A casa da família de Zenith era enorme; muito parecida com o que havia imaginado. Tinha um enorme portão ornado por estátuas de leões em cada lado. Uma longa passarela de paralelepípedos ia do portão até a porta da frente, com uma fonte bem no meio e sebes aparadas em todos os tipos de formatos estranhos. Atrás de tudo isso, havia uma bela mansão branca. Se procurasse por “mansão de nobres” na enciclopédia, esta seria a imagem.
Estávamos na seção dos nobres do Distrito Residencial, numa rua repleta de casas de pessoas particularmente abastadas. Parecia bem semelhante ao distrito residencial mais rico de Asura.
Mas, cara, esse lugar era gigantesco. A casa de Cliff me pegou de surpresa, mas a casa da família Zenith era perfeita, exatamente como imaginei que seria. Afinal, eu tinha uma igual a esta no Reino Asura. Não quero me gabar, pois foi Ariel quem me deu, mas era mais ou menos deste tamanho. Essa daqui tinha uma aparência mais limpa, mas se estivermos falando de chamar a atenção, a minha era igualmente chamativa, digamos assim.
Portanto, não tinha nada a temer. Eu não estava com medo, ok?
— Hahhh… — suspirou Aisha ao meu lado. Ela olhou para a mansão com desdém.
Neste momento, nós dois estávamos esperando em frente ao portão. Eu estava emplumado com roupas nobres que havia trocado na casa de Cliff, enquanto Aisha estava com sua roupa de empregada. Zenith nos acompanhou, vestida com o mesmo tipo de roupa elegante que eu.
Pedimos a um homem na entrada que parecia estar guardando o local para nos receber. Tentei lhe mostrar a carta, mas ele voltou correndo para dentro da mansão assim que viu o rosto de Zenith. Ainda estávamos esperando por ele.
— Então, irmãozão, só estou lhe avisando, mas a vovó não é uma pessoa muito divertida de se conviver.
— Sim, ouvi você na primeira vez.
Seus avisos estavam me afetando. Ainda assim, acreditava que estava vacinado contra pessoas horríveis. Afinal, eu mesmo fui um pesadelo em minha vida passada; praticamente qualquer pessoa seria um doce em comparação.
Então, sim. Estava pronto.
Mesmo que fosse alguém que não suportasse, ainda poderíamos conversar sobre a condição de Zenith e lamentar o que perdemos juntos. Qualquer coisa além disso pode ser demais para se esperar, mas seria o suficiente.
— Ah.
Saí de meus pensamentos e encontrei um grande contingente de homens e mulheres saindo da mansão. Não era apenas o guarda de antes; havia pessoas com uniformes de mordomo e empregada. Cerca de vinte pessoas, no total, estavam marchando em nossa direção.
As empregadas se alinharam em ambos os lados da passarela além do portão. Em frente a elas, um mordomo nos encarava, ereto como uma vara. Era a formação exata da recepção de convidados que se veria na casa de uma pessoa rica de algum desenho animado. Também faziam isso o tempo todo no Reino Asura.
Quando o guarda abriu a porta, o mordomo inclinou a cabeça profundamente e as empregadas logo fizeram o mesmo.
— Senhora Zenith, nós a recebemos humildemente em casa. Todos nós, em nossos corações, ansiávamos por este dia.
Suas cabeças estavam todas inclinadas para Zenith. No entanto, Zenith estava tão sem emoção como sempre; seus olhos nem sequer focalizaram os servos.
— Agora, Senhor Rudeus, a senhora está esperando. Por aqui, por favor.
— Muito bem, obrigado.
Sem se deixar abater pela falta de resposta de Zenith, o mordomo me cumprimentou antes de se virar para me guiar para dentro da mansão. Ele não disse uma palavra a Aisha. Talvez todas as pessoas em trajes de empregada eram empregadas domésticas aos olhos dele? Talvez eu devesse ter pedido para a Aisha usar outra coisa; algo que a fizesse se parecer um pouco mais com uma irmãzinha, como um vestido com babados ou algo assim.
Enquanto pensava nisso, atravessei a passarela e fui levado para o saguão da mansão. O interior era, sem surpresa, decorado com móveis luxuosos; nada que se compare ao que vi no castelo real de Asura ou no castelo de Perugius, é claro, mas pelo menos era tudo de classe.
— Agora, então, por favor, esperem aqui.
Por fim, fomos conduzidos à sala de recepção. Dentro havia um par de sofás de frente um para o outro; um vaso de flores no canto; uma empregada encostada na parede…
Considerando que todos estavam “aguardando” por este dia, com certeza foi estranho notar que não havia sinal da própria Madame, mas talvez o que ela estivesse esperando era ouvir que chegamos bem e, agora que tínhamos chegado, queria se refrescar antes de receber seus convidados. Descobriremos qual das opções é a correta em breve. Sentei Zenith e me dispus ao lado dela. Olhei de relance para Aisha e vi que ela ainda estava de pé ao lado do braço do sofá.
— Aisha, sente-se você também.
— Hã? Mas, acho que devo ficar de pé…
— Você é minha irmã, portanto, deveria ser uma convidada aqui. Venha e sente-se.
— Hum… Ok.
Aisha seguiu minha sugestão e se sentou ao lado de Zenith.
— …
E por um tempo, nós três esperamos, sem trocar uma única palavra. Momentos como esse me faziam lembrar de quando fui à entrevista na casa de Philip. Sauros entrou na sala, gritou a plenos pulmões e saiu sem mais alarde. É um pouco estranho ver como isso é semelhante. Esperava que hoje fosse terminar tão bom quanto aquele dia…
Agora, como lidei com Sauros mesmo? Se bem me lembro, tomei a iniciativa de me apresentar primeiro. Achei que o fato de se apresentar primeiro era educado em qualquer mundo. Vamos tentar isso novamente hoje.
— Por aqui, senhora.
Quando terminei de pensar nisso, a porta se abriu. Uma senhora idosa, de aparência tensa, com os cabelos loiros e mechas brancas, entrou na sala. Seguindo-a estava um homem de meia-idade, corpulento e de bigode, vestindo o que parecia ser um jaleco de laboratório. Tendo certeza de que aquele cara não era a Madame; imediatamente me levantei, ergui a mão à altura do peito e fiz uma saudação casual.
— É um prazer inigualável conhecê-la, vovó. Meu nome é Rudeus Greyrat. Eu vim hoje para poder…
— …
A senhora idosa nem sequer olhou para mim. Ela ignorou por completo minha apresentação e foi direto dar uma boa olhada em Zenith, dando especial atenção para o rosto dela, inspecionando-a a um passo de distância. Eu tinha imaginado um reencontro emocionante… mas a expressão dura como pedra de Claire destruiu minha fantasia.
Finalmente, Claire expirou, falando em um tom quase gélido em seguida: — Esta é, de fato, minha filha. Ander, por favor.
Com isso, o homem de bigode deu um passo à frente. Ele passou por mim, pegou a mão de Zenith e a levantou. Então, levantou sua própria mão até que estivesse diante do rosto vazio de Zenith…
— Calma aí! Espere um pouco! Se importa em me dizer o que está acontecendo?! — Apressei-me em interromper.
— Ah, minhas desculpas. Sou o médico pessoal da Sra. Claire, Ander Berkeley.
— É um prazer conhecê-lo. Sou Rudeus Greyrat. Você estudou medicina?
— Sim. Originalmente, estava aqui para fazer um check-up rotineiro na Madame Claire, que me pediu para que desse uma olhada em sua filha enquanto tinha a oportunidade…
Entendo, então foi isso. A vovó Claire deve ter ficado um pouco abalada ao ver Zenith assim. Entendia perfeitamente.
— Bem, se esse for o caso, então, por favor, cuide de…
— Quem lhe deu permissão para se sentar?!
Quando estava prestes a dizer “minha mãe”, uma voz repreensiva veio de trás de mim. Fiquei imediatamente tenso com o choque, mas me virei para ver que Aisha havia se levantado freneticamente do sofá.
— Uma simples criada não fica sentada enquanto seu mestre está de pé! Você não foi criada em um celeiro!
— Minhas desculpas! — gaguejou Aisha, abaixando a cabeça apesar de estar à beira das lágrimas.
Calma aí. Espera um pouquinho. Como é que é? Preciso recuperar o fôlego. Tudo isso estava acontecendo muito rápido. E Claire estava me tratando como se fosse invisível? Eu também poderia ter começado a chorar.
— Eu disse a ela para se sentar — afirmei com firmeza. Isso fez com que Claire se virasse lentamente e fixasse seu olhar em mim. Droga. Talvez eu não quisesse a atenção dela… Bem, agora é tarde demais. Está na hora de aproveitar.
— Ela pode estar usando um uniforme de empregada, mas, antes de tudo, é minha irmã. Pedi-lhe que cuidasse das necessidades de nossa mãe, então ela simplesmente escolheu algo prático para esse tipo de trabalho. Receio que seja inaceitável tratá-la como “apenas” uma empregada.
— A pessoa se veste para a posição que merece. Nesta casa, aqueles que se vestem como empregadas serão tratados como empregadas.
Que se danem essas regras da casa em particular.
— Bem, então, como você trataria alguém com roupas como as minhas?
— Trataria adequadamente, é claro.
— Devo presumir que sua ideia de tratamento “apropriado” é a completa desconsideração?
Enquanto falava, abri os braços e olhei para minha roupa. Eu não estava usando nada estranho… pensei. Onde consegui isso? Provavelmente em algum lugar de Sharia… Deveria ter usado as roupas que comprei no Reino de Asura? Não, aquelas eram para festas…
— Não, eu… adiei minha resposta… porque o senhor era um homem que eu não conhecia, que chegou e me chamou de “vovó”. Não houve escassez de vigaristas fazendo o mesmo nos últimos anos. Primeiro, determinaria se você valeria meu tempo verificando a verdade.
— Ah… Bem.
Ei, se era de conhecimento geral que uma grande mansão de luxo tinha uma filha fugitiva, não era de surpreender que as pessoas tentassem se infiltrar alegando serem parentes perdidos. Eu poderia ter me apresentado, mas não apresentei nenhuma prova de minha identidade. Essas roupas nem sequer foram bordadas com o emblema da família Greyrat e qualquer um poderia ter feito isso de qualquer maneira. Acho que ela tinha razão.
— Esta é a verdadeira Zenith, com certeza. E me lembro muito bem da Aisha ali, mas você tem alguma prova de que é meu neto?
Prova, não é? Essa é uma pergunta difícil. Eu trouxe Zenith, Aisha e até mesmo a carta. O que mais ela… Espere, por que estava tendo que provar quem eu era para começar?
— Isso é necessário?
— Perdão?
— Trouxe a mamãe… é… Zenith e Aisha, e até forneci a carta que recebi de você. O que mais você precisa?
A sobrancelha de Claire se contraiu em resposta.
— Se isso é tudo, receio que não possa reconhecê-lo como membro da Casa Latria.
— Muito bem. Pertenço à Casa Greyrat… Sou o chefe dessa família e hoje é a primeira vez que ponho os pés nesta propriedade. Não tenho intenção de me afirmar como membro da Casa Latria.
E quanto à ideia de torná-la uma aliada? Para o bem do Bando Mercenário, sim, era o que estava buscando, mas, se a outra parte já me considerava suspeito, então precisava esconder minhas intenções ainda mais do que havia planejado. Minha primeira prioridade era levar Zenith para a família dela.
Claire não pareceu gostar da minha resposta; seus olhos se estreitaram enquanto suas sobrancelhas se contraíam com a tensão reprimida.
— Para o “chefe” da Casa Greyrat, o senhor se apresenta de forma grosseira. Greyrat é uma das Quatro Grandes Casas de Asura… Por mais distinta que seja a Casa Latria, somos apenas um condado. Ainda assim, você daria seu nome primeiro e abaixaria a cabeça não para o próprio conde, mas para a esposa do conde?
— Tenho o sangue de uma das Quatro Grandes Casas, mas não sou do ramo principal, nem tenho nenhum título. Embora tenha me autodenominado chefe de família, isso foi apenas para dizer que sou o principal provedor de uma família comum que vive em Sharia. E, é claro, mesmo que tivesse algum tipo de status elevado, acho natural demonstrar algum respeito ao encontrar minha própria avó pela primeira vez.
— Hmm… É mesmo?
Tive a sensação de que minha explicação só fez com que Claire me desprezasse ainda mais. Não, ela não poderia ser tão ruim assim… Mas, novamente, essa pessoa colocava a linhagem familiar em um pedestal alto. Ia ser uma dor de cabeça, mas decidi me dar uma linha de defesa por precaução.
— Posso não ter nenhuma posição como nobre, mas tenho um relacionamento pessoal com Sua Majestade, a Rainha Ariel, que foi coroada governante do Reino Asura no ano passado. Também sou um subordinado do segundo dos Sete Grandes Poderes, o Deus Dragão Orsted. É melhor que leve essas posições em consideração.
Não que eu precisasse ser levado a sério, mas a interação dela com Aisha mudou as coisas. Ela precisava me considerar um igual, ou pelo menos algo próximo disso, para ter algum tipo de utilidade para mim.
Claire franziu os lábios e levantou o queixo em resposta. Examinou-me, como se estivesse tentando me precificar.
— Esta é a minha prova de ser o subordinado do Deus Dragão.
Peguei meu bracelete com o emblema do Deus Dragão. Depois de olhar para ele por alguns segundos, Claire se virou para um mordomo que estava ao seu lado e perguntou algo em voz baixa. O mordomo acenou com a cabeça. Ouvi dele as palavras: “De fato, esse é o Deus Dragão…” Não achava que o Deus Dragão fosse particularmente conhecido, mas esse mordomo parecia reconhecer seu emblema. Por favor, não diga que isso pode ser facilmente falsificado.
— Entendo… Muito bem.
Com isso dito, Claire endireitou a mandíbula e juntou as mãos em volta do estômago. Então, em um movimento natural, abaixou a cabeça.
— Meu nome é Claire Latria. Esposa do Comandante da Companhia de Espadas dos Cavaleiros do Templo, Conde Carlisle Latria. Atualmente, estou encarregada da administração desta mansão. Peço que perdoe meus maus modos.
Ou provei minha identidade com sucesso ou minha atitude superou algum tipo de obstáculo. Fosse o que fosse, pouco importava. Consegui que Claire abaixasse a cabeça e pedisse desculpas.
Um comandante dos Cavaleiros do Templo, hein? A irmã mais nova de Zenith, Therese, também marchou nessas fileiras. Essa família certamente tinha laços profundos com eles.
— Então, permita que me apresente novamente. Sou Rudeus Greyrat, filho de Paul Greyrat e Zenith Greyrat. Atualmente, trabalho como subordinado do Deus Dragão Orsted. Não se preocupe com o que aconteceu antes. Eu mesmo não realizei minha devida diligência. Acho que sua cautela foi perfeitamente justificada.
Nós dois nos curvamos um diante do outro, de modo que a questão estava praticamente resolvida. Talvez pudesse finalmente recuperar o fôlego. A saudação, por si só, foi como arrancar dentes, mas eu consegui.
— Agora, então, por favor, sente-se.
— Com certeza, obrigado.
Fiz o que me foi pedido e me sentei.
— Primeiro, deixe-me cumprimentá-lo por sua longa jornada — disse Claire. — Achei que sua viagem levaria mais alguns anos, mas estou muito grata por sua rápida chegada.
Então, com um bater de mãos, a porta se abriu. Uma criada puxando um carrinho entrou na sala; e em cima do carrinho havia um jogo de chá. Uma festa do chá? Por mim, tudo bem. É melhor ela se preparar para ser derrubada de seu assento pela técnica do chá explosivo que dominei na fortaleza flutuante.
Mas antes disso, achei melhor deixar Aisha se sentar. Ela não era uma empregada, era minha irmã. Não poderia permitir que fosse recebida como menos do que uma convidada, então tive de ser firme quanto a isso.
— Aisha, sente-se você também.
— Hã? Mas…
— Você não é uma empregada doméstica hoje. Veio aqui como minha parente, então, por favor, sente-se.
Aisha revezou seu olhar entre mim e Claire enquanto se acomodava lentamente em seu assento. Claire não disse nada, apenas respondeu com um movimento de sobrancelha. Parecia que deixaria passar, mas, é claro, Aisha pertencia à minha família, afinal; não cabia à Claire permitir ou proibir.
Olhei de relance para Zenith. Parecia que ela ainda estava sendo inspecionada por aquele médico, que agora estava olhando para os olhos e a língua dela. Não achei que ele encontraria o que estava errado lá dentro, mas não custa tentar. Claire provavelmente queria que um médico de sua confiança desse uma olhada antes de acreditar na história de algum estranho que contava sobre como Zenith havia perdido a memória.
— Fizemos o possível para tentar curar a mamãe, mas não tivemos sorte.
— Bem… posso imaginar como uma cidade do interior tem poucas opções.
Isso é o que chamam de língua afiada. O que pensa que está chamando de cidade atrasada, senhora?
Mas, é claro, já havia previsto que diria esse tipo de coisa. Sem surpresas aqui.
— A magia de cura de Sharia pode ser um pouco menos avançada do que a de Millis… mas ela foi examinada por Orsted, um homem que conhece todos os ramos de magia existentes, e Perugius, um especialista em teletransporte e invocação.
— Perugius? Um dos três heróis lendários? Não sei se acho isso plausível.
Ele era um figurão, então compreendia sua descrença. Dito isso, não poderia exatamente levá-lo em minhas malas para uma viagem com a família. Além do mais, pretendia ficar em Millishion apenas por alguns meses; tempo suficiente para Claire aceitar que não havia tratamento para a doença de Zenith. Só esperava que não insistissem em tentar algo drástico antes de chegar a essa conclusão.
— A propósito… e quanto a Norn?
Esperava que continuássemos a falar sobre a mamãe por mais tempo, mas Claire mudou de assunto de repente. Norn, hein?
— Atualmente, está matriculada na Universidade de Magia de Ranoa. Tem estado bastante ocupada com seus trabalhos escolares, então a deixei para continuar seus estudos.
— É mesmo? Tinha a impressão de que a garota era um fracasso nato, mas agora ela está fazendo algo por si mesma?
— Ela está indo bem, sim. Atualmente, ela é a presidente do conselho estudantil, portanto, está no topo da escola, para dizer o mínimo.
Talvez tenha dado uma exagerada, mas Claire pareceu surpresa. Não esperava que pensasse tão mal de Norn. Acho que poderia entender se ela a comparasse com Aisha.
— Entendo. Quais são seus planos para depois da formatura?
— Ela ainda não decidiu.
— E quanto a casamento?
— Receio que ela seja uma estranha para o romance.
O rosto de Claire se contraiu em resposta. Eu disse algo que a ofendeu?
— Nesse caso, ela virá para cá assim que se formar — ordenou, sem deixar espaço para discussão. Será que ela considerou a distância entre aqui e Sharia? Uma viagem de ida e volta levaria anos para ser concluída… Bem, eu tinha o círculo de teletransporte, então poderia fazer isso em uma semana.
— Eu não me oporia, mas…
— Não consigo imaginar ela encontrando um pretendente decente em um país de interior como o Reino de Ranoa, então vou providenciar o par apropriado.
Hmm. O que ela quis dizer com isso? “Providenciar” o quê?
— Quer dizer que você obrigaria Norn a se casar com alguém?
— É exatamente isso que quero dizer. Se ela não tiver um futuro definido e o chefe da família não estiver resolvendo a questão, então eu mesmo assumirei o dever.
— Calma aí, espera um pouco. Você não deveria estar pedindo a opinião de Norn primeiro…
— Do que você está falando? Não é dever do chefe de família garantir que as mulheres de sua casa se casem?
Hum… É mesmo? Olhei para Aisha em busca de resposta. Ela simplesmente deu de ombros, sua atitude parecendo dizer: “Sim, mais ou menos”. Talvez fosse assim que os nobres do País Sagrado de Millis fizessem as coisas?
Ah. Certo. Mesmo em minha vida anterior, havia uma parte da sociedade em que os pais decidiam com quem seus filhos iriam se casar. Isso nunca fez sentido para mim, mas pode ter sido uma ideia mais comum do que imaginava.
Entretanto, eu não administrava minha casa assim. É claro que, se Norn me dissesse que queria se casar e precisava da minha ajuda para encontrar alguém, eu a colocaria em um encontro às cegas com prazer. Fora isso, queria que ela fosse livre para fazer o que quisesse.
— Assumirei a responsabilidade pelo futuro da Norn — respondi. Achei que seria melhor deixar isso claro.
— Entendo, muito bem… Você é o chefe da casa, portanto, espero que faça seu trabalho.
Ah, a condescendência mordaz. Ela parecia usar muito isso, não é? Pude sentir como ela estava me olhando de cima a baixo. Mantenha a calma, Rudeus. Tudo isso era normal. Sabia que ela seria difícil. E, além disso, eu não iria mudá-la; se me opusesse a isso, começaria uma briga sobre algo que nunca iríamos consentir. Essa era a primeira vez que nos encontrávamos, portanto, tínhamos que começar a nos entender primeiro. Depois disso, poderia fazer minhas solicitações.
— Acho que já terminei.
Enquanto estava respirando fundo, Ander voltou com Zenith. Aisha entrou em ação para guiá-la até o sofá.
— Como foi?
— Seu corpo é a definição de saúde. Tão saudável que parece mais jovem do que sua idade.
Foi o que disse o médico. Muito bem, Zenith. Você parece mais jovem sem nem precisar de uma rotina de cuidados com a pele! Ou, espere, isso era um mau sinal? Algo com que se preocupar? Por exemplo, talvez tenha sido um efeito colateral de uma maldição?
— Tenho algumas perguntas para a família. Posso?
— Mas é claro, pergunte o que você quiser.
— Muito bem. Primeiro…
Suas perguntas cobriram todas as bases. Algumas perguntas diziam respeito à sua saúde física; o que ela comia normalmente e em que proporções, quanto se exercitava, se tinha sua época do mês, coisas desse tipo. Outras diziam respeito à sua saúde mental; quão independente era na vida cotidiana, quais eram seus hábitos típicos, se mutilava a si própria e assim por diante. Eram todas perguntas médicas, então não hesitei em falar tudo o que sabia, com Aisha intervindo quando necessário para fornecer mais informações. Provavelmente poderíamos ter dado uma visão ainda mais completa se Lilia estivesse aqui, mas não estava. Fizemos o melhor que pudemos.
— Entendo, muito bem — disse Ander, acenando com a cabeça e anotando todas as minhas respostas. Quando terminou, foi até Claire, onde ambos murmuraram algo entre si.
— E então? — perguntou Claire.
— Hmm, sim. Acredito que não haverá problemas — respondeu Ander. — Desde que uma empregada pessoal cuide dela, pelo menos. Não há sinais de doença ou lesão. Seu estado de espírito também é estável.
— E quanto à fertilidade?
— Ela tem sua época do mês, então presumo que seja capaz… Isso exigiria mais alguns cuidados, mas deve ser possível.
— Maravilhoso.
O que havia de tão “maravilhoso” nisso? Tive a sensação de que não iria gostar do que estavam falando.
— Se não soubesse, diria que você parece estar planejando casar minha mãe novamente — brinquei.
Minha intenção era fazer uma piada, mas a expressão nos olhos de Claire quando os virou para mim foi gelada. Fria como gelo, mas com uma força de vontade incrível. Era um olhar que exigia obediência e não aceitava um “não” como resposta.
— Aqui no País Sagrado de Millis, o valor de uma mulher é decidido por sua capacidade de gerar filhos. Aquelas que não conseguem, às vezes nem são vistos como humanos.
Espera aí, vamos devagar. Ela não negou o que eu disse, mas… de jeito nenhum, certo? Não, acalme-se. Ela não negou o fato, mas também não o confirmou. Apenas declarou as crenças típicas de sua nação. Ninguém veria alguém como menos que humano por não poder dar à luz; isso só soou crível porque veio de uma senhora idosa com muita autoridade.
— Ah, antes que eu me esqueça. Vocês dois, cortem relações com aquele padre papalista.
— Eu… o quê?
— Estou ciente de que vocês dois tem relações com um padre papalista.
Mais uma mudança de assunto. Estava começando a ficar desorientado. Talvez tenha sido o tom brusco de Claire que me impediu de assumir o controle da conversa. Ou talvez cumprimentá-la primeiro tenha me dado um pé atrás. Esse era o território dela, não o meu.
— É verdade que tenho um relacionamento amigável com Cliff… mas por que seria necessário cortar os laços com ele?
— A Casa Latria atualmente opera ao lado dos cardinalistas. Eu o proíbo de confraternizar com um papalista.
Então, “cardealista” significava expulsionista de demônios? Comecei a me perguntar quem era o sumo cardeal.
— Quero dizer… não tenho intenção de me alinhar com os papalistas, então isso não seria suficiente?
— Não, eu o proíbo. Se quiser ficar nesta casa, então você seguirá as regras desta casa.
Hmm. Hmmmm. Bem, sim, eu provavelmente acabaria me alinhando com os papalistas quando Cliff obtivesse algum nível de status. Se ela estivesse ciente de meus planos e tentando obter alguma vantagem sobre mim, poderia ser um pouco mais compreensivo, mas tive a sensação de que não era esse o ponto de partida dela…
— Cliff me ajudou muito na universidade. Tenho certeza de que Norn poderia dizer o mesmo… Certamente, uma simples amizade não faria mal algum, não?
— Inaceitável. Se insistir em confraternizar com esse padre papalista, não permitirei que fique nesta casa.
Nada feito. Tudo bem, então. Eu entendo. Sem problemas. Por enquanto, passaria a noite em outro lugar.
Sim, estava tudo bem. Não estou com raiva. Nem um pouco. Estou tendo um dia completamente normal aqui. Tranquilidade era meu nome do meio. Não há motivo para alarde. Disseram-me várias vezes que Claire era esse tipo de pessoa. Estava preparado para isso. Talvez não estivesse nos meus cálculos que ela se intrometesse em meu ciclo de amizades pessoais… mas, ei, éramos como cães e gatos. Nós simplesmente não conseguíamos nos dar bem. Não havia mais o que fazer.
Agora, para dar um adeus educado e sair desta casa sem começar uma briga…
— Deixe Zenith aqui e vá embora imediatamente.
Minha mente parou.
— Para ser clara, permitirei que você entre nas dependências desta mansão no futuro, mas, em última análise, como um estranho a esta casa…
— O que você quer dizer com “deixá-la aqui”? O que isso significa?
As palavras que saíram de minha boca foram uma resposta ao que ela havia dito uma frase antes; demorou alguns segundos para que meu cérebro voltasse a funcionar.
Claire se interrompeu, olhou para mim e respondeu com um olhar gelado.
— Dado o que aconteceu com ela, não tenho outra escolha. Ela pode ser apenas isso, mas se puder ter filhos, então o casamento ainda é uma opção.
Minha boca ficou seca. Minha visão periférica escureceu, como se estivesse sendo coberto por uma névoa escura.
— …
De que porra você está falando?! alguém gritou.
Era eu. Estava gritando.
De jeito nenhum! você estava apenas dizendo as crenças da nação, certo?! Você realmente quis dizer essa besteira?!
Ou, então, os gritos continuaram. Só que as palavras não saíram. Minha boca fez os movimentos sem emitir um único som.
— Farei com que essa garota se case com um nobre cardealista. Talvez sejam necessários alguns divórcios, mas devemos encontrar um par permanente para ela.
Claire forçaria uma pessoa que não consegue nem mesmo comunicar suas próprias opiniões a se casar. Claire dizia que sua própria filha era “apenas isso“. Agia como se ela fosse apenas um objeto.
— Sua boa saúde é o lado bom da história.
Nunca tinha ouvido o som de um vaso sanguíneo estourando. Claro, afinal, não era audível. Era apenas um efeito sonoro de desenho animado; uma figura de linguagem. Talvez eu imaginasse que a ouvia sempre que deixava Eris irritada, mas como normalmente eu desmaiava logo em seguida, não conseguia me lembrar de muita coisa.
Hoje eu ouvi. Sem dúvida.
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Quando dei por mim, o sol já havia se posto e eu estava puxando Zenith pela mão.
Não me lembrava muito do que havia acontecido depois desse som. Lembrava de ter gritado, mas não sabia sobre o que havia gritado. Ainda assim, tinha certeza de que insultos muito além do meu vocabulário diário haviam saído da minha boca. Lembro-me dos olhos de Claire se arregalando, das empregadas que estavam espiando para ver o que estava acontecendo, de ter declarado que iria embora, puxando Zenith pela mão e ouvindo Claire ter a coragem de dizer: “Você não deveria. Se Zenith estivesse sã, concordaria.” Aquelas palavras jogaram óleo nas chamas que era meu coração, queimando o que restava do meu autocontrole; cerrei os punhos e me preparei para lançar um feitiço. Era disso que me lembrava.
Mas, naquele momento, ouvi Aisha dizer: — Pare, irmão! — Que me trouxe de volta aos meus sentidos. A essa altura, Claire já havia chamado os guardas, então os mandei voando, gritei que a Casa Latria estava morta para mim e para os meus, e saí correndo.
— Ufa…
Em algum momento, descobrimos que havíamos retornado à fronteira do Distrito Divino. Minha raiva fazia parecer que minha visão estava girando. Nunca imaginei que ouviria algo tão repugnante com meus próprios ouvidos. Filha da puta. “Lado bom” é o caralho. Eu não deveria ter vindo. Poderia ter passado minha vida inteira sem ouvir isso.
Quem foi o tolo cuja morte coroou aquele velho morcego como rei? Por exemplo, veja só: qualquer pessoa se sentiria um pouco enojada se um cara que nunca conheceu a chamasse de vovó. Não está com vontade de responder à minha primeira apresentação? Ótimo. Não faça. Conseguia até entender a parte de arranjar um marido para a Norn. Ouvi dizer que os ricos e poderosos também organizavam seus casamentos em minha vida anterior. Estavam apenas fazendo o que era esperado em sua classe e cultura. Muito bem.
Sim, entendi.
Mas o que ela disse sobre a Zenith foi muito além. Minha mãe tinha amnésia e não conseguia nem mesmo cuidar de suas necessidades básicas. Quão errada seria a pessoa que pensaria em se casar com ela? E falar sobre sua “boa saúde”? Sobre como era o “lado bom” saber que ela continuava tendo seu período do mês? Você faria com que Zenith se casasse para que ela pudesse ser cuidada durante o dia e bagunçada à noite? Sim, eu sabia como chamar isso. Uma boneca sexual humana.
E se ela engravidasse, o que aconteceria? Daria à luz? Você realmente acha que ela seria capaz disso? Mesmo que pudesse, onde estava o consentimento de Zenith em tudo isso? E quanto aos meus sentimentos? Como acha que se sentiriam os filhos que ela deixaria para trás? Para que você toma a mãe de um homem? O que diabos você está fazendo com sua própria filha? Ela era só uma ferramenta para você? Apenas uma coisa para ser usada? Uma máquina de fazer bebês? Nem brinque com isso!
Não conseguia me lembrar da última vez que algo me deixou tão irritado. “Claire” é o caralho! Vá se empanturrar de creme, sua meretriz francesa!
— Ufa…
Havia desferido um insulto tão bizarro que me acalmei um pouco. Também ouvi meu estômago começar a roncar. Certo, eu estava com fome; não tinha comido nada no almoço. Poderia comer qualquer coisa além de doces.
— U-um, Irmãozão?
Depois de ouvir me chamarem, virei-me e vi que Aisha estava ali, inquieta. Ela parecia preocupada, como se não soubesse o que dizer.
— Aisha.
Sem dizer uma palavra, estendi meus braços e a abracei. Ela não hesitou em se aproximar.
Agora sabia porquê Aisha, Norn e Lilia tinham um pé atrás. Não poderia culpá-las; é claro que não gostariam de reviver isso. Não sabia o que Aisha e Norn tinham passado enquanto cresciam com ela, mas agora entendo que deviam estar carregando lembranças terríveis.
— Desculpe-me por tê-la trazido.
— N-não, está tudo bem. Mas, bem, você não fez a conexão que queria, certo?
Kuh-nek-shuhn? Confecção? Convecção?
Conexão.
Ah, sim. Esperava poder contar com a ajuda da Casa Latria para crescer o Bando Mercenário.
— Bem, nós damos um jeito. Prefiro fazer isso sozinho do que ter a ajuda dela…
Eu poderia fazer conexões com outra pessoa. Talvez possa pedir a Cliff que fale bem de mim para o avô dele… Talvez ele não se surpreenda com o fato de eu já estar pedindo favores, mas seria uma vingança contra Claire. E se isso não levasse a lugar algum, então o faria sozinho.
De qualquer forma, estava cansado. Só queria ir para casa e dormir… Ah, pensando bem, não tinha um lugar para ficar, tinha? Quando chegássemos ao Distrito dos Aventureiros e conseguíssemos um quarto, já estaria no meio da noite, e não queria fazer Zenith andar tanto.
Tudo bem, tudo bem. Pediria para me hospedar com Cliff de novo.
Com isso decidido, voltamos para a casa de Cliff.
Tradução: gtc
Revisão: B.Lotus
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