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Mushoku Tensei: Reencarnação do Desempregado – Vol. 06 – Cap. 11 – Fim da Jornada

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Dentro de mais três dias, finalmente chegamos ao Reino Asura. Estava bem na nossa frente… ou melhor, já estávamos lá. Apesar disso, os acontecimentos daquele dia ainda nos desanimavam, deixando uma expressão abatida em nossos rostos.

Fomos totalmente derrotados. Fomos dizimados em um instante, e até tive minha vida tomada. Por algum capricho desconhecido, Orsted me ressuscitou, mas, se não fosse por isso, eu não estaria onde estava. Isso ainda não tinha sido superado.

Era verdade que pensei que não queria morrer enquanto ele desferia o golpe final. Qualquer um esperaria que eu estivesse traumatizado e, ainda assim, quando abri os olhos, me senti revigorado. Bem, isso talvez seja um pouco de exagero. Foi mais como ah, foi só um sonho? Era a mesma sensação de quando acordava de um pesadelo. Talvez porque eu tenha visto o Deus Homem enquanto estava morrendo e a coisa toda pareceu bem surreal.

Colocando as coisas dessa forma, parecia que o Deus Homem tinha adivinhado o que estava acontecendo e forçou sua entrada em minha consciência. Para ser honesto, em um nível instintivo, eu não queria nada mais do que mandá-lo embora, mas o  Deus Homem se importava com Ruijerd e seus assuntos, então talvez não fosse realmente tão ruim.

Deixando isso de lado, desde que quase morri, Eris ficou bem mais próxima de mim enquanto estávamos dentro da carruagem. Antes, ela ficava parada na minha frente e dizia: “Estou fazendo um treinamento de equilíbrio. Por que você não tenta?” Mas, depois, começou a ficar sentada. Bem ao meu lado, para ser mais específico. Próxima o suficiente para que nossas coxas se tocassem. No dia anterior nossa pele estava até se tocando perto da bainha de nossas calças. Tocar algo que está ao alcance é um instinto humano, então estendi minha mão direita, só um pouquinho, e a acariciei. Em troca, Eris só olhou para mim, com seu rosto vermelho brilhante.

E não levei um soco. Ela, aquela garota que estava sempre socando as pessoas, de repente parou. Mesmo quando eu fiz algo que era digno de um soco, ela não fez isso. Seu rosto só ficava vermelho enquanto me fitava. E simplesmente ficava fazendo isso, me encarando o tempo todo. E não era só isso, ela continuava sentada ao meu lado. No passado, Eris saia de perto sempre que eu fazia coisas parecidas, mas, dessa vez, ficou por perto.

Para ser completamente honesto, eu estava chegando ao ponto em que queria enfiar minha mão em suas calças, então desejei que ela colocasse alguma distância entre nós. Eu sabia que existiam algumas coisas que poderiam ser esquecidas com algumas risadas, e outras não. Por isso estava me segurando. Mas soubesse ou não do meu conflito interno, Eris continuou perto de mim.

Se eu deixasse minhas mãos desocupadas, elas iriam vagar na direção dela, então comecei a fazer magia com a mão esquerda, o tempo todo, enquanto usava a mão direita para perturbar a magia criada. Era isso que Orsted havia feito. Creio que ele tinha chamado isso de “Atrapalhar Magia”. Pouco antes da mana tomar forma enquanto se acumulava em minha mão, eu usava uma mana diferente para interromper e dispersar aquilo.

Era simples e não gastava muita mana, mas era uma técnica incrível. Em retrospecto, esse método de anulação era semelhante à barreira de nível Rei em que eu tinha ficado preso no Reino Shirone. Isso era simples de se explicar, mas bem difícil de se fazer. Talvez porque estava usando minha mão não dominante para conjurar, na maioria das vezes a magia ainda tomava forma, embora fosse de maneira imperfeita. Era extremamente difícil anulá-la completamente, igual Orsted tinha feito. Mas isso ainda poderia ser usado como uma restrição, mesmo sendo imperfeito. Ele realmente me ensinou algo muito útil.

— Ei, Rudeus, o que você andou fazendo esse tempo todo?

— Estou tentando imitar a magia que Orsted usou — respondi.

Eris olhou fixamente para minhas mãos. À minha esquerda, criei um pequeno Canhão de Pedra deformado que caiu no chão com um pequeno baque.

Outra falha. Me senti como se estivesse jogando pedra-papel-tesoura com as duas mãos. Não importa o quanto eu tentava, continuava deixando minha mão esquerda vencer. Hm. Se fizesse isso com descuido, decerto não iria funcionar. Em outras palavras, havia algumas regras envolvidas na interrupção da magia. Isso significava que, se pudesse desencadear magia de acordo com essas regras, poderia realmente anular o Atrapalhar Magia? As possibilidades estavam aumentando.

— Que tipo de magia que é?

— Do tipo que anula magia — respondi.

— Você pode fazer isso?

— Estou praticando.

— Por que está tentando fazer algo assim? — perguntou Eris.

— Recentemente passei por vários momentos em que tive minha magia selada e não pude fazer nada. Acho que você poderia dizer que estou pesquisando. Assim, se algum dia encontrarmos Orsted de novo e acabarmos em uma luta, quero poder ao menos fugir. Entendeu?

Eris ficou quieta. Por um curto período de tempo, o único som por perto foi o de Canhões de Pedra batendo no chão.

— Ei, Rudeus, como você ficou tão forte?

Eu era realmente forte?

— Acho que você é mais forte do que eu — falei.

— Isso não é verdade.

                — …

                — …

A conversa morreu. Eris parecia que queria perguntar algo, mas não disse nada. Me perguntei o que estava se passando em sua mente, mas não fazia a menor ideia. Não, isso não era totalmente verdade.

— Você está preocupada com o fato de ter sido derrotada com tanta facilidade no outro dia?

                — Sim… — disse Eris.

Isso não era culpa dela. De acordo com o Deus Homem, Orsted era o Deus Dragão, o ser mais forte do mundo. Ele até mesmo derrotou Ruijerd com facilidade. Não foi uma luta justa. Ele existia em um plano que não poderia ser alcançado com puro esforço. Na minha vida anterior, coloquei muito esforço em algumas áreas e consegui chegar a algumas alturas, mas nunca me classifiquei entre os melhores em nada. Mesmo nos jogos que me absorviam, onde achava que não teria como perder, sempre apareciam pessoas melhores do que eu.

Orsted tinha maldições que o restringiam e, apesar disso, sua habilidade de luta superava a de Ruijerd. Ele derrotou Eris com uma mão e me deixou completamente impotente. Além disso, lutou de forma tão precisa que não fez mais esforço do que o necessário para zerar meus PV, e isso indicava que ele ainda tinha energia de sobra. Eu não fazia ideia de quão forte o Deus Dragão realmente seria quando fizesse o seu melhor.

— Ele é um oponente injusto. A culpa não foi sua.

— Mas…

Eu podia entender por que Eris estava preocupada. Ela foi destruída com um único ataque. Orsted segurou o ataque de espada da garota com as mãos e a enviou voando para longe.

— Você ainda é muito jovem. Contanto que trabalhe duro, ficará mais forte — assegurei a ela.

— Acha mesmo…?

— Sim, até Ghislaine e Ruijerd disseram a mesma coisa, não foi?

Eris de repente levantou a cabeça e olhou diretamente para mim.

— Você sabe que quase morreu, certo? Porque está… Como pode dizer isso com tanta facilidade?

Bem, porque parecia surreal para mim. E eu também não estava pensando em tentar lutar com ele no futuro. Na próxima vez em que visse aquele cara, iria disparar feito um foguete. Ou talvez me esconderia nas sombras feito um rato. Se não conseguisse encontrar nenhum jeito de fugir, talvez implorasse para que poupasse minha vida. Rezei para que isso não fosse algo que Eris tivesse que ver.

— Porque eu não quero morrer da próxima vez — respondi, no final das contas.

— Verdade, você não quer morrer, quer…?

— Por favor, não se preocupe. Vou trabalhar duro para que, se alguma vez acabarmos em outra situação perigosa como essa, eu seja capaz de pegá-la e fugir.

Eris tinha uma expressão complicada no rosto enquanto encostava a cabeça no meu ombro. Eu poderia ter ganho mais pontos de afeição com ela se tivesse aproveitado a oportunidade para estender a mão e acariciar sua cabeça, mas estava ocupado lançando Atrapalhar Magia com minha mão direita.

— Bem, não importa o que aconteça, temos que ficar um pouco mais fortes.

Só mais um pouquinho. Não havia nenhuma maneira de nos tornarmos os mais fortes deste mundo. O pico deste lugar era muito alto. Mas eu queria pelo menos ficar forte o suficiente para que pudéssemos escapar se fôssemos atacados por algum estranho.

Enquanto pensava nisso, pressionei meu rosto no cabelo de Eris e inalei seu perfume.

Assim que a noite caiu e ela estava dormindo, falei com Ruijerd. Tínhamos conversado ainda menos do que o normal desde aquele incidente. O Superd nunca foi muito tagarela, mas desde então se tornou taciturnamente quieto. Talvez se culpava pelo que aconteceu, já que, apesar de sua promessa de nos levar para casa em segurança, não foi capaz de nos proteger. Mas eu ao menos ainda estava vivo, independentemente de quanta sorte tive para que isso acontecesse.

— Aquele homem, Orsted… aparentemente é o Deus Dragão — falei. — Número dois dos Sete Grandes Poderes. — Comecei a conversa com esse comentário, partindo da ideia de que, como nosso oponente era muito forte, era natural que perdêssemos.

— Então era isso que ele era. Não admira que fosse tão…

— Forte, né? Depois que você foi nocauteado, não havia nada que eu pudesse fazer para me opor a ele.

— Foi a primeira vez, desde Laplace, que senti que não poderia derrotar alguém após um único olhar.

Ruijerd não sabia sobre as maldições que restringiam o poder de Orsted. Ele não sabia que havia sido derrotado em combate físico por um oponente que estava se segurando. Se soubesse a verdade, poderia ficar em choque.

— Mesmo eu não acho que posso resistir à elite dos Sete Grandes Poderes. Aquelas pessoas são monstros além da compreensão. Foi muita falta de sorte encontrar alguém assim pelo caminho. Mas termos escapado com vida pode ser considerado boa sorte. — As palavras fizeram parecer que ele estava dando desculpas, mas também parecia que havia um toque de autocensura no tom de Ruijerd.

Talvez o homem reconhecesse que não havia nada que pudesse fazer, mas viu isso como um assunto à parte de ser incapaz de cumprir seu dever.

— Rudeus — continuou ele —, se algum dia encontrarmos alguém assim novamente, você não deve começar uma batalha. Nem mesmo olhe nos olhos deles. Isso se não quiser que as coisas voltem a acontecer como aconteceram desta vez, claro.

— S-sim. Bem, da próxima vez provavelmente irei desviar os olhos e seguir em frente.

Ele também estava com raiva de mim. Bem, se eu não tivesse chamado Orsted, provavelmente teríamos prosseguido sem problemas. Eu admitiria esse erro. Mas, a princípio, o Deus Dragão não parecia ser tão perigoso. Não… depois que Ruijerd e Eris reagiram daquela maneira ao vê-lo, eu devia ter sido mais cauteloso.

— Então, o que está te incomodando? — perguntei.

Ruijerd lançou um olhar penetrante em mim.

— Quem é o “Deus Homem”?

Eh. Então era por causa disso.

— No início, parecia que ele pretendia nos deixar passar. Apesar da aura sanguinária que irradiava dele, não havia realmente nada de assassino em seus olhos. Mas no momento em que ouviu o nome “Deus Homem”, voltou toda aquela animosidade para você.

Fechei os olhos. Devia contar ou não? Era uma decisão que já tinha pensado em tomar em outros momentos. Mas, por mais desagradável que parecesse, o Deus Homem não era uma pessoa ruim, e depois do que nos aconteceu, eu não gostaria de manter as coisas escondidas.

— Na verdade, o Deus Homem é…

Apesar do tempo que passou enquanto eu pensava em contar sobre isso para Ruijerd, uma vez que me decidi, as palavras deslizaram por meus lábios. Contei como, desde a época do Incidente de Deslocamento, um ser misterioso que se autodenominava Deus Homem aparecia de vez em quando em meus sonhos. Falei que ele me aconselhou a ajudar Ruijerd; e que também me deu conselhos em outras ocasiões. Que meu comportamento suspeito era porque estava seguindo esses conselhos. Então contei sobre o Deus Homem e o Deus Dragão parecerem ser inimigos. Contei sobre minhas conversas vagas com o Deus Homem e provavelmente deixei muitos detalhes de lado, mas narrei tudo da forma mais clara que pude.

— O Deus Homem e o Deus Dragão… dos Sete Deuses dos velhos tempos… Tudo isso tão de repente, é até difícil de acreditar — disse Ruijerd.

— Acredito que sim.

— Mas há partes que fazem sentido. — Depois de dizer isso, Ruijerd ficou em silêncio. O ar estava dominado pelo som crepitante do fogo enquanto queimava. As sombras criadas dançavam ao redor, tornando o rosto do Superd no de um velho guerreiro. Graças à sua genética, Ruijerd parecia bastante jovem, mas havia algo em sua expressão que indicava uma história banhada por batalhas.

De repente me lembrei que, em meu último sonho, eu e o Deus Homem conversamos um pouco sobre a maldição dos Superds.

— A propósito, Senhor Ruijerd. Sobre a má reputação da tribo Superd… isso é aparentemente uma maldição.

— O quê…?

— Para ser mais preciso, foi uma maldição colocada em Laplace, que ele transferiu para suas lanças, que então passou para toda a tribo Superd. Ou ao menos foi o que o Deus Homem disse.

— Entendo… então é uma maldição… — Compartilhei essa informação com ele pensando que seria uma boa notícia, mas Ruijerd só fez uma careta e começou a pensar. — Nunca tinha ouvido sobre isso de transferir uma maldição, mas se é de Laplace que estamos falando, então é possível. Ele era capaz de fazer qualquer coisa.

Eu não sabia muita coisa sobre maldições, e Ruijerd provavelmente sabia muito mais sobre elas. Ele pareceu estar levando isso em conta, mas, no final, só soltou uma risada fraca.

— Se for uma maldição, não há como consertar.

— Não há? — perguntei.

— Não. São chamadas de maldições porque não há como se livrar delas. Nunca ouvi falar de uma maldição que afeta uma tribo inteira, mas… se isso é o que um deus disse, então provavelmente é verdade.

Ele soltou uma risada de auto-escárnio, como se dissesse que tudo o que tinha feito até o momento tinha sido em vão. Podia ser só por causa da iluminação, mas parecia que havia lágrimas se juntando nos cantos de seus olhos.

— Mas… — Comecei a falar.

— O que é?

— O Deus Homem disse que, ao contrário das maldições comuns, esta está desaparecendo com o passar do tempo.

— O que?

— Ele disse que isso também continua em você, Senhor Ruijerd, mas que você reduziu muito o efeito após cortar o cabelo.

— Está falando sério?!

Ele gritou tão de repente que Eris rolou durante o sono, murmurando, “Mm…”. Esta era uma conversa que eu provavelmente também deveria ter com ela, mas… Bem, poderia fazer isso após a garota acordar.

— Sim. Ele disse que, agora, o que resta são apenas vestígios da maldição e os preconceitos iniciais que ela criou. A reputação da tribo Superd pode se recuperar lenta, mas seguramente, dependendo de quão duro você trabalhar de agora em diante.

— Entendo… isso faz sentido…

— Mas isso foi exatamente que o Deus Homem disse — acrescentei. — Mesmo que você confie no que ele diz, pode ser melhor manter a cautela. Devemos continuar tomando tanto cuidado quanto tomamos até agora.

— Eu sei. Ainda assim, ouvir isso foi o suficiente para mim. — Ruijerd voltou a ficar em silêncio. Não era só a iluminação que o fazia parecer desse jeito. Havia um monte de lágrimas escorrendo por seu rosto.

— Bem, então é hora de eu ir para a cama.

— Sim.

Fingi não ter visto suas lágrimas. Nosso Ruijerd era um guerreiro confiável e um homem forte que não chorava.

 

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E um mês se passou após isso. Não fomos para a capital, só seguimos a rota que levava ao norte. Passamos por muitas pequenas aldeias agrícolas e vimos campos de trigo espalhados diante de nós, além de moinhos de água enquanto continuávamos no nosso caminho.

Não procuramos nenhuma informação. Só rumamos para o norte com toda a velocidade que conseguimos. Achamos que íamos colocar tudo em dia quando chegássemos ao campo de refugiados, mas, ainda mais importante, já estávamos quase lá. Só queríamos chegar ao nosso destino o quanto antes.

Por fim, chegamos à Região de Fittoa, que agora estava vazia. Mesmo nos lugares em que existiam vestígios de civilização, não havia ninguém. Não havia campos de trigo, nem campos de flores Vatirus, nem moinhos de água, nem currais para gado. Grama era tudo o que se espalhava diante de nós – um campo que se estendia por todas partes. A cena criou uma sensação de vazio, que embalamos bem dentro de nós ao chegarmos à atual (e única) cidade da Região de Fittoa: o campo de refugiados. Nosso destino final.

Foi pouco antes de chegarmos à entrada que Ruijerd parou a carruagem.

— Hm? Qual é o problema?

Ele desceu do banco do cocheiro. Olhei em volta, pensando que talvez houvesse algum monstro por perto, mas não vi nenhum inimigo. O Superd foi até a parte de trás da carruagem e disse:

— É aqui que eu me retiro.

— O quê? — Levantei minha voz devido ao choque de sua declaração repentina. Eris também arregalou os olhos.

— E-espera aí!

Quando pulamos para encarar Ruijerd, quase caímos da carruagem. Isso foi muito rápido. Tínhamos acabado de chegar ao campo de refugiados. Não, estávamos a apenas um passo de distância.

— Você não pode pelo menos descansar por um dia… não, ao menos caminhar até a cidade conosco?

— Sim, digo… — Eris começou.

— Desnecessário. — Ruijerd olhou em nossa direção e disse apenas isso: — Vocês dois já são guerreiros. Não precisam mais da minha proteção.

Quando ele disse isso, Eris ficou quieta. Para ser honesto, eu realmente tinha esquecido que a única razão pela qual Ruijerd tinha ficado conosco por tanto tempo era para nos ver de volta à nossa casa, e que uma vez que chegássemos lá, acabaríamos nos despedindo. Achei que ficaríamos sempre juntos.

— Senhor Ruijerd… — Comecei a falar, mas então hesitei. Se eu tentasse impedir sua partida, será que ele ficaria conosco? Mas, parando para pensar, eu criei problemas enormes para o Superd.

Era verdade que ele tinha seus próprios problemas, mas eu dei muito mais trabalho e mostrei minhas fraquezas patéticas. Apesar disso, ali estava ele me reconhecendo como um guerreiro. Eu não poderia pedir nada além disso.

— Se você não estivesse conosco — falei —, tenho certeza de que não teríamos chegado tão longe em apenas três anos.

— Não, tenho certeza de que você poderia ter feito isso.

— Isso não é verdade. Sou muito descuidado com algumas coisas, então teríamos entrado em conflito ao longo do caminho, eu acho.

— Contanto que você seja capaz de reconhecer isso, já está bom.

Houve inúmeras ocasiões em que me descobri sem forças, como quando fui levado em cativeiro em Shirone. Se Ruijerd não estivesse conosco, eu provavelmente teria entrado em pânico.

— Rudeus, eu já te falei isso… — O rosto do Superd estava ainda mais calmo do que o normal. — Como mago, você já atingiu uma espécie de perfeição. Apesar de todo o talento que você possui, ainda não deixa isso subir à sua cabeça. Você deve estar ciente do quanto significa ser capaz de fazer tanta coisa na sua idade.

Me senti em conflito no que diz respeito ao significado dessas palavras. Mesmo com ele me chamando de jovem, minha idade real passava dos quarenta anos. A razão de eu não ter deixado as coisas subirem à minha cabeça era porque ainda retinha muitas memórias. Embora quarenta ainda pudesse ser considerado jovem diante da experiência de Ruijerd.

— Eu… — Fiz uma pausa quando comecei a falar. Poderia ter recitado uma lista de minhas fraquezas ali, mas isso parecia muito patético. Eu queria ficar diante desse homem com minha cabeça erguida. — Não, eu entendo. Senhor Ruijerd, obrigado por tudo o que você fez por nós até agora — falei. Comecei a me curvar, apenas para ele me agarrar e me impedir.

— Rudeus, não se curve diante de mim.

— Por que não…? — perguntei.

— Você pode pensar que fiz muito por você, mas acho que você fez muito mais por mim. Graças a você, vejo a esperança de que minha tribo possa reconquistar sua honra.

— Eu não fiz nada. Não fui capaz de fazer praticamente nada.

Tentei transformar o nome “Fim da Linha” em algo positivo no Continente Demônio, mas nunca fomos nada mais do que um grupo de aventureiros enquanto estávamos lá. No Continente Millis, esse nome simplesmente não tinha o mesmo peso. Eu pretendia bolar uma nova estratégia, mas ela continuou sendo adiada, e então chegamos ao Continente Central e não pude fazer mais nada para ajudá-lo. Eu gostava de pensar que tudo o que tínhamos feito teve algum impacto, mas não podia apagar a história considerável de opressão no mundo e não podia fazer nada sobre os preconceitos que as pessoas tinham em relação à tribo Superd.

— Não, você fez muito. Você me ensinou que meu método simples de salvar crianças não era o único existente.

— Mas nenhum dos meus métodos foi muito eficaz — rebati.

— Ainda assim, eu mudei. E me lembro de tudo. As palavras daquela velha na cidade de Rikarisu que, graças aos seus esquemas, disse que não achava a tribo Superd assustadora. Os olhares nos rostos daqueles aventureiros quando ouviram o nome “Fim da Linha”… como não estavam com medo, mas sim rindo alegremente. A proximidade que senti com os guerreiros da tribo Doldia e como me aceitaram mesmo depois que eu disse que sou um Superd. E os soldados de Shirone, e como choraram ao me agradecer quando se reuniram com suas famílias.

Tirando os dois primeiros casos, todo o resto aconteceu pelos esforços do próprio Ruijerd. Eu não fiz nada.

— Essas foram coisas que você fez sozinho — falei.

— Não. Eu não poderia fazer nada sozinho. Nos quatrocentos anos desde a guerra, trabalhei sozinho, incapaz de dar um único passo à frente. Quem me ajudou nesse passo foi você, Rudeus.

— Mas isso só aconteceu por causa do conselho do Deus Homem.

— Eu não me importo com um deus que nunca vi. A pessoa que realmente me ajudou foi você. Não importa o que você pense, sinto uma dívida de gratidão. É por isso que não quero que abaixe sua cabeça para mim. Nós dois somos iguais. Se quiser me agradecer, olhe nos meus olhos — disse Ruijerd enquanto estendia o braço em minha direção.

Eu o olhei nos olhos enquanto estendia a mão e agarrava a sua com a minha.

— Vou dizer de novo. Obrigado, Rudeus, por tudo que você fez por mim.

— Eu digo o mesmo. Obrigado por tudo que você fez por nós.

Quando apertei sua mão, senti a força vindo dele. Os cantos dos meus olhos começaram a arder. Ruijerd aceitou alguém como eu – alguém patético, que falhou em todo o caminho.

Depois de alguns momentos, ele puxou a mão e colocou-a no topo da cabeça de Eris.

— Eris — disse.

                — O que…?

— Posso tratá-la como uma criança pela última vez?

— Tudo bem, tanto faz — respondeu secamente a garota.

Havia um sorriso suave no rosto de Ruijerd enquanto ele acariciava sua cabeça.

— Eris, você tem talento. O suficiente para se tornar muito, muito mais forte do que eu.

— Mentiroso. Afinal, perdi para… — A boca dela se curvou em um beicinho.

Ruijerd riu e disse as mesmas palavras que sempre usava quando praticavam.

— Você sobreviveu a um ataque em batalha de um homem que leva o nome de um deus. Você… — Entende o que isso significa, certo?

Ela olhou para ele severamente. Então, por fim, seus olhos se arregalaram com a realização.

— Entendo…

— Boa garota. — Ruijerd afagou a cabeça dela antes de afastar a mão.

Eris manteve a carranca em seu rosto e cerrou os punhos. Parecia que estava dando o seu melhor para conter as lágrimas. Afastei meu olhar dela e perguntei a Ruijerd:

— O que você vai fazer agora?

— Não sei. Por enquanto, pretendo procurar quaisquer vestígios da tribo Superd que aparecer pelo Continente Central. Se eu estiver sozinho, restaurar a honra da minha tribo não passará de um sonho dentro de um sonho.

— Então tá bom. Boa sorte. Se eu tiver algum tempo livre, vou ver se posso fazer algo para ajudar.

— Heh… E se eu tiver algum tempo livre, tratarei de procurar por sua mãe — disse Ruijerd enquanto se virava. Ele não precisava se preparar para sua jornada. Poderia muito bem seguir seu caminho mesmo que partisse apenas com as roupas do corpo.

No entanto, o homem parou de repente e retornou.

— Isso me lembra, preciso devolver isso. — Ruijerd pegou o pingente que estava pendurado em seu pescoço. Era o pingente da tribo Migurd que ganhei de Roxy. Era o único item que unia Roxy e eu… ou pelo menos costumava ser.

— Por favor, mantenha isso com você — falei.

— Tem certeza? Não é importante para você?

— É exatamente por isso que eu quero que você fique com ele.

Quando falei isso, Ruijerd balançou a cabeça. Parecia que estava disposto a aceitar.

— Tudo bem então, Rudeus, Eris… vamos nos encontrar de novo — disse ele enquanto se afastava.

Quando o Superd disse que nos acompanharia em nossa jornada, passamos muito tempo discutindo a respeito disso, mas, agora, quando ele estava partindo, tudo parecia ter acontecido em um instante. Havia tanta coisa que eu queria dizer. Aconteceram tantas coisas desde o momento que nos conhecemos no Continente Demônio até chegarmos ao Reino Asura. Eram tantos sentimentos que palavras não seriam suficientes para descrever. Eu não gostaria de dizer adeus ao nosso companheiro.

— Vamos nos encontrar de novo.

Todos esses sentimentos foram embrulhados nessas poucas palavras enquanto sua silhueta se afastava. Isso mesmo – só precisamos nos encontrar de novo, disse a mim mesmo. Certamente o faríamos. Enquanto ainda estivéssemos vivos, definitivamente nos encontraríamos de novo.

Eris e eu vimos Ruijerd partir, em silêncio e com gratidão por tudo que ele fez por nós, até que o homem desapareceu completamente.

Foi assim que nossa jornada chegou ao fim.

 

 


 

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