A vida às vezes passa rápido.
Eu estava seguindo minha rotina de treinamento habitual em uma agradável manhã de verão, me sentindo bem em como as coisas estavam no geral. Fazia meses que não via Badigadi, mas não estava muito preocupado. O homem era muito impulsivo, para não dizer mais, então não fazia muito sentido se preocupar com ele.
Ao menos era isso que Elinalise sempre dizia, e isso tinha se provado verdade até o momento.
Quando terminei e voltei para casa, encontrei Aisha e Sylphie no corredor com expressões sérias em seus rostos. Elas se viraram para olhar para mim enquanto eu passava pela porta.
— Ah…
— Rudy…
Havia algo na atmosfera que me deixou nervoso. Tínhamos um problema ou algo assim?
— Err… — disse Sylphie, coçando a parte de trás da orelha com um sorriso estranho. — Haha, uau. Isso está me deixando mais nervosa do que eu esperava…
— Não precisa hesitar, Sylphie! — disse Aisha. — Vá em frente! Seja corajosa!
Minha esposa deu um passo à frente. Após um momento de hesitação, cruzou as mãos na frente da barriga e disse:
— Bem, Rudy. Na verdade… já fazem dois meses. Desde a minha última, uh, você sabe…
Sua última…? Ah. Ah, uau.
— E, bem, ultimamente não tenho me sentido bem e comecei a me perguntar…
Não pude evitar de olhar para a barriga de Sylphie. No momento não parecia diferente. Isso estava mesmo acontecendo?
— Então fui com Aisha até o médico da vizinhança e… ele disse, uh, parabéns.
— Ah… Ahhh…
Minha voz tremia. Assim como minhas mãos. E minhas pernas, por falar nisso.
Parabéns? Ela estava grávida? Iríamos ter uma criança. Isso não era um sonho, certo?
Dei um beliscão na bochecha só para ter certeza, e isso me fez estremecer. Uma teoria e tanto.
Engoli em seco.
Certo. Claro. Por que ela não estaria? Eu era um homem que, quando realmente decidido, podia fazer as coisas acontecerem. Isso sempre fez parte do plano. Eu só não esperava que acontecesse tão rápido, já que todos diziam que elfas tinham dificuldades para engravidar.
Fiquei um pouco assustado – isso foi tudo.
— Uhm, Rudy… algo a dizer?
Sylphie estava ansiosamente olhando para mim. Eu não tinha certeza do que dizer. Foi tudo tão repentino.
— Posso, uh… tocar a sua barriga?
— Hein? Err, claro. Vá em frente.
Abaixei-me e acariciei a barriga de Sylphie. Ainda estava esbelta, sem qualquer gordura adicional a ser sentida. Sua pele estava quente ao toque e surpreendentemente macia. Em outras palavras, igual a como sempre era. Mas quando me concentrei um pouco mais, senti como se pudesse notar um ligeiro solavanco.
Devia ter sido só a minha imaginação, certo? A criança ainda não estaria tão grande.
— Certo… Nossa criança está aqui…
Quando falei essas palavras em voz alta, senti uma repentina onda de emoções surgindo dentro de mim. Que sensação era essa? Tive que reprimir a vontade de começar a gritar incoerentemente.
Eu tinha uma criança a caminho. Seria pai.
Não parecia algo real. Mas ainda assim me deixou incrivelmente feliz.
Feliz era mesmo o termo certo? A palavra parecia tão inadequada. O que eu estava sentindo? Poderia ao menos expressar isso em palavras?
— Irmão querido? Não há nada que você gostaria de dizer para sua esposa? — As palavras de Aisha me trouxeram de volta à realidade.
— Muh?
Algo que eu preciso dizer? Tipo o quê? Parabéns? Não, não deve ser isso.
Talvez devesse agradecer a ela. Sim, parece melhor.
— Obrigado, Sylphie.
— Hein?
Sylphie sorriu, mas parecia um pouco confusa. Pensei errado? Então, qual era a resposta? Procurei por alguma dica nas memórias. O que Paul disse a Zenith, quando descobrimos que Norn estava a caminho? Algo como “Muito bem”, certo? Ou talvez “Bom trabalho!”
Mas eu não gostava muito dessas opções. Ele achava que as mulheres só engravidam quando tentam muito ou o quê? Talvez. Talvez fosse estúpido desse tanto.
Grávida, hein…? Sim. Sylphie engravidou. Eu engravidei essa doce e linda garota. Eu, de todas as pessoas.
Quanto mais pensava nisso, mais minhas emoções ameaçavam me dominar. Na verdade, estava começando até a chorar.
— Sinto muito… Eu não, uh… acho que não sei o que dizer. Sinto muito, Sylphie…
— Oof! Uhm, Rudy?
Em vez de continuar da mesma forma, joguei meus braços em volta de Sylphie. Queria erguê-la no ar e girá-la algumas vezes como gesto de felicidade, mas não era o momento para isso. Ela estava com um bebê na barriga. Eu precisava ser muito, muito gentil com ela.
— Hehehe. Você queria muito ter uma criança, não é?
Minha esposa também passou os braços ao meu redor e começou a afagar as minhas costas.
A apertei com suavidade e então finalmente a soltei. Dando um passo para trás, encarei seu olhar. Pude ver meu rosto refletido em seus olhos, e não era uma visão bonita. Eu estava com lágrimas escorrendo pelo rosto.
Sylphie fechou os olhos. A beijei e acariciei seus cabelos, apreciando a suavidade de seus lábios. Isso era amor, não era?
— Ahem.
Aisha pigarreou, lembrando-me que não estávamos sozinhos na sala. Comecei a palpitar os seios e a bunda de Sylphie sem nem perceber.
— Irmão querido, precisamos ser gentis com a dama da casa por algum tempo. Por enquanto, você vai precisar se abster de… relações sexuais.
Ela tem razão. Rudeus mal! Mal!
Não importa o quão adorável fosse a minha esposa, precisava me controlar desse ponto em diante. Mas, bem… ela estava grávida de menos de dois meses, certo? E até então tínhamos feito isso a cada três dias. Continuar só mais um pouco não devia fazer mal…
Não! Não. Fica de boa, cara.
— Sim. Claro.
Aisha sorriu e ergueu um pouco a barra da saia.
— Se você estiver desesperado, estou disponível sempre que precisar.
— Nem ferrando, criança.
Ela fez beicinho depois disso. Se oferecer era legal da parte dela e tal, mas mesmo colocando todas as partes morais de lado, eu simplesmente não estava atraído por ela. Isso, de qualquer forma, era o suficiente. A última coisa que precisava era destruir o meu casamento por mexer com a criada.
— Bem, então, irmão querido, vou informar a Princesa Ariel sobre os acontecimentos. Afinal, imagino que a Senhorita Sylphie precisará de folga por algum tempo.
Nem pensei nisso, mas ela estava certa. Ninguém gostaria de uma mulher grávida trabalhando como guarda-costas. Sylphie precisaria de uma licença.
— Eu vou — falei. — Eu deveria explicar a situação toda pessoalmente.
Aisha suspirou para mim.
— Rudeus, você precisa mesmo ficar com a Sylphie por enquanto. Vocês têm muito o que conversar, lembra?
Temos? Ah, é mesmo. Acho que temos. Afinal, isso muda tudo.
— Com isso resolvido, estou indo.
— Sim. Certo. Obrigado, Aisha.
Minha irmãzinha saiu de casa animada, deixando Sylphie e eu para trás.
Poucos minutos depois, estávamos sentados um ao lado do outro no sofá.
Cautelosamente estendi a mão para pegar a mão de Sylphie. Ela apertou a minha e encostou a cabeça no meu ombro. Ninguém disse nada por um tempo.
Sinceramente, eu não tinha certeza de por onde começar.
As únicas palavras que passavam pela minha cabeça eram variações de “Vou assumir a responsabilidade pelas minhas ações.” Mas já éramos casados, então isso não fazia muito sentido.
— Uhm, Sylphie…
— Sim, Rudy?
— Sei que isso pode ser difícil, mas… vamos fazer isso juntos.
— Bem, acho que farei a maior parte do trabalho.
Rindo baixinho, Sylphie deitou no sofá e colocou a cabeça no meu colo. Usei minha mão livre para acariciar sua cabeça e esfregar a parte de trás de suas orelhas.
— Ei, Rudy.
— Sim?
— Você quer um menino ou uma menina?
A pergunta me pegou de surpresa. Quase esqueci que existem duas variedades de bebês.
— Digo, mesmo não podendo escolher — adicionou Sylphie, sorrindo gentilmente.
Hmm. Qual seria melhor?
Um menino não seria bom, produzindo um herdeiro para a família? Mas não era como se eu fosse o chefe de algum clã feudal ou algo assim. Teríamos a mesma facilidade para passar tudo para uma garota… não que tivéssemos alguma fortuna a ser herdada.
Na minha vida anterior, eu provavelmente diria: “Uma menina!” com um sorriso assustador no rosto. Talvez até sugerisse que tirássemos fotos diárias dela para registrar o seu crescimento até a idade adulta. Que homem tolo eu costumava ser.
No momento, porém, não consegui encontrar qualquer razão para preferir um ou outro. Contanto que fosse uma criança feliz e saudável, eu ficaria satisfeito.
— Sabe, Rudy, estou meio aliviada.
— Por quê?
— Parece que agora sou realmente sua esposa.
— …
Assim como no meu velho mundo, ter filhos era uma das principais razões pelas quais as pessoas se casavam. Sylphie provavelmente estava um pouco ansiosa com essa parte das coisas, já que era difícil para o seu povo engravidar. Não que eu a deixaria por algo assim, é claro.
— De qualquer forma, acho que isso também vai ser meio difícil para você, hein? — disse ela. — Já que não podemos, uh, fazer por um tempo.
— Ei, eu me viro.
Poderia suportar um período de seca nessas circunstâncias. Ao contrário de alguns velhos que eu poderia mencionar.
— Sinta-se à vontade para me expulsar de casa para sempre caso eu durma com outras mulheres, viu? Eu mereceria — falei.
— Ah, não acho que ficaria tão zangada… Talvez um pouco triste, mas entenderia.
Sério? Pareceu uma reação terrivelmente branda. Mas eu não iria traí-la nem nada assim. Eu sabia que iria me sentir um completo lixo caso ela saísse me traindo.
— Para ser sincero, acho que eu ficaria chateado se você mexesse com outro cara — confessei.
Sylphie só riu baixinho e sorriu. Era uma expressão que ela só mostrava quando estava comigo. Ninguém mais conseguia ver isso. E isso me fazia muito feliz.
Passamos algum tempo juntos, em silêncio.
À noite, Aisha voltou para nossa casa com Norn a reboque.
— P-Parabéns, Sylphie — disse Norn, curvando-se educadamente.
— Obrigada, Norn — disse Sylphie, sorrindo enquanto afagava a cabeça dela.
Isso fez Norn também sorrir. Ela não parecia se importar com as pessoas afagando a sua cabeça. Talvez até mesmo gostasse disso, caso fosse feito pela pessoa certa. Em todo caso, era bom ver as duas se dando tão bem.
— Todo mundo queria passar aqui para dar os parabéns, mas os convenci a adiar a visita por alguns dias — disse Aisha em um tom de voz calmo. Ela aparentemente assumiu que eu gostaria de manter esta ocasião familiar mais íntima.
Eu não lembrava de ter sugerido nada do tipo, mas isso parecia bem razoável. Sylphie provavelmente ficaria um pouco envergonhada ou oprimida ao ter um monte de gente a parabenizando de uma só vez. Seria melhor esperar alguns dias.
— A Princesa Ariel decidiu que a Senhorita Sylphie deverá tirar uma folga de seus deveres por pelo menos dois anos. Ela também disse que conseguirá uma licença da escola. A Tia-Avó Elinalise se ofereceu para assumir as funções de guarda-costas de Sylphie nesse tempo.
— A Vovó vai ficar bem? Digo, ela tem aquela maldição e tudo mais…
— Ela me garantiu que conseguiria, Madame. Eu não me preocuparia com ela.
Elinalise sabia como cuidar de si mesma, e agora também tinha aquele implemento mágico. Além disso, ela sempre poderia levar Cliff para uma sala de aula vazia ou depósito, caso precisasse se ocupar durante o horário escolar.
— O Príncipe Zanoba disse que nos fará uma visita em cinco dias, ao anoitecer. Ele deseja jantar conosco, então irei cuidar de tudo. A Princesa Ariel passará por aqui em dez dias, também à noite, mas indicou que não jantará conosco. Cliff e a Tia-Avó Elinalise virão juntos. A Senhorita Linia e a Senhorita Pursena indicaram que passarão por aqui em algum momento, mas não tenho detalhes de quando isso acontecerá. Senhorita Nanahoshi ofereceu uma breve mensagem de parabéns a vocês dois. Não consegui encontrar Lorde Badigadi, mas deixei uma mensagem para ele.
Aisha recitou toda a nossa lista de amigos com rapidez e eficiência, sempre em um tom de voz firme. Era como se tivéssemos uma secretária pessoal ou algo assim. A garota definitivamente era boa no seu trabalho.
— Entendido. Obrigado por avisar a todos, Aisha.
— Claro, irmão querido.
Aisha olhou para Norn com um sorriso orgulhoso no rosto. Norn manteve o olhar com uma carranca.
Aisha ainda parecia sentir um certo grau de alegria maliciosa ao se mostrar diante da irmã. Havia algum conflito persistente entre elas, um que envolvia suas posições na família. Eu sempre dizia a Aisha que ela também era da família e que não importava que sua mãe fosse diferente… mas as duas continuavam brigando sem parar, até pelas coisas mais bobas.
Dizem que brigar com alguém pode ser um sinal de proximidade. Provavelmente não havia problema em deixar as coisas como estavam, contanto que isso não se transformasse em uma guerra fria. Ao menos nunca disseram algo realmente cruel uma para a outra enquanto brigavam.
— Mas tenho que dizer — murmurei —, Papai provavelmente vai ficar chocado quando aparecer e descobrir que tenho uma criança chegando.
— Ah, sim! — disse Norn, seu rosto iluminando-se com a menção a Paul. Ela realmente amava o seu pai. Eu poderia vê-la colocando “casar com o papai” em sua lista de sonhos para o futuro. — Mal posso esperar para ver a cara dele!
— Ele é do tipo que estraga os netos, então aposto que vai ficar muito feliz — falei. — Ele também ficou um doce quando vocês duas nasceram.
Aisha e Norn pareceram um pouco perplexas por um momento. Nenhuma delas tinha qualquer memória daquela época, é claro.
— Bem, enfim! Estou realmente ansiosa por isso, Rudeus! — anunciou Norn. Essas palavras excepcionalmente alegres colocaram um sorriso no rosto de todos.
Sylphie e eu estávamos casados e felizes. Paul, Zenith e Lilia em breve estariam conosco. E minhas irmãzinhas também estavam presentes. Essa era a vida com a qual sonhei nos tempos de Buena Village, e isso estava ficando mais perto.
A má notícia chegou dois meses depois.
Recebi uma carta datada de seis meses antes. Foi enviada pelo correio expresso. O nome do remetente era Geese, e o conteúdo, assim como em qualquer outra carta expressa, era muito breve.
“Problemas no resgate de Zenith. Solicitando ajuda.”
No instante em que vi essas palavras, o mundo ficou branco diante dos meus olhos.
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Quando acordei, me vi em um espaço todo branco. Eu tinha voltado a ser aquela pessoa suja que costumava ser, e senti uma onda de raiva e ressentimento tomando conta de mim.
Fiquei carrancudo enquanto encarava a figura diante de mim. Era o sorridente Deus-Homem, cujo rosto não passava de um borrão.
— E aí.
O que diabos está acontecendo?
— Do que você está falando?
Essa carta. Do Geese. Ele disse que o resgate não está indo bem. Que negócio é esse?
— Bem, imagino que significa que o resgate não está indo bem. O que você quer de mim?
Mas não foi isso que você me disse! Você disse que eu me arrependeria se fosse para o Continente Begaritt! Então o que foi aquilo? Você mentiu para mim?!
— Não, claro que não. Você se arrependerá se for ao Continente Begaritt. Era verdade naquela época e ainda é verdade agora.
Ah, agora entendo. Saquei. Vou me arrepender se for para o Continente Begaritt, mas também vou me arrepender se não for. É isso que você quis dizer o tempo todo?
— Ah, não sei sobre isso. Ontem você não estava nada infeliz com a sua vida, estava? Você fez muitos amigos aqui. Conheceu muitas pessoas interessantes e cresceu muito. Sua condição foi curada, você fez amizade com suas irmãzinhas, até mesmo se casou! E agora tem uma criança a caminho.
Sim, minha vida atual não está ruim… Mas essa não é a questão! Você me disse para não ir para Begaritt! Você me enganou!
— Mas eu realmente não queria. Deixe-me dizer mais uma vez: se você for para o Continente Begaritt, com certeza se arrependerá.
O quê? Mas minha família está com problemas! Diga-me ao menos o porquê!
— Infelizmente não posso fazer isso.
Droga! Eu devia saber. Você é sempre assim!
— Hoje você está sendo terrivelmente teimoso. Meus conselhos sempre se provaram úteis, não é?
Talvez, mas isso não muda o fato de que desta vez você me enganou. Olha, pode ao menos me dar alguns detalhes? Do que vou acabar me arrependendo? Não posso tomar essa decisão a menos que conheça os riscos e as recompensas!
— A maioria das pessoas precisa tomar as decisões às cegas, sabe. Você é terrivelmente exigente.
Não me importa se estou sendo irracional. Não quero me arrepender das minhas escolhas.
— Bom, se você realmente pensar bem, algumas das consequências devem ser óbvias. Você passou o último ano e meio estudando, certo? E suas irmãzinhas passaram um ano viajando até onde você está. Se, em vez disso, você tivesse ido para Begaritt, vocês teriam se desencontrado.
O quê? Mas Paul enviou minhas irmãs por ter recebido a minha carta. Se eu não tivesse escrito para ele, elas teriam ficado em Millis ou esperado em Porto Leste.
— Não necessariamente. Mesmo se não tivesse recebido a sua carta, Paul teria enviado suas filhas para o Reino Asura. A família de Lilia está lá, lembra?
Certo, tá… Acho que você tem razão.
— Sério, as coisas agora não estão tão diferentes. Digamos que amanhã você parta em viagem. O que acontecerá com Sylphie e a sua criança? Está planejando deixá-la, sozinha, enquanto caminha para o outro lado do mundo?
Então, basicamente, terei alguns arrependimentos, não importa o que eu faça.
— Naturalmente. Por mais infeliz que isso seja, é impossível evitar todos os arrependimentos. Se você for para Begaritt, poderá inclusive perder uma oportunidade de ouro. Ao meu ver, é melhor ficar onde está.
Tch.
Bem… se você tem certeza disso, acho que provavelmente vou acabar me arrependendo. Certo…
— Sim. Bem, então, quer ouvir meu conselho?
Sim, claro. Acho que não vai machucar.
— Ahem. Rudeus, fique em Ranoa até a próxima temporada de acasalamento. Linia e Pursena irão persegui-lo agressivamente. Escolha uma delas e comece um relacionamento. No final, isso lhe trará ainda mais felicidade.
Mas o que diabos?! Agora você está me dizendo para trair a minha esposa?! Estou feliz com a Sylphie! E aquelas duas são apenas boas amigas, que saco!
Suas últimas palavras ecoaram dramaticamente ao ar enquanto o Deus-Homem desaparecia. Voltei a ficar inconsciente.
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Acordei e me encontrei na cama. Sylphie estava olhando para mim com o rosto preocupado.
— Ah, Rudy! Você está bem? Você estava gemendo enquanto dormia.
— Sim, estou bem…
O que aconteceu depois que recebi aquela carta? Eu não conseguia lembrar muito bem dos detalhes. Lembrava de olhar para a folha, estupefato, mas nada além disso, exceto pelo meu sonho.
As coisas, ultimamente, estavam correndo muito bem. Acho que o choque foi forte demais para mim.
A carta de Geese foi alarmante. Claro, aconteceu algo de errado. Ainda assim, eu tinha que levar as palavras do Deus-Homem em consideração. Se eu já partisse, haveria uma chance de que minha família e eu nos cruzássemos na estrada e eu desperdiçasse alguns anos da minha vida.
Isso se eu fosse muito otimista, mas… havia a chance de Geese ter enviado aquela carta em um momento de pânico. Digo, não foi Paul quem escreveu para mim. Foi Geese. Meu companheiro de cela com cara de macaco.
Por que ele me escreveria uma carta assim? Ele também estava tentando resgatar Zenith? Mas a última carta de Paul não o mencionou. Parecia que Geese havia encontrado Zenith sozinho.
A carta foi escrita há seis meses. Era possível que ele estivesse sozinho e se sentindo desamparado naquele momento, mas desde então podia ter se encontrado com Paul e os outros. Talvez tivesse até enviado uma carta semelhante para Paul. Podiam ter juntado forças e resgatado minha mãe algumas semanas depois.
Mas essas eram apenas possibilidades, é claro. Eu não tinha absolutamente nenhuma maneira de saber qual era a situação real. Não desta grande distância.
Também precisava pensar na criança de Sylphie. Não importa o quão rápido viajasse, seria uma jornada de no mínimo um ano para chegar ao Continente Begaritt. Eu conhecia a estrada para Porto Leste desde a minha última grande jornada, então era possível que pudesse reduzir significativamente o tempo de viagem. Mas, mesmo se eu conseguisse chegar lá em seis meses, não voltaria para casa por pelo menos um ano.
Isso não funcionaria, certo? Eu não poderia simplesmente deixar minha esposa grávida sozinha e sair em uma aventura.
— É sobre aquela carta, não é?
— …
Não consegui responder. Prometi a Sylphie que não iria mais desaparecer. Dei a minha palavra a ela.
Mas, se explicasse tudo de antemão, não estaria tecnicamente “desaparecendo”. Mas isso era apenas semântica. Mesmo que conversássemos sobre isso com antecedência – ou se eu deixasse uma carta bem explicada – ela ainda ficaria angustiada por ser deixada para trás.
— Uhm, Rudy… não precisa se preocupar muito comigo, tá? A Aisha está aqui para cuidar de mim.
Havia apenas uma sombra de angústia no rosto de Sylphie. Ela estava ansiosa, é claro. Era a primeira gravidez dela. Sua barriga já estava começando a crescer. Mais cedo ou mais tarde, teria dificuldades até para subir e descer as escadas. E havia uma chance de eu morrer durante a jornada. Poderia nunca mais voltar para ela.
Ela lutou contra o medo de dizer essas palavras.
— Não vou a lugar nenhum… Vou ficar com você, Sylphie — falei.
Quando eu disse isso, ela sorriu, embora ainda parecesse um pouco em conflito.
As palavras do Deus-Homem continuaram flutuando em minha mente. Não importa a escolha que eu tomasse, ele insistiu, eu acabaria me arrependendo.
Os próximos três dias foram longos e difíceis.
Cada vez que as via, Sylphie, Aisha e Norn estavam com olhares ansiosos em seus rostos. Eu já havia dito que não iria para o Continente Begaritt, mas quanto mais pensava nisso, mais inseguro me sentia. Estava dividido entre minhas opções, e não havia muita gente a quem poderia pedir conselhos.
A primeira, Elinalise, balançou a cabeça quando contei as minhas intenções.
— Acho isso sábio, Rudeus. Neste caso é melhor você ficar para trás.
A maneira como ela disse isso me surpreendeu. Isso sugeria que ela tinha outros planos.
— Você vai, Elinalise?
— Sylphie é minha neta, Rudeus. É justo que eu aceite o trabalho, tanto pelo bem dela quanto pelo seu.
Ela, pelo visto, recebeu uma carta idêntica. E, ao contrário de mim, estava pronta e disposta a ir, mesmo que isso significasse deixar sua vida atual para trás.
— Mas você não deveria ficar protegendo a Princesa Ariel?
— Há muito pouco perigo de verdade para a vida dela enquanto estiver matriculada nesta escola. Para ser sincera, eu não estive fazendo muita coisa.
Isso provavelmente era verdade na maioria dos casos, mas nunca se sabe quando as coisas poderiam tomar um rumo perigoso. Era por isso que as pessoas tinham guarda-costas. Mas, é claro, essa era uma decisão de Ariel, e Elinalise se ofereceu basicamente como um gesto de boa vontade. Eu duvidava que a princesa fosse contra ela recuar.
— E o Cliff?
— Terei que deixá-lo. Ele pode me odiar para sempre, mas não tenho muitas escolhas.
— Por que não tenta pelo menos explicar a situação? Tenho certeza de que ele entenderia.
Elinalise balançou a cabeça com um sorriso melancólico. Não era muito parecido com o de sempre.
— Cliff é um jovem de coração puro. Ele tem talento, energia e visão. Eu não ficaria surpresa se ele algum dia se tornasse papa. É melhor que se lembre de mim como nada além de um romance da juventude.
Bem, isso só serviu para eu me sentir péssimo pelo cara.
Esperava-se que os membros da igreja Millis permanecessem fiéis a uma única pessoa. Se Elinalise simplesmente desaparecesse, isso poderia abalar os alicerces da fé dele. Ele era uma pessoa obstinada, mas era difícil saber o que poderia acontecer no caso de perder a sua religião.
— E, também…, da última vez, fui eu quem te disse para ficar aqui. Isso torna a limpeza dessa bagunça em minha responsabilidade, não acha?
As palavras de Elinalise foram tão firmes e claras que fiquei sem palavras.
Aparentemente tomando isso como um acordo, ela assentiu.
— Deixe isso comigo e espere aqui, querido. Quero ver um bisneto feliz esperando pelo meu retorno.
Estava claro que nada do que eu pudesse dizer faria com que ela mudasse de ideia.
Depois, busquei o conselho de Zanoba. Sua expressão sequer mudou enquanto eu contava a história.
— Entendo — disse ele calmamente. — Bem, tenho certeza de que você lidará com este assunto com bastante facilidade e estará de volta em breve. Ficarei aqui e continuarei a minha pesquisa, mas espero que você volte o quanto antes.
— Meio que pensei que você pediria para eu não ir, Zanoba. Ou que exigiria que eu o levasse junto.
Quando nos separamos lá no Reino Shirone, ele chorou e ficou se agarrando a mim. Uma parte de mim esperava por algo semelhante. Mas, desta vez, sua atitude foi bem diferente.
— Se você desejar que eu o acompanhe, eu relutaria em recusar. Mas não estou acostumado a viagens longas e temo que possa ser um fardo. E, é claro… — Ele lançou um olhar para Julie. — Não poderia levar a garota para uma viagem dessas.
Julie ainda era uma criança. Deixá-la aos cuidados de Ginger era uma opção, mas isso seria o mesmo que colocar seus estudos e pesquisas em espera. E se ela fosse junto, existia o risco de ficar exausta por usar toda a sua mana.
— Você acha que eu devo ir, Zanoba?
— Essa é uma decisão sua, Mestre.
Ele agora parecia quase indiferente. Eu estava esperando algum conselho real…
— Entretanto, posso fazer uma observação? — disse ele.
— Hmm?
— O nascimento de uma criança não requer a presença do pai. Se está preocupado com os seus pais, por que não vai ajudá-los? Vou garantir a segurança de sua esposa e irmãs durante sua ausência.
Havia convicção real nas palavras de Zanoba. No entanto, fazia sentido que a realeza tivesse uma perspectiva diferente sobre esse tipo de coisa. A maioria dos reis provavelmente não ficava ansioso para assistir o parto de suas concubinas.
— Eu, claro, preferiria ter você sempre ao meu lado — disse ele —, mas a escolha é sua.
— Você apontou alguns pontos decentes, Zanoba. Obrigado pelo conselho.
Sylphie não estaria sozinha. Ela tinha Aisha, Zanoba e a comitiva da Princesa Ariel.
Ela não estava sozinha. Nós não estávamos sozinhos.
Afinal de contas, o que eu deveria fazer? Ficar ou ir?
Elinalise queria que eu ficasse enquanto ela fosse sozinha para Begaritt. Zanoba queria que eu fosse, deixando as coisas sob sua responsabilidade. Qual caminho fazia mais sentido? Onde eu era mais necessário?
A lógica de Zanoba parecia correta. Enquanto Sylphie continuasse saudável, ficaria tudo bem. Minha presença não faria diferença. Ainda assim, essa atitude não me caía muito bem. Eu não era um rei, tampouco queria agir como um. Obviamente, era melhor para Sylphie se eu continuasse por perto, fornecendo suporte emocional.
Ela me encorajou a ir, me disse para não me preocupar… mas esta era a sua primeira gravidez. No fundo, eu sabia que devia estar apavorada. Ela provavelmente estava lutando contra o desejo de desabar e implorar para eu não partir.
Fui eu quem disse a ela, várias vezes, como queria ter crianças. Na época podia até não estar levando o assunto a sério, mas ela obviamente levou a sério. E agora que estava grávida, eu estava pensando em deixá-la para trás enquanto viajava por meio mundo. Isso parecia uma traição escancarada.
Por outro lado… eu precisava admitir que há muito tempo estava adiando a minha responsabilidade de ajudar Paul. Coloquei minha felicidade em primeiro lugar por anos. Caramba, priorizei meus problemas de “desempenho” acima de procurar por minha mãe.
Isso talvez fosse um chamado para acordar. Talvez fosse hora de pagar pelas consequências.
Eu não conseguia me decidir… Ambas as opções me custariam muito.
Já era o quarto dia desde a chegada da carta. Passei a maior parte do tempo pensando no meu dilema. Não estava dormindo bem e não conseguia me motivar a me importar com minha rotina de treinamento matinal de sempre. Eu estava sentado no primeiro andar, com os olhos turvos, sem fazer nada em particular.
As manhãs locais eram frias, mesmo no verão, e eu estava sentindo uma preguiça imensa. Por um tempo, fiquei simplesmente observando o nascer do sol.
— Ah…!
Depois de algum tempo, ouvi um gritinho de surpresa atrás de mim. Virando-me, percebi que nossa porta da frente estava aberta e que Norn estava parada na frente dela. Ela estava com uma enorme bolsa nas costas – a mesma que eu usava em meus dias de aventureiro. Estava tão cheia que poderia estourar.
Ela com certeza estava se preparando para uma longa viagem. Mas como tinha apenas dez anos, parecia mais que estava indo para um piquenique ou algo assim.
Por um bom tempo, fiquei apenas olhando para ela em silêncio. Norn evitou o meu olhar. Parecia uma criança que foi pega no flagra enquanto queria pregar uma peça em alguém.
— Aonde você vai?
— …
Norn não respondeu, então voltei a falar:
— Aonde você está indo, Norn?
Mordendo o lábio, ela finalmente me olhou nos olhos.
— B-Bem… se você não vai ajudar, Rudeus, acho que eu é quem vou ter que ir.
Estudei o rosto dela por um momento. Para onde? Ela não poderia estar se referindo ao Continente Begaritt, certo?
Norn ainda era tão pequena. Estávamos falando de uma criança de dez anos de idade.
— …
De forma alguma que aquela bolsa teria as coisas das quais precisaria para esta viagem. Ela provavelmente tinha algum dinheiro, mas sabia como gastá-lo com sabedoria? Ao menos sabia qual rotina adotaria? Como pretendia lidar com os perigos que encontraria pelo caminho? Ela poderia ser sequestrada por traficantes de escravos assim que colocasse os pés para fora da cidade.
— Norn, não posso deixar você fazer isso — falei.
— Mas eu… Eu… Rudeus, por favor! Mamãe e Papai estão com problemas! — Ela tinha começado a chorar, mas manteve os olhos fixos nos meus. — Por que… por que você não vai ajudá-los?
Por quê? Bem, porque eu logo teria uma criança. Precisava pensar na minha esposa.
— Você é muito mais forte do que eu, Rudeus! Você sabe como viajar! Por que você não vai?!
Ela não estava errada. Eu não era tão experiente quanto Elinalise, mas passei cinco anos me aventurando por aí. Eu tinha ao menos conhecimento. E, embora houvesse muita gente mais poderosa do que eu por aí, eu poderia me virar em uma luta.
Do jeito que eu estava, provavelmente poderia viajar pelo Continente Demônio, mesmo sem a ajuda de Ruijerd.
— …
Isso era tudo verdade. Se quisesse, eu poderia fazer isso.
Já fazia dias que eu estava pesando os prós e contras, mas isso era porque eu podia escolher. Norn não tinha essa escolha. Ela queria ir ajudar, mas não conseguia. Eu, por outro lado, tinha capacidade de chegar ao Continente Begaritt, ajudar nossos pais e voltar em segurança.
Era por esse motivo que Gesse me enviou aquela carta, e não a outra pessoa.
— Certo, Norn. Você está certa.
— R-Rudeus?
Havia mais gente além de mim que poderia cuidar de Sylphie. Mas eu era o único que poderia salvar os meus pais.
Só podia ser eu. Eu poderia atravessar o Continente Begaritt até chegar à cidade de Rapan. Poderia resolver os problemas que Paul e os outros estavam enfrentando. Não havia mais ninguém a quem eu poderia confiar esse trabalho.
— Eu vou. Pode cuidar da casa para mim?
O rosto de Norn se iluminou. Mas, um instante depois, ela apertou os lábios com força e balançou a cabeça com a expressão mais séria que conseguiu fazer.
— Com certeza!
— Não brigue com a Aisha. E ajude Sylphie sempre que puder, certo?
— É claro!
— Muito bem. Boa garota.
Me senti péssimo por fazer isso com Sylphie e nosso bebê. Se ela me largasse por causa disso, eu não a culparia. Mas não era assim que eu deveria pensar a respeito do assunto. Precisava confiar em minha esposa.
— Então irei para o Continente Begaritt.
Eu tinha me decidido. Salvaria os meus pais.
Tradução: Taipan
Revisão: Shibitow
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