A cidade de Rikarisu é uma das três maiores colônias do Continente Demônio. Na época da Grande Guerra Demônio-Humano, serviu como base para as forças da Imperatriz Demônio Kishirika Kishirisu. Mesmo agora, às vezes é chamada de Antigo Castelo de Kishirisu.
A primeira surpresa que aguarda os visitantes de primeira viagem é sua localização incomum. Rikarisu fica no meio de uma enorme cratera, cuja borda forma uma única e contínua muralha ao redor de toda a cidade. Em tempos de guerra, essas defesas naturais ajudaram a cidade a se proteger de vários cercos inimigos – e hoje, ainda servem para proteger a cidade contra hordas de monstros.
Bem no centro da cidade ficam as ruínas do Castelo Kishirisu, semidestruído durante os eventos da Guerra de Laplace. Muralhas externas impressionantemente espessas cercam o castelo preto-e-dourado, é uma visão que oferece aos visitantes uma lembrança da constante glória, agora desbotada, da Imperatriz e do violento e doloroso passado dos demônios.
Rikarisu é uma cidade histórica. Um lugar com uma vasta história.
E quando o sol se põe, os visitantes podem apreciar sua verdadeira beleza.
Trecho de Peregrinando pelo Mundo, do aventureiro Kant Sangrento.
Essas palavras eram a soma total de tudo que eu sabia sobre a cidade de Rikarisu, à qual havíamos recém-chegado.
Havia apenas três entradas para a cidade, todas elas eram rachaduras na borda da cratera. As muralhas do lugar eram surpreendentemente altas. A menos que pudesse voar, seria difícil passar por cima delas.
Dois guardas armados estavam posicionados fora de cada uma das entradas. Eles evidentemente levavam a segurança do local a sério.
Lancei um olhar pensativo na direção de Ruijerd.
— O que foi, Rudeus?
— Ruijerd… nós podemos entrar nesta cidade, né?
— Eu nunca coloquei os pés nela. Sempre me expulsam.
A humanidade temia e odiava os Superds em um nível quase primitivo. Isso ficou óbvio apenas com a primeira reação de Eris. Eu esperava que as coisas pudessem ser um pouco diferentes com os demônios, mas… com base no que ouvi na aldeia Migurd, isso provavelmente era apenas um pensamento positivo demais.
— Só por curiosidade, mas quando você é perseguido, acontece exatamente o quê?
— Os guardas começam a gritar assim que eu me aproximo. Um pouco depois, um enorme número de aventureiros armados aparece correndo.
Certo, então provavelmente não teríamos nenhuma chance para nos explicarmos. Os guardas só gritariam “Pare” e, logo depois, pediriam reforços… nesse ponto seríamos esmagados por uma gigantesca onda de homens enormes.
— Nesse caso, acho que é melhor bolarmos algum tipo de disfarce.
Ruijerd me lançou um olhar penetrante.
— Disfarce?
Hm. Isso seria um problema?
— Olha, escute. No momento, nossa prioridade é só entrar, certo?
— Não estou sendo contra. Só não sei o que você quer dizer com… disfarce.
— Hã?
Uau. Pelo visto, ele não estava muito familiarizado com a palavra. Então, mais uma vez, acho que o homem poderia facilmente entrar na cidade de algumas outras formas.
— Um disfarce é só… uma maneira de mudar sua aparência e ocultar sua identidade real.
— Entendo… E como faríamos isso?
— Hmm, boa pergunta. Por que simplesmente não escondemos seu rosto? — Eu me agachei, coloquei minhas mãos no chão e comecei a canalizar meu poder mágico para ele.
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— Alto lá!
Havia dois soldados guardando o portão do qual nos aproximamos. Um era um homem de aparência séria com cabeça de cobra; o outro, um cara de aparência arrogante e uma cabeça de porco.
— Quem são vocês?! Que negócios vocês têm aqui?! — gritou o Cara de Cobra, uma das mãos já estava na espada em seu quadril.
Por outro lado, o Cabeça de Porco estava ocupado olhando em silêncio, cheio de malícia, na direção de Eris. Maldito animal sujo… É melhor que não faça graça, senão…!
Como havíamos combinado de antemão, dei um passo à frente para falar.
— Olá. Somos um grupo de viajantes.
— São aventureiros ou o quê?
— S… uh, não. Só viajantes comuns. — Quase respondi “sim”, mas não tínhamos nada para afirmar isso. Então, mais uma vez, Eris e eu éramos jovens demais, então provavelmente poderíamos ter nos passado por aspirantes a aventureiros…
— Quem é esse homem com vocês? Parece bem suspeito.
Ruijerd estava usando um capacete bruto de pedra que eu tinha criado há alguns minutos. Escondeu perfeitamente o seu rosto. Também envolvemos a ponta de sua lança em um pano; à primeira vista, poderia confundir aquilo com um tipo de cajado. Ele definitivamente parecia suspeito, mas pelo menos não poderiam dizer que era um Superd.
— Esse é meu irmão mais velho. Ele colocou esse capacete que ganhou de um aventureiro e depois não conseguiu mais tirar. Achamos que na cidade poderia haver alguém capaz de ajudar…
— Hahaha! Que otário! Ah, tá bom. Vão lá e procurem a senhora da loja de suprimentos, ela vai conseguir dar um jeito. — Rindo alto, o Cara de Cobra deu um passo para trás e abanou as mãos.
Bem, isso foi melhor do que o esperado.
De volta ao Japão, tenho quase certeza de que os policiais teriam levado um estranho com um capacete esquisito direto para a delegacia e começariam um inquérito, mas nos safamos com bastante facilidade. Talvez fosse porque Ruijerd estava com um par de crianças… ou talvez simplesmente não fosse incomum ver pessoas com capacete vagando pela cidade.
— A propósito, para onde deveríamos ir caso precisemos de algum dinheiro?
— Hã? Está procurando um emprego ou algo assim?
— Bem, nós temos que ficar aqui até darmos um jeito no capacete do meu irmão. E se cobrarem muito caro, vamos precisar de algum dinheiro.
O Cara de Cobra balançou a cabeça, murmurando:
— Sim, não acredito que aquele saco velho deixaria algo passar. — Pelo visto, era um pouco difícil negociar com a dona da loja de suprimentos. Ainda bem que isso não era problema meu. — Você provavelmente vai precisar passar pela Guilda de Aventureiros, garoto. Não sei em que outro lugar um bando de forasteiros como vocês poderia conseguir alguma coisa.
— Tudo bem. Isso…
— A guilda fica descendo nesta mesma rua. É o prédio grande. Vocês não vão se perder.
— Muito obrigado.
— Assim que tiverem feito o registro, vão conseguir um desconto nas pousadas. E só escrever seus nomes no livro, não vai custar nada.
Com um aceno de cabeça educado para o guarda, comecei a me mover em direção ao portão… só para parar no último momento.
— A propósito… há alguma razão para a cidade estar sendo protegida tão fortemente?
— Ah. Sim. Alguém disse que viu aquele monstro do Fim da Linha na área, então estamos em alerta máximo.
— Espera, sério?! Falar sobre aquele…
— Sim, sério. Vamos torcer para que ele simplesmente vá embora logo, né?
Fim da Linha, hein? Julgando pelo nome… topar com ele é a mesma coisa que estar acabado? Deve ser um monstro terrível.
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Os edifícios de Rikarisu não eram tão altos quanto os de Roa, mas parecia que havia tantos quanto. As duas cidades pareciam ter layouts bem parecidos. A maioria das coisas perto da entrada eram estábulos e estalagens que claramente recebiam mercadores viajantes.
— Hmm. A Guilda dos Aventureiros, hein…?
Com base em tudo que ouvi, os aventureiros deste mundo eram essencialmente trabalhadores temporários glorificados. Pessoas com habilidades registradas na “agência”, ou seja, na guilda; ao concluir os pedidos oferecidos, poderia construir até uma reputação. Pessoas comuns levariam uma variedade de pedidos diretamente até a guilda, e ela os distribuiria para os aventureiros que estivessem à altura da tarefa.
— Não tenho certeza de quanto poderemos ganhar lá, mas pode ser uma boa ideia fazer o registro. Eles provavelmente vão nos dar ao menos algum tipo de coisa para identificação. O que acha, Eris?
— Aah! Sim, claro! Vamos virar aventureiros! — Os olhos da garota estavam realmente brilhando de tanto entusiasmo. Sério, isso não foi nenhuma surpresa… ela sempre amou ouvir os contos de Ghislaine sobre seus dias de glória.
— Você já é um aventureiro, Ruijerd?
— Não. Até hoje nunca tinha colocado os pés em uma cidade grande o suficiente para ter uma guilda.
Ah, certo. Eles provavelmente não se importavam em abrir uma filial em cada vilarejo que encontrassem pela frente.
— Certo. Acho que, de qualquer forma, vai ser o mais conveniente…
Uma espécie de plano estava começando a tomar forma dentro da minha mente.
Não podíamos esperar que Ruijerd usasse o capacete enorme e pesado para sempre. E se mantivéssemos seu rosto escondido, ele nunca teria a chance de melhorar a reputação de seu povo. Sempre poderíamos tentar fazer algo grande logo de cara e começar a espalhar boatos sobre um guerreiro Superd sendo o responsável… Mas, como aventureiros novatos, provavelmente estaríamos apenas levando recados de um lado para o outro. Resolver problemas menores para pessoas comuns também poderia ser uma boa abordagem. Afinal, era a última coisa que esperariam de um “assassino sanguinário”. Se fôssemos diligentes o bastante, poderíamos conquistar, ao menos, a confiança das pessoas da cidade.
Ruijerd era basicamente um cara de bom coração. Coisas como encontrar crianças perdidas em algum beco poderiam funcionar bem para mudar a impressão que o povo tinha sobre seu povo, então isso poderia ser melhor do que sair matando feras enormes. Digo, salvar uma criança fez maravilhas por ele na aldeia Migurd, não fez? Com base nisso, provavelmente devíamos nos concentrar em ajudar as pessoas ao invés de ir caçar monstros sanguinários. Poderíamos apenas deixar sua bondade transparecer.
Dito isso… se quiséssemos dar a ele uma reputação de alguém que ajuda as pessoas, o capacete se provaria um problema. Eu teria dificuldades para confiar em uma pessoa que esconde o próprio rosto. Será que não podíamos mudar para algo que cobrisse apenas seu cabelo e testa? Nah, isso provavelmente nãos seria bom o bastante. A etiqueta social poderia ser um pouco diferente neste mundo, mas usar o capacete o tempo todo me parecia ser algo muito rude.
Ainda assim, ficar pegando trabalhos minúsculos anonimamente não nos levaria a lugar algum. Tínhamos que conscientizar toda a cidade da presença de Ruijerd e convencê-los de que isso era algo bom.
— Mas como diabos vamos fazer isso…?
Em primeiro lugar, ele precisava ficar reconhecível. Não importa quantas boas ações fizesse, nunca alcançaríamos nenhum progresso se fosse tudo atribuído a algum “aventureiro desconhecido”. Será que realmente seria melhor começar matando um ou dois monstros grandes? Só para fazer as pessoas aprenderem seu nome…
A força era muito valorizada neste mundo. Derrotar uma fera verdadeiramente assustadora poderia, depois, dar ao nosso pequeno grupo algum aumento na posição social. Claro, todo mundo já sabia que os Superds eram lutadores incrivelmente poderosos, então também havia uma chance de que o tiro saísse pela culatra…
Não, espera. E se a cidade estivesse em perigo iminente ou coisa assim? Algo tipo um monstro gigante e furioso correndo pelas ruas, com todos tremendo e se encolhendo de medo, até que o Herói Demônio Sexy Ruijerd saltaria ao resgate! E com uma música dramática de fundo!
Ooh. Isso seria perfeito.
O maior obstáculo era o fato de que precisávamos de um monstro furioso para que isso acontecesse, mas há poucos minutos eu tinha ouvido um nome promissor.
—Ruijerd, você sabe o que é essa coisa de Fim da Linha? — Supondo que fosse algum tipo de monstro poderoso, poderíamos encontrar uma maneira de atraí-lo para a cidade e, logo depois, eliminá-lo assim que todos começassem a entrar em pânico. Todo mundo ama uma história agradável de um claro “triunfo do bem sobre o mal”, não é?
Infelizmente, a resposta de Ruijerd atrapalhou toda a minha linha de raciocínio.
— Sou eu.
— Umm…, o quê?
Hã? Ele está começando com aquela coisa de filosofia para o meu lado de novo?
— Algumas pessoas me chamam assim, Rudeus.
Ah. Certo, então ele realmente quis falar isso, tipo, literalmente. Esse é um apelido adorável…
Isso fazia sentido. Claro que qualquer um ficaria louco se pensasse que um lendário assassino em massa estivesse vagando por perto de sua cidade. Fala sério… “Fim da Linha” parecia um pouco de exagero. Quanto medo tinham de Ruijerd? Aqueles guardas no portão realmente precisavam começar a se organizar melhor. Eles provavelmente nem viam os Superds como pessoas. Estavam esperando por um monstro vicioso e violento; nunca passou pela cabeça deles que Ruijerd poderia ser inteligente o bastante para se disfarçar.
— Hmm. E agora…?
Havia uma potencial vantagem a ser usada: aquele apelido parecia ser bem conhecido. Talvez pudéssemos usar ele, de alguma forma, a nosso favor.
— Ruijerd. Eles não têm uma recompensa pela sua cabeça ou coisa do tipo, têm?
— Não. Isso não será um problema.
É sério? Você jura? Vou acreditar na sua palavra, entendeu?
Então tudo bem. Vamos mudar um pouco desse plano.
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Antes de ir para a Guilda dos Aventureiros, passamos algum tempo vagando pelas bancas à beira da estrada, agrupadas ao redor da entrada da cidade. Lojas como essas tendiam a ser bem semelhantes em todos os lugares, mas os itens específicos oferecidos poderiam variar um pouco. Por exemplo… enquanto os estábulos de Roa ficavam cheios de cavalos para venda ou aluguel, no Continente Demônio pareciam preferir um tipo de criatura parecido com um lagarto gigante. Aparentemente eram mais adequados para terrenos íngremes e escarpados, que eram os principais desta parte do mundo. Além disso, não tinham um sistema organizado para o transporte de passageiros. Seria necessário pagar por uma carona de algum dos vários comerciantes independentes que estavam no local.
Tínhamos uma longa jornada pela frente. Havia todo tipo de coisa que eu estava morrendo de vontade de comprar. Mas já sabia o que estávamos procurando nessa viagem em particular. Só teríamos que pegar uma coisa de cada vez.
Depois de dar uma olhada rápida em tudo, para ter uma ideia dos preços de mercado dos vários itens, comecei a procurar uma barraca com um preço mais acessível e que tivesse o que precisávamos. Não estávamos com muita pressa nem nada do tipo, mas eu não queria perder horas e mais horas nisso. Tudo que queria era comprar um capuz e um pouco de tinta… Ah, e também alguma fruta cítrica.
— Ei, tio. Você não está pedindo muito caro por essa tinta? Que roubo.
— Vá com calma aí, garoto. Esse é o preço certo.
— Sério? Tem certeza?
— Claro que tenho, caramba!
— Para aquele lado tinham um negócio bem parecido pela metade do preço, sabe…
— Sério?!
— Bem tenho certeza de que o seu material é melhor, né? Hmm, esse capuz também é bacana. Olha, vou comprar a tinta e um desses negócios ali, aquele que parece um limão, então por que não deixa ele de graça?
— Hah! Que garoto chorão! Tudo bem, você ganhou. Tome!
— Ah, e enquanto estamos aqui… tem algum interesse de comprar algumas coisas que temos? Estas são genuínas peles de Coiotes Pax, e também temos algumas presas de Lobo Ácido.
— Droga, olha só tudo isso! Só um minutinho… Duas, quatro, oito… Certo. Que tal três moedas de sucata por tudo?
— Ah, vamos lá, isso vale pelo menos seis.
— Certo, certo. Pago quatro.
— Então tá bom. Foi um prazer negociar com você.
Demorou um pouco, mas consegui finalizar tudo com uma única transação. Como realmente não sabia qual era o preço da maioria das coisas do local, não tinha certeza de quanto dinheiro tinha acabado de gastar. Para ser honesto, tinha uma leve impressão de que aquele cara me enganou.
Ah, tanto faz. De qualquer forma, isso nos deixou com uma moeda de ferro, quatro de sucata e dez de pedra. Este dinheiro foi um presente dos pais da Mestra Roxy. Eu teria que pensar bem antes de gastá-lo.
Com o fim das compras, nós três fomos para um beco silencioso. Eu estava um pouco preocupado com a possibilidade de encontrar alguns marginais estereotipados… mas, mais uma vez, Ruijerd cuidaria disso, não? Podia até ser uma boa chance para levantar alguma grana…
— Ei, Ruijerd. Se alguém aparecer para nos assaltar, poderia espancar eles só até ficarem roxos?
— Até que fiquem quase mortos?
— Ah, não. Só precisa bater um pouco, obrigado.
Infelizmente, ninguém apareceu para nos incomodar. Mas quando parei para pensar nisso, caras desesperados para roubar os outros, em primeiro lugar, não teriam muito dinheiro.
— Certo, Ruijerd. Vamos começar tingindo o seu cabelo.
— Tingindo o meu cabelo…?
— Exato. É para isso que serve isso aqui.
— Entendo… Então você quer mudar a cor dele? Com certeza é uma boa ideia. — Ele parecia genuinamente impressionado. Acho que as pessoas normalmente não tingiam o cabelo neste mundo. Ou isso, ou Ruijerd simplesmente não sabia dessa possibilidade. Ele claramente não passava muito tempo em vilarejos ou cidades. – Entretanto, não seria melhor ter escolhido uma cor menos parecida com a minha?
Escolhi uma tinta azul – uma bem próxima da cor do cabelo dos Migurds.
— Nah. A aldeia Migurd fica a apenas três dias à pé daqui, então provavelmente há muitas pessoas aqui que sabem da existência deles. Achei que devíamos transformá-lo em um deles, Ruijerd.
— E quanto a vocês dois…?
— Ah, nós somos apenas badecos. Você nos ajudou e nos acolheu em algum momento.
— Badecos…? Pensei que fossem guerreiros, em pé de igualdade comigo.
— Bem, sim, nós somos. Estou falando sobre a história que vamos usar. Não se preocupe, você realmente não precisa lembrar de tudo… Só vou agir como seu escudeiro quando estivermos perto de outras pessoas.
Nosso próximo passo seria dar uma espécie de show.
Levei algum tempo para explicar a Ruijerd como seria o nosso espetáculo. Desse momento em diante, ele seria um jovem Migurd chamado “Royce”, que recentemente começou a personificar o infame guerreiro Superd, Fim da Linha.
Royce sempre desejou inspirar medo e admiração nas pessoas. Há não muito tempo, encontrou duas crianças perdidas no deserto – uma que era capaz de usar magia e outra que se provou talentosa manejando uma espada. Ele salvou suas vidas e os dois começaram a idolatra-lo desde então.
— Vocês me idolatram?
— Uhm, acho que não chega a tanto.
— Entendo.
De qualquer forma, essas duas crianças eram na verdade lutadores muito poderosos para suas idades. Assim que percebeu isso, Royce teve uma ideia inteligente: por que não assumir a identidade do lendário guerreiro Ruijerd? Parecia a forma mais fácil possível de instaurar medo nos corações de todos que encontrasse. Claro, Royce sempre foi extraordinariamente alto para um Migurd. E seus dois jovens companheiros eram muito competentes. Se ele apenas reivindicasse todas as conquistas como suas, ficaria famoso em pouco tempo.
— Este homem é um sem vergonha. Não tem o direito de usar o meu nome.
— Sim, é totalmente desprezível. Mas digamos que este falso Ruijerd comece a fazer boas ações. O que as pessoas pensariam?
— Não sei… O quê?
— Que ele é obviamente uma farsa, assim como um cara de bom coração.
Precisávamos que nosso ato fosse bem cômico e um pouco incoerente. A chave era fazer com que todos pensassem que o impostor de Ruijerd fosse uma completa fraude, e que por acaso também era uma pessoa estranhamente decente.
— Hmm…
— Bem, resumindo, se começarem a circular notícias de que esse falso Ruijerd é um cara legal, estaremos no caminho certo. O boato ficará cada vez maior conforme o tempo passar e, eventualmente, as pessoas começarão a falar que o “Ruijerd” é um cara legal.
— Isso tudo parece maravilhoso… mas vai mesmo funcionar desse jeito?
— Ah, com certeza — respondi em um tom de grande confiança. Bem, de qualquer forma, tentar não machuca. Todo mundo já pensava em Ruijerd como um monstro cruel; sua reputação não iria piorar.
— Entendo. Eu não fazia ideia de que um plano tão simples poderia funcionar…
— Acredite em mim, não será simples. E sempre existe a chance de algo dar muito errado. – Como regra geral, qualquer plano de longo prazo acaba dando errado em algum momento. Quanto mais detalhado e complexo for, mais errado pode dar. Ainda assim, contato que conseguíssemos criar toneladas de rumores sobre Ruijerd circulando, havia uma boa chance de que sua reputação começaria a ficar mais de acordo com sua natureza de bom coração.
— Verdade. O que propõe que façamos se descobrirem as mentiras?
— O que quer dizer? Você não precisa mentir, Ruijerd.
— Não entendo…
Ele estaria desempenhando o papel de “um Migurd que se autodenomina um Superd”. Na maior parte do tempo, estaria fazendo boas ações e conquistando o carinho público, assim como desejado. Não precisaria mentir nem sobre seu nome.
Aquilo de “Royce” era basicamente uma explicação alternativa que eu usaria se alguém começasse a suspeitar que Ruijerd realmente fosse quem dizia ser. O próprio homem continuaria usando seu nome verdadeiro. Ele admitiria abertamente que era um Superd chamado Ruijerd. Mas, ao mesmo tempo, todo mundo decidiria por conta própria que na verdade se tratava de um Migurd chamado Royce tendo delírios de grandeza.
Em outras palavras, ele não precisava falar nada que não fosse verdade. Eu estaria cuidando de todas as mentiras pelos bastidores. Senti que Ruijerd provavelmente iria se opor em me deixar enganar as pessoas em seu nome, então decidi não mencionar essa última parte.
— Todo mundo vai presumir que você realmente é um Migurd, entende?
— Ah, certo. Sou eu que estarei fingindo ser eu mesmo… Mas, espera, também tenho que agir como se fosse Royce…? Rudeus, isso está me deixando com dor de cabeça. Eu preciso fazer exatamente o quê?
— Não se preocupe com essas coisas. Só seja você mesmo.
Ruijerd parecia mais do que só um pouco relutante. Quaisquer que fossem seus outros talentos, o homem provavelmente não foi criado para ser um ator.
— Assim sendo, certifique-se de não atacar e matar ninguém que te provocar, tá?
— Hmm… Quer dizer que não devo entrar em nenhuma briga?
— Você pode entrar se precisar, mas finja estar tendo dificuldades. Dê uns socos, comece a respirar pesado, coisas assim. No final, tente fazer parecer que você mal conseguiu vencer.
Quando as palavras saíram da minha boca, percebi que talvez Ruijerd não fosse sequer capaz de fazer um show desses, mas…
— Quer que eu vá com calma? Qual é o objetivo disso? – Pelo visto não seria um problema.
— Queremos que as pessoas pensem que você é fraco demais para ser o verdadeiro Ruijerd. E queremos que seus oponentes pensem: “Ei, e se ele for o real? Isso não me tornaria incrível?”
— Acho que não entendi…
— É uma forma de convencer as pessoas de que você é uma fraude, ao mesmo tempo em que faz todos se sentirem bem consigo mesmos.
— Mas o que fará com que se sintam bem?
— Isso vai incentivá-los a espalhar boatos de que os Superds são na verdade moleza.
Ruijerd fez uma careta.
— Os Superd não são moleza.
— Acredite em mim, eu sei. Mas sua força é parte do que faz as pessoas terem tanto medo de você. Se acharem que você é fraco, isso pode nos ajudar a resolver os conflitos pacificamente, igual acabamos de fazer no portão.
Dito isso, também não queríamos que todos pensassem que seu povo era moleza. Isso poderia acabar incentivando mais assédio aos vilarejos Superds sobreviventes… assumindo que ainda houvesse algum perdido por aí. Este seria um ato bem delicado para se equilibrar.
— Hm. Bem, se você diz, Rudeus…
Então tudo bem. Acho que isso serve por agora.
Não senti necessidade de dar muitas instruções específicas no momento. Isso só aumentaria nossas chances de estragar alguma coisa.
— De qualquer forma… vou te dar todo o apoio que puder, Ruijerd. Mas o resultado, no final, vai depender de você, entendeu?
— Claro. Muito obrigado, Rudeus.
Com as explicações iniciais finalizadas comecei a descolorir o cabelo dele usando o suco das frutas parecidas com limão que compramos há alguns minutos.
O resultado não foi um dos melhores, mas seu cabelo verde esmeralda natural desapareceu quase todo. Fui em frente e espalhei a tinta azul.
Hmm. Não é o melhor dos trabalho que já vi.
Ainda assim, pelo menos não parecia mais tão verde. Talvez ele estivesse até parecendo com um Migurd? De longe? Se ignorasse sua altura?
Bem, Ruijerd realmente não parecia um Superd, e isso era o que importava. Um disfarce meio ambíguo provavelmente era o que mais queríamos. A reação ideal seria algo como… “Esse cara meio que parece um Migurd, mas não tanto. E está se autodenominando um Superd, mas também não parece… Então, que diabos?”
— Além disso, acho que você devia usar isso – falei, pegando meu pingente e colocando em Ruijerd.
— Este é… um amuleto Migurd, não é?
— Sim. Minha mestra me deu como presente de formatura, e eu uso ele desde então. — Com isso pendurado em seu pescoço, todos iriam ao menos assumir que estava de alguma forma conectado aos Migurd.
— Então deve ser precioso para você. Vou me certificar de devolvê-lo em segurança.
— Sim. Faça isso.
— Claro.
— Só avisando, posso precisar te matar se perder isso.
— Entendido, Rudeus.
— Especificamente, eu bloquearia todas as saídas da cidade usando magia de terra e, depois, encheria toda a cratera, até a borda, com magma.
— O quê? Você mataria todas as outras pessoas daqui também? Tem crianças nessa cidade, sabe.
— Hrm. Se realmente está preocupado com isso, é melhor que cuide bem desse amuleto.
— Hrm… Se realmente está tão preocupado com isso, então para começar não devia me emprestar…
— Ruijerd, vamos lá. É óbvio que só estou brincando!
Agora, então… o próximo passo seria colocar o capuz que comprei antes em Eris. Aquele cabelo ruivo era muito chamativo, e queríamos que a atenção de todos se voltasse para o nosso protagonista.
— Então, Eris, estava pensando…
Neste ponto, desdobrei a coisa pela primeira vez e percebi que ela tinha orelhinhas de gato… uma coisa mais ou menos parecida com os capuzes que os magos brancos usavam em Final Fantasy III.
Isso foi feito para uma pessoa fera ou coisa do tipo? Que droga. Talvez eu tivesse estragado tudo. Eris não era lá muito exigente com suas roupas, mas, pelo que me lembrava da saudação tradicional da família Boreas, ela com certeza odiaria fazer cosplay de gata.
— Uh… bem, sobre este capuz…
— Hã? Ah! Uhm, o que tem isso?
— Estava pensando… que você talvez pudesse usá-lo…
— Sério?!
Por alguma razão, a garota pareceu realmente muito feliz. Talvez ela não odiasse tanto aquela pose quanto pensei…? Eris colocou o capuz na mesma hora, sorrindo feliz.
— Vou cuidar bem disso!
— Bem, tá bom então. Eu realmente não entendi o porquê, mas deu certo! Excelente!
Agora então… parecia que estávamos prontos para ir até a Guilda dos Aventureiros. Isso precisava ser meio cômico. Só precisava manter isso em mente.
Deus, espero que dê tudo certo…
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