POV TESSIA ERALITH
A imagem de Arthur no topo daquela montanha de cadáveres, encharcado de sangue, nos olhando com um olhar frio, já estava estampada na minha cabeça por horas. O reconheci quase que imediatamente, mas minha voz ficou presa na minha garganta. Não pude chamá-lo; eu estava com medo dele.
Mesmo depois de reunir coragem para finalmente dizer seu nome, permaneceu em silêncio. No instante quando nos encarou, o medo de que algo tivesse mudado nele durante seu treinamento veio à mente. Quando Sylvie saiu, estava feliz, mas quando Arthur finalmente falou, eu não consegui me livrar do desconforto em meu peito.
A visão dele pisando na luz trouxe a sensação de que meu coração tinha se torcido em um nó. Estava imundo e seus olhos praticamente gritavam exaustão, mas realmente era o Arthur. Queria abraçá-lo ali mesmo, assim como os Chifres Gêmeos estavam fazendo, mas algo em mim me impedia de fazer isso. Olhando para o meu amigo de infância, senti uma distância clara que ultrapassava os poucos metros que nos separavam. Então fiquei parada, ancorada, enquanto lhe dava um sorriso hesitante que nem chegava aos meus olhos.
Ele sorriu de volta, mas foi só por um momento antes de os soldados começarem a interrogá-lo.
Durante toda a viagem de volta ao acampamento principal, Arthur permaneceu relativamente silencioso, apesar da tagarelice dos Chifres Gêmeos ao nosso redor. Eles estavam todos animados por tê-lo de volta, apesar do óbvio descontentamento entre os soldados. Arthur sorria quando falava, e respondia com poucas palavras, mas era apenas isso. Imediatamente após a chegada, ele foi para o riacho se lavar com Sylvie. Fui direto para a tenda principal com Dresh e os Chifres Gêmeos para tentar ajudar a aplacar a tensão que nosso líder, junto com o resto dos soldados, sentia em relação ao meu amigo de infância.
Arthur chegou à tenda principal depois de se lavar, mas mesmo sem o sangue e a imundície que o cobriam, era igualmente inacessível. Esclareceu o que era necessário, dizendo que a informação deveria ser contada diretamente ao meu avô. Fiquei em silêncio durante toda a curta reunião, enquanto Dresh e os Chifres Gêmeos o bombardeavam com perguntas.
Dresh saiu primeiro para informar o resto dos soldados sobre o próximo curso de ação. Os chifres gêmeos relutantemente concordaram em deixar Arthur descansar para apenas depois receberem uma história mais detalhada.
Com apenas Arthur e eu ficando na tenda, fiquei tensa, olhando para os meus pés enquanto podia sentir o olhar de Arthur me perfurando. Não sabia o que dizer, como agir ou mesmo como sentir. Com Arthur subitamente aparecendo na minha frente depois de mais de dois anos, e agindo tão… distante, estava perplexa. Qualquer que fosse a confiança que eu tinha para me aproximar do meu amigo de infância, saiu pelos ares, enquanto olhava para o meu estado deplorável. Ali estava eu, vestida como um homem, coberta da cabeça aos pés com poeira e fuligem. Pior de tudo, meu cabelo era um ninho de passarinho e eu cheirava a lixo de uma semana.
Eu podia vê-lo andando até mim, cada um de seus passos fazendo meu coração bater um pouco mais rápido. No entanto, me recusei a olhar para cima. Quando chegou mais perto, eu podia sentir o cheiro fraco de ervas que vinham dele. Não se aproxime, eu rezei, com medo de que fosse repelido pelo meu mau cheiro.
Seus pés pararam em frente aos meus, mas meus olhos ficaram colados aos meus pés, enquanto eu me contorcia desajeitadamente. Por um momento, nós dois estávamos em silêncio. O único som que eu ouvia era a batida do meu coração nada cooperativo.
— Já faz um tempo, Tess. — Arthur finalmente disse. — Senti sua falta.
Nessas poucas palavras, o gelo que endureceu meu corpo se derreteu. Minha visão ficou embaçada quando eu me recusei a olhar para qualquer outro lugar, exceto aos meus pés.
Eu cerrei meus punhos para me impedir de tremer. Meus olhos me traíram quando pude ver as gotas de lágrimas escurecendo o couro das minhas botas.
A mão quente de Art gentilmente tocou meu braço e eu não pude deixar de notar quão grande era. Eu o conhecia desde que ele era mais baixo do que eu, mas agora, o simples toque de sua palma me encheu de uma sensação de proteção. Eu tentei o meu melhor para ficar firme, mas me encontrei fungando incontrolavelmente quando meu corpo começou a tremer.
Eu não sabia exatamente o que aconteceu comigo para me reduzir a tal estado. Talvez finalmente estivesse vendo meu amigo de infância novamente. Talvez fosse porque suas palavras agora confirmavam que ainda era realmente ele, não o assassino frio que eu pensava que havia se transformado quando o vi pela primeira vez. Talvez não tenha tido nada a ver com isso; eu não conseguia explicar exatamente a razão pela qual todas as barreiras que eu inconscientemente tinha levantado para suportar estes últimos dois anos tinham acabado de desmoronar. Tudo o que eu senti foi essa onda de alívio que tudo estava bem agora, que eu não precisava mais me preocupar. De repente, parecia que tudo que vovô, mestre Aldir e todos os outros se preocupavam, ficaria bem agora que Art estava aqui.
Era engraçado como uma pessoa poderia fazer isso, como uma pessoa poderia fazer você se sentir verdadeiramente… segura.
— Art… seu… idiota! — Eu solucei entre fungadas. Levantei meus punhos para acertá-lo, mas quando chegaram ao seu peito, não havia força atrás deles.
Devo ter gritado todos os palavrões que eu conhecia, o culpando por quase tudo: sua atitude fria, seu cabelo insípido e comprido que o fazia parecer assustador, sua falta de contato até agora, até como meu estado atual era culpa dele. Art ficou ali parado, silenciosamente pegando tudo enquanto sua mão continuava aquecendo meu braço.
Eu estava com raiva, estava frustrada, estava envergonhada, mas fiquei aliviada. Toda essa mistura de emoções me transformou em um monte de lágrimas, enquanto continuava atacando Art, principalmente porque eu me odiava por como eu estava agindo agora.
Depois de chorar tudo o que pude, descansei minha cabeça contra o peito dele, olhando para os pés dele que também tinham sido manchados com minhas lágrimas, soltando soluços e fungando.
Fiquei quieta por um minuto e finalmente consegui coragem para olhar para o rosto dele, apenas para vê-lo me encarando de volta.
Eu estava prestes a abaixar minha cabeça quando seu sorriso me parou. Não era como o sorriso que ele tinha quando nos vimos na entrada do covil do mutante. Seus olhos se enrugaram em duas luas crescentes, enquanto uma sinceridade aquecida puxava os cantos de seus lábios para criar um sorriso reluzente.
— Você ainda é uma bebê chorona, não é? — brincou, removendo a mão que ele tinha no meu braço para limpar uma lágrima que se recusava a cair no chão.
— Cala a boca. — Eu respondi, minha voz saindo nasalmente.
Deixando escapar uma risada suave, ele fez um gesto com a cabeça para segui-lo.
— Vamos. Seus amigos devem estar esperando.
Dei-lhe um aceno de cabeça, pegando Sylvie, que estava dormindo no chão. Enquanto caminhávamos, meu olhar mudava constantemente entre a adormecida Sylvie e Art.
— Você ficou mais alto. — Observei, meus olhos agora focados em Sylvie.
— Desculpe, mas eu não posso dizer o mesmo para você. — Brincou Art, o cansaço em seus olhos era evidente quando ele soltou um leve sorriso.
— Eu sou alta o suficiente. — Eu estendi minha língua.
Ao avistar Caria e Stannard conversando ao redor de nossa fogueira, nós aumentamos nosso ritmo, enquanto eu tentava o meu melhor para esconder todos os sinais de que eu estava chorando.
Depois de apresentar Art a ambos, nos situamos ao redor do fogo quando Darvus de repente apareceu com uma expressão determinada.
— Arthur Leywin. Eu, Darvus Clarell, quarto filho da Casa Clarell, o desafio formalmente a um duelo!
Anunciou sem qualquer raiva ou rancor em particular; em vez disso, parecia resoluto.
— O quê? — O resto de nós, além de Art, exclamou em uníssono.
Meu olhar imediatamente pousou em Art para ver como reagiria. Com ele sendo fisicamente e mentalmente drenado das últimas horas, eu não sabia como aceitaria tal confronto. No entanto, para meu alívio, vi uma expressão divertida no meu amigo de infância.
— Prazer em conhecê-lo, Darvus Clarell, quarto filho da Casa Clarell. Posso perguntar o motivo desse duelo?
Art respondeu sem se levantar.
Caria imediatamente se levantou e segurou Darvus.
— N-Não se importe com ele, Sr. Leywin
— Por favor, me chame de Arthur.
—Arthur, — ela emendou. — ele está apenas sendo tolo.
— Estou bem, Caria. Eu não estou bravo nem nada. — Darvus afastou sua amiga de infância antes de enfrentar Art novamente. Era estranho ver Darvus falar com o Art de maneira tão formal e respeitosa, já que Darvus era alguns anos mais velho que Art.
— Quanto ao meu motivo. — Darvus fez uma pausa. — Com todas as desculpas de lado, o orgulho de um homem.
Fiquei totalmente perplexa com a resposta dele, e olhando para as expressões atordoadas nos rostos de Caria e Stannard, os dois também estavam.
No entanto, Art reprimiu uma risada quando cobriu a boca. Seus ombros tremeram quando tentou segurá-lo antes de quebrar em uma risada calorosa.
Nós quatro nos entreolhamos com expressões ainda mais confusas, até mesmo Darvus parecia desnorteado. Soldados, atraídos pelo riso contido de Art, se reuniram em volta de nosso acampamento, tentando descobrir o que estava acontecendo.
— Desculpe, eu não quis ofender. — Art finalmente falou, sufocando sua risada. — Depois de passar o que parecia uma vida inteira com aqueles velhos, eu apenas pensei que o que você disse foi bem refrescante.
— Obrigado? — Darvus respondeu, ainda tentando descobrir se estava ofendido ou satisfeito com a observação de Art.
— Claro, enquanto vidas não estão em jogo, estou bem com um duelo. — Disse Art com um sorriso satisfeito, se levantando do toco em que estava sentado.
Quando os dois homens começaram a caminhar em direção à parede sul da caverna, o grupo de curiosos soldados seguiu ansiosamente atrás deles.
— Você sabe o que é isso? — Perguntei a Caria enquanto nós três nos arrastávamos atrás do grupo.
Minha pequena colega de equipe simplesmente soltou um suspiro quando balançou a cabeça.
— Algo sobre ele se sentir inseguro porque Arthur é mais jovem e supostamente mais forte do que ele.
— Sem mencionar que está um pouco chateado que Arthur é mais bonito do que ele também. — Acrescentou Stannard, deixando escapar uma respiração profunda também.
— O que? Então é isso que ele quis dizer com “orgulho de um homem”? — soltei, estupefata.
— Sim, eu sei. Ele atingiu um novo recorde. — Caria assentiu, olhando para a minha expressão. — Eu me pergunto se todos os homens são assim?
Nós duas viramos para Stannard, que olhou para nós com uma sobrancelha levantada e sem graça. — Em nome de todos os homens, permita-me dizer que não somos todos assim.
— Talvez não todos, mas tem que ser uma maioria, certo? — Caria perguntou, me fazendo rir.
Deixando escapar um suspiro derrotado, Stannard assentiu. — Provavelmente.
Chegamos ao local de duelo improvisado a tempo de vê-los prestes a começar. Parecia que o acampamento inteiro havia parado o que estava fazendo para assistir os dois irem para lá. Eu pude entender a curiosidade dos soldados com relação a força de Art desde que nós tenhamos visto as consequências de sua luta, mas eu não esperava ver Dresh na frente, aguardando ansiosamente em antecipação ao lado dos Chifres Gêmeos. A normalmente imparcial Helen, líder dos Chifres Gémeos, entusiasticamente torcia pelo Art, enquanto o resto da sua equipe o aplaudia. Todos os soldados desta expedição que haviam visto Darvus em ação e sabiam de suas proezas aplaudiram por ele com assobios.
Ao meu lado, Caria soltou um gemido. — Para quem eu deveria torcer?
— Não deveria ser obviamente para o seu amigo de infância? — provoquei, rindo ao ver Darvus recebendo pomposamente os aplausos com o peito estufado. Sylvie, que ainda estava em meus braços, acordou de seu sono com a multidão barulhenta, dando uma olhadinha antes de decidir que o sono dela era mais importante.
— Ei! Nós nem sempre temos que escolher nossos amigos de infância. — Caria respondeu, balançando a cabeça para a atitude indecorosa de Darvus.
— Você meio que o faz, Caria. — Stannard bufou, voltando seu olhar para os meus braços. — De qualquer forma, eu não perguntei antes, mas está na minha cabeça; que tipo de besta de mana é o vínculo de Arthur, afinal?
— Você não acreditaria se eu te contasse. — sorri, me concentrando no duelo situado à frente.
Art estava em pé com a mão esquerda apoiada no pomo de sua espada quando Darvus começou a fazer malabarismos com seus machados para fazer um show para a multidão ver.
— Pouco antes de você chegar, Tess, ele estava com um humor tão azedo. Agora olhe para ele; Deus, eu juro, ele tem a estabilidade emocional de uma criança de quatro anos. — Caria resmungou.
— Provavelmente ainda mais jovem. — ri, lembrando o quão maduro Art era quando tinha quatro anos de idade.
Um dos soldados, um fortalecedor experiente, se ofereceu para ser o árbitro e ficou entre Darvus e Art com a mão erguida.
— Tenho certeza de que o consenso geral é de que gostaríamos de manter essa caverna intacta, então quero que vocês mantenham o uso de mana estritamente para o fortalecimento corporal. Fui claro? — Perguntou o soldado, olhando para Dresh para confirmação.
Obtendo a aprovação do líder desta expedição, bem como dois acenos de consentimento de Darvus e Art, o soldado baixou a mão.
— O primeiro que ceder ou ficar incapacitado perde. Comecem!
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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