Aconteceu no dia quando a coroação de Sir Souma, o casamento com Liscia e as outras aproximava.
— Cian, Kazuha. A vovó chegou — eu disse, espiando o berço deles.
— Dawoo? — perguntou Cian.
— Ayee! — gritou Kazuha.
Aos nossos olhos se encontrarem, o rosto de Cian congelou, com os dedos ainda na boca, enquanto Kazuha moveu seus braços e pernas animada.
Elas eram reações diferentes, mas ambas infantis e tão fofas. Trouxe a mão para a bochecha e encarei-os, encantada.
— Ó céus, seus filhos são fofos — murmurei para minha filha.
— Mãe… — Liscia, que estava do meu lado dobrando roupas de bebê, disse com um sorriso um tanto irônico — É verdade que esses dois são fofos, mas o que é esse negócio de “avó”? Você não é a Excel, sabe?
— Ah, que mal faz? Ser chamada de vovó faz eu me sentir velha.
Liscia tinha dado à luz Cian e Kazuha antes de fazer vinte anos, e eu também a Liscia na minha adolescência. Era por isso que ainda estava quase nos meus quarenta.1Nota do autor: O ano é ligeiramente mais longo nesse mundo, então pelo cálculo da Terra, ela teria um pouco acima de quarenta anos.
Eu dei uma risadinha do olhar de irritação no rosto de Liscia e disse a ela:
— Daqui a vinte anos, você vai saber como eu me sinto, sabe?
— Eu… realmente prefiro não pensar sobre isso.
Com uma cara amarrada, Liscia pôs as roupas dobradas na cômoda.
Houve uma batida na porta, e quando Liscia atendeu, uma das criadas, Carla, entrou.
— Liscia. O mestre deseja falar com você a respeito de seu vestido para a cerimônia.
— O Souma deseja? Ok.
Liscia olhou para mim.
— Me desculpe, mãe. Poderia ficar de olho nas crianças por um tempo?
— Certamente — sorri — Não gostaria de deixar nosso genro esperando. Cuide-se.
Liscia sorriu de volta e deixou o quarto.
Carla, que tinha tomado o lugar dela como resultado, bateu continência e disse: — Me dê qualquer comando.
Respondi-a com um sorriso, daí voltei a olhar os bebês em seu berço.
— É… como um sonho — sussurrei para mim mesma tão baixo que Carla não pudesse ouvir.
Eu tinha doze anos quando ganhei um entendimento adequado de minha magia pela primeira vez.
Nasci do Rei de Elfrieden e sua terceira rainha primária, perdi minha mãe ainda jovem. Fui criada pelo meu pai afetuoso, e me tornei uma moleca e tanto como resultado.
Infelizmente era dotada de um talento para as artes marciais e hipismo, então me juntava aos guardas do castelo em cavalgadas, e passava minha juventude coberta de constantes arranhões e hematomas.
Um dia, ouvira dizer que havia um cavalo selvagem nos estábulos que não estava acostumado com pessoas, e convencera a mim mesma:
— Vou domá-lo!
Ignorando as tentativas de minhas criadas me impedirem, tentei montar no cavalo.
— …!!
Foi quando aconteceu.
Repentinamente, “memórias” que eram vívidas demais fluíram na minha cabeça.
De mim, imprudentemente montando no cavalo selvagem.
De mim, acalmando-o, apesar de alguma resistência.
Daí, o cavalo ficando louco quando fiquei arrogante e deixei minha guarda baixa.
De mim, jogada do cavalo, caindo de cara no chão.
Dor intensa, o chão parecendo perto demais, e uma poça do meu sangue se espalhando.
Essa visão propagou-se em minha cabeça, e percebi.
Essas eram minhas memórias. As memórias de um “eu” futuro que montara naquele cavalo.
— …No fim das contas, não vamos fazer isso — sussurrei.
Eu decidi não montar no cavalo selvagem, voltei ao meu quarto para o alívio das criadas, e deitei de bruços em minha cama macia.
Até então, eu não sabia qual era minha magia.
Isso era mais comum para aqueles com magia negra, que é qualquer magia que não fosse magia de luz, e que não pertencesse aos quatro elementos: fogo, água, terra e vento.
Porque magia negra como uma categoria era especial, e costumava incluir magias que só pudessem ser usadas por um indivíduo, não era incomum que essa pessoa não a entendesse muito bem.
No entanto, depois da minha experiência naquele dia, eu entendi a minha claramente.
— O poder de enviar memórias para meu eu passado quando em perigo mortal.
Essa era minha magia pessoal.
Era uma habilidade que, face uma ameaça a minha vida, me permitiu enviar arrependimentos como, eu devia ter feito isso naquela hora ou eu jamais deveria ter feito isso comigo mesma enquanto estou no ponto de ramificação que levou ao futuro.
Minha impressão, tendo recebido as memórias daquele futuro “eu”, foi de que era como se eu mesma tivesse feito essa decisão, e o tempo tivesse rebobinado daquele futuro ao tempo em que estava agora.
Entretanto, eu também tinha o senso de que não era o meu próprio futuro.
Eu não havia, afinal, feito essa decisão ainda. Era como ser mostrada o resultado de uma entidade que era idêntica a mim mesma tomando essa decisão que eu estava prestes a fazer.
Além disso, por causa do requerimento de que eu tinha que enfrentar uma ameaça a minha vida, era também uma habilidade que poderia usar uma vez na vida. Porque a chance de que a morte me esperaria pouco depois de enviar as memórias era alta.
Parecia uma revelação divina ou um sexto sentido quando estava do lado que recebia, mas quando eu era quem enviava, seria como deixar um testamento para o meu eu do passado.
Quando me dei conta disso, estremeci.
Era tudo bem ser quem recebia. Mas quando pensava sobre ser quem enviava, sentia nada além de medo.
Também era difícil de explicar esse poder para os outros, e se eu não tomasse cuidado, eles podiam pensar que tinha ficado louca.
Eu queria saber se poderia enviar memória para pessoas além de mim mesma, mas essa era uma magia que veio com o risco a minha vida, então não pude testá-la.
Sem poder falar com qualquer pessoa sobre essa magia, fiquei deprimida.
Sempre que pensava sobre receber mais memórias da minha vida estando em perigo, não poderia ser tão imprudente e irresponsável quanto havia sido antes.
Quando aqueles a minha volta viam o quão como uma dama me tornara, eles receberam isso bem dizendo “Eu sei que ela é apenas a filha da terceira rainha primária, mas talvez tenha começado a reconhecer seu papel como membra da realeza”
A única coisa que eu pude pensar em resposta foi “Vocês não têm ideia do que eu estou passando”.
— Suspiro…
Quando as coisas ficaram assim, não consegui reunir a vontade de fazer quase nada, e passei muito tempo olhando para o nada.
Passei meus dias olhando pela janela, vendo as flores no jardim, e assim por diante.
Então, um dia, aconteceu.
Estava vagando pelo jardim em transe, e ouvi uma voz.
— Hum, entendi, entendi.
Espiei de uma cerca viva, e ali estavam o velho jardineiro e um jovem nobre falando entusiasticamente sobre algo.
— É por isso que preciso que você pode as flores nessa temporada — o jardineiro dizia.
— Entendi — o nobre disse — Você está me ensinando muito aqui.
Parecia que o homem idoso com as tesouras de jardinagem estava ensinando o homem jovem, que parecia ser um nobre, sobre jardinagem enquanto ele trabalhava. O homem jovem estava mais bem vestido, e provavelmente era de um status maior que o homem idoso, mas ele estava recebendo entusiasticamente instruções do homem idoso.
Me movi furtivamente para mais perto dos dois, e observei o homem.
Ele provavelmente tinha entre dezoito e vinte anos de idade, tinha uma aparência um tanto exausta, fazendo-o parecer mais velho do que sua idade. Seu rosto era mediano e faltava impacto, e embora ele parecesse gentil, não parecia que seria capaz de ascender no mundo no futuro.
Dando um tapinha na própria lombar, o homem idoso disse ao jovem:
— Isso era tudo que você queria que eu o ensinasse? Foi de alguma ajuda?
— Sim! Obrigado pela sua tutela — o jovem disse feliz.
Parecia que eles haviam terminado sua conversa.
O homem idoso partiu para avançar para sua próxima tarefa, e o homem restando sentou-se. Retirando um papel e uma caneta portátil com sua própria embalagem de tinta, ele começou a escrever algo.
Aproximei-me do homem e perguntei a ele:
— O que está fazendo?
— Só um momento — ele disse, escrevendo sem olhar para cima para ver quem estava dirigindo-se a ele — Estou fazendo um resumo do que ouvi bem… Hã?!
Quando de repente caiu a ficha para ele que alguém estava falando com ele, deu um pequeno pulo. Parecia meio bobo assim.
— Desculpe-me por chamá-lo assim tão do nada — eu disse.
— Ah, não, tudo bem… Espere, Princesa Elisha?!
O homem rapidamente ficou de pé, e curvou-se para mim o máximo que podia.
— Foi incrivelmente rude da minha parte, não perceber que estava falando com uma princesa!
— Está tudo bem — eu disse — Eu fui quem se esgueirou até você, afinal. Mas, deixando isso de lado, o que está fazendo aqui?
O homem pôs uma mão na cabeça enquanto olhava para cima.
— Bem, a verdade é que jardinagem é um dos meus hobbies. Quando vi esse lindo jardim, quis ouvir o que a pessoa cuidando dele teria a dizer, e fiz ele me ensinar algumas coisas.
— Jardinagem… é? Mesmo vocês sendo um homem?
— Ah, sabe, meu domínio é nas montanhas, no meio do nada, mas temos muita terra e um grande quintal, então comecei a fazer jardinagem. Parece que sou um pouco desastrado, e fico aquém em atividades marciais e políticas, mas, deixe me dizer, quanto a jardinagem, tenho alguma confiança… Brincadeira.
Com isso, o homem soltou uma risada fraca.
Ele parecia não tão confiável.
Parecia que minha primeira impressão, de que ele não iria longe na vida, não estava errada.
— Ahaha… Sou estranho, não sou? Sei disso.
Ele deve ter sentido o que eu estava pensando, porque o homem disse isso com um sorriso amarelo.
Vendo o desânimo no rosto dele, me senti meio mal. Talvez porque via todas as pessoas no castelo com ambições evidentes. Eu adquiri o hábito de avaliar todos que conhecia.
— Mas você está bem assim, não está? — eu disse sem intenção — Há cavaleiros e nobres de sobra que se orgulham de sua habilidade marcial, ou de sua astúcia. Ter um nobre sossegado como você por perto não vai fazer o país melhor ou pior.
— Princesa…
Os olhos do homem se arregalaram.
Eu sorri para ele.
— Acho que você só deveria ser você mesmo. Com todos os conspiradores nesse mundo, eu acho reconfortante saber que há pessoas por aí como você, também.
— Você é… muito gentil.
O homem pôs a mão no peito e curvou-se.
Três anos se passaram e fiz quinze anos.
Meu pai, o Rei de Elfrieden, faleceu.
Para construir uma nação que pudesse se opor ao enorme Império Gran Caos no lado oeste do continente, meu pai lutara guerras para expandir o território do país. Ele anexou várias nações pequenas e médias ao norte, arrancou uma grande faixa do território do Principado de Amidônia a oeste, e teve embates repetidos com a República de Turgis ao sul e o Arquipélago do Dragão de Nove Cabeças no mar oriental.
Essa rápida expansão gerou atrito, e nosso país passou a conter os conquistadores e os conquistados, os saqueadores e os saqueados, os assassinos e os assassinados, todos ao mesmo tempo. Essas sementes de agitação rapidamente cresceram quando meu pai morreu sem apontar um herdeiro.
Quem se tornaria o próximo rei e herdaria o país?
Porque o país havia crescido tanto, muitos ergueram as mãos.
Disputas internas na família real entrelaçaram-se com as intrigas dos cavaleiros e nobres, e as faíscas cresceram.
Então, as sementes da agitação germinaram.
— Se aquela família está do lado deles, a nossa vai se juntar a sua oposição.
— Jamais podemos perdoar aquela pessoa, então não vamos nos juntar à facção que eles apoiam.
Desse jeito, os altos escalões da sociedade dividiram-se em grupos, e esses grupos passaram a se opor.
Essas faíscas também vieram em mim muito rápido.
— Escolha um noivo, eles dizem…
Olhei para os retratos de pretendentes acumulados na minha mesa e dei um suspiro.
Eu era a filha da terceira rainha primária, e tinha mais do que um punhado de meios-irmãos que estavam acima de mim. Eu era por volta da décima na linha ao trono, e com minha mãe já falecida, e sem o apoio de qualquer uma das famílias, eu jamais deveria ter sido envolvida na crise da sucessão.
Foi por isso que, inicialmente, eu havia sido deixada de fora.
No entanto, já que o conflito se intensificara, vários sucessores haviam morrido sob circunstâncias suspeitas (muito provavelmente assassinados por reclamantes rivais). Agora eu não poderia mais permanecer alheia.
Eu era uma garota insignificante sem apoiadores, mas ainda tinha o sangue de meu pai, então havia quem a minha volta que estivesse começando a pensar que deveria me atrair para seu grupo por qualquer pequeno benefício que isso traria. Ou talvez pensando que… para impedir que eu fosse atraída por outro grupo, seria melhor se eles só dessem um fim em mim.
Foi por volta desse tempo que minha magia começou a ativar com frequência.
Estava prestes a tomar chá, e via uma imagem de mim mesma sofrendo por isso.
Estava andando numa sacada, e via uma imagem de um lustre caindo.
Estava viajando numa carruagem, e via uma imagem de mim mesma cercada por homens armados.
Esses eram certamente avisos de um “eu” futuro.
Para impedir que esses futuros se tornassem minha realidade, eu não beberia o chá, ou pegaria um caminho diferente, e conseguira evitar esse futuro de alguma forma.
Porém, havia limites para até quando isso seria o suficiente. Aos olhos daqueles que me viam evitar crise após crise, devo de fato ter parecido uma pessoa um tanto bizarra. Eu teria que ganhar apoiadores meus, e rápido.
Foi nessa hora que uma conversa de um casamento arranjado foi trazida a mim.
Ao fazer uma escolha, isso decidiria minha facção e apoiadores. Sendo uma membra da família real, eu havia me resignado de não buscar casar por amor fazia tempo. Na minha situação atual, sabia que tinha que encontrar um parceiro que pudesse superar a crise de sucessão e sobreviver comigo.
Pensando isso, peguei um dos retratos, e daí…
—Aiiiii!
Fui atingida por uma intensa imagem da morte.
Não apenas uma, também: incontáveis visões de minha fadada morte corriam pela minha mente.
Isso me sobrecarregou, e desmaiei.
Quando acordei, estava na cama.
Parecia que uma de minhas criadas ouviu meu grito, apressou-se para me ajudar, e cuidou de mim.
Eu disse à criada ao meu lado “Obrigado. Vou ficar bem agora” e deixei meu quarto, pensando sobre as visões com a minha ainda confusa cabeça.
Elas vieram de muitos futuros nos quais “eu” fizera a escolha errada.
Um “eu” ficara noiva de um homem de uma talentosa família militar.
Ele mesmo era um guerreiro impressionante, e seus seguidores eram fortes. Esperava que um homem como aquele pudesse me proteger.
No entanto, ele tirara vantagem de sua proeza militar, agindo de uma forma orgulhosa que chamava atenção e fizera mais inimigos. No castelo, cheio de tanto aliados quanto inimigos, essas ações lhe custaram a vida. No fim, ele fora enganado com surpreendente facilidade, e tinha sido morto antes até que “nós” pudéssemos nos casar. A memória terminava “comigo” e os servos sob ameaça inimiga.
Um “eu” ficara noiva de um homem que era um excelente estrategista.
Ele tramara planos para eliminar membros de facções opositoras. No entanto, ganhara o ressentimento de muitos, perdera suas confianças, e por fim sofrera traição, caindo pelas mãos de seus próprios companheiros.
Essas memórias terminavam “comigo” sendo pega no mesmo incidente.
Um “eu” ficara noiva de um homem que estava na maior facção na época.
Essa facção atualmente tinha muitos membros e estava subjugando a oposição, mas quando todas as facções sumissem, ela romperia devido a uma disputa de poder interna, e isso se tornaria um atoleiro infinito.
Esse pode ter sido o futuro onde mais sangue era derramado.
Essa memória terminou assim como as outras.
Um “eu” tentara fugir do conflito.
Se o resultado seria o mesmo não importa com quem me casasse, decidira que ia escolher casar com ninguém e me esconder. No entanto, para alguém como eu sem o apoio de uma família, esconder-me na cidade fora a única opção.
Num ambiente sem a segurança do castelo, eu fora rapidamente descoberta, e por causa da atmosfera de suspeita, haviam assumido que eu estava tramando algo e me viram como uma ameaça.
Essa memória terminou quando estava prestes a ser eliminada por ser uma encrenqueira.
As escolhas de todas as outras “eus” também não levavam a futuros brilhantes.
Mesmo nos futuros em que eu conseguia sobreviver à crise de sucessão por pouco, depois de todo sangue que era derramado, o Reino de Elfrieden não seria capaz de se unir. As invasões que se seguiam, os ataques de monstros, a conspiração dos nobres, e os levantes pelas pessoas todos contribuíam para enfraquecer o reino.
No fim das contas, as memórias de todo “eu” pareciam terminar com o castelo em chamas.
Umas dez desses tipos de visões correram pela minha cabeça.
Era como se o tempo tivesse sido rebobinado de novo e de novo, mas eu ainda podia saber que as memórias não eram minhas.
Fui forçada a testemunhar os resultados das escolhas que aqueles “eus”, que não era eu, tinham feito.
Quando me lembrei daquelas cenas, corri até o banheiro e vomitei.
Quando meu estômago ficou vazio, cai sem forças no lugar, me inclinando na parede para me apoiar.
— Não… consigo fazer isso mais.
Essas foram as palavras que escaparam da minha boca.
Falhara dez vezes.
Pode haver alguma discordância se esse número seria muito ou pouco, mas era mais do que podia aguentar.
Mesmo que eu recebesse as memórias, ainda era apenas eu mesma.
Mesmo que eu fizesse uma decisão, falhasse, e passasse a minha experiência para o próximo “eu”, isso não significava que poderia voltar ao passado. Seria o fim para o eu que falhara.
O próximo “eu” ou o “eu” após o próximo “eu” talvez chegassem a um futuro feliz.
Mas ela não era eu.
Só poderia ser feliz aqui, neste mundo onde eu estava. Se falhasse, a morte esperava, como houvera para todos os “eus” até então.
Quando pensei dessa forma, fiquei apavorada de sequer escolher.
Era amedrontador que as memorias que recebera todas cortavam antes da morte. Eu fui enviada para beira da morte de novo e de novo, sem saber como era a morte.
Para fazer uma analogia, é como se tivesse um número infinito de cordas penduradas em frente aos meus olhos, com uma delas presa a uma espada pendurada sobre a minha cabeça, e eu estivesse vendo as cordas sendo cortadas uma por uma. Eu vivia com medo da espada que finalmente cairia e tiraria minha vida. Mesmo que não caísse dessa vez, jamais poderia relaxar.
Me senti encurralada, e abracei meus jolhos.
Não! Não quero fazer mais nenhuma escolha!
Se nada que eu fizesse funcionava, não faria nada.
Meu coração estava completamente partido.
Daí em diante, passei ainda mais tempo olhando para o nada.
Estava perambulando por um labirinto no qual não conseguia ver nenhuma saída, e chegara a um beco sem saída. Me faltava a vontade de resistir ao destino, e estava simplesmente esperando que o fim inevitável chegasse.
Pensar e me preocupar com isso apenas fazia ser mais doloroso, então fazia tudo que podia para não pensar a respeito, e passava meu tempo deitada no sol.
Acho que, a essa altura, meu raciocínio era o de uma mulher idosa.
Então, um dia, quando escolhi o jardim para minha perambulação em transe…
— Por favor! Eu te imploro! — uma voz de homem gritava.
— Eu entendo, mas não posso…
Dois homens estavam conversando.
Pus a cabeça para fora da cerca viva, me perguntando do que se tratava, e vi um homem com vinte e poucos anos curvando-se para um ainda jovem (sua juba era curta, então ele parecia jovem) homem besta leão.
O homem besta soava preocupado.
— Erga a cabeça, Albert. Há coisas que não posso fazer, mesmo para você.
— Por favor, faça alguma coisa, Georg!
Georg… Ah! Lembrei-me.
O homem besta leão era Georg Carmine, o filho mais velho da Casa de Carmine, uma das três famílias ducais que controlava o Exército, Marinha e Força Aérea deste país. Recordei-me de ele ter vindo ao castelo com seu pai, o chefe atual da casa, lá trás quando meu pai ainda estava vivo e bem.
O outro homem, Albert, por sua vez… Quem era ele? Conhecia-o de algum lugar, mas não conseguia lembrar de onde.
Ele ainda era jovem, mas seu rosto exausto e barba faziam-no parecer mais velho que sua idade.
— Por favor, Georg! Deixe-me ver seu pai, pelo menos — Albert implorou.
— Já disse. Não posso.
Eles estavam discutindo a respeito de algo, mas o tom informal implicava uma amizade que durara muitos anos.
Albert tinha uma aparência mais burocrática, então foi surpreendente vê-lo se dando bem com alguém da Casa de Carmine, que eram os representantes dos oficiais militares.
Georg começou a puxar a própria juba.
— Eu devo a você e quero ser de ajuda. Mas o Duque de Carmine é meu pai agora. Meu pai e seus homens estão seguindo a orientação da Duquesa Walter de não se envolverem na crise de sucessão. Se os três ramos das forças armadas se envolverem, a crise irá espalhar-se pelo país inteiro. Cada um deles está reprimindo seus subordinados para assegurar que isso não aconteça.
Parecia que o pedido de Albert tinha algo a ver com a crise atual, e, embora lhe doesse fazê-lo, Georg estava recusando seja lá o que fosse.
Era verdade que se as três forças se envolvessem nesse conflito, só provocaria mais caos.
Eu senti que era um dado que a Duquesa Excel Walter, que havia apoiado este país por muito longos anos, tomaria medidas para tentar mantê-las sob controle. E se a Duquesa Walter se opunha fortemente a se envolver, seu genro, Duque Vargas, obedeceria a ela. Enquanto isso, se as duas outras casas se opunham, o Duque Carmine também teria que se opor.
Senti que a razão estava do lado de Georg.
Entretanto, Albert não estava pronto para desistir.
— Este não é um pedido para ele apoiar ninguém! Só quero que ele dê proteção para impedir alguém de ser machucado.
— E estou te dizendo que fazê-lo poderia ser interpretado como intervir!
Georg apertou o ombro de Albert. Isso foi tudo que foi preciso para fazê-lo perder o equilíbrio, e o homem deu alguns passos para trás antes de cair de joelhos.
Vendo isso, Georg disse com pena:
— Na verdade, gostaria de pedir-lhe que não se envolva no conflito mais. Você é um cara legal. Como seu amigo, sei disso.
— Georg…
— Mas você é fraco. Tão fraco que tropeçou quando eu empurrei você só um pouquinho. Falta-lhe a força para superar essa crise, e você tem o coração mole demais para derrubar os outros. É por isso que estou te dizendo. Se você se isolar naquele seu domínio da montanha, você pode ficar fora disso.
Albert baixou a cabeça em silêncio.
Georg pôs uma mão no ombro dele e disse:
— Então, desista, Albert.
— Georg… Eu ainda…
Albert agarrou o braço da mão que Georg colocara no seu ombro.
— Eu ainda quero salvá-la! Eu ainda quero salvar Lady Elisha!
Eu?! Por quê?!
Por um momento, não entendi o que ele dissera. Ele queria me salvar? Eu não sabia quem ele era, então porque ele estava tão desesperado?
Felizmente, Georg perguntou exatamente a mesma coisa que eu queria saber.
— Porque ir tão longe por Lady Elisha?
— Porque ela me disse “Você está bem assim” — Albert disse em uma voz torturado — Sou um homem medíocre, com menor poder, sabedoria, riqueza, ou influência que qualquer um. Sou tão sem graça que, se perguntado se tenho uma coisa de que me orgulhar, é minha habilidade em jardinagem. Mas ela me disse “Você está bem assim”. Ela também disse “Acho que você deve apenas ser você mesmo” e “Com todos os conspiradores nesse mundo, eu acho reconfortante saber que há pessoas por aí como você, também.” Senti como se essas palavras me salvaram.
É ele…
Finalmente me lembrei daquele dia. Aquele homem.
Aquele com quem tinha me encontrado neste jardim e falado alguns anos atrás era Albert. E tudo por causa daquela conversa curta, ele estava desesperado para me ajudar.
Sabendo disso, me dei conta com força. Tinha até esquecido que tínhamos falado, mas essa pessoa lembrara-se de um comentário improvisado que eu fizera, e está tentando me salvar.
Pensando bem, percebi que esse homem estivera nas memórias que eu recebera de minhas outras “eus”, também. Não importa a posição em que “eu” estivesse, não importa com quem “eu” houvesse casado…
— Agora não é hora de lutas internas!
— Não podem abaixar as armas e conversar?!
— A casa real será destruída nesse ritmo! Por favor, reconsiderem!
Eu o testemunhara visitando muitas facções, tentando fazer apelos assim para elas.
É claro que ninguém ouviria um homem sem nenhum poder, mas ele fora deixado em paz porque não havia como se tornar uma ameaça. Mesmo “eu” não prestara atenção nele.
Mas ele fizera tudo isso para me proteger.
Qual tola, inútil, e ridiculamente honesto ele deve ter sido.
Quando me dei conta, lágrimas escorriam pelas minhas bochechas.
Senti como se meu coração, congelado pelas memórias que testemunhara, estivesse começando a descongelar.
Quando eu estava limpando minhas lágrimas com minha manga, Georg disse a Albert com uma aparência sofrida:
— Eu realmente não posso ajudá-lo em minha posição atual.
— Entendi.
Albert abaixou os ombros.
— É isso então.
Georg ajudou-o a levantar-se.
— Quero que você se lembre disso. Juro fazer o meu máximo para ajudá-lo quando eu herdar a Casa de Carmine. Mesmo que custe a minha vida.
— Georg…
— Então, não seja imprudente! Não me faça um ingrato.
Assim que disse isso, Georg deu um tapinha no ombro de Albert e partiu.
Albert, que foi deixado para trás, ficou ali de pé em silêncio, observando-o até que fosse embora.
Eu esperei até ter certeza de que minhas lágrimas haviam secado, daí saí de trás da cerca viva e andei até Albert.
— Sir Albert.
— Hã?! Princesa?! Por quanto tempo você esteve aí?!
— Faz algum tempo.
Sorri para o homem surpreso.
— Ahm… obrigado por fazer isso por mim.
— N-Não! Não fui de nenhuma ajuda… No final das contas, nem consegui que meu amigo Georg me ajudasse.
— Não havia nada que você pudesse ter feito — disse a ele — Porém, deixando isso de lado, fiquei surpresa em vê-lo falando com Sir Georg da Casa de Carmine de uma maneira tão amigável. Vocês não são pessoas muito parecidas.
Albert pôs a mão atrás da cabeça e riu.
— Nos conhecemos por meio de nossos pais, e estamos juntos desde que éramos crianças.
— Estou meio interessada — eu disse — Ah! Deveríamos sentar em algum lugar?
Pareceu estranho ficar falando de pé, então nos sentamos em um dos bancos no jardim.
— Pensando bem, Sir Georg mencionou que devia a você por algo — continuei — Do que isso se tratava?
— Oh… Georg se acalmou esses dias, mas costumava ser um pirralho agitado. Ele quebrou o vaso precioso de seu pai, retalhou uma árvore impressionante no jardim balançando uma espada, e, embora não fosse inteiramente culpa dele, deu uma surra no filho de um nobre que estava causando problemas na cidade.
Parecia que Sir Georg havia sido a típica criança durona na sua juventude.
— Ele era sempre punido pelo seu pai por isso, então Georg costumava fugir para nossa casa. Eu não era tão ativo quanto ele, mas me faltava a coragem para fazer qualquer travessura de verdade, e era um menino quieto, então era bem-quisto pelos adultos. Apaziguei as coisas entre Georg e o pai dele várias vezes. Ele não estava sempre completamente errado, afinal.
— Entendo… — murmurei — É por isso que ele “deve” a você, não é?
— Sim. Oh, porque o Georg é ruim com as palavras, houve um tempo também em que eu atuei como mediador entre ele e sua noiva. Jamais recua diante de um inimigo, mas você pode ver o medo no rosto dele quando não sabe como lidar com uma mulher. Eu ajudava a ter certeza que não fosse mal-entendido por causa disso.
— O-Oh… ?
Fiquei estarrecida com esse lado inesperado de Georg.
Isso foi… talvez eu não tivese direito de dizer isso, já que respondera à pergunta, e Georg devia ter preferido que eu não soubesse. Ainda assim… Eu tinha descoberto algo perguntando.
Esse homem diante de mim não tinha uma face pública e uma face privada; ele era exatamente como parecia. Eu tinha testemunhado tanto ódio e feiúra por meio das outras “eus” que isso parecia como uma espécie de salvação para mim.
Certamente, esse homem não tentaria eliminar ninguém.
Mesmo se alguém fosse prejudicial para ele, e eliminá-los fosse de seu benefício, ele não conseguiria se convencer a fazê-lo. Essa era sua fraqueza, e sua bondade. Era desqualificante como governante de um país, e um conforto para mim agora mesmo.
Esse homem certamente não seria capaz de superar a atual crise.
No entanto, se fosse um destino que eu não pudesse transcender de qualquer jeito, não seria tão ruim passar meus últimos dias relaxando a seu lado.
Eu certamente veria menos sujeira do que as “eus” até agora tinham. Porque esse homem não poderia fazer nada sujo.
Mas… para fazer isso, tinha algo que eu precisava dizer a ele.
Se ele estivesse comigo, seria pego na agitação, e poderia perder a vida.
Seria desonesto agarra-me a ele sem dizer isso.
Se, mesmo eu dizendo isso a ele, ainda tomasse minha mão… Eu…
— …Sir Albert — disse devagar — Tem um jardim na casa da sua família, não tem?
— Oh. Sim. Porém, é bem menor que os jardins no castelo — Albert disse, me olhando sem expressão.
Olhei Albert diretamente no olho e perguntei:
— Você me levaria para ver esses jardins?
Os olhos de Albert arregalaram-se.
— Isso…! Não, nada me agradaria mais do que mostrá-los a você, mas meu domínio e a mansão não são adequados para convidar um membro da família real para…
— Eu sei disso. Eu não iria como uma princesa da família real.
Albert não parecia entender onde eu queria chegar com isso, então disse claramente a ele:
— Eu desejo deixar de lado o nome da minha família e assumir o seu, de classe mais baixa, casando com você.
— A-assumir meu nome de classe mais baixa?! Você quer vir casar comigo?! — ele exclamou.
— Sim. Você, por acaso, já tem uma esposa, Sir Albert?
— Ah, não, ainda estou solteiro…
— Então perfeito.
— Espere, não foi isso que eu quis dizer! Porque isso tão de repente?!
Com um sorriso singelo, disse ao homem confuso:
— Estou atualmente sendo pressionada a escolher um noivo. Porém, não importa com que eu case, enquanto eu estiver no castelo, seria envolvida no conflito. Esse é simplesmente o tanto que o sangue real é valioso. Usar as pessoas, e ser usada… Já tive demais disso. Quero passar meus dias relaxando com alguém como você, e fazê-lo por quanto tempo eu puder!
Daí estendi a mão para Albert.
— Este é meu egoísmo. De onde você está, sou uma mulher trabalhosa que pode puxá-lo para o conflito só de estar ao seu lado. Mesmo assim, se você permitir… Quero que… você pegue esta mão. Gostaria de passar meu tempo descansando meu coração com você, por quanto tempo for possível.
Minhas palavras fizeram Albert engolir em seco.
Eu sabia que não estava sendo justa. Percebia que estava tirando proveito da gentileza dele.
Ainda assim, se eu não podia mudar a sina que me arruinaria, pelo menos queria alguém como Albert comigo no fim.
Agora que eu tinha desistido de resistir, como as outras “eus” tinham, esse era meu único desejo.
Houve um silêncio curto, e então Albert abriu a boca lentamente:
— Sempre… quis protegê-la. Porém, me falta a inteligência para tanto, e não pude ser de ajuda alguma. Isso… me frustra.
Fiquei em silêncio.
— Esse é quem eu sou, mas se tudo que você quer é que eu fique com você, eu consigo fazer isso.
Então, Albert pegou a mão que eu oferecera.
— Eu não posso de forma alguma prometer que você ficará segura se vier ao meu domínio. Duvido que poderá viver com o mesmo esplendor que no castelo, tampouco. Apesar disso, trabalharei para permitir que você passe seus dias em paz e tranquilidade. Se você está disposta a ficar comigo, então por favor.
— Obrigada… Albert — eu disse.
Foi assim que escolhi meu noivo.
— Aqui realmente é tranquilo, não é?
Eu estava olhando a vista fora da janela durante uma viagem de carruagem num caminho pedregoso.
O domínio de Albert era no campo, centrado em torno de uma aldeia agrícola e produtora de laticínios. Enquanto a carruagem quicava pela estrada rural, passamos por carroças puxadas por bois.
Havia um cenário pastoral, diferente de qualquer coisa no castelo, estendido diante de mim.
— Estou ficando um pouco animada — eu disse com evidente expectativa.
Albert sorriu ironicamente.
— Consigo ver isso. Embora eu não tenha certeza que temos qualquer coisa que a entreterá, princesa.
— Albert!
Peguei ele pela barba e puxei alguns pelos.
— Sim…? Ai!
— Você será meu marido, então pare com a linguagem formal, e não me chame de “princesa”.
— O-Ok. Elisha.
Albert relutantemente assentiu enquanto esfregava o queixo. O fato de que ele não podia tomar uma postura firme contra mim, mesmo sendo cerca de cinco anos mais velho que eu, indicava uma timidez inata. Dito isso, eu estava gradualmente começando a ver isso como parte do que fazia ele fofo.
— Ah! Que rio lindo — disse, encantada — Você acha que têm peixes nele?
— Sim. Quando o outono chegar, eles vão ficar bem roliços. Georg e eu costumávamos ir pescar lá quando éramos crianças. Ele sempre ficava entediado rápido e apelava para pegá-los com a mão, no entanto.
— Pescar! Parece legal. Nunca fiz isso antes, então, por favor, me leve.
— Claro que vou levar.
Enquanto olhava para o cenário rural, que parecia não afetado pela atmosfera assassina na capital, conversei com Albert sobre nada em específico, dizendo coisas como: “O que é isto?” “O que é aquilo?“
Foi muito divertido simplesmente fazer isso, e eu senti que a minha personalidade original, mais ativa, voltava para mim.
Isso continuou por um tempo. Finalmente, quanto me dei conta, tinhamos chegado à mansão de Albert.
Era pequena para a mansão de um nobre, mas nessa terra, com a falta de outros prédios próximos, ela ainda tinha uma certa presença.
Quando passamos pelo pequeno portão num muro que não forneceria uma defesa contra muito mais do que animais selvagens, os jardins bem cuidados estavam bem diante dos nossos olhos. Eles não tinham o tamanho dos jardins reais com certeza, mas combinavam bem com o espaço compacto, e davam a impressão de serem de bom gosto.
— Os jardins são maravilhosos…
Suspirei contente.
— Você fez tudo isso, Albert?
— Sim. Eu fiz esses jardins como um hobby.
— Eles são incríveis. Muito bom.
— Dá vergonha quando você me elogia tão livremente.
Albert riu envergonhado, mas eu realmente achava que os seus jardins eram maravilhosos.
Sentamos num terraço com teto entre os jardins e a mansão. Encarando os jardins ensolarados da sombra ali, o contraste de luz e sombra parecia de muito bom gosto.
— Esse é o lugar perfeito para relaxar — disse a ele.
— Podemos relaxar o quanto você quiser. Agora parece uma boa hora, então gostaria de um chá?
Assenti, daí Albert fez um de seus criados prepará-lo.
Quando estávamos bebendo chá aqui nos assentos desse terraço, o tempo parecia fluir num ritmo mais relaxado.
— Ufa… estou começando a ficar com sono — bocejei.
— É um dia quente e ensolarado, afinal. Você deve estar cansada de viajar também. É a situação perfeita para pegar no sono. Tudo bem você dormir. Acordo-a quando o sol começar a se pôr.
— Hehe, é um luxo poder usar nosso tempo assim.
Eu aceitei a gentil proposta dele e fiz exatamente isso.
O jardim bonito, a atmosfera calorosa, e o sorriso gentil de Albert fizeram meu coração e corpo parecerem que iam derreter.
Fazia quanto tempo que eu não me sentia tão à vontade?
Se eu pudesse fazer um desejo, seria para que esses bons dias pudessem durar o máximo possível… — pensei enquanto adormecia.
Tenho certeza que, em algum lugar, eu devo ter pensado que era um desejo impossível. No entanto, contrariamente às minhas expectativas, esses dias de sonho continuaram.
Parecia que a disputa sangrenta continuava sem trégua na capital, mas jamais se estendeu a este domínio.
Eu fiquei sabendo depois, mas aparentemente meu casamento com Albert trabalhou em meu favor.
Albert era conhecido por ser mediocre e sem ambição.
Quando as facções me viram jogar fora o nome da minha família para me casar com um homem como Albert, devem ter me visto com alguém com falta de ambição, também. Eles devem ter pensado: “Se ela tem um gosto tão ruim para homens, não vale a pena se preocupar com aquela garotinha.”
Também tinha a bem conhecida amizade de Albert com Georg. Se eles agissem imprudentemente contra alguém com conexões à Casa de Carmine, teriam problemas se o Duque de Carmine interviesse.
Era possível que Georg certificava-se de que o assunto da amizade deles se espalhasse por toda parte. Isso seria o máximo que ele poderia fazer para ajudar seu amigo Albert.
Talvez essas fossem as razões pelas quais eu, que demonstrara ser de pouca ameaça casando com um homem medíocre, e contra quem também era difícil agir, estava sendo deixada em paz por ora.
Graças a isso, pude passar meus dias relaxando aqui nesta terra.
No outono, fomos pescar.
— Alí… Peguei! Eu peguei um, Albert!
Dei um sorriso aberto.
— Você é boa em tudo o que faz, Elisha. Não consigo pegar nada.
Eu costumava ajudar Albert com seu trabalho, mas nos dias de folga iamos pescar juntos assim, ou aproveitar um piquenique nas colinas.
— O que faremos em nosso próximo dia de folga? — perguntei-lhe.
— Deve ser mais ou menos na parte do ano quando podemos pegar cogumelos nas colinas de trás. Quer ir?
— Caça aos cogumelos! Se conseguirmos pegar muitos, vamos dividir com todos.
— Hum. Eu realmente preciso dar a Johan o caçador algo em troca pela carne de veado.
Nossa relação com os súditos era boa. Era um pequeno domínio, então tinhamos que interagir com o povo independentemente do status. Quando saíamos assim, as pessoas não hesitavam em nos chamar.
— Aproveitando, porque não os assamos no jardim? — sugeri.
— Ha ha ha, taí uma ideia — ele riu — Vou chamar todos os habitantes da cidade.
E então, conforme passamos nossos dias em paz, em um certo ponto, parei de pensar sobre minha vida sendo alvo. Fui capaz de acreditar que o amanhã seria outro dia como o de hoje.
Depois de sobreviver a um inverno rigoroso, animais saíam em busca de parceiros na primavera. Da mesma forma, meu relacionamento com Albert também se aprofundara.
Tinha sido um estilo de vida de resignação, em que eu pensava que se não podia mudar meu destino, pelo menos gostaria de passar o tempo ao lado dele, mas em um certo momento, comecei a sentir que estava mais feliz que as outras “eus” que não haviam o escolhido.
— Albert — eu disse — Fico feliz que vim aqui.
Albert gentilmente me abraçou pelos ombros.
Cerca de um ano passara desde que me mudei para esta terra.
Rumores do vento nos disseram que incidentes sangrentos se desenrolavam na capital frequentemente.
Quando digo “rumores do vento”, faço uma alusão ao fato de que levava uma quantidade considerável de tempo para as notícias chegarem a um local tão remoto, e quando chegavam, vinham de boca a boca.
A esse ponto, não me importava mais o que acontecia na capital.
Eu não tinha vontade alguma de voltar, e… tampouco precisava.
Num dia limpo de primavera, numa pequena capela em nosso domínio, Albert e eu nos casamos e nos tornamos marido e mulher.
Após isso, nosso povo, Georg, e um pequeno conjunto de amigos deram seus votos de felicidade.
— Parabéns, milorde!
— Senhorita Elisha, você está tão linda!
— Que ambos sejam felizes! Que a Mãe Dragão os abençoe!
Era uma capela que você acharia em qualquer lugar, o vestido era herdado da mãe de Albert, e os convidados vieram usando o que estivessem vestindo na hora. Não era nada diferente de um casamento entre as pessoas comuns.
Então porque que fez meu coração palpitar tanto?
Eu tinha memórias de cerimônias de casamento mais glamurosas, mas eu podia dizer que o eu que era agora mesmo era o “eu” mais feliz que tinha experenciado.
Eu disse a meu novo marido, que sorria timidamente:
— Albert.
— Sim, Elisha.?
— O eu que pode estar aqui, amando você assim, é mais feliz que qualquer outro “eu”.
Albert me encarou sem expressão.
Pode ter sido uma forma estranha de dizê-lo. No entanto, esses eram meus sentimentos honestos, sem um pingo de inverdade.
Albert virou-se para mim, riu e disse:
— Essa fala é minha. Eu consegui que uma adorável e maravilhosa princesa viesse casar com um homem sem perspectivas de futuro como eu. Não importa para quem você perguntar aqui, dirão que eu sou o mais feliz de todos.
— Ah, eu não diria isso — provoquei — Sou muito mais feliz.
— Não, não, eu sou mais feliz.
Discutimos assim, daí caímos na gargalhada juntos.
— Somos ambos tão felizes, querido — eu disse com um sorriso.
— Sim. De fato, somos. Minha amada esposa.
Olhamos um para o outro e sorrimos juntos.
Depois disso, um pouco mais de tempo passou.
Gradualmente, as notícias de incidentes na capital pararam de chegar. A crise de sucessão finalmente tinha se acalmado? Não que me importasse muito. Não importa quem tomasse o trono, não importa qual facção ganhasse, não tinha nada a ver conosco.
Além de que… Eu tinha algo mais importante rolando do que essa besteira.
Enquanto relaxava na sala de estar com Albert, juntei a determinação para contar a ele:
— Querido.
— O que foi, Elisha?
— Parece que fizemos um bebê.
— …Hã?
O livro que ele estava lendo caiu das mãos de Albert. Seu queixo caído, com um olhar engraçado.
Enquanto eu dava uma risadinha, Albert voltou a si.
— Um bebê… Nosso bebê?!
— Minha nossa. Você duvida da minha fidelidade, querido?
— Nem um pouco! Entendi… Entendi!
Albert levantou com força e me abraçou, daí, como se não bastasse, ele me ergueu no ar e me girou. Honestamente, ele estava muito animado.
— Obrigado! Obrigado, Elisha!
— He he, você tá se antecipando um pouco — dei uma risadinha — Não me agradeça até que nasça a salvo.
Assim que Albert se acalmou, nos sentamos no sofá.
— Se for um menino, espero que ele seja ativo e corajoso, como sua mãe — ele disse.
— He he. Se for uma menina, espero que ela seja gentil e tranquila, como meu marido.
Falávamos sobre o futuro de nosso filho que ainda estava para nascer.
Acho que esse foi o ápice de nossa felicidade.
Daí, aconteceu.
Um dos três duques, a Duquesa Excel, veio visitar.
— Senhorita Elisha, venho pedir que herde o trono do Reino de Elfrieden — a bela mulher de cabelos azuis da raça das serpentes marinhas disse, e então ajoelhou-se diante de mim.
Por um instante, minha mente estava tão vazia que eu não soube dizer o que ela tinha dito.
Enquanto Albert observava preocupado, eu mal consegui falar.
— O trono… você diz?
Porque agora, depois de todo esse tempo…? Porque essa palavra estava aparecendo?
— E-enfim, por favor, entre.
Agindo em meu lugar, que estava atordoada, Albert convidou Excel para entrar na sala de estar.
Sentamos no sofá, e quando os três (principalmente eu) tinham se acalmado, Excel explicou os eventos que levaram a esse ponto, e o estado atual do país.
Pelo que ela nos disse, o conflito pela sucessão acabara na eliminação de quase toda a família real. Embora o caos tenha sido limitado à capital, manobras para recrutar membros para facções e os tirar de outras, traições, intrigas, e enganação tinham corrido à solta, e muito sangue fora derramado.
Isso tinha dado berço a ainda mais ressentimento, resultando numa violência de olho por olho interminável. Os candidatos todos ficaram desconfiados, e em muitos casos, ambos lados matavam uns aos outros, ou até membros do seu próprio lado.
Deve ter sido inevitável que isso levasse à quase eliminação da linha real.
A razão pela qual tinha sido apenas uma “quase” eliminação é que eu tinha sobrevivido.
Essa era a razão pela qual Excel estava aqui.
— Mas eu já casei fora da família, e abandonei o nome Elfrieden — tentei protestar.
Excel balançou a cabeça em silêncio.
— A única restante na linha real direta é você, Senhorita Elisha. Se alguém fora da Casa de Elfrieden se proclamasse rei, o caos se espalharia ainda mais. Países vizinhos como Amidônia e Turgis já estão fazendo movimentos perturbadores. Para acabar com o caos, preciso que você suba ao trono.
— Mas… Eu…
Eu estava sem palavras, e Albert abraçou-me pelo ombro.
— Pelo que Georg me contou, os três duques não vão se envolver na questão de quem sucederá o trono, certo? — Albert perguntou.
— …Sim. Esse era o caso, pelo menos. Era porque estava fazendo tudo que podiamos para manter nossas próprias forças na linha, para não expandir o caos. Entretanto, nesse ponto, Senhorita Elisha é a última viva da realeza. Não pode haver divisão alguma agora, então os três duques e nossas forças vamos pôr nossas vidas em xeque para proteger e servir a Senhorita Elisha.
Quando ela disse isso, Excel ajoelhou-se no chão e pressionou a cabeça contra ele.
— Estou ciente que vocês dois evitaram o conflito, e estavam vivendo felizes aqui. Também sei que nosso pedido destruirá isso. No entanto, se o país cair no caos, não levará muito tempo até que as chamas se espalhem para esta terra.
Eu pude entender o que Excel dizia. Eu entendi, mas…
— Se eu retornar ao castelo, o que acontecerá com Albert e esta criança? Trouxe minha mão para a minha ainda não aparente barriga.
Os olhos de Excel arregalaram-se. Parecia que ela não tinha sabido.
Ela abaixou a cabeça profundamente mais uma vez.
— Peço suas desculpas por incomodá-los num momento tão importante! É claro, a criança e seu pai ambos mudarão-se para o castelo também. Juro que protegeremos todos vocês. Particularmente, Georg, que assumiu o cargo de Duque de Carmine esses dias, está preparado para jogar a vida dele fora por vocês.
— Georg assumiu como chefe da casa, é…? — Albert sussurou para si mesmo.
Fechei meus olhos em meditação por algum tempo.
…Nenhuma memória vem, hã?
Eu pensara que um futuro “eu” mandaria de volta o resultado da decisão que eu fizera aqui, mas não houve sinal algum de que isso aconteceria. Isso significava que essa decisão não seria fatal, ou que nenhum outro “eu” tinha conseguido chegar a esse ponto até agora…? Não tinha como ter certeza. O que sabia era que precisava fazer uma escolha.
A escolha que eu devo fazer é…
Pensei, e pensei… daí olhei para Albert.
— Querido. Você ficará comigo, não importa a escolha que eu faça?
Albert deu um grande aceno com a cabeça.
— É claro! Somos marido e mulher, afinal.
Ouvindo essa resposta, decidi-me.
A escolha que eu fiz, depois de ter visto o que foi de todos os outros “eus” até esse ponto foi…
— Muito bem. Vamos retornar ao castelo.
— Ohh! — Excel gritou de alívio — Você tem a minha gratidão, Vossa Majestade.
— Porém…
Ergui uma mão para impedi-la antes que pudesse curvar-se de novo.
— Assim que eu subir ao trono, confiarei todos os meus direitos como rainha para meu marido, Albert.
— O quê?! Isso significa…
— Sim. Com minha aprovação, Albert governará o país como rei.
— E-eu, governar o país?! Isso é impossível!
Com os olhos arregalados de choque, Albert chacoalhou a cabeça com força.
…Desculpa por envolvê-lo, Albert. Mas isso é uma absoluta necessidade.
— Com todo respeito, tenho que concordar que isso não é possível — Excel disse — Para começar, se ele não for da linha real de Elfrieden, duvido que o povo aceite.
No entanto, minha determinação não vacilou.
— Eu herdei o sangue da casa real, assim como esta criança herdará. Albert, que é meu marido e pai desta criança, deve ser capaz de servir com um rei temporário até a próxima geração.
— Não, mas… novamente com todo respeito, não consigo imaginar que Albert tenha as qualidades necessárias para ser rei…
Excel pareceu sofrer em me dizer isso, mas eu balancei a cabeça em silêncio.
— Duquesa Walter, a Casa Real de Elfrieden derramou sangue demais. Esse é o resultado da violência fratricida horrível. Nossos criados, e até o povo sabem disso. A Casa Real de Elfrieden perdeu a confiança deles. Estou errada?
— Eu… acredito que é como você diz.
Mostrando alguma hesitação, Excel finalmente reconheceu o que eu estava dizendo e assentiu.
— Mesmo se eu fosse tomar o trono agora, não conseguiria unir o país — disse a ela — Mais do que qualquer outra coisa, é por causa do sangue real que me dá direito ao trono. Mesmo se eu tomasse o trono, o povo se sentiria inquieto, e irritaria aqueles que apoiaram outros candidatos na crise de sucessão. Eu não poderia unir o país em tempos de crise. Porque a casa real perdeu seu poder, se houvesse ainda mais divisão entre nossos criados, seria realmente o fim do país.
Excel me ouviu em silêncio.
Provavelmente eu era convincente. Era porque tinha visto pelos olhos de um futuro “eu”.
Mesmo que uma facção sobrevivesse o conflito, o ressentimento surgido teria repercussões duradouras. Incapaz de se unir face a crises como desastres naturais, ataques de monstros, invasões estrangeiras, o castelo queimaria.
Isso seria o mesmo, mesmo comigo como rainha.
— Eu entendo o que está dizendo, mas… porque você faria Sir Albert rei? — Excel perguntou.
Dei uma resposta direta para as dúvidas óbvias dela:
— Porque Albert será um rei que ninguém odeia.
— Um rei que ninguém odeia? — ela repetiu.
— Sim. Se ele fosse um rei sábio, isso agradaria nossos vassalos leais, mas os corruptos achariam isso restritivo, e alguma hora o derrubariam. Se ele fosse um rei poderoso, ele eliminaria esses vassalos corruptos, mas desconfio que atualmente falta esse poder à casa real. Se agirmos descuidadamente, isso levará à resistência e à guerra civil. No caso oposto, se ele fosse um rei que agradasse os vassalos corruptos e afastasse os leais, o país iria à ruína.
Ela ficou em silêncio.
— O que este país precisa nesse momento é um rei que não seja odiado pelos vassalos leais ou pelos corruptos. Apenas um governante que os vassalos reais quererão ajudar, mas que os vassalos corruptos vejam como fácil de manipular, pode manter o país vivo.
— …E você diz que esse é o Sir Albert? — ela disse devagar.
— Sim. A razão pela qual eu não fui envolvida no conflito deve ter a ver com a personalidade dele. Ele é incompetente e inofensivo. É por isso que ninguém nos deu atenção.
Excel suspirou e disse:
— O que você descreve é praticamente um fantoche, não é?
— Sim.
Assenti com a cabeça.
— Na situação atual, não acredito que o país pode ser mantido por alguém além de um rei fantoche. É simplesmente quão profunda são as feridas de nosso país. Precisamos de tempo para que elas se curem.
Olhei bem nos olhos de Excel.
— Mesmo que não consigamos eliminar os vassalos corruptos, se governarmos ouvindo os leais, a situação não deve se deteriorar tão facilmente. Teremos o apoio leal dos três duques, certo?
— Sim, é claro.
— Então, como eu disse, Albert é o rei mais apropriado para este país nesse momento. Deixe-nos manter o status quo, ganhar tempo para nossas feridas se curarem, e deixar a melhora da situação para a próxima geração.
Trouxe minha mão para a barriga.
Excel deixou os ombros caírem, resignada.
— Adiar reconstruir nosso país até a próxima geração?
Dei uma risadinha.
— Para uma membra de vida longa como você, não é muito tempo, é?
— Entendo — ela disse com pesar — Muito bem. Nós três duques vamos apoiar a Senhorita Elisha e Sir Albert. Eu preferia deixar o trono para você, que consegue pensar tão à frente assim, porém.
— Não há um futuro onde isso acontece — disse a Excel firmemente, e daí me virei para Albert — Querido, lamento por dar todo esse trabalho para você, mas, por favor, pelo bem de nossa criança, posso pedir que você se torne o rei deste país?
Albert parecia ter entrado em transe em algum momento na conversa, mas quando peguei a mão dele e fiz ele tocar na minha barriga onde nosso filho estava, ele voltou a si.
— H-Hum… Acho que o fardo é muito além de mim, mas se for por você e por nosso filho, terei que fazê-lo. Já posso sentir a dor no estômago, no entanto.
O tom de Albert o fez soar menos confiável, mas assentiu.
A forma como ele não conseguia dizer não quando os outros dependiam dele era uma fraqueza, mas também era uma força que impedia as pessoas de serem cruéis com ele.
Assim, retornamos ao castelo, e Albert tornou-se rei com minha aprovação.
Embora tenha havido alguma resistência à ideia, os três duques que comandavam as três forças nos deram seu total apoio, e porque Albert não era presunçoso e arrogante e ouvia as opiniões de todos, não houve grandes confusões a respeito.
O tempo passou, e o país não melhorou, mas também não piorou muito. Dava pra dizer que Albert estava fazendo um bom trabalho em manter o status quo.
Quanto a mim, dei à luz a uma menina não muito depois de retornar à capital. Albert deu a essa menina, que chorava com muita energia, o nome de Liscia, pegando o som geral do nome dela do meu.
Liscia cresceu sem problemas, sem nenhuma grande doença, e quando me dei conta, tinha se tornado o mesmo tipo de princesa moleca que eu fora uma vez.
— Se for uma menina, espero que ela seja gentil e tranquila, como meu marido.
Parecia que meu desejo daquele dia não tinha se realizado.
Ela ficou apegada a Georg, que vinha visitar de tempos em tempos, e adquiriu um interesse pela espada.
Quando ela saía para brincar, ficava com incontáveis cortes e hematomas, me deixando preocupada como sua mãe, mas bem, se ela cresceria saudável, isso era bom o suficiente para mim.
Porém, enquanto passávamos nos dias tranquilos, eventos inesperados como a aparição do Domínio do Rei Demônio, a invasão de grandes quantidades de monstros, e ao fluxo de refugiados dos países arruinados do Norte causaram o lento declínio do país.
Até o dia em que ele foi invocado.
No meio do castelo em chamas, lembrei-me de tudo isso.
A ameaça a minha vida tinha trazido de volta as memórias?
O herói invocado de outro mundo, Sir Souma Kazuya… Albert tinha errado no tratamento dele.
Ele tinha tornado-o primeiro ministro para que suas políticas revolucionárias pudessem colocar o país de pé, mas tinha sido incapaz de protegê-lo da resistência dos nobres, e forçado a retirá-lo do cargo e afastá-lo.
O resultado era que nosso leal vassalo que o apoiava, Georg Carmine, morrera na queima de Randel, junto com Sir Souma e nossa filha, Liscia.
Agora, nós também, víamos nosso fim nas mãos de uma insurreição nobre.
Os nobres odiaram Sir Souma, mas o povo o apoiara, e afastá-lo afastara o povo de nós, deixando-nos isolados sem apoio.
Se tivéssemos confiado nele mais, e lhe dado mais autoridade, as coisas podiam ter sido diferentes.
Entretanto, pensar sobre isso agora não ajudaria.
Decidi que o mínimo que eu podia fazer era confessar sobre minha magia para Albert, e enviar nossas memórias de volta a “nós”, por volta do tempo que conhecemos Souma. Para que os “nós” do passado não tivessem que chegar a esse futuro.
Foi minha primeira vez enviando as memórias de outra pessoa (foi a minha primeira vez enviando as minhas memórias, também), mas sinto que funcionou. Eu podia ficar confiante que o “eu” que as recebesse poderia chegar a um futuro diferente. Até talvez um mundo em que Liscia, Sir Souma, e os outros não tivessem que morrer.
Quando eu pensei sobre isso, aliviou meu coração um pouco.
— Sinto muito, Elisha — Albert desculpou-se — Isso é tudo por causa da minha tolice.
Balancei a cabeça.
— Não. Já tive mais do que felicidade o suficiente. Conhecer você, dar à luz a Liscia. Mais do que qualquer “eu” anterior, posso dizer com orgulho que fui feliz.
O fato de que eu estava enfrentando uma crise para minha vida, e acabara de enviar minhas memórias ao passado, era prova de que eu era a primeira a chegar a esse ponto.
Isso significava que eu fui a primeira a escolher Albert como meu parceiro.
Eu fui a primeira a amá-lo, e a primeira a ser amada por ele.
Eu também fui a primeira a dar à luz a Liscia, e a primeira a conhecer a felicidade da vida em família.
Mesmo que o “eu” para quem eu enviasse minhas memórias tivesse um futuro mais maravilhoso que o meu, nada disso mudaria. Minha vida foi totalmente satisfatória.
— Fico feliz que o conheci naquele dia — disse a ele.
— Elisha…
Em meio às chamas, abraçamos um ao outro.
— Senhorita… Senhorita Elisha!
— Hã?!
Ouvindo uma voz, voltei a mim, e encontrei Carla me olhando sem expressão.
— O que houve? — ela perguntou — Você parecia fora de si.
— Não, eu só estava pensando sobre um “agora” diferente.
Olhando para os rostos de Cian e Kazuha, lembrei-me das memórias que recebera naquele dia.
Baseado nas memórias daquele dia, Albert conseguira dar ao nosso genro o trono sem fazer a decisão errada. O país havia sido reconstruído depois da transferência de poder, ao ponto que era na verdade maior do que antes, e nós agora podíamos olhar para os rostos de nossos netos.
Se eu pensasse dessa forma, tinha que agradecer o “eu” que enviara essas memórias.
Devo ser a mais feliz de todas as “eus” até então.
— Pensando bem, quando disse que iria na frente para ajudar e ver essas crianças antes, ele fez um beicinho — dei uma risadinha. — Ele disse que eu não estava sendo justa.
— É claro que diria. Sir Albert foi deixado sozinho em seu domínio.
— He he, que avô complicado que vocês têm, Cian, Kazuha.
Quando falei os nomes das crianças, ambos se viraram e olharam sem expressão para mim.
— Oh, céus, vocês dois são tão fofos. Queria poder levá-los de volta à mansão assim mesmo.
— Se o herdeiro do trono sumir do nada, haverá um grande tumulto, então por favor não faça isso — Carla disse.
— Acho que vou ter que visitar regularmente, então. Tipo duas vezes por semana.
— Se você deixar a casa tanto assim, Lord Albert não vai ficar emburrado de novo?
— Ele pode vir comigo — disse — Passar a noite seria legal, também.
— Se vocês vierem passar a noite duas vezes por semana, vão ficar no castelo mais do que metade da semana, não vão? Pensei que vocês dois tinham deixado o castelo para evitar de plantar as sementes da discórdia?!
Era fofa a forma como Carla sentia a obrigação de responder a tudo, então dei uma risadinha.
Ohh… Eu realmente sou feliz…
Em meio às chamas, quando nos preparávamos para o fim, ouvi duas vozes ecoarem.
— Pai. Mãe!
— Vocês dois estão bem?!
Quando olhei para cima, havia um homem e mulher jovens correndo até nós.
Porquê? Como posso ver esses dois? Pensei em minha mente atordoada. Eles deviam estar mortos.
Estávamos vendo fantasmas? Ou, com nossas mortes se aproximando, eles tinham vindo nos levar para o outro lado?
— Liscia! e Sir Souma!
Albert tinha um olhar chocado, e os chamou pelo nome.
Quando ouvi essas palavras, acordei. Não era só eu; Albert podia vê-los também.
Isso significava que o que estava vendo diante de meus olhos era a realidade inegável.
Liscia correu para perto de mim, que estava confusa.
— Graças a deus. Vocês dois estão bem.
— Liscia, você está viva?! — exclamei — Tinha certeza que você tinha morrido…
— O Duque Carmine nos ajudou a fugir — Liscia disse penosamente, agarrando minha manga.
Acontece que enquanto Randel queimava, Georg tinha ganhado tempo para que os dois escapassem.
— Quero que você se lembre disso — ele dissera uma vez — Juro fazer o meu máximo para ajudá-los quando eu herdar a Casa de Carmine. Mesmo que custe a minha vida.
Sir Georg, você manteve a promessa que fez naquele dia, pensei grata. Você arriscou sua vida por Sir Albert, e salvou as vidas de Liscia e Sir Souma.
Fechei meus olhos em pensamento por um momento, e daí perguntei algo que vinha me incomodando:
— Mas como vocês dois chegaram aqui? O castelo está cercado, e em chamas.
— Ahh… Isso daria uma boa explicação, então vamos deixar para depois — Sir Souma me disse — Primeiro, é melhor sairmos daqui.
Ouvi o som de passos se aproximando rapidamente.
Uma pequena e fofa garota com cabelo longo e negro, chifres maiores que os de Excel, e uma cauda de lagarto negra saindo do traseiro entrou na sala correndo.
— Isso é mal, Souma! O fogo está se espalhando rápido. Temos que sair daqui rápido!
— Certo, Naden — Sir Souma disse — Ok, vocês dois, venham por aqui.
Sir Souma nos guiou até a varanda. Conseguimos um pouco de ar puro lá, mas a fumaça subindo dificultava ver a situação a nossa volta. Esse lugar era alto no castelo também, então mesmo que saíssemos, não tinha como escapar daqui.
Porém, Sir Souma disse “Está tudo bem” com uma risada.
— Certo, contamos com você, Naden.
— Entendido… Eu preferia não deixar ninguém além do meu parceiro montar em mim, porém.
Uma vez que ela disse isso, a garota chamada Naden pulou por cima da beira da varanda.
Isso é perigoso! Pensei, e tentei correr até ela, mas Liscia me pegou pelo pulso e me impediu.
— Resumindo rapidamente — ela disse — quando escapamos de Randel, nos disfarçamos de aventureiros e fomos ao Império. Souma imaginou que se fossemos ao Império, que queria o herói invocado, eles nos protegeriam, dadas as condições certas.
— Daí, no caminho, encontramos um mensageiro da Cordilheira do Dragão Estelar.
A Cordilheira do Dragão Estelar? Pensei, estonteada. O domínio independente dos dragões, governado pela Dragão Mãe?
— O mensageiro me disse que a Mãe Dragão, Madame Tiamat, queria me ver. Daí fomos convidados para a Cordilheira do Dragão Estelar, e nos encontramos com ela lá.
Enquanto observava, Naden cresceu, tornando-se uma criatura grande, longa e negra. Seu rosto lembrava o de um dragão, mas eu não fazia ideia que tipo de ser ela era.
Tocando no corpo da criatura, Liscia acrescentou:
— Ela é Naden Delal. O dragão com quem Souma formou um contrato.
— Bem, ainda tem um tempo até a Cerimônia Contratual, então é apenas um contrato provisório por enquanto, porém — Sir Souma acrescentou, coçando a bochecha.
— Um dragão…? Sério?
— Ah, céus! Vocês podem falar sobre isso tudo depois, não?!
Ouvi a voz de Naden ecoar na minha cabeça.
Essa criatura… o dragão negro… estava falando, então isso significa que esse dragão realmente era Naden?
— Parece que me ver fez os soldados lá embaixo fazerem alarde — ela acrescentou.
— É melhor nos apressarmos então, hã? — Sir Souma disse — Ok pessoal, subam nas costas da Naden! Não há nada para nos amarrarmos, então todos vão ter que segurar firme uns aos outros, e não soltar!
Seguindo as instruções de Sir Souma, subimos nas costas de Naden. Liscia segurou Sir Souma, Albert segurou Liscia, e eu me agarrei em Albert.
— Okay, vamos Naden! — Sir Souma ordenou.
— Entendido!
Então, no momento seguinte, Naden subiu para o céu.
O castelo em chamas encolhia abaixo de nós. A capital estava ficando ao longe.
— Sir Souma, aonde planeja ir agora? — Albert perguntou.
— Vamos para Cidade Lagoon, e nos juntaremos com a Duquesa Walter — Sir Souma respondeu — Vamos fazer a Duquesa Walter anunciar a sobrevivência de Liscia, e reunir o Exército agora espalhado. Aqueles oficiais respeitavam profundamente o finado Duque Carmine, e tem Liscia, quem ele amava como uma filha, em alta consideração. É por isso que eles romperam quando ouviram que ambos haviam morrido, mas quando souberem que Liscia ainda está viva, acredito que se reunirão novamente. A Duquesa Walter e o Duque Vargas apoiam a família real, então as três forças vão se reunir.
— Não sou só eu — Liscia acrescentou — Aqueles nobres corruptos o odiavam, Souma, mas você tinha o apoio do povo. Se souberem que você está vivo, irá encorajá-los.
Os dois não tinham desistido. Senti algo subindo no meu peito.
A paixão desses dois jovens, quem eu pensara que ainda eram apenas crianças, trouxe lágrimas aos meus olhos.
Podia acreditar que o futuro proesseguiria.
Eu apertei meus braços em torno da cintura de Albert.
Ei, “eu” para quem mandei minhas memórias.
Parece que, mesmo depois de enviar minhas memórias, a vida continua.
Como eu pensei, eu realmente sou a mais feliz de todas.
Tradução: Enzo
Revisão: Merovíngio
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Comentários
E no fim Souma estava certo ^^
NADEN!!!!!
E no final a rainha foi uma aproveitadora, que criou uma filha inútil como ela e que jogou toda a responsabilidade do reino nas costas de uma pessoa inocente.