Um mês havia se passado desde os eventos no Reino de Shirone. O inverno estava quase no fim e a primavera chegando. No último mês, eu tinha me dedicado a elaborar um plano detalhado com Orsted. Nossa primeira ordem: reunir aliados. Para isso, estabelecemos uma abordagem em três frentes.
O primeiro grande objetivo era montar uma agência de inteligência para coletar informações. O Bando Mercenário Ruato, grupo que Aisha e Linia haviam formado, seria de grande ajuda nisso. Seu alto escalão era todo formado pelo meu pessoal, então eu poderia tranquilamente usá-los. Teria sua total cooperação nos bastidores. Eu estruturaria a hierarquia global do grupo de forma que a sede mantivesse contato com cada filial para assim obter informações de países ao redor do mundo. Além disso, também as projetaria para que, se não conseguisse chegar à sede, ainda pudesse visitar uma filial para saber todos os detalhes das últimas notícias.
Isso seria mais para o meu uso do que para o de Orsted. Eu estava colocando minhas peças no tabuleiro e elas estavam prontas para serem movimentadas.
O segundo objetivo era atrair autoridades e futuros líderes. A ressurreição de Laplace iria desencadear uma guerra – com toda a humanidade, imagino. Se cada nação estivesse preparada, isso melhoraria o tempo de reação delas quando a invasão por fim começasse. Assim, informaríamos os que estavam no poder sobre a guerra que se aproximava e sobre o que estava em jogo. Ofereceríamos qualquer ajuda que pudéssemos, por menor que fosse, e os prepararíamos para o que estava por vir em oitenta anos no ritmo que eles conseguissem acompanhar. Ter a cooperação dessas nações na guerra de Laplace poderia tornar nossas vidas como Bando Mercenário mais fáceis – ou muito, muito mais difíceis se não a tivéssemos.
A terceira parte do plano era recrutar guerreiros para o combate. Esse era o objetivo principal no que dizia respeito a Orsted. Ele preferia que outros enfrentassem Laplace no lugar dele. Se conseguíssemos acabar com sua maldição para que ele não tivesse mais que lutar sozinho, poderíamos até contar com a ajuda dos nossos novos recrutas na batalha final contra o Deus-Homem. Orsted e eu conversamos sobre quem se encaixaria bem e, por fim, estabelecemos este perfil: os guerreiros já destinados a lutar contra Laplace, mas que não se tornariam facilmente discípulos do Deus-Homem.
Por exemplo, os títulos de Deus Ogro e Deus dos Minérios – seus detentores atuais não nutriam nem ódio nem amor por Laplace, mas as gerações futuras se oporiam a ele. O mesmo valia para escolas como a do Estilo Deus da Água e Estilo Deus da Espada: os praticantes atuais estavam bem longe de Laplace, mas seus aprendizes também o enfrentariam. Também planejamos recrutar guerreiros de vida longa, como o Deus do Norte Kalman III, ou o Deus da Morte Randolph. Alguns guardavam rancor pessoal contra Laplace, especialmente Ruijerd. O Bando poderia localizar aqueles cujo paradeiro era desconhecido para que eu os encontrasse pessoalmente e implorasse de joelhos para que se juntassem a nós. Imaginava que alguns deles não participariam de graça. Porém, por enquanto, o plano meio que se resumia a recrutar todas as pessoas poderosas e competentes que conseguíssemos pensar.
Muito bem.
Assim que tivéssemos tudo isso resolvido, nos depararíamos com o obstáculo final: o Deus-Homem. Conhecendo ele, com certeza enviaria seus discípulos para nos atrapalhar. Na maioria das vezes, não sabíamos quem poderia acabar servindo como um de seus discípulos. Orsted disse que poderia estimar as chances em qualquer loop normal, mas como os discípulos nesse loop já incluíam pessoas que nunca haviam se unido ao Deus-Homem antes, seria difícil dizer com exatidão. Sendo assim, se eu quisesse cumprir minhas missões, teria que me preparar para os discípulos que Orsted não conseguiria prever.
Em relação a como eu faria isso… Para ser sincero, não consegui pensar em nada. Por isso, decidi não pensar. Eu não sabia quais eram os padrões que o Deus-Homem seguia para escolher seus discípulos. Orsted disse que ele “costumava escolher aqueles com um forte destino”, mas já houve casos de pessoas com destino fraco que se tornaram seus discípulos. Eu não fazia ideia de como se poderia medir a “força” do destino de alguém. Parecia o tipo de coisa que apenas Orsted e o Deus-Homem entendiam. Mesmo que eu tentasse seguir tudo nos mínimos detalhes, perguntar a Orsted sobre cada coisinha só lhe daria mais dor de cabeça. Pensar nisso não me levaria muito longe.
Eu era uma peça pequena naquele jogo, mas os peões ainda podem fazer jogadas importantes. Poderia espalhar uma mensagem entre os nossos aliados, algo como “não acredite no que vem a você em sonho”. Mesmo assim, discípulos provavelmente ainda apareceriam. Só teríamos que ficar de olho em qualquer pessoa que achássemos suspeita e matá-la se necessário. Era um trabalho difícil, mas eu o faria.
Além desse trabalho perigoso e desagradável, não tinha nenhuma desvantagem em conseguir tantos aliados quanto fosse possível. Afinal, o Deus-Homem só podia ter três discípulos por vez, o que significava que cada um que integrasse nossas forças nos daria uma vantagem. Se houvesse apenas cinco pessoas do nosso lado, nossa força cairia em vinte por cento caso alguém nos traísse e se tornasse um discípulo. Caso o dito discípulo se juntasse às forças inimigas, as probabilidades ficariam ainda piores para nós. Porém, se fôssemos dez, ou talvez vinte de nós, ou cem, ou mil… Basicamente, quanto maior nosso número, menos impacto uma traição ou duas teriam em nosso plano. É verdade que estaríamos ferrados se um líder do nosso lado ficasse sob o controle do Deus-Homem e transformasse mil aliados em inimigos, então tive que minimizar esse risco não dando muito poder a nenhum líder. Sendo assim, mais uma vez, eu seria esse líder por um tempo, então não precisaria me preocupar agora. Isso se tornaria um problema após minha morte, mas já havia diversos líderes muito mais adequados para o trabalho do que eu e mais alguns na fila para esse trabalho. Eu já tinha a Roxy, afinal.
O recrutamento era apenas uma das nossas muitas necessidades logísticas. Eu precisava de uma maneira de entrar em contato com Orsted, por exemplo. Nosso fracasso em evitar a morte de Pax durante nossa última batalha aconteceu por falta de comunicação. Claro, estava longe de ser a única causa… porém, se tivéssemos uma maneira direta de chegar a Orsted, poderíamos ter impedido isso. Eu não podia contar com ele para tudo, mas nossos planos nos fariam trabalhar cada vez mais separadamente, então a comunicação seria crucial. Era melhor lidar com uma situação delicada depois de consultar sua equipe do que confiar apenas na própria intuição. Além disso, se você soubesse que seu aliado estava em perigo, poderia correr para ajudar. Não que eu pudesse imaginar Orsted precisando ser salvo por mim, mas já seria de grande ajuda se fôssemos capazes de enviar a ele algumas informações caso estivesse numa situação difícil.
Sendo assim, levei tudo isso para Orsted. Tentei explicar o conceito do telefone e perguntei se algo assim já existia e se poderíamos criar um, caso não existisse.
— Um dispositivo mágico que pode enviar texto ou voz? — perguntou Orsted.
— Só o texto já seria bom, mas acho que ajudaria se tivéssemos alguma maneira de compartilhar informações a longas distâncias. Tipo, se eu tiver que tomar uma decisão difícil, prefiro conversar com alguém primeiro. Você acha que isso seria possível?
Eu não estava otimista. Isso seria conveniente demais, né?
— O povo dragão tem um implemento mágico assim — disse Orsted. — Se o recriarmos, deve ser possível fazer o que você está pedindo.
Eu estava surpreso.
— Huh, então coisas assim realmente existem?
— Sim. Você já viu um antes também.
Sério? Quando diabos isso tinha acontecido? Algo assim seria útil demais para eu ter esquecido.
— Os monumentos aos Sete Grandes Poderes e os cartões da Guilda dos Aventureiros.
— Ah, era isso!
Agora que ele tinha mencionado, eu os tinha visto. Os cartões da Guilda dos Aventureiros aceitavam entrada de voz e os monumentos aos Sete Grandes Poderes exibiam o mesmo texto em todo o mundo. Interessante; eu não sabia que os cartões eram feitos pelo povo dragão. Eles pareciam ficção científica demais para um mundo como este…
— Vão precisar de algumas modificações — continuou Orsted —, mas vou tentar fazê-los.
— Huh? Quer dizer que você mesmo vai fazer?
— Sua chegada já prejudicou todas as minhas previsões. Não vejo problema em fazer coisas assim se vamos precisar delas. Além disso, também serão úteis da próxima vez.
Com isso, Orsted se ofereceu para cuidar da confecção. Um erro de cálculo que definitivamente fiquei feliz por ter cometido. Saber que Orsted ainda iria me querer como aliado da próxima vez me deixou ainda mais feliz.
— É possível que não dê certo, não se esqueça disso — alertou Orsted.
— Positivo, chefe!
Assim, eu não precisava mais me preocupar com o comunicador.
Tinha mais uma coisa, entretanto. Dado o nosso último fracasso, tinha ficado claro que havia algo mais que eu precisava fazer: uma maneira de transportar a Armadura Mágica. Mesmo que eu tenha conseguido trazer a Versão Um comigo da última vez, ela só foi útil quando viajei nela. Levar da cidade para o forte já era bem chato, mas não conseguir vesti-la no castelo significava que tinha sido inútil durante minha luta com o Deus da Morte Randolph. Eu não achava que lutaria com alguém daquele nível tão cedo, mas não podia descartar a possibilidade. Considerando o quão terrível tinha sido a situação, eu queria ser proativo desta vez.
O desenvolvimento da Versão Três ainda estava em curso, é claro, e seu objetivo era resolver esses problemas sendo forte e leve. No entanto, ainda havia um longo caminho a percorrer antes dela ser concluída. Mesmo com a total cooperação de Zanoba, ainda levaria um ano ou dois para terminar aquele projeto.
Para isso, algo me veio à mente. Por que não invocar a Versão Um como estava? De acordo com o que Sylvaril me ensinou uma vez, objetos físicos não poderiam ser invocados… mas eu senti que, sabe, talvez com uma pequena mudança de perspectiva aquilo seria possível. Planejei testar sozinho para ter certeza. Se não funcionasse, paciência.
Com isso, os planos para reunir aliados foram finalizados. Por enquanto, eu iria expandir o Bando Mercenário Ruato e fazer contatos com figuras poderosas em nações ao redor do mundo. Começaríamos com Cliff e Ariel – um parente do papa da Igreja de Millis e o próximo governante do Reino de Asura. Eu já estava a meio caminho de me tornar aliado deles, e agora era hora de adicioná-los oficialmente ao exército de Orsted.
Quem seria o primeiro? Cliff, é claro – ele estava estabelecido nas proximidades. Tornar Cliff um aliado nos traria laços com a Igreja de Millis – O País Sagrado de Millis era poderoso, o que também o tornaria uma força poderosa na guerra contra Laplace. Afinal, as batalhas se resumiam a dinheiro e números. Ter algumas conexões que poderiam fornecer ambos não seria nada mau.
Cliff poderia dizer o contrário, mas eu o considerava um amigo próximo. Ele já estava ajudando com a maldição de Orsted, então um acordo verbal provavelmente era tudo que eu precisava para trazê-lo para nosso time de maneira definitiva. Eu já o ouvia dizendo “Claro” sem hesitação na minha cabeça. Com meu plano traçado, me dirigi ao apartamento onde Cliff morava.
Cheguei ao ninho de amor de Cliff. Foi um raro momento em que não os peguei no flagra; à tarde, o apartamento estava tão silencioso que era possível ouvir o cair de um alfinete. Bom, se eles fizessem aquilo todos os dias, seus vizinhos provavelmente não descansariam muito… Espera! Eu tinha esquecido. Eles normalmente faziam aquilo na sala de pesquisa da escola àquela hora do dia. Talvez só estivessem por aqui à noite?
Quando entrei no quarto, fui recebido por um Cliff magro e exausto.
— Ah, oi, Rudeus…
Ele parecia estar bem durante toda a gravidez da Elinalise até o nascimento de seu filho, mas ultimamente, toda vez que o via, estava branco como uma folha. Eu estava começando a me preocupar com o vigor dele fora do quarto também.
— Ah, Rudeus. O que o traz aqui? — perguntou Elinalise.
Elinalise, por outro lado, tinha um brilho saudável. Ela exibia uma expressão satisfeita no rosto enquanto segurava o bebê contra o peito. Estava nua da cintura pra cima e usava apenas uma calcinha na parte de baixo. Parecia que eu os havia pego em uma pequena pausa; eles provavelmente continuariam de onde pararam assim que o almoço terminasse.
— Bom, tem algo que quero discutir — expliquei. Dito isso, eu estava distraído; a visão daquela beldade loira e delicada dando de mamar a seu bebê era como uma obra de arte. Pertencia a um museu. Seu esguio corpo élfico certamente não ajudava. A tensão entre sua safadeza habitual e a cena quase santa diante de mim era cativante.
Ver Sylphie e Roxy amamentando tinha me dado a mesma sensação. Até Eris vinha me causando isso ultimamente; ela carregava aquele bebê e o deixava mamar em seus peitos sem gritar ou bater nele. Sim, a visão de uma mulher se tornando mãe e oferecendo o seio ao filho é encantadora.
— Ei, Rudeus, você poderia olhar com menos intensidade? — indagou Cliff.
— Huh? Ah, desculpe.
Fiquei muito perdido nos meus pensamentos e Cliff me trouxe de volta à realidade. Erro meu. Eu não estava olhando por tesão. De verdade.
— Lise, temos um convidado, então você poderia vestir alguma roupa?
— Nossa, Cliff… Você está ficando com ciúmes?
— Sim, estou, mas talvez você veja Rudeus apenas como família…
Os ombros de Elinalise caíram.
— Tudo bem, se você insiste.
Ela se retirou com o bebê para um quarto interno.
— Rudeus, você poderia, por favor, deixar de olhar para minha esposa como um pedaço de carne, visto que você já tem três esposas?
— Pedaço de carne? Ei, escuta aqui—
Tentei explicar que não tinha feito aquilo, mas o fato é que tinha olhado. Eu também não gostaria que as pessoas olhassem para minhas esposas nuas, então era melhor me desculpar.
— Não importa, me desculpa. Vou lembrar disso na próxima vez.
— Certo…
Cliff soltou um suspiro enquanto afundava em seu sofá. Ele certamente estava cansado, mas também parecia estar de mau humor. Talvez ele estivesse tendo algumas dificuldades técnicas em sua vida noturna.
— Então, o que você veio fazer hoje? — Ele questionou.
— Ah, bom, eu só tenho um pequeno pedido. Um convite, se você quiser…
Cliff me olhou com olhos vagos. Parecia meio difícil abordar o assunto. Pensei em voltar mais tarde, mas achei que deveria primeiro perguntar por que ele parecia tão incomodado.
— Aconteceu alguma coisa?
— Nah, nada… — Cliff começou a falar, mas balançou a cabeça e recomeçou. — Pensando bem, seu timing é perfeito. Preciso te contar uma coisa.
Parecia que era algo sério, como foi com Zanoba, que recentemente tinha sido convocado por sua família.
— A verdade é que… chegou uma carta do meu avô do País Sagrado de Millis.
Também estava seguindo o mesmo padrão. Só poderia significar uma coisa: aquilo tinha sido projetado para atrair Cliff para longe. Era outra guerra? Uma armadilha feita pelo Deus-Homem? Não importava. De qualquer maneira, eu estava planejando pedir a Cliff para estreitar a relação entre mim e o País de Millis. Ele aparentemente teve a mesma ideia, então eu não perderia tempo pedindo para acompanhá-lo. Gostaria que ele permanecesse em Sharia, é claro, mas eu tinha uma missão a cumprir.
Cliff se levantou e puxou uma carta de sua prateleira. Aquilo me causou outro déjà vu. Eu conseguia adivinhar o conteúdo da carta sem ler uma única palavra. Sabe quanto dinheiro custou para seu avô criar você? Sabe por que custou tanto dinheiro? Para que você se tornasse um trunfo para nossa facção. Quando precisamos desse ativo? Agora mesmo!
Eu tive que me preparar para o pior antes de olhar.
— Ah, não é um problema tão sério ou algo assim — disse Cliff enquanto coçava nervosamente sua bochecha. Ele parecia se sentir um pouco culpado. — É que combinamos há muito tempo que eu voltaria assim que me formasse. Só estou preocupado com meu orçamento de viagem e perigos que possam surgir no caminho.
Dei uma olhada na carta.
Ela começava perguntando sobre a saúde de Cliff. Depois disso, o instruía a mostrar a insígnia da Corte Papal da Fé de Millis que acompanhava a carta em uma igreja de Millis caso ele ficasse sem fundos para viagens. Dizia que Millishion estava atualmente envolvida em uma luta pelo poder e que eles estavam perdendo. Em seguida, um aviso severo: Cliff tinha que se preparar para o pior se pretendia voltar para casa e, se não pudesse, não deveria se incomodar. O avô de Cliff concluiu a carta dizendo que, apesar das palavras duras, ele desejava ver Cliff novamente e que esperava seu retorno do fundo do coração.
Cada palavra ali transbordava preocupação por Cliff. Eu nunca havia conhecido seu avô, mas se ele podia escrever uma carta tão sincera, então tinha certeza de que era uma boa pessoa. Qual poderia ser o problema naquilo?
— Sinceramente, tenho estado em dúvida — disse Cliff, aparentemente referindo-se à parte sobre se preparar para o pior. — Eu estava planejando voltar para casa no momento em que me formasse. É para isso que treinei tanto. É o que eu queria esse tempo todo. Eu estava confiante de que conseguiria sobreviver no mundo impiedoso da Igreja de Millis.
— Suponho que sim. — Eu disse. Cliff estava falando sobre isso desde o início; assim que se formasse na academia, ele retornaria ao País Sagrado de Millis e seguiria os passos de seu avô… Embora, é claro, ele entendesse o quão difícil a sucessão papal havia se tornado nos últimos tempos, então ele treinou de forma diligente para uma humilde carreira no sacerdócio também.
— Entretanto — continuou Cliff enquanto se sentava no sofá e apoiava a cabeça nos braços —, eu me casei. Até filho já tenho.
Eu imediatamente entendi o que o estava preocupando. Era o mesmo tipo de coisa que sempre me atormentava.
— A Igreja de Millis não tem medo de atacar as famílias dos fracos… de seus inimigos.
— …
— Lise ficaria bem, ela sabe como se proteger. Clive, porém, não tem idade suficiente nem para andar com os próprios pés. Eu não estou confiante de que posso protegê-lo.
Eu entendia sua preocupação. Você sempre quer manter seus entes queridos seguros.
— Nem contei ao meu avô que sou casado. Se a notícia de que o neto do papa de Millis se casou com uma elfa se espalhasse, poderia causar um escândalo. Um tão grande que poderia forçá-lo a fugir do país.
A fé de Millis era bastante severa com outras raças. Os elfos normalmente enfrentavam menos discriminação por serem uma raça que vive na floresta, mas ouvi dizer que havia extremistas que os perseguiam apenas porque não eram humanos. Dado que Elinalise não estava exatamente numa posição favorável entre os elfos, a realidade que aguardava Cliff e sua família era dura.
— Pensei nisso várias vezes. Devo voltar, não devo voltar. Aí Lise me conforta quando eu simplesmente não sei o que fazer… É só o que tenho pensado ultimamente. Talvez seja um pouco tarde para perceber isso, mas acho que entendi o que deixou Zanoba tão relutante em voltar para Shirone…
Eu tinha certeza de que Cliff queria voltar, mesmo que não estivesse decidido. Porém, fazer isso colocaria sua esposa e filho em perigo; pior ainda, sua escolha de esposa poderia colocar até seu avô em risco. Seria certo continuar fiel aos seus antigos sonhos? Impossível dizer. Nem eu sabia a resposta. Contudo, o que eu tinha ido discutir com ele também tocava nessa mesma questão. Eu estava finalmente em posição de oferecer-lhe um bote salva vidas.
— Cliff?
— …O quê?
— Gostaria que você se juntasse oficialmente ao exército de Orsted.
Cliff me olhou fixamente ao ouvir aquilo. Pode ter sido uma má escolha de palavras da minha parte, mas não queria confundi-lo pedindo que “se juntasse à minha causa” ou algo assim. Eu tinha que ser claro.
— Como assim?
— Se você se tornar subordinado de Orsted, então ele e eu podemos lhe oferecer todo o nosso apoio. Você será capaz de proteger Elinalise e Clive enquanto leva o exército do seu avô à vitória.
Cliff franziu a testa.
— Depois de assumir o poder, você terá que se preparar para a eventual ressurreição de Laplace.
A partir daí, expliquei meu plano – o qual seria centrado em Orsted dentro de oitenta anos. Eu já havia falado do Deus-Homem para Cliff antes, mas desta vez expliquei todos os detalhes desde o início.
— … — Assim que terminei de contar tudo a ele, Cliff parecia imerso em pensamentos.
— Então, o que você acha? — Perguntei.
Cliff não respondeu imediatamente; ele cruzou os braços, fechou os olhos e murmurou consternado:
— Hum…
Eu acreditava que fosse um bom negócio. Cliff sabia que seu vago desdém por Orsted se devia à maldição. Ele não sabia como Orsted realmente era sem ela… entretanto, mesmo se Orsted não fizesse parte daquilo, eu não trairia Cliff. Ficaria triste se ele tivesse dúvidas quanto a isso.
— Você pode… você pode me dar mais algum tempo? — Cliff perguntou, como se sua resposta tivesse sido arrancada dele depois de todo aquele pensamento profundo. — A cerimônia de formatura acontecerá em breve. Eu tomarei uma decisão até lá.
Ele me deu um prazo claro, então não tive escolha a não ser aceitar. Fiquei me perguntando por que não podia simplesmente acenar com a cabeça e concordar, mas talvez o próprio Cliff não entendesse sua hesitação.
— Nesse caso, você deveria conversar sobre isso com Elinalise também. — Eu comentei. — Não há razão para carregar todo o fardo sozinho.
— Huh? Ah, sim, tem razão. Obrigado.
Desta vez, Cliff simplesmente acenou com a cabeça enquanto um leve sorriso se formava em seu rosto.
Elinalise provavelmente ouviu nossa discussão. Notei flashes de cabelo loiro espiando por trás de uma porta entreaberta no corredor. Eu tinha certeza de que alguém como ela poderia fazer Cliff enxergar as coisas com racionalidade. Pode ser que eles não chegassem à conclusão que eu gostaria… mas ei, tudo bem também.
— Tudo bem, eu volto depois.
— Claro. Desculpe por tudo isso — disse Cliff.
— Não se preocupe. Eu sei que é difícil, mas estamos todos juntos nessa.
Com isso, saí do quarto de Cliff — embora não antes de avisar Elinalise.
Eu esperaria até a cerimônia de formatura pela resposta de Cliff. Isso tudo aconteceu cerca de dois meses antes do evento, então imaginei que faria as coisas caminharem em outro projeto. Para isso, precisaria da ajuda de Zanoba.
Tradução: Marloon5
Revisão: gtc
QC: Pride
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