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O Começo Depois do Fim – Cap. 168 – Uma Noite dos Anões

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O primeiro dia inteiro foi passado nas costas de Sylvie. Sem uma palavra murmurada para qualquer uma das duas lanças anãs, viajamos até a noite cair quando minhas pernas não aguentavam mais andar em cima das escamas, mesmo com a proteção de tecido grosso e mana. Não apenas isso, mas as horas agarradas firmemente na base do pescoço do meu vinculo estava sobrecarregando minhas pernas.

Por minha causa, paramos à noite e acampamos perto da base das Grandes Montanhas, a poucos quilômetros ao norte da cidade de Valden.

— Por favor, sirva-se.

Estendi um espeto de peixe grelhado em direção ao general Olfred e Mica.

Mica aceitou alegremente os peixes de água doce carbonizados, triturando os ossos como se não existissem, mas a velha lança apenas balançou a cabeça.

— Se você tem energia para cozinhar, talvez devêssemos sair em breve — disse ele, ignorando minha cortesia, enquanto seus olhos permaneciam plantados em um livro que trouxera.

— Não ligue para ele. — disse Mica, com a boca ainda cheia de peixe. — O velho não come comida dada por alguém em quem não confia plenamente.

Concordei, jogando o peixe que tinha grelhado para o general Olfred à Sylvie. Com um estalo do pescoço, o peixe desapareceu dentro de sua boca. Meu vínculo permaneceu em sua forma dracônica original, enrolado na beira do nosso pequeno acampamento. Por causa de suas escamas negras, Sylvie quase desaparecia apesar de sua grande estrutura. A única parte visível dela eram seus dois olhos afiados de topázio que pareciam pairar no escuro.

— Esses pequenos pedaços fazem pouco mais do que ficar presos entre os dentes

Resmungou Sylvie na minha cabeça.

— Eu sei, mas você terá que se contentar com isso por enquanto. Além disso, você pode facilmente passar semanas sem comer. —

Respondi, colocando o peixe no espeto. A pele carbonizada do peixe estava cheia de uma doçura defumada do fogo, enchendo minha boca de sabor, apesar de não ter sido temperada.

— Sim, mas eu como pelo sabor, e não pelos nutrientes. — respondeu.

— Talvez você possa encontrar algumas bestas de mana mais ao norte. Ainda estamos muito perto de Valden.

O resto da refeição foi bastante tranquila, exceto pelo barulho suave do córrego próximo, onde eu havia pegado o peixe e o estalar ocasional de um galho no fogo.

Olfred não disse uma palavra depois de rejeitar meu peixe, permanecendo imóvel, quase como uma estátua, enquanto se recostava no encosto de terra que havia erguido ao ler seu livro encadernado em couro. A única vez que desviou seu olhar do livro foi quando a general Mica começou a cantarolar ao pentear seu o cabelo curto e encaracolado.

Com um olhar de puro desgosto com a melodia desafinada, não pude deixar de abrir um sorriso. Felizmente, a general Mica ficou bastante quieta durante o resto da noite, me dando tempo para refinar meu núcleo de mana.

Apesar de estar no estágio central do núcleo de prata, me sentia fraco por estar cercado por lanças e meu vínculo que era um Asura. Com Canção do Amanhecer danificada e minhas pernas debilitadas, senti como se tivesse dado um passo atrás, mesmo após o treinamento em Epheotus. Uma coisa que tinha certeza era que não podia mais usar o Passo Explosivo novamente se quisesse manter minha capacidade de andar.

Depois de uma hora reunindo mana da atmosfera, refinando-o em meu núcleo e repetindo o processo, senti o olhar de alguém.

Abri um olho apenas para ver Mica a poucos centímetros de mim, olhando atentamente, e até Olfred fechava o livro para observar.

— Esta é a primeira vez que Mica sente algo assim. — Mica sussurrou.

— O que há de errado?

Perguntei, olhando de relance entre as duas lanças.

— Seu processo de refinamento.

Respondeu Olfred, estreitando os olhos em pensamento.

— Geralmente não é muito aparente quando alguém refina seu núcleo

— Mas quando você faz isso, parece que o corpo de Mica está sendo puxada em sua direção!

Mica interrompeu animadamente.

— Nunca percebi isso, — respondi.

— Talvez porque eu seja um quadra elementar?

Mica soltou um suspiro.

— Quadra?

— Então foi assim que você se tornou uma lança, apesar da sua idade. Ouvi isso sendo discutido uma vez pelo Conselho, mas pensar que esse era realmente o caso.

Sussurrou Olfred como se estivesse falando sozinho.

— Como é ser capaz de utilizar tantos elementos?

Mica perguntou enquanto se aproximava mais, com seus grandes olhos praticamente brilhando.

— Cuidado com o que você revela

Sylvie aconselhou por trás, seu corpo ainda aparecendo como se estivesse dormindo.

— Eu sei.

— Ainda existem alguns elementos que são difíceis de entender, como a gravidade, mas, na maioria das vezes, é praticar e sempre refletindo sobre qual feitiço e elemento usar em situações específicas.

— Certo, certo. — Mica assentiu com fervor. — Conhecer tantos feitiços é inútil se você não souber quando usá-los.

— Deve haver elementos com os quais você se sinta mais confortável. — disse Olfred.

Assenti.

— Tem.

— Ei, Mica deve ensiná-lo a manipular a gravidade?

Recuei, sentindo o cheiro do peixe grelhado no hálito de Mica.

— Acho que é mais uma questão prática do que qualquer coisa. Há momentos em que posso usá-lo, mas não é algo em que estou confiante.

— É realmente fácil, você sabe.

Mica insistiu, estendendo a palma da mão.

— Você só precisa imaginar o mundo subindo ou descendo. Então você pega em sua mão e solta!

Incapaz de entender a explicação de Mica, olhei de volta para Olfred.

O velho anão revirou os olhos.

— Você teria mais facilidade em aprender com uma pedra. Senhorita Earthborn vem de uma longa linhagem de famosos anões conjuradores, mas mesmo entre eles, ela é considerada um gênio. Aprendendo magia através da intuição, ela nem conhece os conceitos rudimentares da manipulação de mana.

— Earthborn? — repeti. — Onde eu ouvi esse nome antes?

— Seus ancestrais fundaram o instituto Earthborn.

Respondeu simplesmente, voltando ao seu livro.

Olhei para Mica atordoado. Sabia que todas as lanças tinham forças distintas, mas nunca me ocorreu que essa maga aparentemente avoada seria de uma família tão influente. Pouca história dos anões foi ensinada ou escrita em Sapin, mas o instituto Earthborn ainda se destacou como uma das principais razões pelas quais os anões foram capazes de permanecer no mesmo nível do reino de Sapin, apesar de sua população e território serem menores. Mesmo depois que a Academia Xyrus começou a aceitar raças diferentes, muitos dos nobres anões ainda escolheram enviar seus filhos para Earthborn para suas disciplinas mais específicas e áreas de estudo adequadas para anões.

— Mica é incrível e ainda por cima é linda, certo?

A anã pequena estufou o peito.

O general Olfred deixou escapar um escárnio, com o rosto escondido atrás do livro.

— Aquilo novamente? Aplaudo sua confiança, mas se você é tão bonita, por que é que você não tem experiência em relacionamentos enquanto se aproxima dos quin…

Ele não conseguiu terminar sua sentença, pois teve que se defender de um enorme machado de guerra que aparentemente apareceu do nada. O chão embaixo do velho general se separou pela força exercida pela general Mica.

Com um sorriso inocente que parecia conter um demônio feroz por dentro, Mica balançou a arma mais uma vez.

— Você deve saber que a razão pela qual ainda tenho que investir em um homem é que meus gostos não se encaixam no padrão dos anões.

Eu cheguei mais perto de Sylvie, não querendo fazer parte dessa disputa.

— Acho que gostava mais dela quando ela se referia na terceira pessoa. — admitiu Sylvie.

— Concordo plenamente.

Olfred, que instantaneamente ergueu um escudo de terra solidificada acima dele para se proteger da arma de sua companheira, soltou outro escárnio.

— Por favor, a única razão pela qual você não foi banida descaradamente é por causa de seu histórico. Talvez você encontre um humano com um gosto único por garotinhas que o tiram do sério.

A força da gravidade aumentou ao nosso redor, e tornou-se difícil respirar sem a ajuda de mana para fortalecer meu corpo. O fogo se foi, a madeira que outrora estava queimando foi reduzida a escombros.

Olhei para os dois, estupefato ao ver duas lanças, que são o pináculo do poder em toda Dicathen, brigando como crianças.

— Nós vamos… — soltei um suspiro, me recompondo — Nós vamos atrair atenção se vocês dois continuarem assim.

Ignorando-me, a general Mica balançou seu machado gigante mais uma vez, mas em vez de quebrar o golem de pedra que o general Olfred conjurou, seu machado destruiu o golem em pedrinhas.

— Eu não vejo você com uma amante em seus braços, Oldfred!

— O fato de você ter se tornado uma lança com suas palhaçadas infantis nunca deixa de me surpreender. — resmungou Olfred, erguendo outro golem desta vez muito maior.

Soltando um suspiro, juntei partículas de água das árvores próximas e molhei os dois até que ambos estivessem pingando.

Os dois sacudiram a cabeça

 — Terminaram?

Mica estalou a língua.

— A culpa é de Oldfred, trazendo à tona a idade de uma dama.

— Esses que nasceram bebendo leite de um cálice de prata precisam ser educados sobre sua ignorância. — murmurou Olfred.0

Lutando contra o desejo de revirar os olhos, vi como os dois se retiravam para seus próprios cantos do acampamento. General Mica, com um único golpe de seu pé minúsculo, ergueu uma cabana do chão. Grande o suficiente para quase caber Sylvie dentro. A casa de pedra tinha paredes com textura e veio equipado com uma chaminé que logo começou a soprar fumaça.

O general Olfred, por outro lado, escolheu construir seu lar embaixo, dentro da encosta do penhasco, a poucos metros de distância do nosso acampamento. O barro o penhasco à sua frente brilhava em um vermelho profundo e começou a derreter para formar uma poça de rocha derretida. Uma grande área quase imediatamente esvaziou e eu fui capaz de vislumbrar os detalhados móveis de pedra do lado de dentro antes que a lança fechasse a entrada aberta que ele havia feito sem sequer olhar para trás.

— Muito secreta. —  murmurei impotente antes de voltar e rastejar debaixo de uma das asas negras de Sylvie como uma tenda improvisada.

— Talvez você fique mais confortável conjurando uma barraca também. — sugeriu Sylvie.

— Me sentirei mais seguro aqui, caso eles decidam fazer algo enquanto durmo. — respondi lentamente.

Entrava e saia de consciência quando cenas da minha vida passada passaram entre as calmarias pacíficas do sono. Memórias que eu queria esquecer ressurgiu como vermes em um dia chuvoso.

 

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Depois da noite em que a diretora Wilbeck foi assassinada meus objetivos haviam mudado. Apesar de Nico e Cecilia tentarem me convencer a ir à escola, não tinha intenção de tentar ser um garoto normal como a diretora queria que eu fosse. Me odiava por ser incapaz de protegê-la, a mulher que me criou como mãe quando todos os outros adultos me consideravam uma praga ou um fardo. Ela cuidou de mim, não querendo nada em troca, exceto a minha própria felicidade e, por um tempo, pensei ter encontrado.

Durante esse curto período de minha vida com Nico e Cecilia ao meu lado no orfanato com a diretora Wilbeck para cuidar de nós e nos repreender, eu era feliz como qualquer criança normal. Ela não tinha pecados, ela não fez nada de errado. A diretora era o tipo de pessoa que desistia de seu próprio almoço por um homem sem-teto pelo qual acabara de passar, mas a vida retribuiu sua bondade com uma morte horrível e sangrenta.

O orfanato foi deixado para outro diretor e depois de alguns meses, as crianças riam como se nada tivesse acontecido.

Não eu, no entanto. Fiquei obcecado em descobrir quem havia enviado aqueles assassinos atrás de mim, Nico e Cecilia, além da diretora Wilbeck.

As palavras de Nico tocaram claramente.

— O que você vai fazer quando os encontrar? Você vai matá-los por conta própria? Com a sua habilidade?

Foi quando percebi que tinha que ficar mais forte. Ao retirar minha inscrição para a escola, me matriculei em um dos institutos militares onde candidatos são treinados para o exército.

Ambos, Nico e Cecilia tentaram mudar minha decisão. Eles pediram que eu desse à escola a chance de me libertar da minha obsessão. Olhando para trás agora, gostaria de ter ouvido eles. Minha vida teria sido muito menos dolorosa e solitária se tivesse.

Talvez o que eu mais me arrependa, além de me recusar a ouvi-los, fosse permitir que os dois me seguissem até o instituto de treinamento. Eu os aconselhei a não fazerem isso na época, mas se eu tivesse me esforçado mais, empurrando-os para mais longe de mim, pelo menos minha vida teria sido a única afetada.

 

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— Arthur. Devemos partir antes que o sol nasça.

A voz do meu vínculo tocou suavemente, mas eu ainda acordei com um suspiro.

— Você estava tendo pesadelos de sua vida passada novamente.

Afirmou em vez de perguntar.

— Você sabia sobre isso?

Perguntei, sentando-me.

— Sim, embora eles venham em flashes, consigo identificá-los. Você parece estar recebendo isso com mais frequência,

Respondeu ela, preocupada.

Tenho certeza de que não é nada.

Respondi, saindo debaixo da asa de Sylvie.

— Certamente espero que seja esse o caso. — disse, duvidosa.

Respondi com um sorriso, encerrando nossa conversa mental.

— Vamos almejar alcançar a costa norte até o final do dia de hoje. Anunciou Olfred ao destruir as tendas de pedra que ele e Mica haviam conjurado, enquanto Mica estava cobrindo nosso acampamento no caso de aventureiros ou caçadores se aproximarem demais.

Minhas suspeitas sobre o envolvimento das duas lanças na traição de Dicathen haviam diminuído após o comportamento delas na noite passada, mas permaneci cauteloso. Conjurando uma pequena rajada de vento, ajudei os dois a cobrir nossos vestígios e estávamos de volta no nosso caminho.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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