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Matador de Goblins – Vol. 06 – Cap. 05.2 – O Dia de Treinamento nos Arredores da Cidade

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— Parando para pensar…

— Hmm?

— Esta pode ser a primeira vez que estamos só nós dois.

— Ah, de fato, acho que você está certa sobre isso — disse Lagarto Sacerdote, suavemente balançando o rabo.

Estava de tarde no campo de treinamento. Embora as instalações estivessem quase na metade das obras, o lugar continuava aberto às intempéries.

Aventureiros novatos, assim como trabalhadores, vadiavam em um canto e outro da grama, comendo seus almoços.

Não havia garantia de que alimento seria fornecido e, mesmo que fosse, a atividade física deixava o corpo faminto.

— Mesmo os deuses e espíritos não podem curar um estômago vazio — meditou Lagarto Sacerdote.

— Você está se esquecendo dos milagres Criar Água e Criar Comida — disse Sacerdotisa.

Não que eu já os tenha.

— Ho ho — gargalhou Lagarto Sacerdote apreciando. — Se eu mudasse de religião, as bênçãos disponíveis também mudariam, pelo que vejo.

— Verdade. Embora eu não ache que possa orar mais por hoje…

Por que os dois estavam no campo de treinamento? A resposta era o treino, combinado com o fornecimento de alguma cura.

Não eram apenas os aventureiros inexperientes que corriam riscos durante a prática. As pessoas que trabalhavam na construção da instalação provavelmente eram as que corriam maior perigo.

Batidas e arranhões, é claro, poderiam ser tratados com primeiros socorros simples, mas ossos quebrados poderiam afetar muito mais do que a obra. Recorrer aos deuses por um milagre de Cura Menor poderia fazer toda a diferença.

Por fim, os dois clérigos estabeleceram-se na periferia do campo para comer.

Sacerdotisa se sentou com os joelhos dobrados juntos e desfez o pacote que continha seu almoço. Era pão e queijo, junto com vinho diluído e vários pedaços de frutas secas.

— Ora — disse Lagarto Sacerdote, espiando as previsões dela de onde estava, sentado de pernas cruzadas. — Será o suficiente para você?

— Sim — respondeu Sacerdotisa. Não se tratava de uma dieta balanceada; apenas tendia a não comer muito. — Eu, ahem… — Ela desviou o olhar do dele, suas bochechas ficando um pouco vermelhas. — Parece que ganhei alguns quilos desde que me tornei uma aventureira.

Lagarto Sacerdote abriu suas enormes mandíbulas e gargalhou.

— Ha ha ha ha ha ha! Não se preocupe! Isso com certeza se deve aos seus músculos.

— Acho que pode ser por haver tantas coisas boas para se comer nesta cidade…

— Eu penso, criança, que um pouco mais de carne em seus ossos faria bem. Você está muito magra.

— A Sacerdotisa Chefe me disse a mesma coisa…

Em certa idade, talvez até as moças do clero se preocupassem com essas coisas. E ter mulheres tão atraentes, como Vaqueira, Garota da Guilda e Bruxa ao redor provavelmente não ajudava.

Sacerdotisa soltou um suspiro curto e logo ofereceu uma prece de agradecimento por sua comida à Mãe Terra.

Lagarto Sacerdote, por sua vez, fez um de seus estranhos gestos de juntar as palmas das mãos e abriu uma bolsa feita de pele animal.

— Ah — disse Sacerdotisa. Arregalou um pouco os olhos, e então sorriu gentilmente. — Um sanduíche, hein?

— Heh heh heh heh heh.

Lagarto Sacerdote fez uma expressão que talvez fosse um sorriso de orelha a orelha, então revirou os olhos e, triunfante, ergueu seu sanduíche. Consistia de um pedaço grosso de pão com manteiga passada, cheio de fatias de carne grelhada.

O que realmente chamou a sua atenção, entretanto, foi o queijo, era tanto que ameaçava ser mais do que o pão poderia conter. Chegou a quase esconder toda a carne; o queijo era obviamente a estrela maior. Era o completo oposto de um sanduíche normal, no qual a carne seria o principal componente e o queijo um simples complemento.

— Os ingredientes favoritos de alguém, organizados como alguém deseja. Esta é a verdadeira liberdade. — Ele parecia tão feliz quanto um marisco, e Sacerdotisa não conteve o sorriso.

— Não posso dizer que não entendo…

— Mm. Se comida é de fato cultura, seria necessária uma civilização verdadeiramente iluminada para produzir isso. — Enquanto falava, Lagarto Sacerdote engoliu seu sanduíche. Metade dele sumiu em uma mordida; dois nhacs depois, desapareceu. — Ahh, néctar! Delícia!

— Heh heh. Você realmente gosta de queijo, não é?

— De fato. Fico grato por ter me aventurado no mundo humano.

Smack, smack. Seu rabo bateu no chão em uma demonstração de bom humor.

Sacerdotisa seguiu esse movimento.

Ela abriu a própria boca, muito menos larga que a de Lagarto Sacerdote, e começou a mordiscar pedaços de pão. Enquanto mastigava, um sabor de noz invadiu sua boca. O qual foi acompanhado por um gole de vinho de uva.

— Que tipo de comida você comia em sua casa? — perguntou Sacerdotisa.

— Éramos guerreiros e caçadores, sabe. Comíamos pássaros ou animais que pegávamos. — Tendo terminado o seu primeiro sanduíche, Lagarto Sacerdote partiu para o segundo. — Os guerreiros mais jovens comiam com os de sua idade, e os mais experientes com sua própria coorte. E os superiores com os superiores. — Segurando o sanduíche com uma das mãos, bateu com a outra na grama. — Comíamos no solo ou no chão, bem assim.

— Vocês não comiam todos juntos?

— Se um rei ou general aparecesse entre os soldados comuns, como poderiam relaxar?

— Entendo.

— Banquetes, porém, eram diferentes. Quando conquistávamos uma vitória nas batalhas, as fogueiras eram acesas em praça pública e todos se sentavam juntos.

Em sua mente, Sacerdotisa descobriu que podia imaginar a cena de uma terra na qual jamais estivera. Uma enorme multidão de homens-lagarto se reunia ao pé de uma grande árvore de floresta tropical, erguendo suas taças e bebendo seu vinho, celebrando todos juntos.

Entre tudo isso, uma grande besta era assada no espeto, bravos guerreiros cortando pedaços de carne e erguendo suas vozes. Por alguma razão, um deles, em particular, estava alegremente comendo bocados de queijo… Mas isso devia ser só um detalhe da sua imaginação.

Se nada mais, então…

— Parece muito festivo.

— Eu poderia dizer isso — disse Lagarto Sacerdote com confiança. — Às vezes, também saíamos em busca de milho ou batata…

— Ooh. Batatas combinam bem com queijo, sabe.

— Oh ho! — Lagarto Sacerdote de repente se inclinou para a frente, seus olhos brilhando e suas mandíbulas abertas. Não era de se admirar que Sacerdotisa recuou um pouco, soltando um grito assustado. — Gostaria de ouvir mais sobre esse assunto!

— Er, bem, eu… nos tempos do Templo, costumava cozinhar…

Corte as batatas, misture com molho de leite, farinha e manteiga, cubra com queijo ralado e leve ao forno. O resultado era uma refeição rica para dias de festival de inverno ou qualquer tipo de celebração.

— Se reuniam todos no Grande Salão, oferecíamos nossas preces e depois comíamos juntos.

— Isso parece excelente…!

Tanto a receita quanto a refeição, queria ele dizer.

— Compartilhar uma refeição com os companheiros — proclamou Lagarto Sacerdote —, é aprofundar os laços com eles.

— Sim — concordou Sacerdotisa balançando a cabeça e sorrindo. Então pensou em algo e inclinou a cabeça em direção a ele. — Ah, se quiser, podemos cozinhar um pouco quando tivermos a oportunidade.

— Eu gostaria disso — respondeu Lagarto Sacerdote.

Foi então que uma voz alegre e animada chegou a seus ouvidos:

— Ei, parece que você tem algo bom para comer aí!

Sacerdotisa olhou em direção à voz. A primeira coisa que viu foi um par de pés descalços. Pequenos, mas musculosos, levavam a pernas cobertas por calças curtas e, depois, a uma camisa leve. Ela estava com calor e suando, abanando a gola para fazer o ar correr. Era Lutadora Rhea.

— Um sanduíche? Sorte sua! Posso dar uma mordida?

Com um grunhido, Lagarto Sacerdote jogou o resto da comida boca adentro, balançando o rabo de forma intimidante enquanto mastigava.

— Entre os ensinamentos que recebi, não estava a partilha dos alimentos.

— Aww…

Ela, entretanto, não parecia realmente desapontada, e Lagarto Sacerdote revirou os olhos.

— Bem, não é como se eu não tivesse trazido o meu próprio almoço! — disse. — Posso me juntar a vocês? — Ela riu abertamente e mostrou um pacote na mão. Estava embrulhado, com todo o cuidado, em um lenço vermelho, e era também bem grande.

Sacerdotisa, que estava mastigando alguns feijões doces secos, engoliu tudo e fez um ruído afirmativo, acenando com a cabeça.

— Ah, sim. Não me importo.

— Nem eu me incomodo.

— Então não se importem se eu fizer isso! — A garota rhea se jogou na grama ao lado dos dois, ocupada enquanto desembrulhava seu almoço. Era uma pilha de panquecas fofinhas, cozidas até ficarem dourado-amarronzadas, não muito diferente de pele de raposa. Cada uma delas era tão grande quanto a face de uma pessoa, e havia uma, duas, três, quatro – cinco! – delas.

Considerando o tamanho físico de um rhea, isso era equivalente a comida suficiente para alimentar um anão.

Ela pegou uma garrafa e abriu a rolha, derramando mel rico e grosso sobre as panquecas, então comeu.

Sacerdotisa se viu piscando.

— Você está com bastante apetite, não é?

— Comemos cinco ou seis vezes por dia! — Mas nem sempre conseguimos fazer todas as refeições durante uma aventura… A garota lambeu e limpou um dedo pegajoso e melado. — Por isso, tenho que comer, de uma só vez, o suficiente para não morrer de fome entre as refeições!

— Ha ha ha… — Sacerdotisa riu de um jeito evasivo. Ela tinha a nítida sensação de que a rhea teria comido a mesma quantidade, mesmo se pudesse fazer todas as suas refeições. — A propósito — disse —, você agora está sozinha, não está?

— Sim, estou. Então estava pensando em talvez caçar alguns ratos ou coisas do tipo.

Cuidar dos ratos gigantes nos esgotos era uma tarefa básica para os aventureiros iniciantes. Isso não significava que era um trabalho dos mais populares – as pessoas achavam que não era aventura o suficiente. Ninguém se tornava aventureiro só para lutar contra roedores superdesenvolvidos. Queriam lutar contra monstros terríveis, desbravar masmorras e obter itens de baús do tesouro. Era disso que se tratavam as aventuras.

Mas não era fácil fazer essas coisas sozinho.

— Além disso, lá está cheio de guerreiros novatos. — Sem grupo para mim.

Ela riu.

Por melhor que fosse unir forças com algumas pessoas com as quais se dava bem e sair para se aventurar, da mesma forma, ficar sozinho poderia ser doloroso.

Se não fosse por Matador de Goblins…

O que teria acontecido com ela?

Era isso que estava na mente de Sacerdotisa.

Isso era algo estranho. Se aquelas três pessoas não a tivessem chamado naquele dia, onde estaria?

Se não tivesse ido naquela aventura, não estaria onde estava.

Foi tudo graças àquela aventura e de todas as lutas que seguiram depois, acumulando-se dia após dia. As mínimas decisões que tomou, no calor do momento, produziram esse exato instante.

— Um… — O pensamento fez com que as palavras saíssem de sua boca quase que por vontade própria. — Se você quiser, por que não… tenta se aventurar conosco?

— Aventurar-se? — A rhea olhou para eles, um pouco perplexa. — E quanto ao seu amigo armadurado, Matador de Goblins, ou quem quer que seja? Acho que não o vi hoje…

— Ah, hmm…

— Acontece que — disse Lagarto Sacerdote, inclinando-se para frente e pegando o fio da momentaneamente inarticulada Sacerdotisa —, para avançar entre as classificações, ela deve demonstrar suas habilidades e, assim sendo, está procurando parceiros de aventura temporários. — Enquanto falava, ele mastigou e engoliu outro sanduíche ao fazer barulho.

— Provavelmente estaríamos juntos em apenas uma missão… — disse Sacerdotisa, desculpando-se.

— Hmm. — Lutadora Rhea cruzou os braços e olhou para longe.

Aventureiros iniciantes eram às vezes chamados de “ralé” e, nesse grupo, guerreiros humanos e anões estavam aos montes. Muitos deles eram fortes e sólidos, seja por terem treinado muito ou por nascerem assim.

— Só avisando, não sou nada demais — disse Lutadora Rhea com um breve sorriso. Sim, ela treinava, mas levantou um dos braços para demonstrar que ainda era menor que o de um humano ou anão. — Digo, sou uma rhea. Não tenho o melhor dos equipamentos. E sou só uma guerreira.

De armadura de couro. Uma espada e escudo. Equipamento decente, mas definitivamente pouco.

À luz de suas habilidades, força e equipamento, estavam provavelmente muitos guerreiros melhores do que ela.

— Vocês têm certeza disso?

— Ah, mas — disse Lagarto Sacerdote, balançando a cabeça sombriamente —, você tem sorte.

— Sorte…?

— Chamam isso de uma relação de convívio com o destino. Não?

— Com certeza! — concordou Sacerdotisa com Lagarto Sacerdote, quase que de imediato. Ela estufou seu pouco peito da melhor forma que pôde. — Tipo, você não nos perguntou sobre nossas poções? É por isso que…!

Por isso que te convidei.

— Hein, então você lembra daquilo? — disse Lutadora Rhea e acenou com a cabeça. — Bem, então tá bom, tudo bem… Mas devo dizer que vai ser um pouco difíííícil só para eu e você. — Então cerrou os punhos e os ergueu bem alto. — Vamos convidar mais algumas pessoas! Pode deixar comigo… tenho umas ótimas ideias!

— Ah, eu também vou!

Assim que a ideia alcançou sua cabeça, Lutadora Rhea moveu-se surpreendentemente rápido. Ela estava correndo como uma lebre; Sacerdotisa se levantou tarde demais para segui-la.

Enquanto a garota saiu correndo, Sacerdotisa girou e fez uma profunda reverência a Lagarto Sacerdote.

Ela entendeu perfeitamente o que o clérigo naga havia arquitetado em seu nome.

Já fazia um ano desde que os quatro formaram um grupo.

Lagarto Sacerdote lhe deu um aceno encorajador, como se dissesse “Não se preocupe com isso” e ela voltou a acenar para ele.

— Eeeeei, vamos lá! Todo mundo vai voltar a treinar assim que tiver terminado de comer!

— Certo! Claro! Sinto muito, e obrigada…!

— Yaaah! — Bem à frente de Sacerdotisa, Lutadora Rhea estava dando um chute no garoto ruivo.

Quando Sacerdotisa a alcançou, ela se curvou várias vezes e explicou o que estava acontecendo. Anão Xamã riu fazendo barulho. Nesse intervalo, Lutadora Rhea avistou seus próximos alvos e saiu correndo em direção a Guerreiro Novato e Clériga Aprendiz.

Esta última estava argumentando que estavam bem no meio do almoço, até que Sacerdotisa apareceu com Garoto Feiticeiro a reboque, mais uma vez se curvando e se desculpando.

— Ahh, sorte é uma virtude, e virtude é sorte — disse Lagarto Sacerdote, feliz enquanto comia e observava o que acontecia.

Afinal, estavam juntos há um ano. Ele conhecia bem a personalidade da garota, sua bondade de coração.

Então, bem. Sua mente trabalhou enquanto terminava o seu último sanduíche. E quanto à virtude de milorde Matador de Goblins, o estranho fanático no coração de nosso grupo?

Chirp, chirp. Chirp, chirp, chirp, chirp.

Vaqueira despertou das profundezas de seu sono com o canto do canário.

— Hrn… Hmm? Hmm?

Esfregou os olhos e piscou várias vezes. Então se espreguiçou bastante e percebeu que estava sentada em uma cadeira da sala de jantar. Devia ter ficado na mesa após ter em algum momento adormecido.

O sol já estava bem posto, deixando o interior do cômodo escuro; a única luz era o brilho tênue das luas gêmeas.

Sobre a mesa estava uma xícara de chá preto, que esfriou por completo.

Devia ter adormecido esperando por ele.

— Hmm… Pelo menos não estou com a pele marcada — disse, massageando suas bochechas dormentes. Ao fazer isso, um cobertor caiu de seus ombros.

Seu tio devia ter colocado ali. Embora fosse começo da primavera, as noites continuavam frias. Vaqueira o pegou e dobrou.

— Terei que agradecer…

Enquanto fazia isso, o canário continuou ruidosamente piando, batendo as asas em sua gaiola. Vaqueira logo acendeu uma vela, colocando-a em um castiçal e caminhando até a gaiola.

— E aí? Está com frio? Ou será que é fome?

O tom que adotou, como se estivesse falando com uma criancinha, era provavelmente natural. Ela se inclinou para a frente, olhando para dentro da gaiola; o canário inclinou a cabeça e olhou para trás.

Podia ver apenas a sua própria silhueta em suas roupas de dormir, oscilando no reflexo da janela.

Talvez devesse dormir na cama.

O pensamento fazia sentido, mas ela não tinha vontade.

Talvez devesse começar a ir com ele…

Foi até a janela, apoiou o queixo na mão e suspirou.

Não, impossível. Uma fantasia que falhou em todos os pontos.

Ela era bem musculosa, verdade – por mais que odiasse admitir, seu corpo era mais bem construído que o da maioria das garotas de sua idade. Mas, ainda assim, isso não significava que seria capaz de usar uma arma ou enfrentar monstros.

Acima de tudo, porém, se começasse a também ir a esses lugares, ele talvez simplesmente deixasse de voltar para casa…

— Nossa, não seja egoísta logo agora… — Vaqueira não resistiu e riu.

Foi então que aconteceu: com barulho e ruído, a porta foi aberta. O ar noturno entrou, junto com um cheiro estranho. Um cheiro de ferro. Lama, suor e poeira, junto com sangue.

Mesmo sem olhar, Vaqueira logo soube: era o cheiro dele.

— Bem-vindo de volta!

— Estou de volta…

A resposta à sua voz gentil foi tranquila, desapaixonada e direta.

Ele fechou a porta atrás de si assim que entrou, tentando de tudo para ficar quieto, mas o barulho ainda era meio alto. Vaqueira se virou, sorrindo suavemente, e seu capacete tremeu incerto.

— Você ficou esse tempo todo acordada?

— Nah. Acabei de acordar.

— Eu te acordei?

— Não, não. Não se preocupe com isso. Alguém me levantou no momento certo. — Ela apontou para a gaiola e acrescentou: — Né, amiguinho? — ao que o canário respondeu: Chirp! — Este pássaro é realmente incrível. Ele sabia que você estava chegando antes mesmo de entrar.

— Hmm — resmungou ele baixinho, puxando uma cadeira e sentando-se. Vaqueira pensou que poderia tirar de lado ao menos suas armas e armadura, mas não disse nada. Então se afastou da janela, pegando um avental que estava pendurado na cozinha e o jogando sobre a camisola.

— Jantar? — perguntou, olhando por cima do ombro, em direção dele, enquanto amarrava o cordão do avental por trás.

— Vejamos — respondeu, e então: — Sim, por favor. — Por fim, acrescentou ele, bem baixinho: — Qualquer coisa está boa.

— O guisado já está pronto.

Depois de um momento de pausa…

— É mesmo…? — respondeu com um aceno previsível.

Demorou para reacender o fogo do forno e esquentar o guisado.

— Ah, se quiser pode limpar um pouco a sua armadura.

— É mesmo?

— Sim. Tem uma toalha de mão bem ali, pode usar.

— Ah.

Ele obedientemente começou a limpar a sujeira em seu capacete e armadura, embora seus movimentos fossem bastante ásperos. Claro, essas não eram manchas que sairiam após esfregar um pouco, mas foi o suficiente para deixar Vaqueira satisfeita.

Quando ela colocou o guisado diante dele, ele começou a jogá-lo pela viseira, igual um homem faminto.

Já era primavera e não havia necessidade de alimentos tão quentes, mas ela continuava fazendo guisado. Sim, muito simples.

— O tempo todo esses dias, hein?

Ela sentou diante dele, apoiando a cabeça com as mãos nas duas bochechas.

— O que?

— Você sai. — Vaqueira pegou um guardanapo e se inclinou sobre a mesa, enxugando um pouco de guisado do capacete dele. — É por causa daqueles goblins… ou, bem, acho que agora também tem aquela área de treinamento.

— Sim.

— Anda ocupado?

— Não… — respondeu Matador de Goblins que, após pensar por um momento, inclinou o capacete, como se não tivesse certeza. — Acho…

Hmmm. Vaqueira recostou-se na cadeira, o queixo agora na mão, e o observou. Claro, não conseguia ver a cor de seus olhos, que estavam escondidos por trás do visor.

— Eu sabia — disse, rindo um pouco, vindo do fundo de sua garganta. — Você não quer que construam algo lá, quer?

Na mosca. A colher dele parou a meio caminho de sua boca.

— Não é… exatamente que eu não queira que o façam.

Hrrrm. Ela tentou agir como se estivesse pensando.

A linguagem corporal dele não mudou nada desde quando eram mais jovens. Quando chateado, ele sempre lutava para esconder isso.

— Isso dá um sentimento de solidão, não é?

— …

— E você está preocupado com aquela garota, não é?

— …

— Está preocupado, mas não consegue pensar em uma boa forma de ajudá-la.

— …

— E, enquanto isso, os goblins continuarão com seus truques…

— …

— Você fica ansioso quando não está fazendo nada.

Ele soltou a colher da mão, ainda em silêncio. Então soltou um suspiro profundo e por fim falou:

— Você me conhece bem…

— E como. Faz quatro anos que estamos juntos. — Ela, finalmente, não conseguiu mais conter o riso e piscou.

De dentro do capacete, o olhar dele estava fixo nela. Isso fez com que Vaqueira se endireitasse na cadeira.

— Não pensa nada sobre isso?

A pergunta foi das breves, mas ela provavelmente era a única que conseguia entender no que ele pensava quando aquilo aconteceu. Na verdade, não tinha certeza nem se ela mesma entendia.

Seu tio, entretanto, não morava naquela aldeia. Os únicos restantes eram ele – e ela.

— Não estou… dizendo que isso nunca me incomoda.

— …

— Eu lembro… de mergulhar no lago e muitas outras coisas. — Relembrou ela.

As vozes de seus pais, sua casinha de tijolos.

O calor amigável da parede de pedra banhada pelo sol.

O vento em seu rosto enquanto corria ao longo do caminho pela aldeia. O som das enxadas e arados dos adultos enquanto trabalhavam nos campos.

O rangido do balde mal pregado ao sair do poço, cheio de água fria.

Aquela arvorezinha que ficava no topo da colina, e como seu coração batia forte quando escondia algum tesouro na sua cavidade.

Eram essas as sensações que tinha enquanto assistiam ao pôr do sol vermelho brilhante se espalhando do outro lado do horizonte para o mundo inteiro.

Como a grama fazia cócegas em suas costas assim que deitava na planície, olhando para as duas luas até tarde da noite.

A dor do tapa que seu pai lhe deu, zangado com ela por voltar tão tarde para casa. A solidão do sótão onde se trancava com raiva.

Como cheirava o café da manhã caseiro de sua mãe, o cheiro que flutuava até depois de cochilar no andar de cima.

Lembrava de tudo.

Era um mundo que já não existia em qualquer lugar, exceto em seu coração, e no dele.

— Mas comecei a pensar, talvez seja só o que foi. — Vaqueira sorriu, fraca. — É assim que tudo acaba, certo? O mundo continua girando, nós continuamos vivendo. O vento continua soprando e o sol continua nascendo e se pondo.

Fwip, fwip. Ela usou o dedo indicador para fazer círculos no ar.

Já fazia muito tempo desde aquele dia, mas não fazia tanto tempo.

Dez, onze anos. Tempo suficiente para uma criança crescer. Para a aparência de um lugar mudar. E cidades também, e pessoas e todo o mais.

Tudo no mundo continuava, mudava, nunca descansava. Até mesmo pensamentos e memórias.

Houve algo que não mudou? Talvez a mudança em si tenha sido a única coisa que não mudou.

Não tenho nem certeza se a mudança é boa ou ruim.

— Isso tudo acaba significando que precisamos aceitar a mudança.

— É mesmo…?

— Sim, é mesmo. — Vaqueira acenou com a cabeça, parecia querer enfatizar o seu próprio ponto. — Tenho certeza disso.

— Entendo.

Isso foi tudo o que ele disse; então ficou em silêncio.

Muitas coisas aconteceram, pensou.

Um ano – fazia um ano desde que partiu naquela aventura para salvar aquela garota sacerdotisa ou, mais precisamente, para matar goblins.

Conheceu Alta Elfa Arqueira, Anão Xamã e Lagarto Sacerdote. Lutou contra aquele monstro cujo nome jamais conseguia lembrar.

Lutou contra um exército de goblins que atacou a fazenda. Lanceiro, Guerreiro de Armadura Pesada e muitos outros ajudaram em sua vitória.

Depois, os goblins que apareceram nos esgotos abaixo da cidade da água. A luta com o campeão. Donzela da Espada.

O festival de outono era outra ocasião que lhe mostrou quantos amigos havia feito.

E no inverno, foram para a montanha nevada e lutaram contra o goblin paladino.

Havia uma diferença inconfundível entre seu eu anterior e seu novo modo de ser. Caso contrário, teria pensado em cuidar daquele garoto?

O caminho da vida era cheio de encruzilhadas e bifurcações. Poderia, agora, escolher qualquer direção que quisesse.

— …

Ainda assim.

Ainda, assim…

E eu ainda a teria, se não tivesse morrido depois que um goblin a esfaqueou com uma lâmina envenenada!!

— Ainda não é possível… — murmurou ele, Matador de Goblins, bem baixinho.

— Mm… — disse Vaqueira. Ela balançou a cabeça, parecendo triste. — Entendo…

— Não tenho provas, mas acho que os goblins voltaram a se mover. — Matador de Goblins escolheu as palavras com cuidado, pensando muito enquanto falava.

Os goblins roubaram ferramentas de construção. Estavam impunemente aparecendo por perto do campo de treinamento.

Estavam apenas interessados no incomum espetáculo da área de treinamento sendo construída?

Impossível.

Era um aviso, um sinal.

O pensamento poderia parecer alarmante, mas, em sua mente, essas coisas estavam conectadas.

Não estava claro se era obra do destino ou do acaso.

A única coisa da qual tinha certeza era de que teria que lutar contra os goblins.

— É por isso que acredito que devo fazer isso.

— Sim. Sim… Eu sei.

Seus olhares se encontraram. O olhar de Vaqueira vacilou de ansiedade. O dele, de dentro do capacete, nunca vacilou.

A garganta dela apertou. O que deveria dizer e como deveria dizer? Por várias vezes, abriu e voltou a fechar a boca.

— Estarei… esperando por você, tá?

— Sim.

Matador de Goblins então levantou-se de sua cadeira. Deixou sua tigela vazia sobre a mesa.

Ela ouviu a porta fechar, e então voltou a ficar sozinha na cozinha.

Vaqueira desviou o rosto da instável luz de velas, segurando a cabeça como se quisesse abraçar a si mesma, mas, em vez disso, voltou a deitar-se sobre a mesa.

O suave chilrear do canário não lhe dava conforto.

Nos três dias seguintes, nada aconteceu.

Os aventureiros gastaram seu tempo em aventuras, treinando ou aprofundando amizades.

Com certeza foi um momento significativo, sem dúvidas.

O fluxo do tempo não poderia ser mais revertido do que a correnteza de um rio.

Mesmo os próprios deuses não podem voltar atrás no lançar dos dados.

Por isso era certo que goblins apareceriam. Destino? Ou acaso?

Aconteceu três dias depois – no crepúsculo.

 


 

Tradução: Taipan

 

Revisão: Milady

 


 

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