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Matador de Goblins – Vol. 09 – Cap. 07 – A Caverna da Bruxa do Gelo

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— Tudo bem, seus otários! É hora de se preparar! — a Bruxa de Gelo gritou, fazendo com que os pés-grandes se levantassem. — Se deixarem de trazer no mínimo uma lebre hoje, como aqueles vermes de ontem, terão severas consequências a se pagar, mais uma vez!

— Se acabarem ficando com um pouco de fome, a culpa será apenas sua.

Com isso, todos os pés-grandes olharam para um único membro de seu grupo. Ele murmurou algo rancorosamente, mas não parecia ter coragem de desafiar seus companheiros abertamente.

E isso era bom, pensou a Bruxa de Gelo. Fazer os idiotas se encararem e lutarem entre si;  funcionou como imaginava.  E se por acaso um deles voltasse seu ódio contra ela, não importaria. Já havia tomado precauções contra tal eventualidade…

Essas bestas requerem um pouco de cuidado especial.

Problemas para controlá-los, problemas para reunir uma horda tão facilmente manipulável.  Veja: com apenas algumas palavras afiadas, fez todo o grupo encarar um de seus próprios companheiros. Muito fácil. O único problema era, ela suspeitava que essa pequena distração tinha tirado sua ordem de suas cabeças.

A Bruxa de Gelo bateu palmas, sem fazer nenhum esforço para esconder sua irritação. — Vamos, vamos, por acaso já esqueceram o que eu disse?!

— Mas esse rato, ele—

— Apressem-se, ou aquele sol asqueroso estará no topo do céu quando chegarem lá!

Um olhar penetrante e os pés-grandes finalmente se afastaram em um uníssono de passos fortes. Hoje, ela iria mais uma vez fazer com que saqueassem a aldeia harefolk, uma tarefa simples, mas percebeu que seria melhor assim.  Era muito cedo para fazer qualquer movimento ousado. Estava na hora de aumentar suas forças.

O tempo estava do lado deles. Não havia necessidade de pressa. Ela garantiria que os espíritos da primavera permanecessem adormecidos, prolongando o inverno, tornando seus pés-grandes cada vez mais poderosos.  E então…

Então não haverá nada a temer, palavras que ela nunca poderia dizer em voz alta.

Independentemente disso, as coisas certamente seriam mais fáceis.  Ela não precisava conquistar a capital;  tomar posse de apenas uma cidade seria o bastante. Poderia facilmente viver por séculos assim.  Os homens-lebre eram saborosos, mas estava ficando cansada de comê-los. Começava a desejar o sabor agradável de uma jovem humana…

— Oh?

A Bruxa do Gelo estava lambendo os lábios quando sentiu o cheiro.  O aroma de uma garota tão jovem que poderia muito bem ainda estar usando fraldas.  Ela olhou em volta, torcendo o nariz, para descobrir uma figura de pé bem na entrada de sua caverna. Essa pessoa era pequena e delicada, uma criança sozinha, vestida com vestes sacerdotais e em posse de um cajado de som.

— Uma aventureira?!

— É a Noman!

Antes mesmo de o pé-grande terminar de falar, a garota ergueu o cajado de som mais alto.

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós que estamos perdidos na escuridão!!

Houve um clarão ofuscante, o brilho do sol aniquilando a escuridão da caverna..

 

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  • Agora é nossa vez! — Sacerdotisa exclamou. — Vamos lá!
  • Isso aí! E o primeiro abate vai para os lagartos! Eeeyaaaaahhhhh!!

Enquanto os pés-grandes cambaleavam para trás com seus olhos queimados pela Luz Sagrada, Lagarto Sacerdote mergulhou entre eles com um grito de guerra ensurdecedor.

  • Ó chifres e garras de nosso pai, Iguanodon, teus quatro membros se tornam duas pernas para andar sobre a terra!!

Atrás dele, um Guerreiro Dragodente deu um grito mudo, ossos chacoalhando enquanto avançava.

Garras, presas e cauda golpeadas aos pés dos pés-grandes;  eles gritavam e cambaleavam para trás.

  • Gyaaah!
  • Yowww!

A situação ficou pior para eles com a chuva de flechas que disparou pelo ar. Os pés-grandes tinham pelos grossos, mas ainda pareciam ser picados por insetos venenosos, repetidamente.

Eles entraram na grande sala.  Movendo-se entre as pernas dos pés-grandes como se estivessem entre as árvores de uma floresta tropical, a Alta-Elfa Arqueira preparou sua próxima flecha.

— Vamos logo, Anão! Você é tão lento quanto é baixo!

— Tch, Orelhas de Elefante! Já disse antes para você ter paciência…!

Se as pernas dos pés-grandes eram como árvores, então um bom golpe de machado devia conseguir derrubá-los. Anão Xamã empunhou a sua arma contra os monstros trôpegos como um lenhador experiente.

— Yaaah!!

— ?!?!?!?!?!

Já não havia mais gritos. Um pé-grande, com os dedos ligados aos pés apenas por tiras de pele, pousou no chão com um baque imenso, segurando seu pé e soluçando.

— O que diabos vocês estão fazendo?! — Bruxa de Gelo gritou, com a mão ainda sobre os olhos por causa do clarão ofuscante, interrompendo a tagarelice de seus capangas.

Essa oportunidade não poderia ser perdida.

— Agora mesmo, se puder…! — Sacerdotisa disse para a Alta-Elfa Arqueira, e então começou a correr. A Alta-Elfa Arqueira chutou a parede para pegar impulso e mirou nas orelhas dos pés-grandes.

— Deixa comigo!

Lá estava sua resposta, e os urros dos pés-grandes. Sacerdotisa os manteve atrás dela, e três figuras a seguiram: Guerreiro Novato, Clériga Aprendiz e Caçador Coelho.

— Uau, que foda…! — Guerreiro Novato suspirou, assistindo Lagarto Sacerdote bater no pé-grande com sua calda e fazendo com que ele caísse. Ele e os outros pareciam positivamente animados enquanto corriam pela sala caótica.

 

 

 

— Não consigo acreditar. — disse Clériga Aprendiz, tentando manter sua respiração estável. — ele simplesmente avançou daquela forma…

— Em momentos como este, o mais simples pode ser o melhor. —  Sacerdotisa disse timidamente. — Cegando-o e depois indo para seus pés… Que conveniente. — Ainda correndo, ela lançou um olhar para os três atrás dela. Já havia trabalhado com dois deles antes, mas esta era sua primeira vez lutando ao lado do Caçador Coelho. A lebre estava se movendo muito rapidamente, acostumada a correr pelas montanhas. Mas no que dizia respeito à experiência de aventureiro, por mais que ela odiasse comparar o jovem consigo mesma, a lebre não tinha nenhuma.

A Sacerdotisa tentou ter consideração pelo Caçador Coelho. Assim como ele sempre teve com ela.

— Continuaremos indo mais fundo! — ela anunciou, e Caçador Coelho assentiu.  Bastava saber o que fazer.

— Mas para que lado?

— Vejamos…! — Clériga Aprendiz se concentrou na vela em sua mão. Felizmente, a chama mágica não mostrou nenhum sinal de gotejamento, apesar da batalha anterior. Na verdade, era o tamanho cada vez menor da vela que a preocupava, mas parecia que  estavam indo bem por enquanto. — Por alí! Pela passagem central! — Ela apontou para um dos incontáveis ​​túneis.

As orelhas do Caçador Coelho agitaram-se.

— Mas não tenho certeza se os pés-grandes serão capazes de nos seguir para dentro…!

— Faremos nosso melhor! — Sacerdotisa acenou com a cabeça e manteve seu cajado perto enquanto avançava em direção ao túnel. — Vamos lá!

Sim, se a Bruxa de Gelo é de fato a mestre dos pés-grandes…

        Então ela com certeza não iria querer que aqueles macacos enormes colocassem suas mãos na flecha de prata, pensou Sacerdotisa.  Ela a colocaria em algum lugar que os pés-grandes não conseguissem alcançar.  E se ela conseguisse encontrar a flecha, eles poderiam evitar lutar contra os pés-grandes. Só precisavam evitá-los por um momento.

Isso demandaria um pouco… tá bom, muita sorte, mas…

Ela estava feliz por tudo ter corrido bem até agora. Sacerdotisa mentalmente deu um suspiro de alívio.

— Não sou um especialista nisso, mas tem que ser aqui, certo? Mergulhe lá e pegue! — exclamou o Guerreiro Novato, segurando sua arma firmemente. Ele estava obviamente de bom humor, talvez inspirado ao ver três aventureiros do ranking Prata lutando diante de seus olhos.

Sacerdotisa sorriu um pouco com a determinação que emanava de seu olhar.

— Esse é o espírito, mas vamos nos apressar e ser cautelosos. Eu espero que o próximo—

Antes que pudesse terminar sua frase, uma rajada de vento fétido veio de trás deles.

— Caramba, isso pode dar merda. — Caçador Coelho estremeceu, as orelhas ficando inquietas.

Sacerdotisa também tinha ouvido.  Um som estranho. Zazaza, assim fez, como areia sendo agitada no chão. Algo estava acontecendo. Algo.  Mas o quê…?

— Ugh…

— Aqui também, não…!

O Guerreiro Novato e a Clériga Aprendiz pareciam angustiados, como se isso fosse mais do que eles podiam suportar.  O som pressionou atrás deles, como se fosse engolir o grupo inteiro.  Sacerdotisa, segurando seu cajado e olhando para trás, viu uma sombra diabólica surgindo da boca do túnel.

— Seeeeus… insetos.. imuuuuundos!! — a Bruxa de Gelo os amaldiçoou, acompanhada por uma aura gélida que distorceu as sombras ao seu redor.

Não… Aquelas não eram sombras.  Eles tinham vindo, tremeluzindo, como uma maré crescente para consumir Sacerdotisa…

— Ratos gigantes?! — ela exclamou.

— Oohdaaaaaraa!! — O grito do Guerreiro Novato veio quase no mesmo momento.  Ele mirou um poderoso golpe de duas mãos na criatura em sua frente, pegando mais uma ou duas no ato.  Eles voaram pelo ar, ainda fazendo aquele som bizarro, até que atingiram as paredes do túnel, mexeram-se uma vez e ficaram imóveis.

Guerreiro Novato havia passado muito tempo lutando contra ratos e baratas nos esgotos para perder a oportunidade de agir. Ele saltou, balançando o porrete em sua mão, bash, bash, bash.

— Só queria que nos pagassem por esses ratos de agora!! — gritou.

— Sem mimimi, aí vem outro!!

Golpear com um porrete ocupa muito espaço e seus adversários eram muitos. Nesse caso não era diferente. Clériga Aprendiz agarrou cacos de gelo do chão, embrulhou-os em um pano e os lançou voando como adagas. Os ratos cambalearam para trás, expondo suas barrigas, que Guerreiro Novato esmagou obedientemente.

 

 

 

— Experimente sentir o tamanho do meu esmaga-tórax!!

A barriga era o melhor lugar para romper a pele grossa dos ratos. Ele trouxe sua espada, que segurava em um aperto reverso com a mão esquerda, para baixo em seus peitos, esfaqueando-os.  Então esfaqueou novamente, acertando um golpe com seu porrete e evitando o jato de sangue do oponente caído, tudo em um único movimento. Empurrou o cadáver para o lado.

— Ponha isso na sua boca e nos custará caro, literalmente…!

— Sim, temos que economizar dinheiro onde pudermos! Ei, que tal você apenas fechar essa matraca?!

— Sem tempo!

Clériga Aprendiz atirou pedras, e Guerreiro Novato manteve sua espada em movimento, enquanto zombavam. Sacerdotisa os observou com algo como espanto, antes que finalmente voltasse aos seus sentidos com uma respiração acelerada. — Acho que isso pode funcionar! — ela acenou com a cabeça para si mesma.

— Não exatamente do jeito que gostaria, no entanto! — Gritou Clériga Aprendiz. Mesmo enquanto falava, sua espada e escamas agiam, atacando o rato mais próximo. Ela realmente estava acostumada com isso. — Não posso prometer que conseguiremos deter todos, mas por enquanto, pode deixar a retaguarda conosco…!

— Você ouviu a srta, dê um passo à frente!! — Guerreiro Novato exclamou, fazendo uso de seu porrete tanto quanto podia naquele espaço estreito.

— Não fique convencido! — Clériga Aprendiz o lembrou, olhando fixamente. Sacerdotisa pensou ter visto um lampejo de alguém familiar naquele olhar;  ela piscou.

— Certo, contamos com você! — disse Sacerdotisa.

— Fazem bem!

      Clériga Aprendiz jogou a vela para ela e a Sacerdotisa voltou a correr ao lado do Caçador Coelho. Rachaduras e estalos continuaram soando atrás dela. Ouviu o grito de uma garota, o guincho de um rato, a maldição e os insultos da Bruxa de Gelo. Sacerdotisa esfregou os olhos e avistou um Rato Gigante prestes a passar por ela, um que havia escapado da confusão.

— Yah!

Aparentemente, tudo o que era necessário para botar um rato para correr era um bom golpe, eles não eram como goblins.

Caçador Coelho, correndo ao lado da Sacerdotisa, murmurou. — Todos são tão incríveis…

— Sim! — Sacerdotisa exclamou, tentando manter sua respiração estável mesmo enquanto espremia sua felicidade em ouvir seus amigos elogiados. — São  realmente fantásticos, não são?

Alta-Elfa Arqueira, Lagarto Sacerdote, Anão Xamã. Sem contar  a Clériga Aprendiz e o Guerreiro Novato. Pessoas incríveis, cada um deles.

Não como ela.

“…”

Caçador Coelho deu a ela um curioso movimento de cabeça.

— Sabe, eu quis dizer você também, senhorita.

—Huh…? — Sacerdotisa, repentinamente sem fala, continuou olhando para frente.  Ela podia sentir suas bochechas corando enquanto corria. Estava feliz pela escuridão dominar o lugar. — P-puxa, você… você realmente acha isso?

— Claro que sim.

Se isso for verdade…

 Se realmente quiseram dizer isso, não foi graças à sua própria força.  Foi tudo por causa do que ele fez, embora não estivesse com eles naquele momento.

A chama da vela queimava com intensidade na mão da Sacerdotisa.

A flecha de prata estava perto.

 

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No meio de toda a confusão, a Bruxa de Gelo, fiel ao seu nome, permaneceu tão fria quanto um lago congelado. Os gigantes estavam se debatendo e se espatifando atrás dela;  à sua frente erguia-se a horda de ratos.

Quem fez que isso acontecesse?

Mal teve que pensar sobre isso para saber a resposta. Era aquela menina, com seu cajado e suas ordens.  Ela os estava liderando.

Vestes brancas. Uma sacerdotisa que conquistou o amor da Mãe Terra. Noman.

Essa garota, ela é a chave! 

— Você… Hrgh!

— Há um aqui! Outro, à direita!!

— Mesmo?!

Para seu aborrecimento, dois dos aventureiros, quase sem idade o bastante para seus empregos, despacharam seus ratos, confiantemente.

Eh, pelo menos isso deve mantê-los distraídos.

A Bruxa de Gelo riu, expondo uma garganta vermelha como sangue. Presas afiadas brilharam, sendo refletidas na neve.

 Então, instantaneamente, seu corpo se dividiu em incontáveis ​​flocos minúsculos, passando pelos ratos, pela menina e pelo menino. Estremeceram com um vento que gelou seus ossos, mas não podiam fazer mais do que isso.

Se quisessem sobreviver, teriam que lutar. Isso era claro para todos os presentes.

 

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— Ooh, acha que é algo assim? — Depois de um período de corrida pela escuridão, tentando prestar atenção aos seus pés e nas costas, Caçador Coelho parou, as orelhas agitadas.

Sacerdotisa piscou, viu um baú  oblongo velho em uma depressão sobre a pedra. A vela na mão dela voltou à vida, tão quente que era quase difícil de segurar. Parecia que a lebre estava certa.

— Consegue abrir isso? — perguntou Sacerdotisa, ajustando sua respiração.

— Eh, nós descobriremos. — Caçador Coelho disse sutilmente, então colocou a mão atrás da orelha.

— Tenho que tentar. Se não abrirmos, estaremos perdidos; isso nós sabemos.

Caçador Coelho produziu algo tão fino quanto um pequeno galho e inseriu na fechadura. Depois de muito tatear e quebrar dois ou três galhos, ouviu-se um clique.

— Pronto, aqui está.

— Há alguma armadilha…?

— Mmm, só há uma maneira de descobrir. Não inspecionei a tampa ainda.

Sacerdotisa olhou para trás, para os sons implacáveis ​​da batalha que ecoavam pelos túneis atrás deles, mas Caçador Coelho assentiu.  Provavelmente ficaria bem, Caçador Coelho parecia pensar, com aquele otimismo especial das lebres. Afinal, a Bruxa de Gelo provavelmente nunca imaginou alguém além dela abrindo este baú. Isso não daria a ela qualquer motivo para armadilhas. E se disparasse um alarme, ótimo. Não significaria muito agora.

E uma armadilha mágica? Cruzaremos a ponte se chegarmos a isso.

Aquela mão peluda colocou uma faca chata e cega entre a tampa e o baú, verificando se havia um arame, e pronto.

— O que me diz sobre tentarmos abrir essa coisa?

— Sim, por favor!

A tampa começou a se levantar com um rangido forte, então finalmente atingiu o chão da caverna com um estrondo.

Dentro havia um brilho deslumbrante de prata.

 Uma flecha do mais puro metal.

Os olhos da sacerdotisa se arregalaram: em seus um ou dois anos de aventuras, ela podia contar em uma mão o número de tesouros que poderiam ser comparados a este..  Oportunidades para ver equipamentos mágicos, apesar do equipamento do Lagarto Sacerdote, eram poucas e raras.  Mesmo assim, ela sabia: aquela não era uma flecha comum. Era uma arma sagrada, o tipo de coisa que é mencionado em canções e velhas lendas.

— Com isso…!

— Podemos fazer dar certo! — Caçador Coelho disse.

Erguendo rapidamente seu bastão, Sacerdotisa estendeu a mão delicadamente para a flecha. Ela sentiu um calor sutil percorrer seus dedos.  Quando a pegou, era leve como uma pena.

Ela a estendeu com reverência.

— Bem, er, aqui está.

— Buh? — Os pequenos olhos de Caçador Coelho se arregalaram. — Quem? Eu?

— Tenho alguma experiência com estilingue, mas nunca disparei uma flecha…

E de qualquer maneira, isso pertencia ao seu pai.

Sacerdotisa sorriu. Caçador Coelho engoliu em seco, em seguida, pegou a flecha com suas mãos fofas. — O-ok, bem, acho que não me importo de pegá-la então…

— É claro. Boa sorte com isso!

Assim que pegaram a flecha, o Caçador se certificou de que ela estava guardada com segurança ao lado da machadinha. Então a lebre começou a tatear. — O r-r-remédio…

— Não entre em pânico, ok? Você não o deixaria cair.

— Não, é claro que não!

Isso serviria. Agora tudo o que precisavam fazer era voltar. Os dois acenaram um para o outro e começaram a voltar por onde tinham vindo. Tiveram que passar seu caminho em torno de cadáveres de ratos aqui e ali, os corpos congelados com sangue escuro e pegajoso. Não queriam pensar no que aconteceria se dessem um passo em falso e escorregassem dali.

Os sons da batalha gradualmente ficaram mais próximos. Greves e colisões. Um menino e uma menina gritando.  O guincho de ratos.

— Parece que eles ainda estão os segurando…!

— Estou feliz por termos chegado a tempo!

Sacerdotisa e Caçador Coelho acenaram um para o outro, a clériga sorrindo.  Não faltava muito agora. Ela arrumou sua saia e correu, gritando alegremente: “Estamos de volta…!!”

Foi então que aconteceu.

      Um vento brutal e gelado passou por eles.

 

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— Wha…? — Sacerdotisa piscou para limpar a geada de suas sobrancelhas. Ao seu lado, Caçador Coelho dizia algo.  Ao longe, podia ouvir o Guerreiro Novato e a Clériga Aprendiz. Mas tudo isso foi abafado por um som agudo e lamentoso em seus ouvidos.

 Ela se viu bem no meio de uma nevasca.

 Com frio, se curvou para frente, apenas para descobrir algo que parecia macio.  Seus dedos tocavam sua pele nua.

 — Wha…? Oh… não…?!

 Estou nua…?!

 Quando percebeu que não estava usando sequer um tecido de roupa, Sacerdotisa corou furiosamente e abraçou a si mesma. Fria e humilhada, ela estremeceu. Embora seu rosto estivesse corado, estava congelando até os ossos. A nevasca soprou com tanta força que doeu, tirando as lágrimas de seus olhos. Sentiu um formigamento no pescoço. Ela tateou em busca de seu cajado, encontrou-o e de alguma forma conseguiu se sustentar.

 Quando se levantou e tentou andar, o vento agrediu seu corpo delicado, jogando-a de um lado para o outro. Não conseguia dar um único passo.  Sem ideia do que fazer, Sacerdotisa começou a fungar e choramingar.

— Ei. — A voz incrivelmente calma e fria veio quando seu espírito estava no auge do desolamento.

 Sacerdotisa piscou novamente, esforçando-se para ver qualquer coisa através da névoa branca ao seu redor.  — Oh…! — Seu rosto se abriu em um sorriso radiante, como uma flor voltando-se para a luz do sol.

 Armadura de couro encardida, um capacete de metal de aparência barata.  Um escudo redondo em seu braço. Uma espada de comprimento estranho em seu quadril.

 Não havia dúvidas, tinha que ser ele…!

 — Matador de Goblins…!

 Ignorando o formigamento em seu pescoço, Sacerdotisa se levantou e correu ao seu encontro. O vento uivava, o zumbido ainda estava em seus ouvidos; ela não conseguia ouvir mais nada.

 — Sim. Você está bem?

 Ainda assim, de alguma forma, sua voz suave a alcançou. Ele estendeu a mão para ela, asperamente, o couro irregular de sua luva tocando sua pele.   Sacerdotisa quase fechou os olhos, saboreando a sensação enquanto ele acariciava sua bochecha.  Quase conseguiu esquecer a dor em seu pescoço.

 — S-sim, estou… Mas por que você está aqui…? — Ela olhou para ele, em seu visor, quase sussurrando. Como sempre, sua expressão era invisível para ela. Havia apenas aquele olho brilhante dentro do capacete. Tocou o pescoço como se estivesse passando um pente por seus longos cabelos. Seu cabelo estava arrepiado. Ela farejou algo. Um cheiro de sangue como nunca tinha sentido antes parecia vir até ela. — Er, v-você está ferido…?

— Não. — respondeu ele, balançando a cabeça. — Mas talvez possa lançar um milagre em mim, mais tarde.

Sacerdotisa engoliu em seco. Ela afastou o cabelo do pescoço e pegou seu cajado de som.

— E os goblins…?

— Goblins? — Ele parou, como se a palavra soasse estranha para ele, balançou a cabeça suavemente. — Estava mais preocupado com você. — Sua voz era tão suave, ele a tocou no pescoço.  A luva de couro tocou-a como gelo fazendo-a tremer. — Tenho um pedido.  Dê-me a flecha de prata.

—Oh, mas é claro. Er, a flecha de prata, certo?

Entendo. Sacerdotisa acenou com a cabeça. Um aceno feliz. Ela sorriu. Respirou fundo, deixando a coragem encher o coração em seu pequeno peito.  E então falou:

— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, coloquei tua venerável mão sobre as feridas desta criança!

 

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A nevasca foi apagada por um grito que perfurou Sacerdotisa como um ferro quente.

 — Ah… YIEEEEAAAAAGHHHHHH?!

 Sacerdotisa, de repente encontrando-se de volta à caverna, observou a Bruxa de Gelo contorcer-se;  ela soltou um suspiro, com uma expressão vazia.

 Uma ilusão… Ou talvez um feitiço.

 Era um dos poderes sobrenaturais que se dizia que os vampiros tinham.  Sacerdotisa estremeceu; ela ainda podia sentir a dor aguda e fria no pescoço. O que teria acontecido se ela simplesmente tivesse deixado as coisas continuarem? Era assustador pensar nisso. O que teria acontecido se não tivesse se lembrado tão rapidamente do Livro dos Monstros?

 Ele teria continuado a agir da maneira que ela gostaria. Preocupando-se com ela, elogiando-a, tocando seu rosto. Claro, já há algum tempo ele vinha mostrando sua consideração por ela de um jeito estranho, mas…

 — Mas nunca assim.

 Ele está praticamente sem esperança, afinal.

 Sacerdotisa sorriu um pouco com aquele pensamento precioso, guardado no fundo de seu coração. Foi por isso que, com a mais leve esperança, ela entoou o cântico. Um cântico de cura, que não faria mal a ele, se houvesse a mínima chance de ser..

 Mas para uma maldita Não Propensa à Crença, para os mortos-vivos, os milagres dos deuses eram como veneno.

 Eu finalmente invoco Cura Menor pela primeira vez em muito tempo, e é assim que eu o uso? Ela não ficou totalmente satisfeita com isso, mas se virou para o lado e olhou.

 — Bruxa de Gelo! — Caçador Coelho berrou, com uma voz que ecoou pela caverna, tão alto que ela nunca teria acreditado que viesse daquela pequena lebre. Caçador estava diante da bruxa, segurando uma pequena besta.  A corda estalou ao ser puxada para trás e, mesmo no escuro da caverna, uma gota de prata pura como a neve cintilou na ponta da flecha.

 Reconhecendo a luz que originou o raio, a bruxa cuspiu como se estivesse matando-a.

— Maldito sejaaaa!!

 — Esta é a flecha da tribo da lebre!

 

 

 

O tilintar da corda da besta tinha o tom e a beleza de um instrumento musical. A flecha cortou o ar gelado em seu caminho para completar a missão para a qual foi criada. Perfurou a Bruxa de Gelo no coração, seu sangue maldito derramando-se.

“     “

Desta vez, ela não gritou, não, na verdade, ela gritou, embora em um tom muito alto para os ouvidos humanos ouvirem. A bruxa lutou e se debateu, tentando desesperadamente puxar a flecha de seu peito. Mas a flecha queimou seus dedos até que eles se transformaram em fuligem e se desvaneceram.

Esse era o fim.

A Bruxa de Gelo, mesmo na beira da morte, fixou seus olhos e todo o seu ódio em uma pessoa.

Sacerdotisa que estava limpando suas vestes, apontando seu cajado de som para a bruxa.

Ela era a única, a causa de tudo isso.

Eu vou matá-la! Matá-la! Matá-la!

Era tudo o que ela merecia. A bruxa estava carbonizando até a garganta, e agora tudo que ela tinha para usar eram os olhos. Suas pupilas vermelhas e cheias de sangue refletiam Sacerdotisa, brilhavam com a luz, e então—

— Lorde do julgamento, Príncipe-espada, Portador-da-escama, demonstre-me  seus poderes!! 

— um milagre divino a atingiu.

Espada erguida e escamas. Encharcada em sangue de rato, apoiada no ombro de sua amiga de infância, estava uma menina. Após acabarem com os vermes, perceberam que algo estranho estava acontecendo atrás delas.

E assim, por seus amigos, pela Lei, pela Ordem, por essas belas montanhas em que viviam os coelhos brancos, a menina, com o olhar sério, utilizou a espada do Deus Supremo.

O relâmpago, tão quente que fez o ar ferver, mudou de ângulo de uma forma que apenas um poder sobrenatural poderia ter tornado possível, restringindo a flecha de prata.

“?!?!?!?!”

Destruída finalmente, desta vez a bruxa realmente não fez sequer um som, suas convulsões medonhas em uma espécie de dança macabra na agonia da morte. No espaço de uma ou duas piscadas, seu corpo foi queimado. O líquido que explodiu do olho vermelho, tudo o que restou da criatura, roçou a bochecha da Sacerdotisa e alguns fios de seu cabelo antes de impregnar-se na parede. Nada mais. A pilha de cinzas no chão da caverna foi carregada por uma rajada de vento e desapareceu após um breve momento.

A flecha de prata, com sua missão cumprida, enferrujou a um ponto de quase apodrecer, enquanto eles assistiam.

O único vestígio que sobrou da vampira antes conhecida como a Bruxa de Gelo foi a fina linha de sangue na bochecha da Sacerdotisa.

 E assim tudo acabou.

 

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O estrondo do trovão foi audível mesmo durante a batalha desesperada na sala principal. Os gigantes, numerosos, mas sem líder, não sabiam como lidar com isso. Os aventureiros dispararam entre suas pernas, atacando aqui e ali, atacando como insetos venenosos.

— Anão! Estou indo nessa direção!

— Entendido! O que houve com aquilo sobre o tamanho da cabeça e inteligência, e tal…?

— E, no entanto, os gigantes são o ápice de um ramo da evolução!

Eles não podiam baixar a guarda.  Todos os três sabiam disso.

A menina— Sacerdotisa, e os três que foram com ela. Até que completassem sua missão, nenhum inimigo poderia escapar. Eles não tinham tempo para baixar suas guardas. Dispararam seus arcos, brandiram seus machados e atacaram com suas garras, caudas e dentes, implacavelmente.

Minúsculas flechas atingiram rostos e olhos; dedos do pé foram decepados;  os quadris foram golpeados com uma força tremenda.

Era insuportável. Uivando e gritando, os gigantes bateram com os pés e esmagaram com os punhos. O que os aventureiros viram como uma enorme sala principal era um espaço apertado para os gigantes. Não havia como controlar o caos.

Foi quando veio o estrondo do trovão. A espada aniquiladora de pecados vindas dos deuses cortou o estrondo da batalha no espaço de um instante.

— Ma-mas que diabos…?

— Isso foi um trovão…?

Os monstros, perplexos com um som que nunca ouviram em lugar nenhum, exceto no topo das montanhas, pararam e olharam uns para os outros. Até os aventureiros, com os ombros pesados, pararam de atacar. Os três se reuniram no centro da sala, trocando palavras rápidas.

— Me pergunto se foram eles que fizeram isso, então. — Alta-Elfa Arqueira sussurrou, suas longas orelhas sacudindo para cima e para baixo.

O Anão Xamã ajustou as mãos no machado. — Você não sabe? — Ele olhou para ela.

 — Qual é, elfa. Qual o problema com essas orelhas de que tanto se orgulha?

— Uma barulheira enorme como essa só mexe com a minha audição…

— Meu Deus. — Lagarto Sacerdote disse jovialmente, revirando os olhos.

 — O que quer que possa ter acontecido, o resultado é exatamente como você vê… acredito.

De fato era. Na sala agora silenciosa, passos podiam ser ouvidos vindo da câmara interna, gradualmente ficando mais altos. Não eram outros senão os quatro que haviam partido antes.

Guerreiro Novato, segurando seu porrete com as duas mãos, coberto da cabeça aos pés com sangue escuro. Ao lado dele, a Clériga Aprendiz, segurando sua espada e escamas com um olhar de orgulho genuíno. Caçador Coelho também, segurando uma besta e piscando enquanto pulava.

E lá no topo da coluna, com um olhar determinado e segurando seu cajado, tendo um único ferimento fino correndo ao longo de sua bochecha, estava a Sacerdotisa.

— O que foi isso…? O que aconteceu com a Bruxa de Gelo…?

— Se não é Noman…

— Não sei…

Os gigantes começaram a murmurar entre si. Sacerdotisa mordeu os lábios e deu um passo à frente. Então respirou tão profundamente quanto pôde, sacudindo seu cajado com uma agitação dramática.

— A Bruxa de Gelo… está morta!

Houve um momento de confusão antes que os gigantes entendessem o que ela havia dito. Mas para o que aconteceu a seguir, só houve uma reação.

— Oq—o quêêêêê…?!

— Está tudo acabado! É por isso que eu disse a vocês, disse que não iríamos descer aquela montanha!

— Acho que já é um pouco tarde para isso!!

A confusão reinou sobre todos. Os gigantes jogaram de lado seus preciosos tambores e tudo mais enquanto seguiam direto para a entrada da caverna. Os aventureiros se entreolharam por um instante, pensando se deveriam persegui-los. Alta-Elfa Arqueira tinha uma flecha em seu arco, o Anão Xamã uma pedra em sua funda.

— Não… está tudo bem.

Eles foram parados por uma palavra da Sacerdotisa.  Ela observou os gigantes irem, seus passos fortes diminuindo, e soltou um suspiro de alívio.

— Tem certeza? — Alta-Elfa Arqueira perguntou, correndo até ela.  Seus finos dedos élficos roçaram a bochecha da Sacerdotisa suavemente, fazendo-a apertar os olhos;  fez cócegas. — Eles estão fugindo…

— Sim. — Sacerdotisa disse com um pequeno aceno de cabeça e um sorriso tímido. — Não são goblins, afinal.

Alta-Elfa Arqueira franziu a testa profundamente com isso, suspirou e finalmente deu uma risadinha.

— É verdade. Não são goblins, afinal.

Era verdade, eles não eram. A batalha acabou, a ameaça da Bruxa de Gelo se foi e o longo inverno finalmente cedeu.  A aldeia das lebres foi salva.

Caçador Coelho estava olhando para a sala agora vazia, quando uma voz veio de cima.

— Se obtivemos vitória, não há mais o que desejar!

As orelhas do Caçador balançaram, e a lebre olhou para cima para ver o enorme Lagarto Sacertode. O lagarto sacudiu a língua e disse sombriamente: — No que diz respeito a ser resiliente… você realmente provou que carrega dentro de si a força do sangue de seu pai.

Caçador Coelho acenou concordando. O pai estava morto. As lebres foram vitoriosas. O sangue do pai corria nas veias do caçador. Ele não sabia nada sobre a religião dos Homem-Lagarto, mas entendeu que o Lagarto Sacerdote estava dizendo algo respeitoso e importante.

Todo o sangue que foi derramado até este momento não tinha sido em vão.

— Isso significa apenas que meu pai era realmente incrível.

— Acho que sim. — Guerreiro Novato disse, jogando sua espada e porrete para longe e em seguida caindo no chão.

— Ugh, tenha um pouco de dignidade. — Clériga Aprendiz repreendeu, dando-lhe um soco, mas ela não parecia muito melhor. Desabou em seguida, perto dele. Ao lado dela, Caçador Coelho sentou-se e exclamou: — Também estou morrendo de fome! Tenho comigo alguns vegetais secos, vocês dois querem?

— Sim!

— Eu também…!

Exaustos, ou talvez apenas finalmente relaxados, os três beberam de um cantil de água e depois comeram. Não mostraram nada da cautela que normalmente teriam…

Lagarto Sacerdote viu aquilo tudo e então acenou com a cabeça.

— Essa foi uma batalha bem conduzida. — disse à Sacerdotisa, virando o pescoço em direção a ela.

Ela coçou a bochecha timidamente, a ferida ainda visível.

— Oh, céus. Eu não fiz nada… foi graças a todos vocês.

— O quê? — Clériga Aprendiz disse, engolindo uma cenoura. — Aquela ‘Cura Menor’ foi incrível!

— Huh, você usou Cura Menor?! Alta-Elfa Arqueira entrou na conversa, exclamando:

— Faz um tempo que não vejo isso! — os olhos brilhando de curiosidade. Suas orelhas compridas recostaram-se contra sua cabeça e ela se inclinou para frente, olhando para Sacerdotisa, ansiosamente.

— Bem… realmente não pretendia…

Deixando de lado o que ela realmente não queria.

Lagarto Sacerdote fez um estranho gesto de mãos juntas em direção ao grupo recém formado de tagarelas. Um problema havia sido resolvido. Passemos ao próximo.

— O que você pode nos dizer, Mestre Conjurador de Feitiços? Sobre esses tambores de guerra.

— Mmm, bem. Ahem. Como posso dizer… — Anão Xamã, sozinho examinando os tambores esquecidos dos pés-grandes, esfregou a barriga e fez uma careta. — São bem decentes, embora um pouco encharcados de sangue.

Eles devem ter sido para uso em festivais ou rituais. Os instrumentos eram de uma qualidade que não se esperava em um lugar como este. Mas no esconderijo dos gigantes, foram deixados no lixo, incluindo os restos das vítimas dos gigantes. Feitiços e itens mágicos são facilmente influenciados pelos pensamentos e sentimentos que os cercam. Ainda mais quando esses pensamentos e sentimentos vêm de pessoas que estão associadas a espíritos.  Se esses tambores, usados ​​por tanto tempo para cantar os louvores do inverno, se algum dia produzissem um som puro sem aprofundar ainda mais sua maldição, seria somente depois de terem sido purgados da raiva e do ódio que neles estava.

— Acho que seria bom ter nossos amigos peludos junto a eles e assim purificá-los.

— Bem, suponho que não funciona exatamente como seria em minha vila, mas… — O Lagarto Sacerdote estava ao lado do Anão Xamã, um olhar reverente em seu rosto, e olhou para os tambores. Em sua mente, de repente ouviu um som ousado, uma batida orando pela morte corajosa de amigos e inimigos em batalha.

Era assim que a batalha deveria ser.  Os olhos do Lagarto Sacerdote reviraram em seu rosto.

— Nesse caso, devemos devolvê-los para a aldeia, e tudo estará feito.

— Podemos esperar que sim, de qualquer maneira. — disse Anão Xamã, acariciando sua barba de uma forma que sugeria que não botava tanta fé.

— Algo está incomodando você?

— Talvez seja só porque não estamos com o Corta Barbas aqui. — respondeu o Anão Xamã. — Ou talvez seja porque eu não estou acostumada a ir tão longe no final de uma missão. Seja o que for, algo simplesmente não parece certo.

— De fato, é mais difícil. — Lagarto Sacerdote disse, revirando os olhos jovialmente, e Anão Xamã concordou, acariciando sua barba, sorrindo. — Veja se sua disposição não muda depois de um cálice de comemoração na aldeia.

— Parece uma ótima ideia, Escamoso.

Talvez algo também incomodasse Sacerdotisa, pois observando-os, encontrou-se esfregando distraidamente seus dedos finos em seu pescoço.

 

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Quando saíram da caverna, descobriram que o vento frio havia diminuído substancialmente;  eles foram recebidos pelo brilho do sol na neve.

— Uau. — Sacerdotisa suspirou, fazendo Caçador Coelho rir.

— Seus seus olhos vão doer se olhar tão diretamente. Pelo menos sem algo para diminuir o brilho. — Com uma pata peluda, a lebre pegou uma tábua de madeira com uma pequena abertura. Então ergueu o dispositivo e o prendeu com um barbante, fazendo algo como um par de óculos, Alta-Elfa Arqueira murmurou: — Ooh, maneiro. — Ela estava piscando furiosamente, talvez tivesse encarado a luz por muito tempo, mas mesmo assim deu uma cutucada no Lagarto Sacerdote. — Claro, está claro e tudo mais, mas aposto que está feliz pelo o frio ter diminuído um pouco.

— Bom, pude me mover de um bom jeito naquela caverna. Meu sangue está bem e quente agora. — Ele acenou com a cabeça e estremeceu exageradamente. — Mas é muito frio, para quem tem apenas escamas. Algumas penas ou um pouco de pelo seriam bem-vindos agora.

— Esqueça isso, Escamoso. Não consigo me imaginar te chamando de Peludo. — brincou Anão Xamã, tomando um longo gole de vinho. Ele estendeu o vinho para o Lagarto Sacerdote, que tomou um gole e o ofereceu à Alta-Elfa Arqueira.

Suas orelhas agitaram e seus olhos se arregalaram.

— Oh, pare. Eu te disse, não preciso disso!

— Alguns paladares nunca amadurecem, pelo que vejo. Aqui, jovens. Que tal uma bebida?

Guerreiro Novato e Clériga Aprendiz se entreolharam, ambos já totalmente exaustos. Haviam travado um combate desesperado com ratos gigantes pouco tempo atrás. O cansaço estava estampado em seus rostos sujos.

— Bem…

— Um gole só não deve fazer mal.

Eles aceitaram o vinho e experimentaram o gosto, mostrando suas línguas secas. Mas isso logo os aqueceu, um leve rubor se espalhando pelos rostos do menino e da menina. Tinha tido efeito, parecia. Eles devolveram a jarra para o Anão Xamã com seus agradecimentos; ele riu da Alta-Elfa Arqueira.

— Oh, o quê?

— Nada. Só penso que talvez seja um pouco cedo para você, garota orelhuda.

— Se está querendo começar uma discussão, então só vem, barriga de butijão!

As orelhas da Alta-Elfa Arqueira voltaram a agitar-se, enquanto Anão Xamã apenas sorriu para ela. Eles estavam em uma viagem e discutindo. Sacerdotisa, já acostumada com as brincadeiras de seus companheiros, simplesmente deu uma risadinha.

Agora tudo o que precisavam fazer era pegar os tambores e descer a montanha. Sua aventura estava terminada. Eles escalaram os picos nevados, lutaram contra os pés-grandes, entraram sorrateiramente na caverna da Bruxa de Gelo, pegaram a flecha de prata e destruíram a vilã. Aquilo que o Deus Supremo havia concedido à Clériga Aprendiz estava cumprido. A missão foi um sucesso. Um triunfo completo.  Tudo o que precisavam fazer era voltar para casa.  Ir e voltar: foi uma jornada.

E ainda assim…

…o que era aquele formigamento que ela sentia no pescoço? Sacerdotisa tocou sua nuca suavemente, então começou a andar, a neve sendo esmagada sob os seus pés. Eles precisavam voltar para a aldeia e informá-los sobre o que havia acontecido.  E ainda havia a questão dos pés-grandes, que eles haviam deixado viver.

Sacerdotisa se sentia estranhamente nervosa; não queria ficar ali por muito tempo.

— Vamos lá, pessoal.

Os aventureiros assentiram e o grupo partiu para casa. Nada de notável aconteceu no caminho. Com os ventos do inverno diminuindo, não havia nenhum pressentimento de que algum predador preso à neve iria saltar sobre eles. Alta-Elfa Arqueira e o Caçador Coelho mantiveram seus ouvidos trabalhando cautelosamente, mas  não parecia necessário. Depois que o cansaço e os efeitos colaterais da luta se instalaram, começaram a sentir um certo peso tomar conta deles. Não era ausência de força, exatamente, mas certamente não havia nada confortável em seus passos.

Sacerdotisa e os outros conversavam, no entanto, enquanto apreciavam a paisagem, a brancura da neve e o grande azul do céu. Quando olharam para os vales que corriam entre os picos, a neve parecia se acumular ali como um mar na maré alta. Eles quase desejaram poder voar até lá…

Isso era impossível, é claro, mas o desejo era irresistível.

As montanhas não eram, de fato, lugar para pessoas comuns. Talvez nem fossem um lugar para gremlins como a Bruxa de Gelo. Este era o trono de um deus violento. Certamente foi por isso que o Deus Supremo convocou a Clériga Aprendiz. Para acabar com o mal que estava aqui.

— Me pergunto se realmente fui capaz de fazer isso.

Sacerdotisa ouviu o mais leve sussurro da garota que portava a espada e as escamas. Ela se virou para dizer algo, mas então pensou melhor. Guerreiro Novato estava falando baixinho com Clériga Aprendiz, ao qual ela respondeu com um sorriso. Isso foi o suficiente, então. Não havia nada para Sacerdotisa dizer. Se virou para frente novamente, apoiando-se em seu cajado enquanto caminhava levemente.

É de se esperar que descer uma montanha seja mais fácil do que escalar uma, mas realmente não era muito.  Claro, seu coração estava leve. Eles só precisavam descer lá. Mas o estresse em seu corpo era o mesmo.

Fazendo pausas ocasionais, o grupo progrediu continuamente em direção à aldeia das lebres.

“     ”

O quão longe eles se afastaram da caverna da Bruxa de Gelo antes que parassem naquela coluna?

— Algo errado? — Lagarto Sacerdote perguntou, deslizando ao lado da Sacerdotisa, que de repente parou de andar.

Ela apenas murmurou, — Não. — sem desviar os olhos de um ponto em particular.

— Huh? O que está acontecendo? — Alto-Elfa Arqueira perguntou de perto. Estava ao lado da Sacerdotisa, que pressionava seu pescoço, e seguiu seu olhar. A encosta íngreme da colina estava cheia de habitações há muito tempo abandonadas. — Hmm? — A Alta-Elfa Arqueira disse, mas um segundo depois, seus olhos se arregalaram.

— Oh!

Fumaça. Fumaça subia da aldeia.

— Uma batalha, talvez? — Anão Xamã disse, em dúvida.

— Deveria imaginar. — Lagarto Sacerdote acenou com a cabeça confiante. — O cheiro de carne e sangue, o aroma de guerra. A pergunta que fica no ar é, guerra com o quê?

— Mas essa vila foi abandonada, certo? O que ganhariam queimando-a agora…?

 Havia bandidos por lá ou algo do tipo? Ninguém ficaria chateado com o grupo por ignorar algo que não tinha nada a ver com eles. Entretanto, Sacerdotisa sentiu uma rajada de frio e estremeceu. Um arrepio percorreu sua espinha; ela sentiu como se alguma coisa estranha estivesse lambendo seu pescoço.

— Goblins…? — A palavra veio a ela como uma lembrança, uma epifania.

O Guerreiro Novato e a Clériga Aprendiz trocaram olhares. Caçador Coelho parecia confuso. Mas não os outros.

— Awww, cara, podia ter imaginado. — Alta-Elfa Arqueira gemeu, colocando as mãos nas bochechas e olhando para o céu. Desde que se juntou àquele homem, ela já não tinha mais sossego!

Não era tão justo assim culpar os céus. Anão Xamã deu-lhe um pequeno tapa na bunda, ignorando sua choradeira.

— Não há tempo para reclamar, garota. Gaste essa energia pensando no que vai fazer a seguir, entendeu?

— S-sim, eu sei disso! — Alta-Elfa Arqueira franziu os lábios.

— Ainda assim, temos uma escolha: seguir em frente ou arregar. — O Lagarto Sacerdote se virou para olhar Sacerdotisa, então revirou os olhos como se dissesse que tudo isso o divertia.

— O que devemos fazer?”

— Nós vamos. — Sacerdotisa disse sem hesitação. Então ela mordeu o lábio, olhando fixamente para a aldeia antes de perguntar bruscamente: — O que você acha?

— Bem, agora… — Lagarto Sacerdote disse, expondo suas grandes e terríveis presas. Ele conhecia a pergunta; aquele homem tinha perguntado isso a ele muitas vezes.

Embora ainda seja um pouco inexperiente…

— Se nossos inimigos são de fato os diabinhos, então acho que dificilmente precisamos trazer os tambores conosco. Ainda por não sabermos quanto tempo nos levará.

— Concordo…

Ele estava certo. Tinham dois problemas.  Os tambores, eles deveriam avisar a aldeia sobre o perigo também.  Em seguida, havia a questão de quanto tempo demoraria para chegar lá.

O que ele faria?

Pensou Sacerdotisa. “Sempre há um plano,” disse ele. Sempre. Isso é o que ele disse a ela, então deve haver algo agora.  Tinha que haver.

— Ainda temos feitiços, certo?

— Mmm. — disse o Anão Xamã, batendo na barriga com orgulho. — Até além da conta, na verdade.

— Nesse caso…

O que fazer? Considere a bagagem, equipamento, feitiços, toda a situação…

— E-ei, e quanto a nós? O que deveríamos fazer…? — A pergunta hesitante do Guerreiro Novato tocou o coração da Sacerdotisa. Ele não conseguia esconder seu cansaço, mas mesmo assim, lá ficou, olhando-a diretamente nos olhos. O brilho em seus próprios olhos dizia claramente que ainda podia lutar.

Esse olhar foi o que inspirou Sacerdotisa a dizer: — Por favor, vá para a aldeia. — Ela e os outros enfrentariam os goblins.

Talvez o Guerreiro Novato tenha pensado que isso era uma demonstração de pena, porque ele estufou o peito com orgulho. — N-nós ainda podemos lutar… Sim, estamos indo muito bem!

— “Ainda podemos lutar” é apenas outra maneira de dizer que você já está no limite. — disse Sacerdotisa, encerrando sua demonstração de heroísmo. Quantas, muitas vezes ele disse a mesma coisa para ela? — Se você pode vencer fazendo algo louco ou estúpido, isso é uma coisa, mas se você pudesse contar com a vitória dessa forma, então não nos preocuparíamos com isso em primeiro lugar.

Ela estava ansiosa. Sua cabeça estava girando. Sua voz estava falhando. Cada vez que ela inspirava, seus pulmões ardiam de frio.

— E aí está o exemplo do campo de treinamento. Seria terrível para a aldeia das lebres ser atacada dessa forma…

— Temos que deixá-los saber, não é? — Caçador Coelho, vendo que a vila das lebres ainda não estava segura, acenou com a cabeça nervosamente. — Apenas deixe isso conosco. Deixaremos os tambores lá também, e garantir que todos saibam o que está acontecendo.

— Tudo bem. — Sacerdotisa disse com um aceno de cabeça.

— Acho que isso resolve tudo. — disse Clériga Aprendiz, deixando escapar um suspiro. — Venha, vamos descer a montanha. Não há tempo a perder agora.

— Aw, qual é. — Guerreiro Novato disse lamentavelmente. — Primeiro na fazenda, depois no campo de treinamento, eu nunca pude realmente lutar!

— Ha-ha-ha-ha-ha, se isso te dói, então torne-se capaz de ir mais além. — Lagarto Sacerdote sorriu, batendo cordialmente no ombro do Guerreiro Novato.

Eyowch! — ele gritou.

— Pois não há nada mais robusto do que um soldado de infantaria que pode marchar em longas distâncias.  Você não concorda, Mestre Conjurador de Feitiços?

— É mesmo verdade. Um Anão soldado pode lutar do amanhecer ao anoitecer sem se cansar.

— Contanto que não fique com fome. — Alta-Elfa Arqueira sorriu, ao que  Anão Xamã respondeu com uma baforada de seu peito.

— É verdade. Dê-nos vinho e comida e então lutaremos para sempre. Esse é o orgulho dos Anões.

Alta-Elfa Arqueira, aparentemente bem familiarizada com o orgulho dos Anões, não disse mais nada, apenas sorriu, fria e amavelmente.

— Você ouviu a madame, essa é a disposição dela. Nós cuidaremos das coisas aqui. Tem que haver alguém por trás de tudo isso.

As palavras fizeram o Guerreiro Novato assentir com indiferença. Então não havia acabado. Seria tudo em vão se eles fossem destruídos ali mesmo. — Tudo bem… eu entendo. Voltamos, contamos a eles, esperamos e depois todos vamos para casa.

— Que garoto bonzinho. — Alta-Elfa Arqueira riu, então deu-lhe uma piscadela elegante. Ele ficou vermelho, ganhando um soco da Clériga Aprendiz. Ela ignorou seu grito e abaixou a cabeça educadamente.

— Até breve, então…!

Sacerdotisa não pôde deixar de notar as emoções escondidas nessas palavras. Ela acenou com a cabeça, respondendo com um aceno gentil do cajado em suas mãos.

— Sim. Em breve.

Cada um dos três jovens olharam para os outros e acenaram com a cabeça, assim indo embora com os tambores mágicos a reboque. Seus passos eram seguros; parecia que não haveria necessidade de se preocupar com eles enquanto desciam a montanha.

— Isso nos deixa… com apenas um último problema, então. — Sacerdotisa disse suavemente, desviando o olhar das figuras que partiam

As colunas de fumaça subindo da aldeia aumentaram em tamanho e número. Incêndios? Um ataque o utilizando? Não importava o que era, eles teriam que enfrentar. E se ele estivesse lá, então…

“…” Sacerdotisa cerrou os punhos e bateu contra o peito.

— Mas como vamos fazer isso? — Alta-Elfa Arqueira perguntou, ajustando seu arco. — Esse lugar é uma jornada.

— Se apenas descermos a montanha, nunca conseguiremos. — disse o Anão Xamã com um olhar pensativo, bebendo um gole de vinho. — Quando chegarmos lá, tudo estará acabado.

— Tem alguma ideia do que vai fazer, Srta. Sacerdotisa? — Lagarto Sacerdote parecia se divertir.

Sacerdotisa balançou a cabeça, sorrindo melancolicamente; ela inspirou e expirou novamente. Ficaria tudo bem.  Certamente ficaria. Isso era o que ele faria, ela estava confiante. Portanto, não poderia estar errado.

Feitiços, equipamentos, situação, ela considerou tudo isso. Isso tudo que tinha, quase certeza.

Não: mesmo que houvesse algo melhor, esse era o melhor plano que ela tinha no momento. E pensar em um plano melhor mais tarde não faria bem a nenhum deles.

E então, com todas as suas forças, Sacerdotisa disse com firmeza: — Sim.  Eu tenho um plano.

 


 

Tradução: Tavin

Revisão: Sonny

 

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