Eu estava atualmente empoleirado em um dos sofás da sala de estar, sentado à minha frente estava Ruijerd. Sylphie guiou Aisha e Norn para o banho. Eu e ela tínhamos ficado sóbrios, mas o cheiro de álcool provavelmente continuava pairando em nosso hálito, porém, a magia de desintoxicação tinha ao menos nos livrado da embriaguez.
Quando olhei para o rosto de Ruijerd, iluminado pelo fogo crepitante, lembrei-me da primeira vez que nos vimos. Algumas memórias começaram a fluir: o tempo em que viajamos com Eris, só nos três, e também outras coisas mais.
— Realmente já faz um tempo — falei.
— Sim. — Ruijerd também semicerrou os olhos e elevou os cantos da boca. Exatamente como eu me lembrava.
— Primeiro de tudo, acho que devo te agradecer por escoltar minhas irmãzinhas até aqui.
— Não precisa agradecer. Proteger crianças é algo natural.
Certo – esse era o nosso Ruijerd. Eu lembrava que o chamei de lolicon, brincando, enquanto viajávamos juntos. Mesmo assim, fiquei surpreso ao ver que a pessoa que Paul mencionou em sua carta era mesmo Ruijerd. Considerei a possibilidade de que pudesse ser Ghislaine, mas, considerando que a tarefa era acompanhar duas crianças, Ruijerd era o melhor homem para o serviço. Isso é tão verdade que eu o contrataria para ser guarda-costas de Aisha e Norn pelo resto da vida, caso fosse possível.
De qualquer forma, já fazia muito tempo que não conversávamos. Sobre o que conversávamos naqueles tempos? Ruijerd era quieto, não se tratava do tipo de pessoa que gostava de conversa fiada.
— A propósito, o que aconteceu com a Eris? — perguntou ele, sem quaisquer rodeios. Era uma pergunta que eu realmente não queria responder, mas ele merecia saber.
— Muita coisa. Deixe-me explicar desde o começo.
Contei-lhe o que aconteceu depois que nos separamos em frente ao campo de refugiados. Sobre como Eris e eu dormimos juntos. Como, logo depois, ela desapareceu e eu caí nas profundezas do desespero. Como não consegui me recuperar. Como passei os dois anos seguintes procurando pela minha mãe. Como me encontrei com Elinalise e ouvi sobre tudo o que estava acontecendo. Como segui a recomendação do Deus-Homem e me matriculei nesta escola. Como, por sua vez, isso me levou ao reencontro com Sylphie e como ela me ajudou a me recuperar. Depois, sobre nosso casamento.
— Entendo. — Ruijerd ouviu o tempo todo em silêncio, sem dizer nada. Por fim, falou: — Isso costuma acontecer.
— Costuma acontecer? — Repeti.
Ele apenas acenou com a cabeça.
— É uma perspectiva na qual guerreiros costumam se atrapalhar. Tenho certeza de que Eris não te odeia.
— Mas ela disse que nós dois não estávamos em “equilíbrio”.
— Não sei se ela quis dizer essas palavras de forma literal ou se você apenas não conseguiu entender o que ela quis dizer.
— Entendi mal?
— Sim. Eris nunca foi muito boa com as palavras. — Ruijerd saberia… não, ele também não. — Pelo menos enquanto viajamos juntos, ela gostava de você. Se tiver a oportunidade de se encontrarem novamente, mantenha a cabeça fria e converse a respeito disso.
Eu entendi tudo errado? Quando ela disse que não estávamos em equilíbrio, queria dizer apenas que não estava no meu nível? Ela tinha partido para ficar mais forte, para que pudesse alcançar esse equilíbrio e depois voltar? Nesse caso, o significado talvez fosse algo como: Espere por mim.
Mesmo assim, já era tarde demais para perceber isso. Não importa o que ela quis dizer, ainda passei três anos sofrendo. Três anos em que não ouvi nenhum rumor sobre ela. A pessoa que finalmente conseguiu me salvar foi Sylphie, não Eris. O que eu deveria supostamente fazer, deixar Sylphie de lado e fazer as pazes com Eris? Sem chances.
Além disso, para ser honesto, eu ainda estava com um pouco de medo da ideia de reencontrar Eris. Não era como se eu não acreditasse no que Ruijerd estava dizendo, mas havia a possibilidade de que ela realmente tivesse se cansado de mim. Se eu a abordasse com a intenção de nos reconciliarmos, só para ela me dar um soco e me olhar de forma recusadora, seria um verdadeiro golpe nos meus sentimentos.
Vamos parar de pensar nisso, disse a mim mesmo. Seja lá qual fosse a verdade, eu não poderia mudar o passado. Ficar pensando nisso não serviria de nada.
Mudei o assunto.
— O que você esteve fazendo por esse tempo todo, Senhor Ruijerd?
— Ah, sim. — Ele parecia ainda ter algo a dizer, mas só balançou a cabeça. — Depois de me separar de vocês dois, fui para a área florestal na região sul.
Ruijerd aparentemente havia descoberto que a Tribo Superd escondida no Continente Central estaria em uma floresta. Ele fez seu caminho para a densa floresta ao sul das Montanhas Rei Dragão, onde conduziu uma exaustiva busca por dois anos. No final das contas, não encontrou nenhum vestígio dos Superds, embora tenha encontrado vários itens pertencentes a pessoas que teriam morrido durante o Incidente de Deslocamento. Entregou todos na cidade mais próxima.
Sua busca na floresta não rendeu em nada, então rumou para o sul, ao longo da costa, e chegou a Porto Leste. Ele planejou pegar informações que saíam de Millis por lá, então seguir para o norte e procurar pela Zona de Conflito. Entretanto, por sorte, deparou-se com Paul. Depois disso, aconteceu tudo exatamente como descrito na carta. Quando Paul hesitou sobre dever ou não mandar suas duas garotinhas embora, Ruijerd se ofereceu para servir de acompanhante.
— Ah, também conheci a sua mestra.
— Mestra Roxy?
— Sim. — Ruijerd estava com um sorriso tenso. — Ela era um pouco diferente da sua descrição.
— Sério? De que forma?
— No segundo em que eu disse meu nome e ela viu a joia na minha testa, ela ficou completamente apavorada.
Pensando bem, foi Roxy quem me disse que a Tribo Superd era composta por terríveis assassinos. Como uma Migurd, que vivia com medo dos Superds, sua reação foi provavelmente inevitável. Entretanto, eu gostaria de ter visto – Roxy tremendo de terror ao se deparar com Ruijerd.
— Você veio para cá com a Senhorita Ginger?
— Sim. Chegamos à noite e fomos para a universidade, mas não te encontramos.
Eles pensaram que eu morava nos dormitórios. Claro, naquela hora eu já tinha saído do bar, e acho que ninguém a quem perguntaram sabia aonde eu tinha ido, então acabaram por pedir o meu endereço. Para ter certeza de que de alguma forma me encontrariam, foram procurar em minha casa enquanto Ginger se separava para buscar pela cidade. Entretanto, se perderam no meio do caminho, seja porque Aisha ou Norn errou a rua, ou porque a pessoa que explicou a localização da casa fez isso de maneira incorreta. Enquanto vagavam pela cidade, Ruijerd encontrou as minhas pegadas e as seguiu até a nossa casa.
— Então foi isso que aconteceu — falei. — Devo expressar a minha gratidão. Obrigado.
— Não precisa me agradecer.
Não pude deixar de sorrir diante de suas palavras. Uma das minhas maiores fontes de orgulho era ter sido reconhecido como amigo por este homem.
— De qualquer forma, vocês chegaram bem rápido — falei. A carta havia chegado há um mês. Achei que ainda levariam, no mínimo, dois ou três meses para chegar.
— Sua irmã estava ansiosa.
— Qual delas?
— Aisha. Foi graças a ela que pudemos viajar tão rapidamente.
De acordo com Ruijerd, Aisha propôs que acompanhassem uma caravana mercante, para que também pudessem viajar à noite. Essas caravanas não costumavam aceitar gente estranha, então ofereceu os serviços de Ruijerd e Ginger, como guardas, a eles, em troca de deixar que ela e Norn seguissem juntas. Foi um bom negócio, embora as negociações não tenham sido fáceis.
Cada vez que uma caravana chegava ao seu destino final, moviam-se para a cidade mais próxima em busca de outra. Foi por meio dessas rápidas mudanças entre caravanas que puderam viajar com tanta eficiência. Eles coletavam informações a respeito dos horários de caravanas, às vezes voltando para alguma cidade que já tivessem passado, só para seguir com outra caravana que fosse mais adequada. Quando os três perguntaram a Aisha por que precisavam voltar para trás, ela disse: “Porque por esse caminho é mais rápido.” Incrível.
— Isso não foi difícil? Se você estava se movendo durante o dia e servindo como guarda-costas à noite, isso significa que tinha que ficar o tempo todo acordado.
— Não foi. Estou acostumado a viajar continuamente sem qualquer descanso, isso já faz um tempo. Mas…
— Mas?
— Foi a primeira vez em muito tempo que senti que estava recebendo ordens. — Ele revelou um sorriso ao dizer isso. Talvez estivesse se lembrando da época da Guerra de Laplace.
Aisha, aquela sujeitinha.
— Bem, eu não tenho certeza do que dizer, mas parece que minha irmãzinha te deu muito…
— Isso foi engraçado. — Como de costume, Ruijerd era mole quando se tratava de crianças. Mas mesmo que ele não se importasse, não poderíamos criar Aisha para ser o tipo de pessoa que manda nas pessoas. Depois eu teria que dar um bom sermão nela.
— Mas ela só dormia feito uma pedra enquanto você trabalhava sem parar, não é? — argumentei.
— Ela não ficava dormindo. Estava constantemente calculando a nossa rota, fazendo planos para que viajássemos da forma mais eficiente possível.
Hm. Certo, então ela não estava deixando todo o trabalho para Ruijerd. Se fosse esse o caso, eu não poderia culpá-la.
— Mas ela ainda é uma criança — acrescentou ele.
O satisfatório plano de avanço de Aisha aparentemente não levava o vigor delas em conta. No meio da jornada, ela e Norn desmaiaram de exaustão. De acordo com a programação de Aisha, ela planejava chegar antes do inverno, que é quando o clima começaria a atrapalhar a viagem. Foi assim que fizeram para chegar mais rápido do que sugerido pela carta.
— A Senhorita Ginger também deve ter passado por maus bocados. Como está ela?
— Ela estava realmente feliz com o nosso ritmo. Disse que não queria nada além de ver Sua Majestade o mais rápido possível.
Parecia realmente existir muita gente com músculos no lugar do cérebro. Ginger com certeza era leal. Ela provavelmente já estava se encontrando com Zanoba. Como será que reagiria ao ver Julie? Gostaria de estar lá para ver a cena.
— Ela parece desejar retornar a servir ao Príncipe — confirmou Ruijerd.
— Entendo. A propósito, quanto tempo você planeja ficar aqui? — perguntei de forma indiferente. Presumi que a resposta giraria em torno de uma semana. Eu não iria demorar tanto para apresentá-lo a todos os meus amigos. E tinha certeza de que Zanoba ficaria encantado. Linia e Pursena provavelmente também teriam algo a dizer. Quem sabia o que Cliff pensaria? Ruijerd e Badigadi poderiam, inclusive, já se conhecer.
Esses pensamentos foram freados quando ouvi a resposta de Ruijerd:
— Partirei amanhã.
— Isso é bem… rápido.
— Ouvi dizer que alguém viu um demônio nas profundezas da floresta ao leste. Pretendo verificar isso.
Ruijerd já havia localizado a sua próxima parada. Achei que ele poderia ficar um pouco mais, mas segurá-lo seria algo insensível da minha parte.
— Além disso — disse ele —, não tenho intenção de te atrapalhar.
— Claro que não. Você jamais me atrapalharia. — Eu nunca o trataria como um incômodo.
— Também é um pouco… difícil ficar aqui.
Havia solidão em sua voz. Saber que Eris e eu não estávamos juntos podia ter sido um choque. Eu não sabia exatamente como Ruijerd se sentia, mas se estivesse na posição dele, também poderia achar um pouco difícil me ver me aproximando tão carinhosamente de Sylphie.
— Acho que não posso te culpar por isso.
Parecia que uma fenda havia se formado em nossa amizade. Eris podia ter sido a base que nos mantinha juntos.
— Rudeus.
Assim que ele chamou pelo meu nome, levantei a minha cabeça. Aparentemente, em algum momento desviei o olhar. Ruijerd mostrou um breve sorriso.
— Não faça essa cara. Eu voltarei de novo.
Fiz tudo o que pude para também forçar um sorriso na cara. Eu não me arrependia por ter me casado com Sylphie. Entretanto, realmente senti como se tivesse cometido algum tipo de erro.
— Se acontecer de eu me encontrar com Eris, verei o que ela tem a dizer.
— Por favor — respondi, olhando diretamente em seus olhos. Encontrei uma luz suave queimando dentro deles.
Logo depois, Sylphie saiu do banho. Norn aparentemente adormeceu no meio do banho, enquanto Aisha estava brincando bastante na água, mas caiu no sono na mesma hora que saiu. Esse era o efeito relaxante de um banho. A água quente fazia maravilhas a um corpo exausto.
— Obrigado por fazer tudo isso.
— Aisha parecia se lembrar de mim. Ela adivinhou na mesma hora quem eu era. Muito diferente de outra pessoa que nós conhecemos.
— Seu cabelo está mais comprido, você não está usando óculos escuros e não está com roupas de garoto, então não conta.
— Mas Norn não parecia se lembrar de mim.
— É raro que uma criança de três ou quatro anos se lembre das outras crianças da vizinhança.
— Acho que sim.
Sylphie vestiu as garotas com pijamas e as enfiou na mesma cama. A conversa com elas teria que esperar até o dia seguinte.
— Hm, muito prazer em conhecer. Me chamo Sylphiette Greyrat.
— Sim. Me chamo Ruijerd Superdia.
Sylphie e Ruijerd apertaram as mãos desajeitadamente. No passado, ambos sofreram por causa de seus cabelos verdes, embora nenhum dos dois os tivesse mais. Ruijerd raspou tudo, enquanto o de Sylphie ficou branco durante o Incidente de Deslocamento.
— Hmm, Senhor Ruijerd, o que você prefere em termos de quarto?
— Qualquer coisa serve.
— Rudy, devemos deixar o quarto maior para ele? Ele é um convidado importante, não é?
Eu não achava que Ruijerd se importaria com o tamanho do quarto. Além disso, ele, de qualquer forma, não usaria a cama.
— Durma onde quiser. Pense em nossa casa como sendo sua.
— Sim, vou fazer isso. Bem, vou dormir. — Ruijerd terminou de falar e se levantou.
— Tudo bem, boa noite.
Sylphie e eu ficamos ali, rígidos, enquanto ouvíamos ele se movendo pela casa. Ele parecia ter optado pelo quarto onde as crianças estavam dormindo. Aquele lolicon desgraçado! Nah, brincadeira. Quando viajávamos juntos, ele nunca tirava os olhos de nós, mesmo quando dormíamos. Era exatamente esse tipo de homem que ele era. Além disso, nos deixou ouvir seus passos de propósito. Se estivesse tramando algo suspeito, os teria silenciado e se movido furtivamente.
— Eu fiz algo para ofendê-lo? — perguntou Sylphie, ansiosa.
Ruijerd foi um pouco rude. Parecia que ele tinha alguns sentimentos conflitantes a respeito de meu casamento com Sylphie, afinal.
— Não, você não fez nada de errado. Ele demora um pouco para se aproximar das pessoas que acaba de conhecer, isso é tudo.
— Se você tem certeza de que é só isso… — Sylphie parecia estar ligeiramente magoada.
— Vamos para a cama, tá bom?
— Certo.
Eu não tinha jantado naquela noite, mas não estava com fome. Ah, deveria ter fornecido ao menos um lanche para o Ruijerd, pensei enquanto apagava a lareira e verificava a tranca da porta da frente. Já tínhamos o sistema de segurança mais útil dentro da casa, mas eu ainda queria estar seguro.
Depois de apagar as luzes, eu e Sylphie subimos juntos para o segundo andar. Em seguida, deitamos na cama.
Então, Sylphie disse:
— Hoje, hm, vamos pular, tá?
— Hein? Ah, sim, tá.
Naquela noite evitamos o sexo – foi a primeira vez que pulamos, fora no período menstrual.
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Na manhã seguinte, acordei como sempre. Sylphie ainda estava dormindo. Ela normalmente estaria formando uma bola com o corpo, usando o meu braço como travesseiro, mas dessa vez estava usando o seu próprio travesseiro e tinha uma expressão tensa no rosto. Normalmente, minha afeição surgia de forma espontânea, junto com uma pitada de desejo sexual, e eu estendia a mão para apalpar o seu peito. Então, enquanto tinha aquela fonte de perfeição envolta na palma da minha mão, uma onda de êxtase tomava conta de mim.
Mas dessa vez não senti essa sensação. Em vez disso, me senti indisposto. Não estava sendo um bom dia para o meu dragão ascendente. Eu deveria estar feliz com a presença de Ruijerd, mas parecia que Eris estava pesando na minha mente. Estava me sentindo triste e inquieto.
Embora não me sentisse muito motivado, decidi ainda assim começar o meu treino diário. Eu tinha certeza de que cinco minutos – não, dez minutos – de exercício me animariam. Com esse pensamento em mente, saí.
Uma cena arrepiante me esperava.
Já havia alguém de pé na nossa entrada principal. Na verdade, duas figuras imponentes: um guerreiro careca, um homem que raspou o cabelo para esconder o tom verde. Ele não usava nenhuma das roupas árticas comuns na região, estava vestido à paisana, carregando uma lança. Era Ruijerd.
E havia um outro homem. Ele tinha um corpo grande e musculoso, com a pele negra como piche e cabelos roxos. Badigadi estava com os seis braços cruzados sobre o peito, emitindo uma aura imensamente imponente enquanto ficava na frente de Ruijerd.
O frio no ar era intenso. Volátil. Se alguém acendesse um fósforo, poderia causar uma explosão.
Badigadi não estava sorrindo, o que era raro. Na verdade, ele não tinha expressão nenhuma. Ruijerd estava de costas para mim, então não pude ver o seu rosto.
Isso significava que eles se conheciam, afinal? Ambos estavam vivos desde a época da guerra de Laplace: um era o capitão da guarda imperial de Laplace, o outro da facção moderada do lado oposto. Ruijerd atualmente desprezava Laplace com todo o seu coração, mas naquela época, suas circunstâncias provavelmente eram bem diferentes.
— Hm. — Badigadi me deu uma olhada. Então olhou mais uma vez para Ruijerd. — Então é isso. — Ele acenou com a cabeça, aparentemente tendo satisfeito a sua curiosidade. Então, sem dizer mais nada, girou nos calcanhares. A neve rangeu sob seus pés enquanto ele desaparecia na distância.
Ruijerd silenciosamente olhou por cima do ombro em minha direção. Ele parecia um pouco ansioso. Era raro vê-lo suando frio.
— Aconteceu alguma coisa entre você e o Rei Badi?
— Há muito tempo.
Eu poderia inferir o resto de sua curta resposta. Já tinha ouvido falar que a loucura da Tribo Superd os levara a atacar qualquer um que cruzasse o seu caminho, fossem amigos ou inimigos, e isso devia incluir alguns membros do povo de Badigadi. Independentemente de quão descompromissado ele fosse para governar, ainda era um rei.
Me perguntei como teria sido o relacionamento deles após a guerra. Não conseguia imaginar alguém tão otimista quanto Badigadi buscando vingança contra os Superds. Bem, ele provavelmente defendia os cidadãos impotentes que os Superds feriram. Mesmo com Laplace tendo sido a causa para as tendências destrutivas dos Superds, Ruijerd ainda assim matou pessoas e Badigadi se vingou por isso. Eu tinha certeza de que era isso.
Não, espera. Era possível que Badigadi não soubesse como ou por que o que aconteceu com a Tribo Superd era culpa de Laplace. Deveríamos falar sobre isso na próxima vez que nos encontrássemos.
Pensando bem, como ele reagiria se eu dissesse que planejava produzir e vender estatuetas de Ruijerd no futuro?
— Senhor Ruijerd, só para deixar claro, aquele homem tem sido bom para mim desde que veio para esta cidade. Posso imaginar o que pode ter acontecido no passado, mas…
— Não se preocupe. Não tenho intenção de lutar contra ele. — Ruijerd sorriu rigidamente ao dizer isso. No entanto, há alguns momentos estava exibindo uma clara intenção assassina. Se eu não tivesse saído na hora certa… — Mesmo assim, nunca pensei que o veria aqui, dentre todos os lugares.
— Ele parece ter vindo para cá para me encontrar — falei.
— Ahh, bem, isso se encaixa na personalidade dele. — Ruijerd forçou outro sorriso antes de retornar para a casa.
O encontro me deixou confuso. Eu imaginava que o alegre e tranquilo Badigadi poderia se dar bem com qualquer um.
Quando voltei para casa, Sylphie estava acordada e preparando o café da manhã. Aisha, que havia por algum motivo vestido uma roupa de criada, também estava ajudando. Norn parecia ainda estar dormindo. Com a intenção de acordá-la, subi as escadas. Bati na porta e imediatamente comecei a estender a mão para a maçaneta, mas uma sensação de mau presságio me impediu de abri-la. Em vez disso, chamei por ela.
— Já está na hora do café da manhã, então, por favor, desça.
Não houve resposta, mas quando me esforcei para ouvir, ouvi o farfalhar de roupas. Ela parecia estar se trocando. Evitei de desencadear uma cena surpresa de nudez! Afinal, eu não era mais um protagonista tapado.
— Certo… — Assim que ouvi sua voz por trás da porta, me senti aliviado e voltei ao primeiro andar.
Nós cinco tomamos o café da manhã juntos. Aisha parecia ter boas maneiras à mesa, ainda mais levando sua idade em conta, e comia maravilhosamente bem. Ruijerd, como de costume, usou apenas o garfo. Norn, ainda parecendo meio adormecida, não comeu muito bem. Bem, eu poderia ao menos dizer que ela estava usando um garfo. Isso estava um passo à frente de Eris, que apunhalava a carne com a faca e enfiava na boca.
— Bem, então está na hora de eu ir embora.
Assim que terminamos a nossa refeição, Ruijerd se preparou para partir. Ele tinha pouca bagagem, então não estava carregando muita coisa. Nós cinco fomos para a saída da cidade para vê-lo partir. Ruijerd afirmou que isso não era necessário, mas isso não se tratava de um problema de necessidade. Despedir-se de um amigo era algo natural.
Não conversamos muito enquanto caminhávamos. Norn eventualmente agarrou a bainha da camisa de Ruijerd, de forma silenciosa o suficiente para que isso quase passasse despercebido. Ruijerd, entretanto, percebeu e diminuiu o seu ritmo. Também diminuí para acompanhar-nos.
Norn não parecia querer se separar dele, e eu entendia bem esse sentimento. Será que eu devia implorar para ele ficar? Uma noite não era o suficiente para colocar toda a conversa em dia, e havia pessoas a quem eu queria apresentá-lo e uma montanha de outras coisas que gostaria que ele visse.
Mas pensar em Eris me impediu, como esperado. Eu não queria deixar Ruijerd desconfortável. Isso não era culpa de Sylphie, era só que eu sentia que não poderia realmente falar com ele antes de ajeitar as coisas com Eris. Entretanto, no momento, não sabia nem onde ela estava.
Enquanto eu pensava nessas coisas, chegamos à entrada da cidade.
— Bem, então fique seguro — Ruijerd me disse.
— Você também — falei.
Nossas despedidas foram curtas. Havia tanta coisa que eu queria dizer. Simplesmente não conseguia encontrar as palavras certas no momento. Bem, não era como se isso fosse um adeus definitivo. Eu só tinha que voltar a falar com ele após as coisas se acalmarem. Quanto a Ginger, ela aparentemente já havia se despedido dele no dia anterior.
— Obrigada por cuidar da gente! — Aisha curvou-se alegremente. Ela devia ter entendido que seus planos de viagem rápida jamais funcionariam sem a ajuda de Ruijerd. Eu tinha certeza de que ele também havia as protegido de perigos desconhecidos.
— Aisha, não exija muito de Rudeus.
— Sim, eu sei!
Ruijerd sorriu rigidamente e afagou a cabeça dela.
— H-Hm, uh, Senhor Ruijerd… — Norn ainda não tinha largado a camisa dele. Ela possuía um olhar ansioso no rosto, o qual denunciava que não queria que ele partisse.
— Não se preocupe, nos encontraremos novamente. — Ruijerd ofereceu-lhe um sorriso enquanto pousava a mão em sua cabeça. Ver os dois assim despertou algumas memórias antigas. Na época em que eu fazia a mesma expressão ansiosa, Ruijerd também acariciava a minha cabeça.
Norn baixou os olhos e depois ergueu o rosto. Ela tentou dizer algo, então franziu os lábios. Seu rosto se contorceu em várias expressões diferentes até que ela finalmente se decidiu.
— E-Eu quero ir com você! — declarou.
Ruijerd parecia perturbado enquanto acariciava a sua cabeça, sem dizer nada. No entanto, com o passar dos segundos, os olhos de Norn rapidamente se encheram de lágrimas.
— Confie em Rudeus de agora em diante, não em mim — disse ele.
— Mas não posso! Ele e meu Pai…
— Isso ficou no passado. Ele já refletiu a respeito das suas ações. Seu pai também. Te contei sobre as dificuldades pelas quais ele passou enquanto viajávamos. Até você aceitou isso.
— Mas ontem ele estava bêbado! E ele também está com uma garota diferente daquela da última vez! Não posso confiar nele!
O ar ao nosso redor pareceu esfriar quando ela disse isso, embora talvez fosse apenas a minha imaginação. Afinal, eu já havia contado a Sylphie sobre Eris. Não era traição, e não era como se eu estivesse tentando ser um playboy – embora provavelmente não fosse o que parecesse para Norn.
Ruijerd olhou para mim e depois para Sylphie antes de forçar um sorriso.
— É assim que as coisas são entre os homens e as mulheres. Acontece. Isso não significa que seu irmão seja desleal. — Ele tirou a mão da cabeça dela. — Você aí. Pode me dizer o seu nome novamente?
— Ah, sim. Me chamo Sylphiette.
— Sylphiette. Deixo essas duas e Rudeus aos seus cuidados.
— C-Claro!
Ruijerd finalmente trocou algumas palavras com Sylphie. Seus sentimentos em relação a ela eram certamente complicados, mas rezei para que ele não tivesse má vontade.
— Bem, então vamos nos encontrar de novo.
O observei partindo até que não pudesse mais vê-lo. Houve um tempo em que observei sua figura se afastar, cheia de gratidão por ele. Eu tinha certeza de que Aisha e Norn agora sentiam o mesmo.
Tradução: Taipan
Revisão: PcWolf
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