Liberte Aquela Bruxa – Vol. 03 – Cap. 412 – Esgueirando-se na Serra do Dragão Caído

O mundo inteiro estava sombrio, do céu à terra e ao mar.

Embora a área do centro-sul do Reino de Castelo Cinza não estivesse coberta por uma neve sem fim, o impacto dos Meses dos Demônios era inevitável. O sol estava oculto por uma extensão de nuvens acinzentadas que enchiam todo o céu. Um nevoeiro pálido subia do chão, cobrindo a terra, as pedras e as florestas. Montanhas pretas e cinzas acima das nuvens eram a única coisa que se destacava, estendendo-se para o extremo sul do continente, e agindo como o guia para Rouxinol e suas companheiras.

Enquanto voava no céu nas costas de Maggie, Rouxinol experimentava intensamente o quão terrível o vento frio era ao ar livre. Mesmo com um conjunto de roupas à prova de vento feitas sob medida, que foram dadas a ela por Sua Alteza antes de partirem, ela ainda podia sentir o frio penetrando seu corpo através de seu cachecol e mangas. Em particular, seus ouvidos e dedos logo ficariam dormentes devido à hipotermia. Elas, muitas vezes, tinham que parar e descansar por um tempo, fazendo com que a jornada normal de meio dia se estendesse até o dia seguinte, mesmo voando a toda velocidade.

— Chegamos. — Raio se aproximou dela.

Rouxinol olhou para baixo e percebeu que o tergo se tornara muito menor do que era antes, como se estivesse aos poucos afundando no chão. Uma cidade construída na encosta da colina emergia fracamente da neblina que, provavelmente, era o seu alvo: a Serra do Dragão Caído.

— Vamos pousar. — Rouxinol deu um tapinha nas costas de Maggie — Tenha cuidado e não deixe ninguém nos ver.

— Aooo! — Maggie assentiu, dobrando as asas enquanto descia.

O nevoeiro envolveu as três quando aterrissaram. Rouxinol descobriu que a visibilidade em torno delas era tão baixa que ela não conseguia enxergar com clareza nem cinquenta passos à frente, quiçá a uma grande distância.

De qualquer forma, este era um bom sinal para as bruxas, pelo menos elas não seriam facilmente notadas.

Para Rouxinol, as verdadeiras cores do mundo eram reveladas após adentrar em sua névoa, por isso, ela não estava preocupada em deparar-se com o Exército de Julgamento da Igreja devido ao espesso nevoeiro que cobria a terra.

— Esperem aqui, isso não deve demorar muito. — Rouxinol disse.

— Sua Alteza me pediu para ficar de olho no céu. — Raio balançou a cabeça.

— E ele me pediu para ser o contato de emergência, caso você sequestre o alvo. Pruu! — Maggie se transformou em uma pomba gorducha, e pousou na cabeça de Raio.

Sua Alteza deu algumas ordens sem sentido. — Rouxinol pensou e respondeu:

— Tudo bem, estou indo.

De repente, o mundo tornou-se preto e branco. O nevoeiro desapareceu, ou se transformou em outra coisa, que não mais atrapalhava sua visão. A visão de Rouxinol ficou clara. A muralha escura da cidade ficava a 200 metros de distância, estendendo-se do lado da montanha, e conectava a cidade e a montanha como uma cúpula. A muralha de pedra era muito mais curta em comparação com a muralha externa de Forte Cancioneiro, e não havia sentinelas guardando-a.

Rouxinol foi para o lado da muralha e encontrou a entrada através das linhas curvas. Ela deu um passo à frente e percebeu que já estava do outro lado da muralha da cidade.

A cidade tinha metade do tamanho de Forte Cancioneiro e era mais como uma pequena cidade nesta área que ficava nos arredores dos penhascos da montanha. Mas Serra do Dragão Caído estava localizada no meio montanhas rochosas, e o castelo do Lorde fora construído na encosta da colina, logo, podia ser visto de longe.

Rouxinol assegurou que Raio e Maggie estavam seguindo-a para a cidade, e então ela foi direto para o castelo.

Esta missão não era algo novo para ela e ela era muito proficiente nisso.

Quando ela servia ao velho Gilen, era uma tarefa comum infiltrar-se em mansões e castelos de outros nobres. A maioria dos edifícios era semelhante em estrutura, e os proprietários sempre gostavam de morar nas casas mais espaçosas, bem no centro. Naquela época, ela era incapaz de atravessar paredes livremente e só conseguia se esconder, evitando cuidadosamente qualquer armadilha possível e as Pedras da Retaliação Divina que por ventura estivessem no local, antes de roubar as cartas e documentos escondidos no armário.

Agora, com a ajuda de sua névoa, Rouxinol poderia facilmente fazer essas coisas, já que o buraco negro sem luz, o efeito da Pedra da Retaliação Divina em sua névoa, havia sido facilmente identificada. Ela estava incrustada na esquina do corredor do castelo e parecia tão chamativa quanto a lua pairando no céu escuro. As armadilhas escondidas podiam ser vistas claramente. Seus contornos distorcidos eram como minhocas rastejantes, e ela poderia facilmente destruí-los depois de passar pelas paredes. Enquanto estivesse dentro da névoa, Rouxinol poderia se mover de forma perfeitamente livre, fossem paredes, portas ou telhados, nada disso era um obstáculo para ela.

Entrando na maior casa, no alto da serra, ela encontrou seu alvo.

Embora nunca tivessem se encontrado antes, Rouxinol identificou a Marquesa Speer Passi, a Lady de Serra do Dragão Caído, à primeira vista, pois uma luz azul mágica estava girando dentro de seu corpo, e esta era a única cor visível no mundo da névoa.

Sentada em frente a uma mesa com uma pena na mão indo para frente e para trás, a Marquesa parecia estar escrevendo alguma coisa. Ela tinha cerca de 30 anos de idade, com rugas nos cantos dos olhos, e seus cachos prateados e os trajes simples que usava a faziam parecer mais velha. Rouxinol examinou a sala cuidadosamente e descobriu que não havia Pedras da Retaliação Divina ou armadilhas, e que a única arma de Speer era uma pequena e delicada besta escondida dentro de sua manga.

Depois de deixar uma marca ao lado da janela, ela saiu da névoa e se revelou.

— Saudações, Marquesa Speer Passi.

Chocada com a voz inesperada, Speer Passi levantou a cabeça rapidamente e viu Rouxinol. Ela rapidamente se acalmou e perguntou:

— Quem é você?

Rouxinol lembrou-se de seu primeiro encontro com o Príncipe Roland. A primeira reação dele foi tentar escapar e ela teve que pará-lo usando uma adaga, o que agora, recordando-se, ela achava muito engraçado.¹Lá, de volta outra vez no capítulo 19.

— Meu nome é Rouxinol e venho de Vila Fronteiriça, da Região Oeste. Como você pode ver, eu sou uma bruxa.

— Imaginei, pois ninguém poderia chegar aqui sem ser convidado, exceto, claro, uma bruxa. — Speer Passi fingiu estar calma, enquanto movia lentamente uma das mãos para dentro da manga — Você deveria bater na porta antes de entrar.

— Então eu seria bem recebida pelo seu guarda, não por você. — Rouxinol riu baixinho — Não se preocupe. Eu não pretendo te machucar. Eu só quero ter uma conversa, então você não vai precisar da besta dentro de sua manga.

Isso surpreendeu Speer Passi e seu rosto ficou ainda mais sério:

— Você realmente sabe demais. — Speer tirou as mãos e as cruzou na frente do peito — Por que você está aqui?

— Eu trago uma mensagem do Lorde de Vila Fronteiriça, Protetor da Região Oeste, o quarto Príncipe do Reino de Castelo Cinza, Sua Alteza Roland Wimbledon. — Rouxinol se curvou ligeiramente — Ele está criando uma nova ordem no mundo que permite que bruxas vivam junto com pessoas comuns pacificamente, e ele espera que você possa ajudá-lo.

Príncipe Roland? — A Marquesa franziu a testa — Aquele nobre incompetente que sempre foi ridicularizado por todos? — Com um olhar de desdém e escárnio no rosto, ela disse:

— Isso é ridículo, Lorde de Vila Fronteiriça? Ele é apenas um rebelde banido para uma terra selvagem!

— Timothy é o verdadeiro usurpador. — Rouxinol disse — E Príncipe Roland logo o destronará. Mas isso foge da questão principal… Sua Alteza precisa do seu poder mágico para fortalecer a habilidade de uma bruxa. Você se importaria de fazer uma viagem até Vila Fronteiriça?