, não havia feridas visíveis.

— Como foi do seu lado?

A expressão de Aya escureceu.

— Alguns soldados alacryanos conseguiram escapar. Quanto ao traidor, pude executá-lo.

Traidor. Executar. Pensei sobre a escolha de palavras da elfa. Era como se ela estivesse se distanciando do fato de ter matado um ex-camarada. Não poderia culpá-la, a morte de Olfred deixou um gosto amargo na minha boca, mas Aya havia trabalhado com Olfred por mais tempo do que eu.

— E Mica? — Perguntei.

Aya balançou a cabeça.

— Vim aqui logo após terminar meu trabalho na base oculta dos Alacryanos para ajudá-lo, mas vejo que isso era desnecessário.

Por um breve momento, pensei em contar a lança sobre Seris e como ela havia me ajudado, mas optei por não. Não havia um raciocínio difícil por trás, mas queria saber mais sobre Seris antes de dizer qualquer coisa.

— Foi uma batalha difícil, mas fui capaz de derrotá-lo com a ajuda de Sylvie.

Houve um lampejo de dúvida nos olhos de Aya, mas ela imediatamente se recuperou com um breve aceno de cabeça.

— Estou feliz que vocês dois tenham passado por isso inteiros. Nós vencemos.

— Obrigado. — disse, acariciando o corpo de Sylvie. — Não parece que vencemos. Conseguimos derrubar um Retentor, mas junto com ele, um membro do Conselho e uma lança, talvez até duas.

— Eu acho que é seguro deixá-lo com apenas uma lança. — Respondeu Aya enquanto encarava Uto, cujo corpo congelado eu havia deixado em pé.

— Então Mica não fazia parte disso?

Aya balançou a cabeça.

— Ela ainda precisa ser interrogada, mas duvido muito.

Soltei um suspiro, descansando minha cabeça no corpo de Sylvie. Eu podia sentir meu vínculo em meus pensamentos novamente, uma mistura de emoções que ela estava sentindo dentro de seus sonhos.

— Com a prisão de Rahdeas e o interrogatório de Mica, juntamente com o interrogatório desse Retentor, será agitado quando voltarmos ao castelo. — disse, mais para mim do que para Aya.

A lança soltou uma risada suave enquanto se esticava.

— Definitivamente será, então descanse um pouco aqui enquanto puder.

Sorri fracamente para Aya, pensando que haveria muito em minha mente para descansar: O que pensar das ações de Seris, como utilizar os chifres para ficar mais forte, e como explicar os pesadelos recorrentes sobre minha vida passada. No entanto, na batalha entre meu corpo e mente, meu corpo prevaleceu e sucumbi à calmaria atraente do sono.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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