O Continente Begaritt era uma enorme ilha, então, para chegar lá, seria necessário cruzar o mar. E meu destino específico, a Cidade Labirinto de Rapan, ficava perto da costa leste.
Havia duas rotas que eu poderia seguir. A primeira envolvia viajar para Porto Leste, a principal cidade portuária do Reino Rei Dragão, e pegar um barco por lá. Não seria a rota mais rápida, mas me permitiria chegar em Begaritt pelo leste, reduzindo a quantidade de viagens que teria que fazer naquele continente. Essa era a opção mais segura.
A outra possibilidade era pegar um barco no Reino Asura, o que me levaria para a costa norte do continente. Isso envolveria viajar mais pelo território de Begaritt, um caminho mais perigoso, sim, mas também me pouparia um bom tempo.
Meu melhor palpite era de que a primeira rota exigiria dezoito meses, enquanto a segunda apenas doze. Mesmo o plano mais eficiente de todos não me faria chegar lá em menos de sete meses. Acabaria perdendo o nascimento da minha criança, não importa o que fizesse.
Mas isso estava longe de ser a minha única preocupação, é claro.
Iria, pela primeira vez, desconsiderar o conselho do Deus-Homem. Conhecendo-o, ele poderia estar totalmente ciente de que eu não faria o que aconselhou, mas eu nunca tinha feito o exato oposto da sua recomendação. Isso era comparável a… se eu não tivesse ido ao Reino Shirone enquanto traçava meu caminho através do Continente Central. Lilia e Aisha ainda estariam presas lá, e eu nunca teria encontrado minha irmãzinha. Porém, acredito que isso evitaria meu encontro com Orsted.
Onde eu estaria neste momento, caso as coisas tivessem acontecido dessa maneira? Provavelmente teríamos chegado ao campo de refugiados sem grandes problemas. Mas, claro, as coisas com Eris ainda poderiam ter acabado igualmente mal. E, dez anos depois, poderia descobrir onde Lilia e Aisha estavam, tudo para o meu pesar.
Sim. Ele também disse que eu me arrependeria. Repetiu isso nas duas vezes em que falamos sobre isso.
Com base nisso, os motivos provavelmente não tinham nada a ver com a minha presença. Não importava quando eu fosse para Begaritt, acabaria me deparando com alguns novos arrependimentos. Mas não tinha como dizer quais seriam. Eu poderia imaginar todos os tipos de possibilidades. Poderia acabar perdendo algo. Como, quem sabe, uma das minhas mãos… ou um dos meus pais.
Não adiantava gastar todo o tempo pensando nisso. Se eu não fosse, ficaria esperando ansiosamente por pelo menos mais alguns anos. No final, poderia descobrir que alguém de quem gosto morreu. Paul ou Geese podiam aparecer, machucados e inválidos, e me culpando por abandoná-los.
Poderia acontecer qualquer coisa, mas eu tinha que ir. Mesmo se soubesse do que me arrependeria.
Antes de mais nada, porém, decidi conversar com Elinalise a respeito da minha decisão. Se eu começasse conversando com Sylphie e ela desabasse em lágrimas, eu poderia vacilar em minha decisão. Eu queria me fortalecer, primeiro dando a notícia aos meus amigos.
Pedi a Elinalise que me encontrasse em uma sala de aula vazia do campus.
Quando contei o que eu estava planejando, ela fez uma cara infeliz.
— Olha, Rudeus. Eu não te disse para ficar aqui?
— Sim, disse. Mas eu…
— Sabe, existe a possibilidade de Geese ter tirado conclusões precipitadas.
— Como assim?
— Você conhece aquele cara, Rudeus. Ele raramente pensa antes de agir. Só segue o palpite ou a intuição.
Bem, ela não estava errada a respeito disso. Geese também gostava de esconder os fatos para si mesmo, e não se importava em manipular os outros.
— A carta pode ser um desses casos — continuou Elinalise. — Pelo que podemos deduzir, já deve existir outra carta a nosso caminho, dizendo: “Desconsidere a última mensagem, Zenith está em segurança”, ou coisa do tipo.
— Sim. Cheguei a pensar nisso.
Havia uma chance de irmos até lá e descobrirmos que Paul já tinha resgatado a minha mãe. Poderíamos nos desencontrar no meio do caminho. Isso era possível, mas…
— Pense um pouco nisso — falei. — Não é estranho que o Geese soubesse onde me encontrar?
— O quê…?
— Mandei uma carta para Paul há um ano e meio, e nela contei onde estava morando. Geese está no Continente Begaritt há pelo menos seis meses. Como foi que ele descobriu em qual cidade estamos? Como foi que nos enviou essas cartas?
Chegar a Begaritt exigiria cerca de um ano de qualquer viajante, e mesmo as cartas não chegavam aos destinos tão rápido. Não era igual a enviar mensagens de texto pelo celular. Era bom colocar um prazo de no mínimo seis meses, mesmo para os serviços de entrega expressa. As datas não batiam.
— A única forma de Geese saber a minha localização é se tiver encontrado com meu pai e os outros. Devem ter contado para ele onde estávamos.
— Então, por que foi Geese quem escreveu, e não Paul?
— Ou Geese decidiu enviar a carta por si mesmo ou o orgulho idiota do meu pai o impediu.
— Ah. Entendo… — Elinalise levou a mão ao queixo, considerando o caso.
Na última carta de Paul, ele me garantiu que poderia cuidar do resgate de Zenith sozinho. Isso tornaria o ato de pedir a minha ajuda ainda mais difícil, mesmo em caso de necessidade.
Elinalise me estudou por algum tempo e soltou um “Hmm” pensativo. Ela, eventualmente, balançou a cabeça.
— Então tá bom. Suponho que iremos juntos.
Eu não tinha certeza exatamente do que ela estava pensando, mas seu sorriso parecia um pouco triste. Tive a sensação de que ela meio que já esperava que as coisas fossem terminar assim.
Viajaríamos para o Continente de Begaritt juntos, um grupo de dois.
Uma hora depois, voltamos a nos encontrar.
— Certo. Vamos começar decidindo a nossa rota, não é?
Elinalise havia retornado ao seu quarto por um momento para pegar um enorme mapa do mundo. Provavelmente o comprou alguns dias antes, durante a preparação para a sua viagem. Nós dois o abrimos sobre uma mesa, então nos inclinamos sobre ele para levar nossas opções em consideração.
O mapa era bastante rústico. Não tinha nomes de estradas específicas ou a localização de muitas cidades. Apenas dava a forma dos continentes, as principais cadeias de montanhas e algumas outras características geográficas básicas.
Elinalise, evidentemente, passou algum tempo estudando as possíveis rotas. Havia pequenas marcas indicando a localização aproximada de Rapan e locais importantes pelos quais passaríamos ao longo do caminho até lá. Como eu previa, existiam duas abordagens possíveis.
— Para começar, acho que pretendemos chegar a Rapan o mais rápido possível. — Ela estava apontando para a rota mais curta, que nos levaria de Asura à costa norte do continente.
— Mas a rota do norte é mais perigosa, certo? — perguntei.
Essa abordagem envolvia todos os tipos de riscos possíveis. Não conhecíamos as estradas de Begaritt e teríamos que viajar quase toda a extensão de um continente perigoso. Eu estava confiante na minha habilidade de matar monstros, mas uma terra desconhecida ainda poderia abrigar muitos perigos.
— Lembro que você aprendeu a falar a Língua do Deus Lutador, Rudeus. Estou certa?
— Huh? Bem, sim. Mas não sou exatamente fluente.
— Nesse caso, podemos simplesmente contratar um guia e guarda-costas assim que chegarmos.
— Ah, entendo…
Graças aos muitos anos de experiência de Elinalise na estrada, rapidamente concordamos a respeito da nossa rota básica. Feito isso, passamos a planejar os detalhes da nossa jornada.
Primeiro, compraríamos cavalos em Ranoa e os carregaríamos com provisões suficientes para nos levar até o Reino Asura. Não queríamos levar muitas coisas, já que isso nos atrasaria. Substituiríamos nossos cavalos quando necessário e os conduziríamos o mais rápido possível para chegar ao porto de Asura.
Uma vez lá, compraríamos equipamentos e provisões. Seria difícil encontrar comida em Begaritt, mesmo tendo dinheiro de sobra. Os preços em Asura podiam ser mais altos, mas era melhor estocar enquanto tivéssemos a chance.
Assim que conseguíssemos tudo de que precisaríamos, pegaríamos o primeiro barco para Begaritt. Lá, contrataríamos um guia que possivelmente também serviria de guarda-costas, caso isso parecesse adequado. Elinalise cuidaria das negociações enquanto eu atuaria como intérprete. Depois disso, deixaríamos nosso guia nos levar até a cidade de Rapan. Uma vez lá, encontraríamos Paul e os outros, resgataríamos Zenith e tomaríamos o mesmo caminho em retorno para casa.
— Já viajei para Asura mais de uma vez, então não será difícil — disse Elinalise, pensativa. — A parte mais complicada é escolher o que levaremos conosco para Begaritt…
Não poderíamos carregar tudo o que quiséssemos. Uma carruagem poderia resolver o problema, mas Begaritt parecia ser um lugar desértico, e as rodas não funcionariam muito bem na areia. Provavelmente teríamos que comprar um corcel parecido com o lagarto que usei no Continente Demônio. Talvez tivessem camelos ou coisa do tipo.
— Acho que você pode deixar esses detalhes comigo. Tenho mais experiência nesta área — falei.
— Os velhos tempos têm seus benefícios, hein?
— Não me provoque, por favor.
Passei cinco anos trabalhando como aventureiro, mas comparado a uma veterana como ela, continuava sendo apenas um novato. Acabei deixando a maioria das decisões difíceis por sua conta.
— Felizmente, estamos ambos em boa forma — disse Elinalise. — Devemos ser capazes de nos virar sempre que necessário.
— Aham, imagino que sim… — Eu tinha certeza de que ela poderia passar o dia todo marchando pelo deserto, mas não tinha tanta certeza de que seria capaz de acompanhá-la. Continuei com o meu treinamento, mas existia a chance de acabar atrasando-a um pouco.
Mas isso não me parecia um grande problema.
— Em qualquer caso, é conveniente que criem cavalos para viagens de longa distância nesta região. Devemos ser capazes de encontrar algumas opções adequadas.
Nossa meta inicial era chegar ao porto de Asura dentro de dois meses. Era difícil dizer quanto tempo levaria a travessia até Begaritt, mas estimamos que seria cerca de um mês. Nenhum de nós tinha visitado o continente em si, mas parecia ser um trajeto bem complicado, então marcamos mais seis meses para chegar ao nosso destino final.
Ao todo, levaríamos no mínimo oito meses nisso.
Isso seria mais rápido do que a minha estimativa. Senti que poderiam existir formas de reduzir ainda mais esse tempo, usando minha magia com criatividade, mas não queria correr riscos de nos atrasar com experimentos amadores. O mais importante seria chegar inteiro ao destino.
Passamos algum tempo discutindo outros detalhes dos quais precisaríamos estar cientes em nossa jornada. Elinalise esclareceu algumas coisas que eu não entendia, sempre com notável precisão, e nos fez tomar algumas decisões com antecedência, buscando evitar quaisquer desentendimentos na estrada. Era bom saber que, assim que começássemos, não perderíamos tempo discutindo o que fazer a seguir.
— O maior problema…
Depois de um tempo, porém, ela levou a mão ao queixo e fez uma careta. Senti como se tivéssemos discutido a maioria dos tópicos de importância, mas, evidentemente, acabei me esquecendo de algo.
— Vai ser a minha maldição…
— Ah. Certo.
A menos que ela regularmente se deitasse com homens, poderia literalmente morrer. Em uma viagem casual, isso não representava qualquer problema – poderia satisfazer as suas necessidades em qualquer cidade que visitasse. Em viagens mais longas, frequentemente se juntava a um grupo e encontrava um parceiro que poderia usar. Mas em uma expedição de ritmo acelerado como essa, existiriam momentos em que nenhum desses métodos funcionaria.
Nós dois ficamos em silêncio por um momento.
A resposta era simples, é claro. Se necessário, eu poderia dormir com ela. Meus problemas de desempenho já eram coisa do passado. Se uma mulher qualquer se aproximasse de mim e me pedisse para fazer sexo com ela, eu provavelmente ficaria de pé.
Mas eu não queria trair Sylphie.
— Não vou dormir com você durante a jornada — falei.
— Sim, não seria uma boa ideia.
— Acho que teremos que parar em alguns bordéis ao longo do caminho.
Nós dois manteríamos as coisas estritamente platônicas. Eu queria deixar isso claro desde o início. Caso contrário, provavelmente acabaria fazendo isso por puro prazer.
— E quanto àquele implemento mágico? — perguntei. — Ele enfraquece a potência da maldição, não?
— Bem, se eu tentasse pegá-lo, Cliff perguntaria o motivo…
— Você realmente não vai contar nada para ele?
Elinalise, por algum motivo, parecia determinada a desaparecer sem falar nada para Cliff. Isso me parecia desnecessariamente cruel.
— Olha, acho que você devia falar com ele — falei.
— Mas eu…
— Deixe-me te ajudar, posso? Vai ficar tudo bem.
Nós dois acabamos decidindo ver Cliff naquela mesma noite.
Quando chegamos ao laboratório, ele apareceu trotando para nos mostrar a fralda mágica em questão com um enorme sorriso no rosto.
— Olhem só, vocês dois! Já diminuí o tamanho! E não está mais tão pesado. Você deve ser capaz de usar isso por algum tempo sem…
— Cliff. Você ama a Elinalise?
Interrompendo-o no meio da frase, apresentei a questão da forma mais direta possível. Ele olhou para mim com uma expressão confusa no rosto.
— O quê? Claro que sim. — Seu tom sugeria que eu tinha feito a pergunta mais óbvia do mundo. Até aí, tudo bem.
— Você vai continuar a amando, não importa o quê?
— Naturalmente. Amo a Lise do fundo do meu coração. Você está ciente disso, tenho certeza.
— Bem, que bom. É isso que eu queria ouvir.
Expliquei a situação para Cliff.
Expliquei que a minha família corria sério perigo. Expliquei que Elinalise era uma velha camarada de meu pai e sentia que tinha a obrigação de ajudar. E também expliquei que seria uma longa jornada, na qual ela provavelmente teria que se deitar com outros homens. Fui até o final, cobrindo todos os detalhes relevantes.
Ele ouviu em silêncio e não me interrompeu em momento algum. Quando terminei, Cliff ficou quieto por um momento e murmurou:
— Suponho que eu seria um fardo se fosse junto.
Francamente, era verdade. Mas seria difícil dizer isso.
Como acabei hesitando, Elinalise interveio para responder.
— Sim, receio que sim. Você não seria capaz de suportar uma jornada como esta, Cliff.
Se as circunstâncias fossem diferentes, ela poderia ter sido mais gentil. Mas, desta vez, foi direto ao ponto.
— Entendo…
Franzindo a testa, triste, Cliff olhou para o chão. Senti uma dolorosa pontada de simpatia no peito.
Ele estava se sentindo machucado? Elinalise não teria outra escolha a não ser dormir com outros homens durante a jornada. Ele entendia a situação e sabia que ela o amava… mas ainda devia ser algo doloroso.
— Sabe, Elinalise, será que não podemos levá-lo junto? — falei. — Ele pode usar magia de Barreira e feitiços Divinos de nível Avançado. Mesmo que não tenha muita resistência, pode acabar sendo útil…
— Tudo bem, Rudeus. Não fui útil da última vez que acompanhei a aventura de outra pessoa. Desta vez não seria diferente.
Enquanto falava isso, Cliff se adiantou e me entregou a fralda mágica.
— Rudeus…
— Sim?
— Cuide da Lise por mim.
Para ser sincero, eu esperava mais gemidos e ranger de dentes. Mas parecia que ele entendia seus próprios pontos fortes e fracos de forma bem clara.
— Lise…
Desta vez, ele se virou para Elinalise. Ficando nas pontas dos pés, passou os braços ao redor dela.
— Cliff… — Ela o abraçou de volta.
— Quando você voltar para casa, vamos nos casar — disse Cliff. — Sei que ainda não curei a sua maldição, mas quero comprar uma casa e começar a morar com você. Te deixei ansiosa por esperar tanto tempo para dizer isso, não é? Você não ficou com medo de que fosse tudo apenas conversa fiada?
— Ah, Cliff… mas eu sou uma pessoa horrível. Estava planejando partir sem nem mesmo te contar…
— Eu gostaria de ter uma cerimônia ao estilo de Millis, se você não se importar. Sei que você não é uma fiel, mas…
Cliff estava deliberadamente ignorando o que ela disse? Talvez fosse melhor assim. Elinalise parecia muito feliz.
— Cliff, meu querido! Eu te amo tanto! Mais do que qualquer pessoa no mundo!
E, assim, ela o empurrou para o chão. Assim que via a camisa de Cliff sair voando, me virei e corri para fora da sala. Parecia que eles precisariam de algum tempo a sós.
Não fiquei tão surpreso com a forma como ela aceitou o pedido de casamento após “um último serviço”, talvez por estar familiarizado com os clichês dos filmes.
Passei o resto do dia contando a situação para todos que eu conhecia.
Iria ficar longe por no mínimo um ano e meio. Se realmente existissem problemas em Rapan, poderia acabar levando mais de dois anos. Era tempo suficiente para que todos se dispersassem. Ao menos precisava dar meu adeus.
Meu primeiro destino foi o escritório do vice-diretor. Devia ser melhor cuidar das formalidades o quanto antes. Encontrei Jenius atrás de sua mesa, como sempre, enfrentando uma considerável pilha de documentos.
— Olá, Vice-Diretor Jenius.
— Ah, se não é o Sr. Greyrat. Que bom te ver. Ouvi dizer que você ajudou a Senhorita Setestrelas a concluir um experimento bastante ambicioso, não?
— É, verdade. Mas foi tudo graças à ajuda de Zanoba e Cliff.
— Ah, entendo.
Eu não fazia ideia de como a notícia sobre o experimento de invocação se espalhou. Jenius talvez fosse mais bem informado do que eu imaginava.
— De qualquer forma, o que posso fazer por você? — perguntou ele.
— Bem, preciso tirar uma licença de aproximadamente dois anos — falei. — Gostaria de cuidar dos detalhes agora mesmo.
— Dois anos? É um longo período de tempo.
— Sim. Receio que terei de cuidar de uma situação bastante complexa.
— É mesmo? Hmm. — Não havia motivo para eu não explicar os detalhes, mas Jenius não perguntou nada. — Pois bem. Por enquanto irei trancar a sua matrícula. Quando retornar, por favor, venha me ver.
— Um afastamento de dois anos não vai me causar problemas?
— Não permitiríamos isso a um aluno comum, mas alunos especiais como você têm um pouco mais de flexibilidade nessas questões.
Bem, que bom que eu era um aluno especial.
— Muito obrigado.
— Está tudo bem. Afinal, o sistema de alunos especiais é projetado para ser o mais flexível possível.
— Nesse caso, também poderia trancar a matrícula de Elinalise Dragonroad… como um favor para mim? Ela não é uma aluna especial, mas vai me acompanhar como guarda-costas.
— Ah, entendo. Tudo bem, vou dar um jeito.
Certo, isso foi fácil. É sempre bom ter um amigo burocrata.
Mais uma vez agradecendo a Jenius, deixei o prédio da faculdade para trás.
Poucos minutos depois, avistei Linia e Pursena lá do lado de fora. As duas acenaram para mim enquanto eu estava do outro lado do pátio e trotaram em minha direção. Aproveitei e também expliquei a situação a elas.
— Sério mesmo? Cara, isso aqui vai ser um saco enquanto você estiver longe, Chefe.
— Já vamos ter nos formado quando você voltar, então acho que isso pode ser um adeus.
Eu ainda não tinha pensado nisso, mas era verdade. Elas eram alunas do sexto ano. Dentro de dois anos, provavelmente estariam de volta à Grande Floresta.
Fiquei um pouco triste por não ser capaz de vê-las partir.
— Acho que é isso mesmo. Que pena…
Pensando bem, o Deus-Homem me encorajou a “começar um relacionamento” com uma dessas duas. Se eu escolhesse ficar até a temporada de acasalamento, que começaria em dois meses, as coisas poderiam seguir nessa direção.
— O que foi, Chefe? Tem alguma coisa no meu rosto?
Linia era uma garota atraente. Aquelas orelhas de gato agitadas, cauda balançando e coxas saudáveis eram suas características mais distintas, mas seus seios também eram fartos. Qual era o tamanho dela, G? Todas as garotas do povo-fera pareciam ser bem-dotadas, então isso devia ser normal. Aquela atitude arrogante provavelmente também a tornaria interessante na cama.
— Sniff, sniff… whoa! Pensando em se divertir com a gente antes de ir embora, Chefe?
Pursena também tinha seus encantos. Aquelas orelhas de cachorro macias e moles, além de seu corpo sensual, eram seus trunfos mais notáveis. As garotas do povo-fera do tipo cão pareciam ter seios particularmente grandes; ela devia ser tamanho GG. Tateei aquelas coisas algumas vezes, então sabia como eram macias. Quão bom seria enterrar o rosto neles? Hmm…
— Uh, foi mal — falei. — Alguém recentemente me aconselhou a dar em cima de vocês duas assim que a temporada de acasalamento chegasse. Só estava pensando nisso.
— Uau, sério? Não sabia que você estava interessado!
— Você nunca respondeu ao flertes, então pensamos que não éramos do seu tipo.
As duas pareceram surpresas, mas também um tanto entretidas.
Claro, dormir com elas ocasionaria uma traição à minha esposa. Mas pelo que o Deus-Homem disse, parecia que Sylphie não me daria um pé na bunda só por causa disso. Ela realmente me perdoaria por me divertir com alguém durante a sua gravidez? Será que aconteceria alguma briga feia antes de as coisas se acalmarem? Difícil de dizer. De qualquer forma, isso supostamente levaria ao final de “grande felicidade”.
Eu amava a minha esposa, mas continuava sendo homem. A ideia de ter um harém possuía certo apelo. Me peguei imaginando um grupal com Linia, Pursena e Sylphie. Será que, em alguma realidade alternativa, poderia ser esse o meu futuro?
Nah, provavelmente não… Nunca foi uma possibilidade real.
— Linia, Pursena…
— Sim?
— O que foi, Chefe?
As duas me olharam com nervosismo. Acho que falei em um tom de voz ligeiramente severo.
— Vamos continuar sendo amigos — falei.
As duas relaxaram na mesma hora e encolheram os ombros.
— Bem, se você insiste — disse Linia, dando uma cotovelada nas minhas costelas. — Um cara igual você precisa de alguns.
— Então amigos — disse Pursena, me dando uma cotovelada do outro lado. — Certifiquem-se de manter o contato.
Acabamos trocando apertos de mão antes de nos separarmos – foi, na verdade, provavelmente a primeira vez que fizemos isso. Algumas pessoas gostam de dizer que a amizade entre homens e mulheres é impossível, mas isso não é verdade. Uma pessoa pode ser amiga de outra por quem se sente atraída; é tudo questão de definir os limites.
— Vamos nos encontrar de novo algum dia, certo? — falei. — Mesmo que seja daqui a dez ou vinte anos.
— Parece bom, Chefe. Daqui a dez anos nós duas seremos importantes, então você poderá se curvar diante de nós e beijar os nossos pés!
— Nós vamos conquistar a Grande Floresta, cara.
Fui obrigado a sorrir. Era bom saber que elas tinham ambições.
— Bem, espero que não se vinguem de mim ou algo assim.
E, assim, seguimos nossos próprios caminhos. Se tivéssemos sorte, talvez voltaríamos a nos ver em algum momento.
Um pouco depois, cheguei em frente ao laboratório de Nanahoshi.
Eu não tinha certeza de como dar a notícia a ela. Nanahoshi era uma garota de coração solitário. Apesar de toda a hostilidade que demonstrava, tive a sensação de que ela estava desesperada por companhia. E, mais importante ainda, minha ausência iria atrapalhar a sua pesquisa. Seu plano de voltar para casa sofreria um considerável atraso.
Eu estava propenso a acreditar que ela tentaria me convencer a não ir. Ela poderia até mesmo tentar me chantagear. O que eu deveria fazer se ela ameaçasse matar Sylphie no caso de eu partir? Não que eu esperasse que ela fizesse isso…
Soltando um breve suspiro, bati na porta da frente e esperei. O “entre” soou um momento depois.
Nanahoshi ergueu os olhos de sua mesa assim que entrei na sala.
— O que foi? Este não é o horário de sempre…
— Na verdade, receio ter más notícias.
— Más notícias?
A expressão de Nanahoshi apresentou suspeitas. Passei algum tempo pensando em como começar, até que decidi que isso não importava. Seria melhor ir direto ao ponto.
— Estou partindo em uma longa jornada. Meus pais estão em perigo e preciso ajudá-los. Estão na Cidade Labirinto de Rapan, no Continente Begaritt. Levarei cerca de dois anos para retornar.
— O quê…?
Após um momento de silêncio, Nanahoshi se levantou com um salto, jogando a cadeira para trás e fazendo barulho. Ela pressionou as mãos sobre a mesa e olhou para mim, parecendo, acima de tudo, atordoada.
— Rapan? Begaritt? Você disse… dois anos?
Ela lentamente repetiu as palavras, como se tentando compreendê-las.
— Sei que prometi te ajudar com os seus experimentos, e me sinto péssimo por estar partindo. Mas realmente preciso ir.
Nanahoshi arregalou os olhos e respirou fundo… mas, em vez de gritar, ela se recostou na cadeira e olhou para o teto.
— Dois anos… — repetiu a garota.
— Assim que eu voltar, prometo te ajudar, tanto quanto eu puder.
— Dois anos…
Nanahoshi cruzou os braços e murmurou as palavras para si mesma mais algumas vezes.
Ela não tentou me impedir ou gritou de desespero. Só olhou para o teto, aparentemente perdida em pensamentos. Passamos cinco minutos de tremenda estranheza nesse clima.
— Bem… então acho que estou indo — falei.
Não havia muito mais que eu poderia dizer. Nanahoshi sabia que eu estava a ajudando com toda a bondade do meu coração. Provavelmente queria mudar a minha opinião quanto a fazer isso, mas preferiu morder a língua.
Me virei para sair…
— Espere um minuto — disse ela.
E então parei no meio do caminho.
Para ser sincero, eu não queria continuar esta conversa. Sabia que ela só tentaria me impedir. Mas parecia que eu devia uma explicação completa, então me virei de novo.
Nanahoshi estava por algum motivo remexendo na última gaveta da sua escrivaninha. Depois de um tempo, ela pegou algo parecido com um livro ou diário. Folheou até uma página específica, depois virou e me mostrou.
— Olha isso aqui.
Me inclinei para frente, curioso. Alguém colou uma seção de um mapa na página. O mapa parecia bem familiar; retratava a área ao redor desta cidade, embora fosse em uma escala meio grande.
Perto do topo do mapa, alguém rabiscou os caracteres N1. Na floresta do sudoeste havia um X vermelho com os caracteres B3 acima deles.
— O que é isso, Nanahoshi?
— …
Ela estava obviamente hesitante em explicar. Mas, passados alguns momentos, falou.
— É um mapa de ruínas antigas que contém círculos de teletransporte. Eles podem ser encontrados por todo o mundo.
Círculos de teletransporte?
— Hein?
Mais uma vez, olhei para o mapa. Especificamente na marcação B3. Será que isso significa…
— Aquele ali é um que te levará para o Continente Begaritt.
— Mas o qu…
Parando para pensar nisso… Nanahoshi uma vez mencionou algo do tipo, quando estava me contando sobre as suas viagens com Orsted. Algo sobre como ele usava círculos de teletransportes para viajar pelo mundo…
— Mas você disse… que não lembrava onde eles ficavam!
Eu lembrava claramente dessa parte. Ela me disse que não fazia ideia de onde encontrá-los.
— Orsted me fez jurar que manteria isso em segredo. Afinal, é magia proibida. Concordei na mesma hora, já que achei que não conseguiria me lembrar deles.
Depois de um tempo, porém, ela começou a fazer algumas anotações a respeito da localização dos círculos, apenas para o caso de eu precisar usá-los. Depois, começou a comprar mapas em segredo ou a esboçar os seus próprios. Às vezes, casualmente perguntava a Orsted onde eles estavam ou anotava os nomes das cidades próximas… e então registrava tudo, em vez de tentar memorizar.
Atordoado, folheei o diário.
Era um registro tosco e incompleto. Em algumas ocasiões ela não conseguiu encontrar um mapa ou não tinham visitado uma cidade, então acabou anotando coisas como “Montanhas à esquerda. Aproximadamente três dias de viagem para o leste até chegar ao rio, depois mais dois dias para chegar lá.”
A parte da letra de suas anotações indicava o continente, e o número parecia ser a ordem em que foram acessados. N era a região nortenha do Continente Central. S era a região sul, e O o oeste. CD era o Continente Demônio. M era o Continente Millis. Pareciam não ter visitado o Continente Divino… mas havia um e outro B para Begaritt.
Quando ela não sabia nem em qual continente estavam, usava letras como X ou Y. Ficou óbvio que ela pensou muito nisso.
— Já ouvi falar desse lugar que você mencionou, Rapan — disse ela. — Lembro onde fica. Há um lugar chamado Bazaar perto deste círculo, e Rapan fica a cerca de um mês de viagem de lá, seguindo para o norte. Tenho certeza.
— Tão perto assim?
Voltei para a primeira página que Nanahoshi me mostrou. Isso cobria a área da cidade de Sharia até a floresta do sudoeste. A escala não estava muito clara, mas parecia ser uma jornada de uns dez dias. Talvez até menos. E aquele círculo de teletransporte nos levaria ao ponto marcado como B3.
Voltei para a outra página. Do ponto B3, parecia ser uma jornada de uma semana até a cidade mais próxima. Então, se Rapan ficava a apenas um mês de distância…
Estávamos falando de cerca de quarenta e sete dias, e uma viagem de ida e volta de noventa e quatro dias. Poderíamos ir e voltar em apenas três meses. Mesmo que levássemos um mês para resgatar Zenith, estaríamos de volta em casa dentro de quatro meses.
Eu poderia voltar a tempo. Poderia estar presente durante o nascimento do meu filho.
Eu ainda perderia a temporada de acasalamento, mas isso realmente não importava.
— Tem certeza disso? — perguntei. — Orsted não te disse para manter isso em segredo?
— Não vou negar que tenho minhas dúvidas, mas te devo muito pela última vez. Só não compartilhe essa informação com ninguém, certo? Magia de teletransporte é uma arte proibida. Se a notícia se espalhar, as ruínas serão destruídas pelos governos locais.
E isso tornaria a vida de Orsted menos conveniente. Ele provavelmente ficaria bravo com nós dois. Só de pensar naquele cara eu tremia um pouco. Eu ficaria de bico fechado, isso era certeza.
— Obrigado, Nanahoshi. Isso será de grande ajuda.
— Só quero que você volte o mais rápido possível, isso é tudo — disse ela soltando um bufo de desdém. Essa garota realmente era uma completa tsundere.
Fechando o diário com cuidado, abaixei a minha cabeça em sinal de gratidão e me virei para sair.
— Ah, quase esqueci — disse ela. — Na primeira página, esbocei os sinais que usaram para marcar as ruínas e descrevi como você dissipa a magia de ocultação que as protege. Certifique-se de ler isso com atenção.
— Entendido. Te devo uma, Nanahoshi!
— Não, não deve. Só estou pagando as minhas dívidas.
Sorrindo diante do mau humor dela, apesar de tudo, deixei o laboratório para trás.
Na mesma hora voltei até Elinalise.
Poderíamos fazer essa viagem muito mais rápido do que o esperado. Esta era uma notícia fantástica. Ela ficaria muito feliz, é claro. Mas também precisávamos alterar todos os nossos planos. Afinal, a viagem duraria apenas um mês e meio. Poderíamos até mesmo levar Cliff conosco!
Batendo em minhas bochechas na tentativa de me impedir de sorrir feito um idiota, abri a porta do laboratório de Cliff… e fui saudado pelo que parecia uma pintura renascentista de Vênus.
— Sinto muito, Rudeus! Acho que não posso ir!
Elinalise estava toda relaxada, usando nada além de um cobertor. E tinha aparentemente perdido toda a coragem.
Seus membros finos e elegantes, além de seios esculpidos com bom gosto, definitivamente tinham um certo apelo clássico, mas não senti vontade de vê-los em exibição em um museu. Nunca fui um grande apreciador de arte. Mas pensei que ela renderia uma estatueta muito sensual.
Cliff estava jogado em um canto do cômodo, parecendo uma múmia egípcia. Havia um enorme sorriso no rosto dele, mas com certeza estava desmaiado. Ele parecia mais com uma obra-prima do que a sua namorada. Como seria chamada uma estátua como esta? Morte Feliz?
— Não suporto ficar longe do Cliff por dois anos inteiros! — gritou Elinalise. — Sei que isso é horrível da minha parte, mas simplesmente não vou fazer isso!
Hmm. Bem. As pessoas dizem que as mulheres são guiadas pelas emoções, não?
— Digo, se você está indo, então não precisa que eu também vá — balbuciou a mulher. — Seu pai e eu não nos damos bem mesmo. Ele provavelmente não gostaria de ver a minha cara! De qualquer forma, eu não deveria ficar aqui e proteger a minha neta gestante?
— …
Era difícil pensar que essa era a mesma mulher que ralhou comigo por eu ter que esperar enquanto ela cuidava de tudo. Tentei o meu melhor para não julgá-la muito. Ela só estava de volta à realidade depois de um passeio pelo paraíso, isso era tudo.
— Bem, tá bom, Elinalise. Só acontece que acabei de encontrar uma forma que poderia nos levar e trazer em uns três meses, mas…
— Hein?!
Elinalise congelou por um momento, olhando para mim com descrença.
— Do que você está falando, Rudeus?
Olhei para Cliff duas vezes, confirmando se ele ainda estava desacordado, para sussurrar ao ouvido de Elinalise.
— Então, na verdade, Nanahoshi…
— Ah! Não, minhas orelhas não! Elas são sensíveis…
— Pode prestar atenção por um minuto, por favor?
— E-Eu só estava brincando, querido.
Mostrei o diário para Elinalise e ofereci uma explicação superficial, certificando-me de enfatizar que jurei segredo a Nanahoshi. Ela folheou tudo algumas vezes, incapaz de esconder sua descrença.
— Podemos mesmo chegar lá tão rápido…?
— Isso mesmo. Se fizermos isso, posso inclusive voltar a tempo para ver o nascimento da minha criança.
— Isso pode dar certo…
Uma viagem de seis semanas não era algo tão grande. A julgar pela seriedade com a qual examinava o diário, Elinalise parecia ter voltado ao modo de planejamento.
— Ah, então tudo bem — disse ela depois de algum tempo. — Acho que então eu vou.
Outra repentina mudança de opinião, hein?
Mas eu entendia os seus motivos. Dois anos era tempo demais.
— Considerando o quão rápida será a viagem, podemos até mesmo levar Cliff junto — falei.
— Não, vamos deixá-lo para trás…
— Tem certeza?
— Duvido que ele conseguiria manter segredo no caso de descobrir sobre esses círculos de teletransporte.
Sério? Cliff era um cara razoavelmente confiável, não era? Mas, bem… ele provavelmente era o tipo de gente que deixava segredos vazarem, mesmo sem querer. Sim, provavelmente seria melhor manter o mínimo de pessoas informadas. Quanto mais gente levássemos junto, mais provável era que a informação vazaria.
Além disso, teríamos problemas nos esperando em Rapan. Queríamos aparecer com um pequeno grupo de elite de pessoas experientes.
Se eu fosse levar alguém junto, preferiria alguém como Ruijerd. Ele era um lutador poderoso e o mais quieto possível. Badigadi também passou pela minha cabeça. Ele estava vivo há milhares de anos, então era bem possível que já soubesse sobre os círculos de teletransporte. E ele parecia estar familiarizado com Orsted, então seria fácil explicar a situação.
Infelizmente, não tinha visto nenhum dos dois há algum tempo. Nenhum outro possível candidato passou pela minha mente. Zanoba podia ser bom de briga, mas definitivamente não era um viajante experiente.
Pensando bem, se tivéssemos problemas por lá, poderíamos voltar para buscar mais ajuda… Seria melhor seguir com a opção mais segura, já que não sabíamos nossa rota. Mas, depois de fazer a viagem, não seria difícil voltar e buscar mais alguns aliados. Teríamos que contar sobre os círculos a todos, mas isso era melhor do que ficar aquém do nosso objetivo.
A viagem não seria breve, é claro. Porém, mesmo que tivéssemos que esperar por reforços durante três meses, continuava sendo uma opção viável.
— Muito bem. Então só nós dois.
— Certo. Vamos acabar com isso e voltar para casa o mais rápido possível.
Elinalise ao menos parecia ter voltado para o barco. Por enquanto.
Por fim, fui para casa para contar a Sylphie.
Depois de reunir ela, Aisha e Norn na sala de estar, dei a notícia bombástica.
— Acho que vou ajudar os meus pais.
Sylphie deixou um sonzinho de surpresa escapar, e uma expressão de ansiedade transpareceu em seu rosto. Eu aparentemente a peguei desprevenida.
Entretanto, passado um momento, ela balançou a cabeça como se quisesse clarear os pensamentos e, depois, balançou a cabeça, séria. “Certo, entendi. Vou cuidar das coisas por aqui.”
— Lamento desaparecer assim, de repente, mesmo tendo prometido que não faria isso — falei.
— Você não está quebrando a sua promessa, Rudy. Isso não é repentino, e você não está desaparecendo. — Sylphie sorriu para mim, mas parecia ser forçado. Não importava o que ela dissesse, estava obviamente sofrendo com isso. Meu coração doeu só de olhar para ela. — Uhm, quanto tempo você acha que vai ficar fora? Cerca de dois anos, certo?
— Não. Nanahoshi me mostrou uma forma de chegar lá usando um círculo de teletransporte. Acho que devo voltar antes do nascimento do bebê.
Eu já tinha decidido contar sobre o teletransporte para ela. Se eu não pudesse confiar em Sylphie para guardar um segredo, então não poderia confiar em ninguém.
— Hein?! Você vai se teletransportar para lá? Isso é seguro?
Ela estava obviamente assustada. A ansiedade estava mais uma vez visível em seu rosto.
Sua preocupação fazia sentido, é claro. Nós dois perdemos muito com o Incidente de Deslocamento.
— Ainda não posso afirmar — falei. — Mas Nanahoshi parece já ter usado esses círculos no passado, então acho que vai dar tudo certo.
— T-Tá…
Sylphie ainda parecia preocupada, então a puxei para perto de mim e sussurrei a próxima parte ao seu ouvido.
— Não se preocupe. Eu voltarei, não importa o que aconteça.
— Certo.
— Sinto muito por isso.
— Tudo bem…
Virando a minha cabeça, falei com uma das minhas irmãs, que estava por perto.
— Aisha.
— Uh, sim…?
A expressão dela estava ainda mais incerta que a de Sylphie.
— Posso deixar as coisas aqui com você?
— Acho… que sim. Mamãe me ensinou tudo sobre como cuidar de mulheres gestantes.
— Se for demais para você, peça ajuda a alguém. Não seja tímida e não tente fazer tudo sozinha. Você é uma criança talentosa, mas ainda é inexperiente. Recorra aos adultos sempre que precisar de conselhos.
— C-Certo.
Aisha balançou a cabeça, sua expressão séria. Fiquei um pouco nervoso com isso, mas provavelmente não surgiriam problemas. Não havia uma solução perfeita.
— Norn.
— Sim, Rudeus?
— Se Sylphie e Aisha ficarem sobrecarregadas, tente ajudá-las, por favor. Ao menos converse com elas quando estiverem se sentindo estressadas. Você sabe como enfrentar tudo sozinha pode ser difícil, certo?
— É claro!
— E tente também levar os estudos a sério enquanto eu estiver fora.
— Vou dar o meu melhor!
Norn parecia muito determinada a desempenhar seu papel corretamente. Esperançosamente, isso não faria com que ela batesse de frente com Aisha ou algo assim.
Bem, então tá. O que sobrou? Havia mais alguma coisa que eu precisava dizer a elas?
— Ah, é mesmo… Talvez devêssemos decidir o nome da criança antes da minha partida.
Eu planejava voltar a tempo, mas nunca se sabe o que poderia acontecer. Resolver isso de antemão não machucaria.
Que tipo de nome seria o melhor? As pessoas costumavam gostar de nomes “legais” e desconcertantes neste mundo, então… hmm. Se fosse uma garota, talvez Ciel ou Sion… Se fosse um garoto, talvez Nero ou Wallachia…
Nah, isso não era um jogo.
Nossos nomes eram Rudeus e Sylphie, então podíamos meio que combinar partes deles. Quem sabe Sirius, se fosse garoto, ou Lucie, se fosse garota. Mas isso era meio clichê… Talvez devesse pedir um conselho a Paul.
Depois de pensar nisso por alguns segundos, finalmente percebi que estavam todas olhando para mim com expressões estranhas nos rostos.
— R-Rudy… você quer dar um nome ao bebê?
— Por que você faria algo assim?
— Rudeus…
Elas pareciam genuinamente chocadas. Aisha estava até mesmo com lágrimas brotando nos olhos. A ideia era tão estranha? Eu não lembrava de nenhuma regra sobre não nomear as crianças antes do nascimento.
— Se você nomear a criança antes de partir em uma jornada, nunca mais voltará para casa… — Sylphie parecia mais ansiosa do que nunca. Aparentemente, tropecei em uma “bandeira da morte” única deste mundo. Uma da qual eu não me lembrava.
Não, espera. Agora me lembrava. Era sobre aquela história de Perugius?
Um dos companheiros dele era um mago de Fogo de nível Imperador, chamado Estrela Feroze, conhecido como o “Homem Afortunado”. Feroze decidiu nomear seu filho ainda não nascido antes de partir para a linha de frente, para o caso de não voltar em segurança, optando por passar ao garoto o seu próprio nome. Na batalha que se seguiu, entretanto, ele foi derrotado pelo Rei Demônio Ryner Kaizel, e morreu pensando na criança que nunca chegou a conhecer. Seu filho, herdando o legado de seu famoso pai, tornou-se um mago magnífico.
Ao menos era isso que a história dizia. Também ouvi uma versão em que o garoto acabou se revelando um zé-ninguém imprestável. De qualquer forma, a história era tão conhecida que ninguém pensava em nomear uma criança não nascida antes de partir em uma jornada, já que isso atrairia um terrível desastre. Não era como se essa decisão realmente tivesse causado a morte de Feroze, é claro, mas as pessoas eram supersticiosas a respeito dessas coisas.
— Uh, então tá bom. Acham que devemos esperar até eu voltar?
— E-Eu não sei… Talvez…
— Mas eu meio que quero opinar nisso, sabe? E no pior dos casos…
— Nem fale sobre isso, Rudy.
— Certo. Foi mal.
Ainda assim, estávamos falando da minha criança primogênita. Isso ainda não parecia completamente real, mas eu queria participar pelo menos da escolha do nome.
— Ahem.
Aisha pigarreou significativamente. Ela claramente tinha algum tipo de proposta.
— Que tal isso, irmão querido? Se a criança nascer antes de você voltar, vamos chamá-la temporariamente de Rudeus Júnior. Ao voltar para casa, você escolherá um nome adequado. Podemos transformar o Rudeus em um nome do meio, igual ao famoso Deus do Norte Kalman.
Rudeus Júnior, hein? Bem, não era muito incomum que uma criança deste mundo herdasse o nome dos pais. E se acabássemos escolhendo Lucie, isso se transformaria em algo como Lucie Rudeus Greyrat…
Isso não soava tão mal. Parecia meio embaraçoso, já que eu ainda associava nomes assim com aristocratas ricaços, mas isso parecia ser comum neste mundo.
Hm? Mas espera aí.
E se fosse uma garota e eu nunca mais voltasse? Ela seria obrigada a se chamar Rudeus Júnior para sempre? E se acabasse sendo perseguida? E se acabasse se transformando em um monstro furioso que tinha que bater em todos até perderem os sentidos, tudo para defender esse nome idiota?!
Tentei me convencer de que isso era improvável. O mundo não precisava de outro “Cão Louco”.
Bem, tanto faz… É só mais um motivo para voltar para casa em segurança.
— Acho que é uma boa ideia. Sylphie…?
— Sim?
— Uhm…
Senti que tinha mais a dizer para ela, mas não conseguia encontrar as palavras certas. Tive a sensação de que qualquer coisa que dissesse poderia soar estranhamente ameaçadora.
— Venha aqui.
Então, em vez disso, apenas caminhei até ela e coloquei minhas mãos em seus ombros.
— Huh? Ah…
Depois de um momento de confusão, ela fechou os olhos, ergueu o queixo e cruzou as mãos na frente do peito. Ela estava tremendo um pouco. Essa não era exatamente a nossa primeira vez fazendo isso, mas eu não tinha certeza se já tínhamos feito isso com tanta cerimônia.
Olhei para as minhas irmãs. Aisha estava ansiosamente inclinada para frente. Norn cobriu o rosto com as mãos, mas ainda assim estava espiando pelas frestas entre os dedos.
Dei uma piscadela para as duas. Norn tampou os olhos com as mãos na mesma hora, enquanto Aisha deu uma piscadela em retorno. Que malandrinha. Ela realmente queria ver uma cena de beijo?
Bem, ceder a ela apenas desta vez não faria mal. Era uma ocasião especial.
Dei um beijo em Sylphie – e ouvi minha irmãzinha guinchando de prazer.
Tradução: Taipan
Revisão: Shibitow
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