No momento em que desceram da carruagem, o calor do verão assaltou o grupo, junto com um barulho ensurdecedor. Pessoas indo e vindo na trilha de pedras. Conversas de todos os tipos. O rio borbulhante cortando a cidade. O vento soprando.
Por um momento, a avassaladora sensação de atividade fez com que Vaqueira pensasse que devia estar acontecendo um festival ou algo assim.
— U-Uau…
— Tudo bem com você?
Ela sentiu uma mão gentil apoiá-la, protegendo-a contra uma súbita tontura.
— Er… Aham… Tudo bem — respondeu ela, acenando para alguém. Esse alguém por acaso era uma pessoa da qual se tornou amiga no ano anterior: a recepcionista da Guilda dos Aventureiros. Ela estava impecavelmente vestida, assim como sempre. Neste dia, estava usando um vestido de verão todo branco que fazia Vaqueira lembrar que essa garota era uma oficial pública, em outras palavras, parte da nobreza. Não era o que ela costumava vestir, mas, mesmo assim, na verdade, justo por esse motivo, deixou uma impressão forte. — Só fiquei um pouco tonta com toda essa gente…
— Você ainda não viu nada. A capital é ainda mais cheia.
— Não acredito que você consegue respirar nesse tipo de lugar… — Eu não acho que conseguiria.
Garota da Guilda riu diante da avaliação de Vaqueira, descendo da carruagem como se estivesse acostumada com isso.
Sabe, quando ela segura essas tranças contra o vento, realmente parece uma garota da cidade. Ela não poderia parecer mais diferente de mim.
Vaqueira soltou um suspiro contido, dominada pela sensação de que parecia uma caipira. Ela tentou usar algo um pouco diferente do normal, mas não foi algo tão bom quanto o acerto de Garota da Guilda.
Ficou com vergonha, porém, de voltar a usar o vestido de sua mãe, então foi com isso que ficou. E, ainda assim, não conseguia se sentir bem.
Vaqueira vagou atrás da carruagem, onde as malas estavam empilhadas. Teriam que descarregar tudo.
Uma mão com uma luva de couro deslizou e a deteve.
— Eu farei isso.
A mão agarrou algumas bagagens assim que ela ouviu a frase curta.
A garota olhou para Matador de Goblins e viu seu característico capacete encardido.
— Você, descanse um pouco.
— Ah, estou bem — disse Vaqueira, acenando para seu velho amigo. — Posso andar a cavalo o dia todo. Uma carruagem não é problema. Sei como pareço, mas sou muito forte!
— Talvez sim, mas este baú tem a ver com meus negócios.
Hmm, resmungou Vaqueira. Isso era justo. Negócios pessoais eram importantes.
— Tudo bem, então deixe-me cuidar ao menos da minha própria bagagem.
— Certo. — O aceno brusco dele, por alguma razão, a fez sorrir. Ela não escondeu o sorriso enquanto pegava a sua bolsa.
A garota nunca tinha visto Matador de Goblins trabalhando. E fazendo algo diferente de matar goblins, pelo menos. Isso não era tão diferente de quando pediu para ele ajudar na fazenda, mas, ainda assim, parecia algo novo.
Ela se aproximou e ficou em um canto da estação, buscando ficar fora do caminho; Garota da Guilda estava ao seu lado, sorrindo. Nos seis anos de convivência entre elas, Vaqueira tinha aprendido o suficiente para saber que não era um sorriso artificial.
— Suponho que você também não o tenha visto trabalhar com muita frequência.
— Aham. Normalmente fico atrás de uma mesa da Guilda.
— Ah, é? Acho que isso faz sentido…
— Bem, houve uma vez… —
Acho que quase tive um ataque cardíaco.
— Huh! — disse Vaqueira, seus lábios franzidos.
Enquanto as duas conversavam, o trabalho rapidamente progredia.
— Pelo amor. Não vemos este lugar há um ano e parece que saímos ontem. As coisas por aqui nunca mudam? — disse Anão Xamã, casualmente agarrando os baús enquanto Matador de Goblins os tirava da carroceria.
Como a maioria da sua espécie, Anão Xamã era tão forte quanto era baixo. Ele empilhou a carga, uma peça após a outra, sem nem mesmo começar a respirar com dificuldade.
— Dizem que três é uma multidão, mas temos quatro mulheres sozinhas. Como nós, homens, podemos relaxar?
— Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Elas não estão bonitas e alegres? Isso basta. — Lagarto Sacerdote estava pegando as bolsas de Anão Xamã e colocando-as em um carrinho de bagagens. Os homens-lagarto eram naturalmente musculosos, mas, além disso, este tinha a constituição muscular de um guerreiro sacerdote. Ele jogava as bagagens no carrinho com mais rapidez do que Matador de Goblins poderia descarregar. — E também não se pode desprezar a natureza meticulosa de uma mulher. Não é, milady Sacerdotisa?
— Realmente não acho que seja algo de especial…
Sacerdotisa coçou a bochecha de vergonha, mas Lagarto Sacerdote só fez mais elogios.
— Ah, mas fazer as malas com cuidado é muito importante. E se as tábuas de argila quebrassem?
Sacerdotisa olhou para o chão.
— Na verdade não é nada de especial… Só embalei tudo com alguns juncos e musgo.
A bagagem em questão eram as tábuas de argila que haviam recuperado na biblioteca alguns dias antes. De acordo com as freiras que resgataram, as tabuletas foram descobertas em uma ou outra ruína antiga, e as letras ainda não haviam sido decodificadas.
Assim sendo, não adiantava deixá-las em algum burgo sem recursos da fronteira. Poderiam conter algum tipo de profecia; magias secretas antigas; a verdade oculta de toda a história; ou…
Textos antigos e indecifráveis já tinham sido a causa de muitos conflitos. Os aventureiros, claro, chegaram à conclusão de que a coisa mais segura que poderiam fazer seria deixar as tábuas no Templo do Deus da Lei na cidade da água.
— Heh heh. Isso mesmo, ganhe o seu sustento, anão. — Alta Elfa Arqueira saltou da carruagem com a graça de uma bailarina e um sorriso malicioso que se estendia de orelha a orelha. Ela deu um tapa forte no ombro de Anão Xamã. — Vou pegar alguns presentes para a minha irmã.
— Sim, tá. Deuses… Se não estivéssemos aqui para comemorar, eu te bateria bem nessa parte plana de trás!
— Ora, seu…! — Alta Elfa Arqueira saltou para trás, cobrindo seu modesto traseiro com as mãos e olhando com fúria para o anão.
Ela era capaz de fazer palhaçadas assim porque estavam na segurança da cidade da água.
Há um ano, porém, foi diferente.
Sacerdotisa fechou os olhos por um segundo, com uma emoção que misturava nostalgia e medo, mas não era nenhuma dessas duas coisas. Naquele verão, a área foi atacada por goblins e quase ninguém percebeu. Suas memórias continuavam frescas. Afinal, o grupo todo quase morreu lutando contra aquele inimigo.
— …
Matador de Goblins, que esteve tão perto da morte quanto qualquer um deles, lentamente olhou de um lado a outro da cidade.
— Não sinto nenhum goblin aqui…
Ela achou que era bem gratificante poder voltar a ver o que seu trabalho havia conquistado.
Tinham ficado longe por um ano – sim, um ano inteiro.
Pelo que ela podia ver, a cidade da água parecia quase igual a haviam deixado, tudo ainda na mesma paz. Mercadores e viajantes passavam, clérigos a serviço do Deus Supremo se apressavam e crianças caminhavam ao lado de seus pais. Feiticeiros e cavaleiros errantes perguntavam aos transeuntes se não precisavam de guarda-costas para proteger seus pertences, gabando-se de suas realizações em batalha.
O barulho dos cascos dos cavalos se misturava às conversas rápidas dos mercadores que faziam acordos entre si; uma mulher de aparência muito importante descia a rua.
Mas não havia goblins.
Para Matador de Goblins, isso bastava.
E, na medida em que não havia goblins, não havia nada para fazer no local.
E, ainda assim, estou aqui.
Ele se perguntou o que deveria fazer.
Mesmo se tivesse qualquer interesse em uma missão de não-goblincídio, nunca teria tempo para olhar para ela. Ele com certeza nunca imaginou que aceitaria uma missão de mensageiro como esta.
Siga o rio que atravessa a cidade, sentido sul, e tão rápido quanto caminhar, se encontrará na floresta dos elfos.
Como tal, o grupo foi convidado a acompanhar as tabuletas de argila; era um tipo de trabalho que poderia cobrir as despesas de viagem. Por ser uma missão, puderam usar uma carruagem da Guilda para chegar à cidade da água. Quando recebessem a recompensa, seria o suficiente para também cobrir as despesas na cidade.
Por fim, havia o fato de que estariam protegendo as tabuletas nas quais os goblins podiam ter algum interesse. Este era o aspecto que finalmente levou Matador de Goblins a bordo.
— Certo, pessoal, vou para a guilda local para dizer olá e relatar que concluímos a missão.
Tudo havia sido organizado pelos bons ofícios de Garota da Guilda, com seu refinado senso de oportunidade e seu sorriso imperturbável. Quem melhor do que uma burocrata para cuidar de algo assim? Qualquer plano para uma missão envolvia mais do que só ir a um local, olhar em volta e matar alguns monstros, então havia uma forma de ela ajudar.
— Depois disso vem a bagagem, a pousada, assegurar um barco… Ah, e os presentes. Sabemos do que o casal gosta?
— A melhor forma de aprender sobre elfos é com um elfo, eu diria. Tem alguma opinião, Orelhas-Compridas?
— Naturalmente — respondeu a Alta Elfa Arqueira, acenando confiantemente com a cabeça. Suas orelhas tremeram, surpreendentemente majestosas, e ela acrescentou: — Além disso, não volto para casa há séculos. Vou precisar de algo para dar ao meu clã.
— Er, uh, então será que eu também…? — Vaqueira entrou na conversa, colocando a mão em seus generosos seios. — Digo… Não tenho muitas chances para ir a lugares assim, e meio que queria fazer algumas compras… — Ela parecia estranhamente hesitante, seus olhos vagando de um lugar para o outro.
Alta Elfa Arqueira piscou várias vezes.
— Apenas venha comigo! — exclamou ela, batendo no próprio peito. — Na verdade, já estive nesta cidade antes. Eu posso te mostrar os arredores!
— Pois bem — disse Anão Xamã, parecendo em dúvida a respeito dessa demonstração de confiança —, uma vez que encontrarmos a pousada e o barco, talvez possamos ir juntos. — Ele acariciou a barba branca de que tanto se orgulhava. — Caso contrário, quem sabe o que a Bigorna pode acabar fazendo por conta própria?
— Ooh, que tal você vir aqui e dizer isso?! — exclamou Alta Elfa Arqueira. Anão Xamã respondeu com uma gargalhada, e eles começaram de novo, discutindo o suficiente para fazer barulho, mesmo com todo o burburinho das ruas da cidade.
Lagarto Sacerdote revirou os olhos, divertindo-se, quando viu as pessoas observando a dupla, surpresas.
— Bem, pense em nós como simples carregadores — disse ele. — Nós temos força.
— Desculpa. Não quis causar problemas… — Vaqueira abaixou a cabeça se desculpando, mas o monge homem-lagarto juntou as palmas das mãos.
— Pelo que se desculpa? Considere isso um ato de gratidão por seu abundante suprimento de maravilhosos queijos. Não pense muito nisso.
Vaqueira sentiu uma mão em seu ombro.
— Hee hee. Bem, então, talvez deva me juntar ao resto de vocês depois de terminar tudo o que precisa ser feito.
Ela não sabia quando Garota da Guilda apareceu atrás dela. Sua trança exalava um aroma suave e doce; talvez estivesse usando um pouco de perfume. Só um pouquinho, não tanto a ponto de ser qualquer coisa além de cheiroso. Parecia um mundo diferente do de Vaqueira.
Deve ser legal…
O pensamento passou em um instante, mas devia ter se revelado em seu rosto.
— Uma garota gosta de se vestir bem de vez em quando, não é? — Garota da Guilda estava sorrindo quase maliciosamente.
Vaqueira levantou as mãos.
— Heh, sim. Ha ha… Acha que poderia me ajudar?
Claro. Garota da Guilda sorriu e acenou com a cabeça, e logo seu olhar mudou para outra coisa.
O que era isso? Já deve ser capaz de adivinhar.
Era Sacerdotisa, que parecia bastante desconfortável, como se quisesse dizer algo, mas não pudesse.
— E quanto a você? — perguntou Garota da Guilda. — Aquela roupa que você usou no festival era incrivelmente fofa.
— Eurgh?! — Sacerdotisa soltou um tipo de som sufocado e agitou os braços, quase cuspindo. — Aquilo não foi… — e — N-Não é o meu estilo! — entre suspiros.
Vaqueira, entretanto, já havia dado a volta para impedir a sua fuga. A garota da fazenda encarou Sacerdotisa com seus generosos seios, abraçando-a.
— Não tão rápido! Não sei como esse tipo de coisa vai ficar boa em mim, mas também vou. Então você não vai fugir.
— Ahh… Por favor, só… não fique muito em cima de mim… tá? — Ela estava tremendo igual um animalzinho. Vaqueira acenou com a cabeça para ela, assim como se fosse sua irmãzinha.
Bem, a própria Vaqueira não era exatamente uma especialista em moda. Ela teria que deixar Garota da Guilda assumir a liderança…
— …
Matador de Goblins estava observando em silêncio enquanto as garotas brincavam umas com as outras. Vaqueira era sempre extrovertida, mas ainda era bom vê-la interagindo assim com o grupo. Brilhante e risonha, indo para lá e para cá e se divertindo.
Ele soltou um suspiro. Um tipo de ufa aliviado.
— Não sei muito sobre roupas ou presentes… — disse ele sem rodeios, agarrando-se à viga transversal do carrinho de bagagens.
— Ho — disse Lagarto Sacerdote após isso, seu rabo balançando. — Vamos, então? Podem esperar até que esteja tudo terminado?
— Há uma pequena chance de que os goblins queiram essas tabuletas. — Bastante incomum para ele, as palavras soaram como uma desculpa. — Devemos movê-las mais cedo ou mais tarde.
— Tem certeza…?
— Acho que sim — disse ele, movendo o capacete. — Estou certo disso.
— Hmm… — meditou Lagarto Sacerdote, deixando um suspiro sibilante escapar. Um momento depois, porém, sua cauda balançou suavemente. — Muito bem — disse. — Assim que nos estabelecermos em uma pousada, enviaremos alguém ao templo.
— Por favor.
Matador de Goblins então começou a se afastar, puxando o carrinho atrás de si.
No momento em que Sacerdotisa notou o rangido das rodas, ele já estava longe, tornando-se cada vez menor.
Enquanto puxava o carrinho, ele se concentrava em nada além do som do rio correndo.
As pessoas que se aglomeravam ao seu redor olhavam para o aventureiro de aparência patética e rapidamente passavam por ele. Sua roupa com certeza era um tanto chocante. As pessoas deviam achar que era um iniciante.
Por que outro motivo um aventureiro, vestido com armadura completa, como se estivesse pronto para explorar uma masmorra, estaria puxando uma carroça pelo meio da cidade? Ele não parecia pertencer exatamente aos rios e barcos desta cidade, cuja elegância fluía da antiga capital onde foi construída. As pessoas riam dele por trás das mãos.
Mas nada disso importava para Matador de Goblins.
Ele continuou caminhando ao longo da rota que havia gravado em sua memória e, por fim, chegou a um edifício resplandecente à beira da água, sustentado por colunas de mármore. Pessoas vestidas com robes de clérigos e segurando livros da lei entravam e saíam, todas ocupadas, pela porta da frente. Havia outros entre eles que pareciam muito sérios; eram pessoas que tinham aparecido para buscar alguma coisa e que agora se aproximavam do templo com medo.
O sol já havia passado de seu zênite, seus raios claros e brilhantes refletindo na imagem da espada e da balança. Era o grande Templo do Deus Supremo, que deu a lei, a justiça, a ordem e a luz a este mundo.
Provavelmente não havia lugar mais seguro em toda a fronteira do que este. Matador de Goblins, entretanto, continuou examinando a área vigilantemente enquanto entrava no templo com seu carrinho.
Na sala de espera, as pessoas lançavam olhares ansiosos para ele enquanto marcavam o tempo até que seus casos seriam ouvidos. Ele foi mais para dentro do prédio.
— Com licença, senhor, pare aí, por favor! — Ele, naturalmente, foi notado. Uma jovem clériga calçando sandálias apareceu correndo.
Matador de Goblins parou com um “hrm”, então percebeu que a jovem parecia estar pedindo algo bem baixinho. Ele presumiu que era algo como Sentir Mentira. As coisas ultimamente estavam tão complicadas.
O aventureiro parou o carrinho com um rangido.
— Vim para completar uma missão — disse ele.
— Senhor?
— Uma missão — repetiu, puxando a etiqueta de prata ao redor de seu pescoço. — Talvez seja de alguma ajuda se eu disser que Matador de Goblins está aqui.
Infelizmente, não ajudou.
— Por favor, espere um momento, senhor — disse a clériga, correndo de volta para dentro e deixando o aventureiro sozinho.
Matador de Goblins cruzou os braços e, conforme lhe foi dito, esperou.
Ele sentia que ultimamente estavam todos com muita pressa.
Talvez as jovens clérigas sejam todas iguais…
Por fim, a jovem voltou com uma mulher mais velha e, pela terceira vez, Matador de Goblins explicou:
— Vim para completar uma missão. O transporte de alguns textos.
— Sim, claro, senhor, entendo — disse a mulher com um sorriso amigável. Ela acenou para ele várias vezes. — A arcebispa está esperando por você. Por favor, venha por aqui.
— Certo. — Matador de Goblins agarrou a barra transversal do carrinho novamente e começou a andar.
— Sinto muito por atrasá-lo — disse a sacerdotisa, mas Matador de Goblins apenas balançou um pouco a cabeça enquanto passava.
A mulher – a acólita – que ia à sua frente balançava os quadris de forma que seu traseiro ia para lá e para cá enquanto andava. Não era o suficiente para ser impróprio, entretanto; na verdade, seus movimentos eram muito graciosos.
O Deus Supremo era o senhor da lei. Mas era dito que eram os Que-Oram que deveriam fazer os julgamentos legais oficiais. Talvez, então, essa acólita estivesse apenas tentando agir de forma apropriada para um local de julgamento. E para Matador de Goblins, não havia maior elogio do que reconhecer algo como o fruto de muita prática.
— Se você tivesse dado a volta pelos fundos, não teria que esperar — disse ela, dando a entender que ele era amigo pessoal da chefe deste templo.
— Eu não sabia disso — disse ele. E não soou nada reprovador. — Te causei problemas — acrescentou.
— De forma alguma, senhor, está tudo bem. Tenho certeza de que a arcebispa ficará muito feliz. — Ela deu um enorme sorriso para ele.
Matador de Goblins inclinou a cabeça um pouco na direção dela.
— Acho que lembro de ter te encontrado antes…
— Sim senhor. E gostaria de agradecê-lo por todo o bem que fez à nossa arcebispa na época.
— Eu só matei os goblins.
Esta mulher era uma atendente, umas das que serviam Donzela da Espada de perto. Ele trabalhou isso em sua mente.
— Hmm. Ela agora consegue dormir?
— De fato, e muito bem, aliás. — A acólita parecia estar falando sobre sua própria criança enquanto sorria. — No último ano ela dormiu como um bebê. Tenho certeza de que agora se sente muito mais segura.
Ah, mas não diga a ela que eu te contei. Isso só a faria ficar emburrada.
Ele balançou a cabeça.
— Entendo. — E então acrescentou, mais uma vez com a mesma voz: — Que bom, então.
Prosseguiram para o interior do templo, passando pelas salas de audiências onde os casos eram ouvidos, por corredores cheios de prateleiras. Em direção ao santuário mais interno, um lugar de pilares de mármore e silêncio.
Ele já havia feito esse caminho antes, e ainda levava ao mesmo lugar de antes.
Vários grandes pilares redondos cercavam a sala, a luz do sol da cor do mel flutuando entre eles.
No final desta sala mais distante estava uma estátua do Deus Supremo, como o sol, um altar colocado diante de tudo. E no altar estava alguém com postura perfeita segurando a espada e a balança, uma linda mulher oferecendo preces…
— Ahh… — disse ela, o regozijo evidente em sua voz. — Você veio. É você, não é…?
Soou um leve sussurro quando a mulher, seu corpo sensual coberto por apenas um simples pedaço de pano fino, levantou-se e deixou de lado suas preces.
Atrás de sua venda – que servia apenas para destacar sua beleza – seu olhar mudou, e um suspiro escapou de seus lábios sedutores.
Podia parecer sedução, ou até mesmo certa malícia. Mas sua aura era, sem dúvidas, a de uma sacerdotisa pura.
— Parece que as coisas estão bem.
— Sim… Graças a você. — A arcebispa, Donzela da Espada, sorriu como uma doce garotinha, seus lábios vermelhos formando um arco suave. Ela fez um movimento com a mão, quase como se dançando; a acólita baixou a cabeça e se retirou em silêncio.
Matador de Goblins observou sua partida, seu capacete de aço escondendo sua expressão. Donzela da Espada olhou para ele com entusiasmo.
— Receio ter te incomodado por causa daquela garota…
— Não foi nada — disse Matador de Goblins, balançando a cabeça. — É meu trabalho.
O inverno anterior ainda estava fresco em sua memória, quando lutou com alguns goblins na montanha nevada para resgatar uma garota nobre. A jovem havia se esforçado muito para parecer corajosa. Matador de Goblins não sabia o que tinha acontecido com ela após o resgate. Aparentemente, estava em contato via cartas com Sacerdotisa e Alta Elfa Arqueira, mas não pensou em perguntar nada a respeito.
— Não posso dizer que ela está completamente melhor… — disse Donzela da Espada com gentileza, como se sentisse o que Matador de Goblins estava se perguntando. — Suas feridas são profundas e doem muito. — Ela franziu um pouco os lábios. — Mas voltou a se levantar. Está fazendo tudo o que pode, conforme suas capacidades.
— Entendo.
— E quanto a mim…?
Matador de Goblins bufou e disse:
— Ouvi a respeito no caminho para cá. — Ele então largou o cabo do carrinho com um estrépito. — Trouxe os textos antigos.
— Então trouxe. Já ouvi a história. — Ela voltou a franzir os lábios, talvez aborrecida por não ser capaz de perguntar os detalhes pessoalmente a ele. Mas, ao menos, parecia não haver mudança no fato de que estava cuidando dela.
Donzela da Espada se moveu pelo piso de mármore, quase como se deslizando sobre ele, aproximando-se do carrinho sem qualquer preocupação evidente. Sua mão pálida e delicada foi estendida e roçou a superfície do baú de madeira.
— Pode fazer a gentileza de abri-lo para mim?
— Sim.
Matador de Goblins pegou a espada em seu quadril e usou a ponta para abrir o baú. Não era algo que um aventureiro normal faria, arriscando sua amada arma.
Mas este era Matador de Goblins. Donzela da Espada sabia disso, então não ficou surpresa com o que se sucedeu.
O baú foi aberto com um grito de protesto. Dentro dele estavam algumas tabuletas de argila, enterradas em detritos macios. Donzela da Espada passou a mão ao longo da profusão de caracteres gravados na superfície, com a mesma suavidade que faria um amante.
— Esta escrita é antiga… Muito, muito antiga. Acho que às palavras pode pertencer a magia… Talvez.
Talvez isso fosse surpreendente para alguém que não sabia quem era Donzela da Espada. Mas como a arcebispa do Deus Supremo, governante da lei, ela com certeza teria um milagre de avaliação.
— Diz alguma coisa sobre goblins?
— Não tenho certeza — respondeu ela com um triste aceno de cabeça que fez seu cabelo dourado ondular em silêncio. — Temo não poder dizer. Teria que ler um pouco melhor…
— Entendo. — Matador de Goblins balançou a cabeça. — Nesse caso, não estou interessado. Vou deixar isso com você.
— Vou manter comigo. Obrigada. — Donzela da Espada levou as mãos aos seus generosos seios e fez uma grande reverência. Não era a maneira como uma arcebispa normalmente se comportaria diante de um mero aventureiro, mesmo que ela mesma já tivesse sido uma.
Ela ergueu a cabeça lentamente, seus olhos cegos então olharam para as tábuas de argila como se fossem um presente.
— Depois vou levá-las para a biblioteca.
— Você mesma…?
— A responsabilidade foi passada para mim, não foi? É melhor eu mesma cuidar disso até o fim. — Antes que Matador de Goblins pudesse dizer qualquer outra coisa, ela acrescentou um “certo?” enfático.
A mulher parecia estar dançando enquanto se aproximava do homem em sua armadura de couro cru. Um cheiro suave e doce fez cócegas no nariz dele, talvez do perfume que ela estava usando.
— Você vai voltar em breve?
— Não. — Isso fez com que Donzela da Espada apertasse a balança e a espada. — Iremos agora mesmo para o sul.
— É mesmo…? Entendo… — A força deixou sua mão que segurava o símbolo. — Que cruel — murmurou ela. — Não acredito que esta viagem envolva goblins…
— Minha amiga… — começou a dizer Matador de Goblins. — Minha amiga… me convidou. Não poderia recusar.
— Você tem um coração gentil…
As palavras dela não eram exatamente de reprovação, mas havia alguma farpa nelas.
Matador de Goblins, entretanto, respondeu:
— Nunca se sabe onde ou quando os goblins podem aparecer.
— Isso com certeza é verdade. — Ela riu, e foi como o som de um sino; pairou no ar conforme se distanciava.
Donzela da Espada endireitou as roupas (embora não precisasse fazer isso), ajustou o controle sobre a espada e a balança e tossiu baixinho.
— Tenha cuidado, caso vá viajar pelo rio.
— Cuidado com os goblins?
Ela ignorou a pergunta, dizendo baixinho:
— Surgiram relatos de barcos afundando.
Desejo-lhe segurança em suas viagens.
Matador de Goblins a deixou fazer o sinal sagrado sobre ele com os dedos. Então balançou a cabeça e partiu em um ritmo ousado. Não olhou para trás.
Exatamente como ela esperava.
Tradução: Taipan
Revisão: Shibitow
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