Sentindo o ar tenso e sombrio dentro da caverna, era óbvio que esta batalha nos pegou de surpresa. Geralmente somos competentes em combate, mas nos últimos meses de excursões repetitivas, na esperança de encontrar algum sinal de que um mutante estivesse por perto, nós ficamos aborrecidos e desleixados.
Algumas equipes já haviam se reagrupado e estavam descansando, enquanto os feridos e falecidos foram enviados de volta para serem bem tratados. Alguns dos mais inquietos ajudantes estavam afiando suas lâminas, enquanto conjuradores se sentavam ainda em meditação para estar em boa forma para o que estivesse à nossa frente.
Enquanto nossa jovem líder continuava examinando os campos de batalha como uma zumbi, finalmente pedi para ela se juntar a nós.
— O que há de errado? — questionei. — Você está bem, Tessia?
Seu rosto se virou para nós quando revelou um sorriso fraco e obviamente forçado. — Não é nada. É bom que vencemos…. Mas perdemos quase dez soldados.
— Nossa princesa sempre tão compassiva exala bondade e graça para nós camponeses! — Darvus gritou. — Nós não somos dignos!
— Corta essa. — Tessia brincou, sua voz saindo muito mais suave do que o habitual.
— Fizemos o nosso melhor. — Caria a consolou gentilmente, acariciando suas costas.
— Ela está certa, Tessia. É impossível salvar a todos. — Acrescentei. No entanto, em vez de confortá-la, pareceu ter o efeito oposto, quando sua expressão caiu.
— Acho que você está certo. Eu não posso salvar a todos. — repetiu sombriamente.
— Boa. — Sussurrou Darvus ao meu lado.
— Ei! Foi melhor do que o seu comentário sarcástico. — Eu respondi em voz baixa.
— Nesse ritmo, eu só vou atrasá-lo. — Tessia continuou em um tom quase inaudível.
— Por ele, você quer dizer aquele cara que você está sempre falando? Arthur, certo? — Caria disse, se inclinando, ansiosa para ouvir sobre o garoto que Tessia descreveu como um herói fantástico de um livro infantil.
— Ugh, ele de novo não. — Darvus gemeu. — Princesa, quando você vai sair dessa sua ilusão?
Tessia calmamente sacudiu a cabeça.
— Não é desse jeito.
— O que você quer dizer? — Darvus continuou. — Você o descreve como se fosse um todo poderoso, carismático, sem um único defeito humano.
— Oh, por favor. Você está com ciúmes porque Arthur é tudo que você gostaria de ser, além de ser mais bonito. — Caria acusou. Ela então se virou para Tessia, os olhos brilhando. — Ele é realmente tão bonito e encantador?
— Eu acho. — Tessia riu. — Ele era muito popular na academia, embora eu duvido que soubesse disso.
— Estou odiando o cara cada vez mais. — Resmungou Darvus.
Tessia sacudiu a cabeça.
— Ele não é sem falhas, no entanto. Honestamente, Arthur era meio assustador quando o conheci.
— Você disse que ele salvou você dos traficantes de escravos depois que fugiu de casa, certo? Caria confirmou.
— Sim. — O rosto de Tessia ficou vermelho com a memória embaraçosa. — Ele me salvou, embora achasse que não era proveniente da bondade em seu coração, mas algum esquema lógico. Claro, eu era apenas uma criança naquela época, então eu poderia estar errada, mas Arthur sempre teve esse lado assustador dele, onde parece frio, sem coração.
— Ooh, um menino mau. — Caria murmurou.
— Eu vou vomitar. — Darvus tossiu. — Se você me perguntar, ele não parece ser tão legal assim. Quero dizer, te deixou sozinha e algumas vezes em perigo, certo? E saiu por conta própria depois que você foi sequestrada por aquele mago Alacryano que invadiu a Academia Xyrus! Nem mesmo se certificou de que você estava bem e foi para quem sabe onde.
— Ele checou com o vovô para ter certeza de que eu estava bem, mas estava com pressa. — Tessia argumentou, abaixando a cabeça.
— Ah, certo, foi “treinar” em algum lugar em segredo. — Darvus revirou os olhos. — Se você me perguntar, simplesmente fugiu da guerra porque temia a morte.
Dei uma olhada na expressão de Tessia, com medo de que ficasse brava, mas nossa líder estava calma.
— Você está errado, Darvus. Arthur pode ser um pouco ignorante quando se trata de expressar ou até mesmo lidar com emoções, e um pouco ingênuo em alguns outros aspectos, as bochechas de Tessia coraram levemente, mas ele não é de fugir com medo; seu desejo de proteger seus entes queridos é muito forte para isso.
— Sim, Sim. Arthur será o herói que nos salvará da ira dos Alacryanos. — suspirou Darvus, cedendo ao olhar determinado de Tessia.
— Ele não pode ser tão forte assim, certo? — Perguntei. Tinha ficado cada vez mais curioso com o garoto que Tessia adorava tanto.
Os lábios da nossa líder se curvaram em um sorriso enquanto ela olhava para longe. — Ele é forte.
— Bem, eu mal posso esperar para conhecê-lo! — Caria acrescentou. — Você vai nos apresentar a ele, certo?
— Sim. — O sorriso de Tessia diminuiu. — Espero que esse momento chegue em breve.
Darvus sacudiu a cabeça se abraçando.
— Você pode me deixar fora dessa conta! Eu sinto que já conheço o cara demais. Além disso, depois de lutar comigo por tanto tempo, aposto que o cara só se parecerá com um mago de segunda categoria.
— Existe um limite para o quão pretensioso você pode ser? — Caria balançou a cabeça, me fazendo rir.
Nós nos levantamos depois de perceber que o resto das equipes havia se reorganizado. Depois que Dresh terminou de contar as cabeças dos líderes de equipe, partimos pelo corredor escuro na extremidade da caverna.
Quando as equipes começaram a marchar para o corredor estreito, foram engolidas pelas sombras. Nossa equipe foi em seguida, e foi chocante como a atmosfera mudou tão drasticamente quando pisamos. O ar estava seco, imóvel e um tanto azedo, já que o único som que ecoava ao longo daquelas paredes era o som de passos.
Eu mal conseguia discernir as figuras dos soldados à nossa frente, a minúscula luz de alguém na frente flutuando à distância. Olhei para trás em confusão; a luz da caverna que acabáramos de sair parecia se retrair do corredor.
— Essa merda é assustadora. — A voz abafada de Darvus ecoou por trás.
— Nem me diga. — respondi.
Alguns dos feiticeiros à nossa frente tentaram iluminar o corredor com um feitiço, mas qualquer esfera de luz que conjurassem era rapidamente devorada pela escuridão.
— Parece que apenas o artefato de iluminação na frente funciona neste lugar… — Disse Caria do meu lado.
Tessia, que estava à frente de nós por alguns passos, continuou andando, não afetada pela ausência natural de luz.
Enquanto continuávamos andando, a luz da caverna da qual havíamos vindo diminuiu em uma mancha espectral. Todos caminhavam em silêncio e aos sussurros, prestando atenção em nossos passos e no orbe de luz que guiava nosso caminho.
Parecia que tínhamos marchado por horas quando outra partícula de luz apareceu. A luz laranja do artefato iluminado parou quando Dresh falou mais uma vez.
Nosso líder da expedição falou em voz baixa, com medo de que a besta de mana percebesse nossa conversa, apesar de quão longe estávamos.
— Em breve chegaremos onde Sayer, nosso batedor, e sua equipe chegaram antes que sua equipe fosse emboscada por bestas de mana. Pelo que havia testemunhado, devemos esperar pelo menos algumas centenas de Gnolls e Orcs, alguns maiores que os que enfrentamos até agora. Preparem seus corpos e corações, e que aqueles que cuidam de nós estejam conosco.
Entramos em uma corrida constante, a luz branca crescendo enquanto avançávamos pelo corredor escuro. Felizmente, o chão era completamente liso; se alguém à nossa frente tropeçasse, criaria um efeito dominó sem a menor dúvida.
A velocidade da luz alaranjada flutuando à frente de nós cresceu mais rápido quando começamos a acelerar o ritmo até que, finalmente, a luz que iluminava estava quase chegando.
Depois de estar quase na escuridão total, meus olhos tiveram que se ajustar quando saí do corredor. Brandi meu lançador de mana, pronto para explodir qualquer coisa que viesse em minha direção.
No entanto, minha expectativa por uma batalha tinha sido desperdiçada, já que tudo o que estava diante de nós eram corpos esparramados no chão e uma quietude sinistra.
Centenas de corpos de Orcs e Gnolls estavam espalhados, todos massacrados. Eu tive que olhar para os meus pés para evitar pisar acidentalmente em um membro decepado ou corpo de uma fera morta enquanto tentava deduzir o que tinha acontecido ali.
Olhei em volta, um pouco consolado pelo fato de que todo mundo estava tão confuso quanto eu.
— Mas que diabos? — A cabeça de Dresh não parava de girar enquanto vasculhava a caverna, as mãos segurando sua espada longa.
— Eu não tenho certeza se fico aliviado ou com medo disso. — Disse Darvus, com a testa franzida em suspeita.
— Para a porta! — Dresh ordenou, saindo de seu torpor.
Todas as cabeças viraram para as portas altas do outro lado da caverna circular. A única coisa impressionante sobre as portas duplas era seu tamanho imponente. O metal que os cobria era espesso e coberto com amassados e arranhões, fazendo parecer antigo e ameaçador.
Como todos nós fomos em direção ao que presumimos ser o covil do mutante, a tensão começou a subir. Ninguém falou enquanto todos nós estávamos ao redor das grandes portas, cada uma com mais de cinco metros de largura. Os cem de nós que restaram formaram um semicírculo ao redor das portas, todos preparados para atacar ou defender, enquanto dez fortalecedores se posicionavam para abrir a entrada.
— A porta. — Um dos homens expressou. — Não está totalmente fechada.
Todos se entreolharam, perplexos com a estranha cadeia de eventos, mas Dresh chamou a atenção de todos com uma batida firme.
— Abra! — ordenou, baixando sua postura para combater o que quer que estivesse na sala do outro lado.
O guincho áspero das portas de metal contra o chão de pedra ecoou até que foram completamente separadas.
Por um breve momento, nem uma única palavra foi dita, pois a totalidade dos soldados prontos para lutar por suas vidas ficou paralisada, com as mandíbulas caídas.
No topo de uma colina de cadáveres que se erguia acima de nós, um homem se sentava solitário. Seus braços descansavam no cabo de uma fina espada azul-esverdeada que brilhava vagamente por baixo de uma camada de sangue que saíra do corpo do Orc em que ela estava cravada. Espalhadas por baixo daquela montanha de carcaças havia mais corpos de Orcs e Gnolls, alguns congelados, alguns queimados, outros simplesmente cortados.
À primeira vista, a pilha de cadáveres em que o homem descansava parecia se misturar em restos indiscerníveis de bestas de mana, mas, olhando mais de perto, havia uma figura perto do topo que se destacava entre as outras. Com a cabeça de um leão gigante e o corpo de um monstro escamado, estava esparramado em uma bagunça ensanguentada. Seu corpo cinza sem vida e os chifres anormalmente negros que brotavam da sua cabeça haviam sido destruídos.
Não havia nenhuma dúvida sobre isso. Aquele era o mutante de classe S pelo qual havíamos nos aventurado por todo esse caminho, pelo qual tínhamos dedicado nossas vidas, exceto que já estava morto.
Concentrei meu olhar de volta para o homem, sentado cansado sobre um trono de cadáveres, quando finalmente levantou a cabeça.
O homem não estava nem olhando diretamente para mim, mas eu podia sentir sua pressão dominante pesando sobre a minha alma. Cada fibra do meu corpo implorava que eu fugisse para o mais longe possível desse homem. Meu senso de medo aumentou quando os olhos azuis do homem brilharam de maneira maligna.
Isso não era nada parecido com o medo diminuto que eu sentira na tenda; não, isso era o verdadeiro medo.
Eu sabia, e muito provavelmente todos aqui também sabiam, que a vantagem em números não se aplicava a alguém como ele.
Do meu lado, avistei uma figura dando um passo à frente. Quase sofri de medo pela vida da pessoa quando percebi que era Tessia. De repente, o pavor que havia me dominado ficou mais forte quando eu permaneci irremediavelmente, congelado pelos inquebráveis grilhões do terror, quando Tessia deu outro passo à frente.
O próprio tempo pareceu desacelerar quando nossa líder soltou a lâmina fina em sua mão. Uma única lágrima rolou pela bochecha de Tessia, enquanto seu rosto se contorcia em uma mistura de diferentes emoções.
Ela pronunciou uma única palavra que me deixou mais oprimido do que o homem sentado no topo da montanha de cadáveres.
— Art?
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
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