Dark?

Como um Herói Realista Reconstruiu o Reino – Vol. 04 – Cap. 02 – A História de Quando se Usou Camarão como Isca para Pescar Brema do Mar, mas Pescou um Tubarão 

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— Fim do 11º mês, 1546º ano, Calendário Continental — Capital Real Parnam —

Já fazia quase um mês desde que a guerra contra a Amidônia havia chegado ao seu fim.

Nesse dia, quando começamos a sentir a chegada do inverno, eu estava na sala da joia para a Transmissão de Voz da Joia, olhando para um receptor simples com a imagem de uma certa pessoa projetada nele.

Minha companheira era uma única mulher. Seu corpo bem balanceado estava envolto em um vestido inteiramente branco e seu cabelo loiro-claro e ondulado era lindo.

Eu conhecia sua irmã mais nova, mas ela passava uma imagem bem diferente. Mesmo que houvesse semelhança nos contornos de seus rostos, havia algo juvenil em seus olhos largos quando essa mulher piscava, o que fazia com que parecesse a mais nova das duas. Mesmo que tivesse ouvido que ela deveria ser um ano mais velha que eu. Ela era uma pessoa muito bela.

Pensei que, por estar cercado por Liscia, Aisha e Juna, todas lindas do seu próprio jeito, eu tinha desenvolvido um gosto exigente, mas fiquei impressionado por quão bela essa mulher era com apenas um olhar.

Essa beldade abriu sua boca:

— Saudações, Sir Souma. Eu sou Maria Euforia.

Ela era a Imperatriz do Império Gran Chaos.

— Saudações para a senhorita também, Madame Maria — falei. — Sou Souma Kazuya.

Os líderes das maiores nações do oeste e do leste estavam se encontrando pela primeira vez. Normalmente, seria o momento para o aperto de mão, mas isso não era possível pela tela da Transmissão de Voz da Joia.

— É um prazer conhecê-la dessa forma, Madame Maria — falei formalmente. — Sempre desejei ser capaz de conversar calmamente com você.

— Me sinto da mesma forma — disse ela. — Ouvimos sobre suas incríveis habilidades aqui no Império também.

— Não é bem minha habilidade… sou salvo pelos meus subordinados capacitados.

— Palavras bem modestas, mas servos talentosos se reúnem abaixo de um grande líder.

Seguimos com cortesias por algum tempo. Enquanto não discutíamos nada de importante, tentei entender melhor a Maria, mas seu rosto sorridente era tão inocente e tão brilhante que eu quase me senti culpado por tentar analisá-la. Ao mesmo tempo, no entanto, também pensei isso: “Não há como uma garota que só tem pureza e inocência governar um Império vasto.”

— Posso perguntar algo, Sir Souma? — perguntou Maria.

— O que seria? — perguntei.

— Quais são seus pensamentos referentes ao que aconteceu na Amidônia no último mês?

Maria semicerrou seus olhos enquanto dizia isso. Somente isso foi o suficiente para alterar completamente a aura ao seu redor. Ela aparentava estar sorrindo, mas, apesar disso, parecia brava.

Não que eu pudesse culpá-la. Da perspectiva do Império, o que eu havia feito era quase uma traição.

 

 

— Quando Jeanne me reportou sobre as negociações, pensei que tínhamos encontrado um aliado confiável no leste — disse Maria. — Estava errada?

— Não… Ainda nos vemos como bons amigos do Império. Pode soar como uma desculpa, mas esse resultado foi inesperado para nós também.

— Não foi gerado pelo reino, você diz? — perguntou ela.

Eu assenti e cocei minha cabeça.

— Não vou negar que tinha planejado algo, mas nunca pretendi que fosse tão longe assim. Honestamente, se tornou uma dor de cabeça constante para mim.

A raiva de Maria parecia ter desaparecido, pelo menos por ora.

— Poderia explicar detalhadamente para mim?

— Claro — falei. — De acordo com nossos agentes no principado…

Um mês antes, quando Van havia sido devolvida para Amidônia…

Julius recuperou a capital do principado, Van, e a área ao redor, ao pegar emprestada a influência do Império Gran Chaos. Ele retornou para Van para suceder seu pai, Gaius VIII, como o Príncipe Soberano de Amidônia.

A primeira coisa que os servos mais próximos de Julius pensaram em fazer  após ele se tornar o novo soberano era apagar quaisquer traços da influência de Elfrieden.

— Está ocorrendo uma degradação horrível da moral pública em Van — disse um deles de forma ríspida.

— De fato — concordou outro. — A atmosfera severa do governo de Lorde Gaius é a mais apropriada para nosso principado. Devemos reprimir isso.

— Por que não começamos destruindo a favela que foi construída ao redor da praça da Transmissão de Voz da Joia?

Julius escutou com seus olhos fechados e em silêncio enquanto os seus servos o pressionavam a retornar a cidade a seu estado anterior. As palavras daquele homem passaram por sua mente nesse momento.

“Se as pessoas estão sofrendo pela nossa opressão, acha que iriam querer deixar seus tetos e paredes mais coloridos?”

Essas foram as palavras que Souma Kazuya havia dito no outro dia.

“Se um governante é opressivo, as pessoas irão tentar agir de uma forma em que não se destaquem. Isso ocorre porque, se fossem pegas fazendo algo chamativo, não teria como saber que tipo de desastre cairia sobre elas. Então quão mais oprimidas as pessoas, menos as verá reclamar. Elas não mostram seus sentimentos ou atitudes, mantendo seus verdadeiros sentimentos presos dentro de seus corações.”

Por que…? Por que estou lembrando das palavras dele agora…? As palavras de seu inimigo odiado apunhalaram o coração de Julius.

“Agora, me diga, quais eram as cores de Van quando você e seu pai estavam aqui?” Souma havia perguntado.

Cale a boca! Julius gritou internamente. Não preciso que me diga. Nossa Casa Principesca sempre pensou nas pessoas…

“Pensamos mesmo?”

Hã?!

Aquela última voz não era de Souma. Era dele mesmo.

Era mesmo assim? Sua voz continuou.

A resposta era simples. Não foram as palavras de Souma que tinham ecoado em sua mente, havia sido Julius se questionando sobre elas. Sobre suas decisões serem corretas ou não.

Julius tinha sido o príncipe herdeiro até alguns dias atrás, então quem tomava todas as decisões importantes referentes ao Estado havia sido Gaius VIII. Da perspectiva de Julius, ele somente havia seguido as ordens de seu pai.

Entretanto, agora que ele sentava no trono como um Príncipe, seria forçado a tomar decisões que iriam decidir o destino da nação sozinho. Julius, pela primeira vez, havia sido libertado do jugo de seu pai e estava começando a buscar informações mais amplas.

Ele compartilhava do ideal de Gaius no foco militar, mas não era tão impulsivo quanto seu pai; era do tipo que conseguia pensar profundamente, astuto. Ele tomaria decisões após considerar as diversas situações em que estivesse. Naquele ponto, estava mais perto de sua irmã mais nova, Roroa, do que de Gaius.

Roroa, né…? Me pergunto onde está e o que está fazendo agora…, pensou. Onde estava sua irmã, a qual havia desaparecido junto com um pequeno grupo de burocratas um pouco antes de Elfrieden ocupar a cidade?

Quando ele se pegou pensando nisso, Julius não pôde deixar de se zombar um pouco. Eles nunca se deram bem, além de que ele estava desconfiado de que ela fosse virar sua oponente política. Era tarde demais para se preocupar com a segurança dela.

— Vossa Majestade! — gritou um servente, interrompendo seus pensamentos.

Após voltar para a realidade, Julius tomou uma decisão difícil:

— Muito bem. Devemos apagar a influência do reino.

— Sim senhor!

Com a ordem dada, os servos o saudaram e então saíram do escritório de assuntos governamentais.

No final das contas, Julius decidiu derrubar e acabar com as diversas mudanças feitas durante o governo do reino para que o principado conseguisse retornar para seu estado anterior. Eliminar o legado da administração anterior para beneficiar a atual… esse deveria ser o caminho correto para seguir. Deve estar pensando que havia maneiras mais silenciosas para fazer isso, mas nenhuma delas estava disponível para Julius.

Agora, antes de qualquer coisa, preciso recuperar minha autoridade como príncipe soberano, pensou.

A transferência de poder deveria ocorrer enquanto o governante anterior ainda estivesse vivo e com um tutor adequado ajudando. Quando isso não é feito, os vassalos irão menosprezar o novo líder por sua juventude. Quanto mais autoritário o país é, mais importante o processo de firmar um apoio fica. Entretanto, Gaius havia morrido na guerra e, por isso, Julius havia sido forçado a se tornar príncipe sem ser capaz de consolidar sua posição. Por esse motivo, ele buscou centralizar o poder. Para isso, precisava acabar com a tolerância à diversidade de Elfrieden em Van.

— Isso… mesmo se eu for chamado de opressor por isso — sussurrou Julius com uma expressão que mostrava sua trágica determinação.

Primeiro Julius emitiu uma ordem banindo qualquer pessoa de ver a Transmissão de Voz da Joia em toda a Amidônia.

Com a joia de transmissão da Amidônia em posse do reino, as únicas transmissões que a população conseguiria ver viriam do reino. Naturalmente, as barracas que foram construídas para as pessoas que assistiam a Transmissão de Voz da Joia em Van foram removidas à força. Tinha sido mais fácil do que o esperado, já que os mercadores misteriosamente desapareceram quando Julius retornou ao poder; então só precisaram desmontar as barracas abandonadas.

Como ficou a visão das pessoas de Van sobre Julius quando ele destruiu as barracas erguidas na praça, a qual já havia se tornado o local de venda delas?

Além disso, como Souma havia antecipado, Julius e seus servos demoliram as pontes que carregavam seu nome e de seus seguidores. Foi inevitável ele ter que destruir quaisquer pontes que ficavam na rota que o reino havia usado para invadir, mas foi pura tolice destruir as outras pontes “porque foram construídas pelo reino.” Quebras na rede de transporte poderiam ser uma questão de vida ou morte para algumas pessoas.

Ainda mais que ele não distribuía comida da mesma forma que o reino havia feito, além de reprimir fortemente as violações de moral pública. Mais especificamente, ele proibiu as mulheres de se arrumarem, proibiu os movimentos artísticos que tomaram Van… e várias outras coisas. Ele ainda foi longe a ponto de destruir casas que tinham imagens de loreleis nelas.

As pessoas de Van, as quais estavam perdendo a liberdade dada anteriormente, disseram:

— Era melhor com o Rei Souma.

— Não tivemos que passar por essa dor e sofrimentos quando éramos parte do território do reino.

— Conseguíamos alimentar as crianças direito.

— Por que Lorde Julius se preocupa menos com seu povo do que um rei estrangeiro?

— Acha que Vossa Majestade, o Rei Souma, irá voltar para ocupar Van novamente?

E então viraram seus olhares rancorosos para o castelo de Van.

Algumas das coisas que geraram o rancor não eram culpa de Julius. Primeiramente, havia uma diferença no tamanho e na economia do Reino de Elfrieden em relação ao Principado da Amidônia. Caso fosse perguntado se o principado seria capaz de providenciar a mesma quantidade de auxílio que o reino havia sido, a resposta seria não. Entretanto, a população em geral não sabia disso. Por fim, quanto mais Julius tentava apagar a influência do reino em Van, mais os corações das pessoas se afastavam dele.

Agora, em relação a como as outras áreas além de Van se sentiram, as coisas não estavam bem para ele também. Porque, como poderia ser notado, a morte inesperada de Gaius significava que a transferência de poder não havia sido feita corretamente, o que fez com que Julius não fosse levado a sério pelos lordes da Amidônia.

Isso ocorria de duas formas.

A primeira: Quem liga para a Casa Principesca? Por que eu deveria inclinar minha cabeça para aquele fedelho? O tipo que o menosprezava.

A segunda: Aquele rapaz não é confiável! Preciso me defender! O tipo que não poderia se preocupar em lidar com ele.

A maioria dos nobres e cavaleiros que possuíam terras na Amidônia se encaixavam na última categoria.

Para começo de conversa, em um país que utiliza o sistema feudal, o feudo jurava lealdade para seu senhor em troca da garantia sobre suas terras e propriedades. Se o senhor não tivesse o poder para providenciar isso, os vassalos teriam que defender suas terras e propriedades sozinhos. Eles teriam que agir para benefício próprio, não de seu senhor.

Souma havia dito para Julius: “Aqueles que adquirem um principado com dificuldade, manterão ele com facilidade. Aqueles que adquirem um principado sem dificuldade, acharão difícil mantê-lo.” Parafraseando as palavras de Maquiavel. Assim como havia sido dito, Julius, o qual havia utilizado a influência do Império para recuperar Van de uma forma fácil, estava achando difícil governar.

Surgiram algumas histórias sobre a base de seu poder se ruindo que também pareciam emblemáticas.

Como mencionado anteriormente, Julius havia emitido uma ordem proibindo as pessoas de assistir a Transmissão de Voz da Joia, mas essa ordem apenas foi seguida nas regiões próximas de Van. Em todas as outras, as pessoas aparentemente diziam: “Quem liga para o que alguma ordem da capital diz?” e continuaram assistindo.

Quando a confiança no centro está abalada dessa forma, cada cidade começa a juntar seus próprios soldados e mercenários. Se considerar que, naquele mesmo momento, o reino estava abolindo os exércitos dos nobres e dos três duques e criando um Força de Defesa Nacional, isso era um movimento para a direção oposta.

Cada lorde insignificante criando seu próprio exército era algo que Julius não seria capaz de tolerar, mas se os reprimisse por isso, haveria o risco de que os lordes se juntariam para um revolta contra ele.

Entretanto, pensando no resultado final, essa era uma chance de mandar a sujeira embora. Maquiavel havia apontado que essa era precisamente a hora em que a crueldade deveria ser usada. Mesmo que resultasse em uma revolta, ele poderia eliminar as forças hostis e intimidar aqueles que estivessem hesitantes em jurar lealdade a ele para que o fizessem.

No entanto, Julius não fez isso.

Talvez ele fosse do tipo não mexia com o que estava quieto, ou não quisesse perder nenhuma mão-de-obra quando ela já tinha sido reduzida pela guerra. Não tinha como saber de suas intenções sem o perguntar.

E então… essa falta de planejamento foi seu primeiro passo para dentro da areia movediça.

Um mês atrás, houve uma revolta popular no noroeste da Amidônia.

Ela começou com protestos sobre a baixa quantidade de comida.

Isso também havia acontecido no reino, mas a crise alimentícia aumentava conforme ia para as áreas rurais. Aparentemente o noroeste de Van havia sido muito atingido, e “centenas” não era mais o suficiente para falar sobre quantas pessoas haviam morrido de fome.

A população do domínio buscou seu lorde para pedir ajuda, mas o lorde se recusou a ajudá-los. Ele havia juntado tropas, por isso a pouca comida armazenada estava sendo usada para elas.

A atitude do lorde fez com que a ira da população explodisse, e então as pessoas atacaram sua mansão. O lorde teve que colocar as tropas que havia juntado contra as pessoas de seu próprio domínio, as quais ele havia enfurecido.

O pior de tudo era que a maioria de seus soldados eram pessoas que já haviam passado fome em seu território. Quando foram confrontados pelas pessoas enfurecidas do mesmo território, rapidamente abandonaram seus postos e se dispersaram.

O lorde escapou por pouco e se dirigiu à capital principesca, Van, onde demandou que Julius reprimisse as revoltas.

Julius pensou no pedido. Se as revoltas continuassem, havia o risco de essas chamas se espalharem para outras áreas onde a insatisfação era grande. Além disso, se ele mostrasse sua força, os nobres, sem dúvidas, o obedeceriam.

Após tomar essa decisão, o próprio Julius liderou parte de suas forças para suprimir a rebelião. Os plebeus poderiam se irritar, mas não eram páreos para o exército, e, dessa forma, a rebelião estava sendo reprimida gradualmente. Nos vilarejos do noroeste, a terrível visão de corpos dos plebeus rebeldes jogados nas ruas se espalhou.

Julius estava quase terminando a supressão da rebelião do noroeste, mas, então, recebeu um relatório ainda mais inesperado.

As pessoas de Van, que havia deixado vazia, tinham se revoltado e ocupado o castelo. Além do mais, haviam despachado um mensageiro para o Reino de Elfrieden jurando lealdade e pedindo reforços; o reino havia aceitado o pedido e tinha, imediatamente, enviado seu exército.

Em outras palavras, Van tinha sido reocupada.

Maria me olhou como se estivesse exigindo respostas.

— E então… foi assim que conseguiu reocupar Van.

— Sim — assenti. — Foi um pedido das pessoas de Van, afinal.

Se quiser saber, eu havia usado Kagetora e seus Gatos Pretos para incitar a revolta em Van. Eles haviam permanecido escondidos perto da cidade, criando relações com líderes políticos locais enquanto observavam como as coisas prosseguiam e esperavam o melhor momento para reocupar Van. As forças já haviam sido mobilizadas para a fronteira, sendo essa a razão pela qual a reocupação tinha ocorrido tão agilmente quando os mensageiros haviam chegado para entregar o juramento de lealdade.

— A Declaração da Humanidade proíbe qualquer mudança nas fronteiras dos países causadas pelo uso da força — disse Maria. — As pessoas de Van se revoltaram e ocuparam a cidade forçadamente. Se as fronteiras da Amidônia foram alteradas por isso, irá violar a Declaração da Humanidade. Se este for o caso, como líder do tratado, o Império terá que mediar as duas nações novamente. Estou certa de que teremos que ser mais severos com o reino também.

— Você pode fazer isso? — perguntei.

Maria ficou em silêncio.

— A Declaração da Humanidade também reconhece o direito do livre-arbítrio para todas as pessoas — falei. — Se as pessoas de Van desejaram pertencer a Elfrieden ao invés da Amidônia, o Império não deveria aceitar e apoiar isso, como o signatário chefe do Acordo da Humanidade?

Maria deveria saber disso. Por esse motivo que foi incapaz de dizer algo.

Suspirei levemente e então falei para Maria, claramente:

— Foi por isso que o reino não assinou a Declaração da Humanidade.

Os três artigos principais da Declaração da Humanidade eram:

Primeiro: a utilização da força para a aquisição de territórios entre as nações da humanidade seria considerada inadmissível.

Segundo: o direito de todas as pessoas à igualdade e ao livre-arbítrio seria respeitado.

Terceiro: Países que estivessem distantes do Domínio do Lorde Demônio deveriam providenciar suporte para as nações vizinhas a ele que estavam agindo como uma parede defensiva.

Era algo maravilhoso, na teoria. Entretanto, havia uma contradição nesses três artigos que o Império não tinha percebido.

Era verdade que, se esses três artigos fossem seguidos à risca, poderia prevenir conflitos externos. No entanto, esse texto poderia gerar problemas internos impossíveis de lidar.

Usando o caso de Van como exemplo, se o direito de livre-arbítrio fosse aceito, os signatários da Declaração da Humanidade teriam que aceitar o que as pessoas de Van tinham feito.

Entretanto, se isso significasse que as fronteiras da Amidônia mudariam, eles também não poderiam aceitar. Além do mais, a lógica de que, caso Van se tornasse independente, não seria mais signatária da Declaração da Humanidade, não fazia sentido. Se a Amidônia suprimisse as pessoas de Van que quisessem independência, seriam censurados por não respeitar o direito de livre-arbítrio das pessoas.

Em outras palavras, os signatários da Declaração da Humanidade seriam forçados a não intervir.

Alguns devem estar se perguntando como o Império não havia percebido isso. Entretanto, era o tipo de coisa que não passaria pela cabeça de ninguém até acontecer de fato. Afinal, pessoas do século XX da Terra também não tinham percebido.

— Você ouviu a história que contei para Jeanne? — perguntei.

— Sim… — disse Maria. — Era uma história sobre pessoas que temiam ser envolvidas na briga entre dois deuses, os quais estabeleceram algumas regras para evitar uma guerra, certo?

Na história que eu havia contado, tinha dois deuses: o Deus do Leste, que dizia: “O mundo deveria ser igualitário.” E o Deus do Oeste, que dizia: “O mundo deveria ser libertário.” Era uma época em que os seguidores desses dois deuses se olhavam furiosamente. Os países próximos da fronteira que dividia os dois deuses trabalharam entre si, leste e oeste, para estabelecer algumas regras para evitar causar uma guerra entre eles.

Uma dessas regras era: “Não vamos permitir que as fronteiras sejam alteradas pela força militar.”

Outra era: “Vamos deixar as pessoas de cada país tomar suas próprias decisões sozinhos.”

E outra era: “Vamos fazer trocas culturais entre Leste e Oeste para tentarmos nos dar bem.”

— Ouvi ela pela Jeanne — disse Maria. — Realmente é parecida com a Declaração da Humanidade, não é? Gostaria de saber como essa sua história termina. O que aconteceu ao mundo após aquilo?

— Surgiram problemas, mas funcionou relativamente bem por um tempo — falei. — Eventualmente o Deus do Leste se desfez e, devido à quebra do balanço de poder, o estado de tensão se aliviou, o que evitou uma guerra direta entre os dois lados.

— E… isso não foi algo bom? — perguntou Maria.

— Sim, foi, naquele momento — falei. — Entretanto, depois, em um país multiétnico, um certo grupo de pessoas começou uma revolta armada pela independência. Se sua independência não fosse reconhecida, iria contra o princípio de livre-arbítrio. Entretanto, se sua independência fosse reconhecida, implicaria em aceitar uma mudança nas fronteiras gerada pela força militar. Essa contradição imobilizou os países que haviam criado essas regras.

— Como o Império está nesse momento? — perguntou Maria.

Assenti firmemente para o questionamento de Maria.

Todos já devem ter percebido, mas essa história se tratava da história da Terra.

O Deus do Leste que disse que “as pessoas deveriam viver em igualdade” era o socialismo.

O Deus do Oeste que disse que “as pessoas deveriam ser livres” era o capitalismo.

Os fiéis desses dois deuses haviam se olhado feio durante a Guerra Fria.

Os países que haviam conversado sobre evitar que a guerra acontecesse eram os membros da Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) em 1975, a atual Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). As regras que haviam decidido foram chamadas de Acordos de Helsínquia1A CSCE reuniu diversos países em suas reuniões e sua principal ocorreu em 1975, em Helsínquia, Finlândia; onde as regras que diminuíram a tensão da Guerra Fria foram aceitas. Esse acordo foi nomeado de Acordo de Helsínquia. Nessa mesma conferência, foi gerada a OSCE, que existe até hoje..

A razão pela qual eu fui capaz de notar imediatamente a contradição na Declaração da Humanidade foi porque estava familiarizado com o Acordo de Helsínquia, que é parecido. Eu havia estudado história moderna para o teste de admissão da minha universidade, afinal de contas.

Foi por isso que, mesmo que eu soubesse que o Acordo de Helsínquia havia sido eficaz para prevenir o estopim de uma guerra direta entre Leste e Oeste durante a Guerra Fria, tinham deixado impossível intervir no conflito interracial entre os Sérvios e os Croatas na Jugoslávia.

— Essa era a falha que havia falado que existe na Declaração da Humanidade? — disse Maria, desapontada.

— Sim — falei. — É uma falha fatal para um Estado multirracial como o nosso. Foi por isso que o reino não assinou a Declaração da Humanidade.

Deve ser cruel dizer isso, mas se estivéssemos em um país como a Amidônia, em que uma raça fosse mais poderosa que as outras, não seria um grande problema. Desde que a raça estivesse em uma baixa posição social, ou sua população fosse baixa, não seriam capazes de gerar um movimento de autonomia dentro do país. Mas em um país como o nosso, onde diversas raças trabalhavam juntas, era perigoso.

Não seria um problema enquanto o país estivesse sendo bem governado, mas se as coisas se complicassem, as pessoas começariam a pensar sobre divisões e independência. Mesmo se tudo estivesse bem no momento, poderia não estar depois. Como dizia Maquiavel, é necessário estar preparado para as vicissitudes da fortuna.

— Dói ouvir isso — disse Maria. — Afinal de contas, nosso Império também é um Estado multirracial.

Imaginei que fosse mesmo. Mas os ventos sopravam a favor do Império nesse momento, então devia estar tudo bem.

No atual cenário, com o Domínio do Lorde Demônio invadindo lentamente ao norte, não tinha lugar mais seguro que a nação mais forte de toda a humanidade. Nenhuma raça no Império ia querer mudar de nação.

Contudo, se o país fosse mal governado, ou se a ameaça do Domínio do Lorde Demônio desaparecesse, o que iria acontecer com o Império, o qual tinha defendido a Declaração da Humanidade?

— Madame Maria… — comecei.

— Sei o que quer dizer. Entretanto, não posso abaixar a bandeira agora. — Maria sorriu com força brilhando em seus olhos. — Por mais espinhoso que o caminho seja, quero que o Império seja uma luz de esperança para todas as pessoas vivas. Está claro como o dia que a humanidade necessita se unir para enfrentar o Domínio do Lorde Demônio. Ainda que seja apenas por um tempo, o Império irá levantar a bandeira para unir os corações das pessoas.

— Sinto como se pudesse ver o motivo pelo qual te chamam de Santa… — falei por fim. Tinha achado seus ideais ingênuos, mas a maneira que falava atraía as pessoas para ela.

Mesmo que tivesse que bater de frente com a realidade algum dia, ainda perseguia seus ideais enquanto aceitava isso por completo. Era difícil olhar para ela, mas, ainda assim, eu queria… De toda forma, esse era o tipo de charme que ela tinha.

Tenho certeza de que Jeanne tem muitas preocupações… pensei, lembrando de sua irmã mais nova e general, a qual era mais realista. Se Hakuya pudesse ler minha mente naquele momento, diria “olha quem fala” com uma veia pulsando em sua têmpora.

Maria balançou sua cabeça como se quisesse limpar sua mente.

— Entendo o que aconteceu referente a sua reocupação de Van. Eu creio que, teoricamente, tudo tenha ocorrido de uma forma para que você não tivesse culpa. Mesmo que tenha agido por debaixo dos panos.

Aparentemente, Maria sabia sobre o envolvimento dos Gatos Pretos na revolta de Van. A razão pela qual não me pressionava sobre isso era porque sua própria nação devia se envolver em atividades clandestinas. Até a Amidônia havia feito isso, afinal.

Maria suspirou.

— Entretanto, Souma, eu não entendo.

— O que não entende? — perguntei.

— Por qual motivo o reino absorveu toda a Amidônia? — Maria me encarou com um olhar de quem tentava investigar algo.

Bom, era óbvio que eu havia esperado que ela tocasse nesse assunto. Porque, neste momento, Elfrieden não possuía somente Van, mas também todo o resto da Amidônia. Entretanto, não era algo que eu havia desejado.

— Eu, obviamente, pretendo oferecer uma explicação completa, porém deixe-me dizer uma coisa antes — falei. — Não fomos nós que levamos as coisas até esse ponto. Fomos levados a isso.

— Então o que aconteceu? — perguntou Maria.

Soltei um suspiro.

— Bem no final de tudo, fomos superados por uma garotinha.

Se me perguntasse o que havia deixado que ela nos superasse, eu teria que admitir que foi porque tivemos uma visão muito fechada. Os olhos do Reino de Elfrieden estavam focados somente em Van.

Com o pedido de assistência dos cidadãos de Van e de sua área ao redor para nos dar uma justa causa, planejávamos reocupar Van de uma forma que não infligíssemos a Declaração da Humanidade. Isso era o que havíamos planejado.

Para início de conversa, ainda que devêssemos receber uma grande reparação como resultado da luta anterior, eu não conseguia ver o Principado da Amidônia governado por Julius tendo poder financeiro o suficiente para pagar por ela.

Afinal, os burocratas que tinham cuidado das financias da Amidônia aparentemente tinham desaparecido antes do início das batalhas e não tinham voltado até mesmo após o retorno de Julius ao poder. Não achei que pessoas que colocavam o poder bélico em primeiro lugar, como Julius e outros que ele havia ao seu redor, conseguiriam erguer a Amidônia novamente.

Além disso, com a morte súbita de Gaius, a transferência de poder não tinha corrido bem. Mesmo se nós não tivéssemos agido, era óbvio que aquele país estava passando por tempos turbulentos.

Os vários lordes não haviam levado Julius a sério e começariam a agir rebeldemente caso tivesse aumentado os impostos para pagar as reparações de guerra.

Foi por isso que eu havia agido para conseguir reocupar Van.

Agora, mesmo se ele falhasse em pagar as reparações, eu conseguiria manter minha aparência de vencedor, por mais que não fosse lucrativo. Afinal, eu tinha abolido o dever de Vargas e de Carmine e tinha assegurado recompensas o suficiente para as audiências. Agora, em relação ao pedido do povo de Van, na verdade era um método que estava disponível para mim quando o Império veio pedir a devolução. Eu podia ter instaurado um Lorde Interino em Van, e então fazer ele pedir a anexação com o Reino de Elfrieden.

Mesmo assim, decidi devolver a cidade por um tempo antes de fazer um movimento desses, a fim de deixar o Império dizer que tinham mediado.

Seria como se eu estivesse jogando lama no rosto do Império, caso tivesse tirado vantagem da falha na Declaração da Humanidade naquele momento e os forçado a reconhecer nossa soberania sobre Van. Por isso que eu havia concordado em devolvê-la, para a imagem do Império ficar boa. Fazendo dessa forma, mesmo se tomássemos posse da cidade novamente, não iríamos abalar a autoridade do Império.

Então, dessa forma, enquanto os olhos do reino haviam se focado somente em Van, algo tinha acontecido fora da capital.

O exército do reino para a reocupação começou a se organizar para defender a cidade das forças do principado que, com certeza, viria atacar com Julius os liderando, mas… no final, Julius nunca retornou para Van. Quando as forças sob o comando dele terminaram de reprimir as revoltas e iam voltar para Van, que havia sido recentemente ocupada, surgiu um novo relatório; vários, na verdade.

Ao mesmo tempo que o Reino de Elfrieden havia despachado suas tropas, problemas surgiram em diversos lugares ao redor de Van, todos ao mesmo tempo. Cada um deles era diferente.

Um falou que a população que havia sido oprimida pelo seu lorde havia se revoltado, matando toda a família do lorde e ocupando sua cidade.

Outro disse que um nobre poderoso que menosprezava as habilidades de Julius havia iniciado uma revolta para substituí-lo.

Já outro disse que um nobre havia ficado aflito com a opressão de Julius ao povo do noroeste, tinha se oferecido para proteger as pessoas que haviam escapado e se posicionado contra Julius.

E outro disse que os apoiadores da Roroa haviam se incomodado por Julius ter ignorado a existência da irmã mais nova quando subiu ao trono e haviam levantado tropas contra ele…

A lista continuava, com os mais diversos motivos para as revoltas.

Entre elas, havia até mesmo cidades que haviam visto a Transmissão de Voz da Joia do Reino de Elfrieden e pedido para serem anexadas a eles como Van. Estranhamente, mesmo que os motivos tivessem sido variados, todas haviam ocorrido ao mesmo tempo, como se tivessem conspirado anteriormente para isso.

Antes mesmo que entendessem o que havia acontecido, o tabuleiro de Go do Principado da Amidônia estava transbordando de peças pretas de rebelião e as peças brancas, que eram as forças do principado sob o comando de Julius, havia entrado em um estado de damezumari; de pouca liberdade.

Sem nenhuma maneira de discernir aliado de inimigo e mesmo estando dentro do próprio país, as forças do principado de Julius se viram cercadas por inimigos. Quando ficaram nesse estado, lutar com o reino enquanto silenciavam todas as rebeliões se tornou impossível.

Uma série de deserções pôde ser vista no exército do principado de Julius enquanto os passos das forças rebeldes chegavam cada vez mais perto.

Por fim, as forças do principado caíram e Julius fugiu com um grupo escasso para buscar abrigo no Império. Portanto, a Amidônia ficou despedaçada e sem um líder por um tempo.

Na visão do reino, havíamos sido capazes de reocupar Van e um Estado inimigo havia caído. Tinha sido um rumo inesperado para os eventos, mas não podíamos ter pedido por nada melhor.

Até aquele momento, pelo menos…

Entretanto, esse despedaçamento não durou muito. Não, não poderia durar.

Porque um país estrangeiro invadiu a Amidônia.

Quem havia agido era o Estado Papal Ortodoxo Lunariano ao norte e a República de Turgis ao sul. O Estado Mercenário de Zem, ao oeste, tinha sua política de eterna neutralidade, então não havia mostrado nenhum sinal de invasão, mas provavelmente estava enviando seus mercenários para os dois invasores.

O Estado Papal Ortodoxo Lunariano era o centro da Ortodoxia Lunariana, a qual adorava a deusa da lua Lunaria. Era uma teocracia em que seu papa servia como líder religioso e governante temporário. A Ortodoxia Lunariana estava próxima à religião da Mãe Dragão como uma das maiores religiões desse continente. A segunda reverenciava a Mãe Dragão, a qual vivia na Cordilheira do Dragão Estrela.

A doutrina da Ortodoxia Lunariana pregava o amor para toda a humanidade, a cooperação mútua e a tolerância, mas alguns seguidores mais assíduos acreditavam em coisas que eram hostis a outras religiões. Nesse quesito, era muito parecida com o Judaísmo, Cristianismo ou Islamismo na Terra.

Por sinal, o Reino de Elfrieden, como um estado multirracial, não tinha leis definindo qual fé deveria ser seguida, então todos acreditavam na religião que queriam. Era um reino politeísta.

Enfim, voltando ao tópico.

Em resposta aos motins, o Estado Papal Ortodoxo Lunariano havia enviado suas tropas para a fronteira, dizendo que iria proteger os irmãos de fé que estavam no Principado da Amidônia.

Eles deram abrigo para seus crentes que fugiram da Amidônia e mostraram que estavam preparados para avançar para o território Amidoniano caso fosse necessário. No entanto, se moveram lentamente.

Eles provavelmente sabiam sobre as forças do reino despachadas para perto de Van e estavam usando a estratégia do “espere e observe” para evitar nos encontrar.

Quem realmente atravessou a fronteira foi a República de Turgis ao sul.

Esse continente ficava mais frio conforme segue em direção ao sul. Como uma nação do extremo sul, Turgis era uma terra com um frio congelante. Sua península ao sul, particularmente, ficava coberta de neve e gelo durante a maior parte do ano e as correntes de ar eram ferozes o suficiente para fazer wyverns, que estivessem voando, caírem. Em frente à dureza da natureza, foi dito que até mesmo o Império no auge de seu poder foi incapaz de tocar nesse país.

Os soldados desse país montavam em criaturas parecidas com iaques2É um boi selvagem asiático encontrado em altas altitudes, possui longa pelagem negra e chifres curvados para cima e para frente. que apenas viviam em seu território; era dito que eram invencíveis em batalhas de terreno frio.

A notícia de que as forças da República de Turgis havia invadido rapidamente se espalhou pela principado. Do jeito caótico que o principado estava, seria facilmente retalhado. Se Turgis estava invadindo ao sul, Lunaria sem dúvida invadiria ao norte antes que todos os espólios fossem pegos. Se isso acontecesse, a Amidônia iria ruir e ser governada por dois poderes diferentes.

Felizmente, as forças da República de Turgis tinham sido impedidas por uma resistência feroz comandada pelo lorde da cidade-fortaleza Nelva, o velho comandante Herman. Já que eles iriam ser divididos e governados separadamente, não seria melhor se uma única pessoa em que pudessem confiar governasse o país inteiro de uma vez? Quando o povo do principado pensou nisso, o que apareceu em suas mentes foi o rosto alegre do rei de um país vizinho, o qual tinham visto pela Transmissão de Voz da Joia. Aquele jovem rei que tinha governado a capital principesca, Van, sem nenhum problema e que tinha até mesmo contratado a General Maravilha, a mulher que havia tentado mostrar sua lealdade ao principado.

Bom, basicamente, era eu.

Quando percebi, buscar a anexação ao Reino de Elfrieden para conseguir resistir a Turgis e Lunaria já tinha virado a opinião dominante na Amidônia.

No processo, as pessoas que estavam apegadas à ideia de manter a independência da Amidônia, as quais eram praticamente só as pessoas que tinham estourado rebeliões para usurpar a posição de Julius, haviam sido eliminadas pelos anexionistas.

O velho general que tinha parado o avanço Turgíco em Nelva, Herman Neumann, junto com o antigo Ministro das Finanças que estava junto com ele, Gatsby Colbert, haviam emprestado seus nomes para dar suporte à facção anexionista, que era a maior das duas existentes. Aparentemente Colbert tinha a confiança da população por sua reputação como um ótimo ministro que havia ajudado o país mesmo com a crise financeira.

E, então, um pedido pela anexação do Principado inteiro me foi entregue.

É, faz pensar: Como que tudo isso aconteceu?

Se eu pesasse os prós e os contras de anexar todo o Principado da Amidônia, havia mais contras do que prós. O lado positivo era que iria aumentar nossa população, o que aumentaria o poder de nossa nação a longo-prazo.

Além disso, o Principado da Amidônia era abundante de um raro mineral, assim como o ouro, e isso iria ser um ótimo suporte para os minerais que não conseguíamos minerar dentro do reino.

O lado negativo, por outro lado, era que também teríamos que lidar com a falta de comida da Amidônia, mesmo que tivéssemos resolvido a crise alimentícia do reino há pouco tempo.

Em adição, era uma nação que tinha sido nossa inimiga até alguns dias atrás, então provavelmente seria difícil de governar.

Além disso, até agora nosso país havia tido fronteiras somente com as União das Nações Orientais, o Principado da Amidônia e parte da República de Turgis. Com a mudança nas fronteiras, em troca do desaparecimento da Amidônia, faríamos fronteira com o Estado Mercenário de Zem e o Estado Papal Ortodoxo Lunariano, o que era outra desvantagem. Afinal, quanto mais nações fizéssemos fronteiras, mais difícil seria para a nossa diplomacia.

Outra coisa era que, mesmo que eu não contasse com isso, as reparações de guerra também não seriam mais pagas. Já que os cidadãos da Amidônia virariam parte de nosso país, a divisão entre quem pagava as reparações e quem as recebia iria desaparecer.

Quando eu olhava dessa forma, parecia ter mais contras do que prós em se anexar a Amidônia.

No entanto, não tínhamos a opção de recusar. Isso porque os contras de escolher não se anexar a Amidônia eram ainda piores.

Primeiro, iria abalar a nossa justa causa e não poderíamos mais dizer: “nós incorporamos Van ao reino pelo pedido do povo.” Se tomássemos somente Van, mas não o resto, o povo diria: “Ah, então o reino apenas invadiu a terra que queria, afinal.”

Em adição, se deixássemos Turgis e Lunaria invadirem o país, acabaríamos fazendo fronteira com mais países do mesmo jeito.

Além disso, governar a Amidônia enquanto ela enfrentava a falta de comida seria difícil. Se os dois países falhassem em governar apropriadamente e a miséria fizesse uma guerra civil ocorrer no antigo território amidoniano, teríamos um grande fluxo de refugiados. Nesse caso, seria melhor se tomássemos a responsabilidade de cuidar de tudo isso desde o início. Seria difícil, mas, a longo prazo, nossos esforços nos dariam frutos.

No final da contas, aceitei a integração de toda a Amidônia com o reino e notifiquei diversos outros países. Enquanto fazia isso, também mobilizei uma unidade naval sob o comando de Excel, que estava de prontidão ao sudoeste do Reino de Elfrieden, para a fronteira com Turgis, o que me colocou em posição de invadir a qualquer momento.

Na perspectiva da República, eles não iriam gostar de um ataque em sua península enquanto sua força primária estava cercando Nelva. Eles imediatamente recuaram de Nelva e, assim, as forças da República se afastaram da Amidônia como uma onda do mar.

Com isso, vendo que o caos na Amidônia havia diminuído, as forças do Estado Papal Ortodoxo Lunariano que haviam sido despachadas para a fronteira pararam de se preparar para a guerra.

Diferentemente de Turgis, eles não haviam feito nenhum movimento grande. Por causa disso, era difícil de entender o que estavam pensando; foi horrível.

De toda forma, essa foi a sequência de eventos que me levaram a anexar o reino com a Amidônia.

Um tempo após o recuo da República de Turgis…

Eu estava de volta ao castelo em Van para lidar com a papelada pós a anexação e, nesse dia, estava sentado no trono do salão de audiências para dar recompensas aos que tinham contribuído com a defesa contra a República de Turgis. Tinha ocorrido tão de repente que eu não tinha trazido muitos dos meus seguidores comigo, mas, como normalmente, Liscia e Aisha estavam de pé, uma de cada lado, enquanto Hakuya prosseguia com a cerimônia.

Havia duas pessoas recebendo condecorações nessa ocasião. O velho general que tinha defendido Nelva e, consequentemente, Amidônia: Herman Neumann; e o Ex-Ministro das Finanças: Gatsby Colbert (seu primeiro nome era Gatsby, mas como ele já havia sido ministro antes eu senti que devia chamá-lo de Colbert), que tinha trabalhado com o general para unir a Amidônia, a qual estava dividida. Hermann era um general veterano, como Georg ou Owen, enquanto Colbert parecia ser mais do tipo intelectual e delicado, além de estar em seus vinte e poucos anos.

Atrás deles havia duas pilhas de algo, porém eu não consegui adivinhar exatamente o que era porque estavam cobertas. Independentemente do que fosse, parecia ser um presente para nosso país.

Quando se curvaram para mim no carpete, eu os disse:

— Levantem suas cabeças.

Quando o fizeram, falei primeiro com Colbert.

— Sir Colbert. Te agradeço por unir o povo da Amidônia. Sem seu esforço, o caos iria ser prolongado e as pessoas da Amidônia sofreriam muito com isso.

— Sou grato por tamanha gentileza. — Colbert se curvou, comovido.

Eu havia tentado falar do povo da Amidônia como se fizessem parte da minha própria população, mas ele não demonstrou nenhuma grande reação. Bom… ele planejava empurrar toda a responsabilidade para mim, então acho que isso era óbvio.

Colbert levantou sua cabeça e disse:

— Em todo caso, Vossa Majestade, trouxe algo que gostaria de lhe dar.

— E o que seria? — perguntei.

Colbert removeu o que cobria uma das duas pilhas. O que surgiu de baixo daquilo era uma montanha de documentos. Hakuya, que estava ao lado dele, disse:

— Entendo — com um sorriso tenso.

Eu não tinha certeza do que ele havia visto, então perguntei para Colbert:

— O que é isso?

— Esses documentos são os extratos de rendimentos e gastos, além de documentos referentes aos direitos e titularidades dentro do Principado da Amidônia — explicou Colbert. — Originalmente estavam guardados nos arquivos de Van, mas os retiramos de lá antes do pico de hostilidade para prevenir que fossem envolvidos nas chamas da guerra. Como a guerra acabou, trouxemos eles de volta para onde pertencem: Van.

Ah, agora que ele tocou nesse assunto, quando havíamos tomado posse temporária dos arquivos de Van como garantia do pagamento das reparações de guerra, lembro de ter recebido um relatório dizendo que nenhum desses documentos estavam lá. Esse deve ter sido o motivo para o sorriso tenso de Hakuya. Porque, para ele, as coisas não tinham ido como planejado.

— Entendi — falei. — Esse é um presente magnífico. Irá facilitar as coisas para nós.

— Fico honrado em ouvir isso.

— Entretanto, creio que seria melhor você retorná-los com suas próprias mãos — falei, me recusando a aceitar.

— Hã? — Colbert ficou sem palavras.

Hm, acho que isso nos deixa quites.

Eu sorri enquanto falava:

— Antigo Ministro das Finanças Amidoniano, Colbert! Deseja me servir?!

— S-Sim, senhor! — Colbert respondeu praticamente por instinto. Boa, eu agora tinha um promessa dele.

— Muito bem — falei. — Nesse caso, irei preparar uma posição para você equivalente à que tinha na Amidônia. De agora em diante, como o Ministro das Finanças tanto do Reino de Elfrieden quanto do Principado da Amidônia, peço que cuide das finanças dessa nova nação.

— E-Eu sou Amidoniano, entende…? Realmente está tudo bem? — gaguejou ele.

— Isso não me importa. Irei usar todos que puder usar. Se eu ligar para raça ou nacionalidade, nunca irei reconstruir esse país.

— S-Sim, senhor…

Não, sério mesmo, eu estava esperando por alguém como ele. Sempre estive estudando a área de humanas, então cálculos matemáticos e decisões que envolviam a economia sempre eram difíceis para mim. Se essa pessoa tinha habilidade o suficiente para evitar que um país nada próspero falisse, mesmo que os militares estivessem pegando boa parte do orçamento, eu com certeza iria querer que trabalhasse para mim. Se houvesse um Ministro das Finanças cortando gastos desnecessários, eu poderia ser capaz de conseguir orçamento o suficiente para um ou dois projetos que eu não tinha conseguido antes.

Hehehehe… Aaah, as possibilidades.

— Ministro das Finanças, Colbert — falei. — Esse documentos certamente servirão para seu trabalho. Leve-os de volta e trabalhe para reconstruir a região da Amidônia.

— Si… Sim, senhor! Entendido! — Colbert se prostou em minha frente novamente.

Eu assenti e, então, me virei para o General Herman.

— Sir Herman, fez bem em defender contra as forças da República de Turgis. Sem seu esforço feroz, tenho certeza de que a República iria ultrapassar Nelva e chegar nas terras principais da Amidônia. Se isso tivesse acontecido, nossos reforços não teriam chegado a tempo e a situação estaria ainda mais caótica do que agora.

Eu havia o agradecido, mas a expressão severa de Hermann não mudou.

— Guerreiros são os defensores do povo — disse ele. — Mesmo sem um mestre, isso não se altera. Eu apenas cumpri o meu dever.

E-Ele é bem rigoroso e formal, hein… pensei. Ele provavelmente era do tipo que era dedicado à sua profissão. Se Owen era um velho risonho, esse era um teimoso.

É, ele era igual a um velho tsundere do Japão; e eu gostei disso. Suas palavras de antes haviam sido o equivalente a: “N-Não é como se eu tivesse feito por você, viu? Eu não tinha escolha depois de perder meu governante, então eu só defendi!” ou algo assim, eu acho.

Herman se levantou e caminhou para a frente da outra pilha coberta.

— Eu também trouxe presentes, Vossa Majestade. Espero que não me faça pegar eles de volta após recebê-los.

Com essas palavras, Herman retirou a coberta. Abaixo dela tinha uma pilha de diversos tecidos coloridos, todos enrolados como rocambole.

— O sul da Amidônia tem uma indústria renomada que produz lã de alta qualidade — disse ele. — Esse tecidos foram feitos com essa lã. Por favor, os aceite.

— Hm… Posso olhar mais de perto? — perguntei.

— Como desejar.

Levantei de meu lugar, me aproximei da pilha de tecidos e coloquei minha mão em um. É, era bom. Esse era um carpete? Eu não sabia muito bem como julgar a qualidade desse tipo de coisa, mas ainda pude dizer que esse era um dos bons.

— Hm? Um carpete? — murmurei.

Um carpete como presente… hm, não sei… sinto que já vi esse cenário em algum lugar antes. Se me lembro bem, havia uma cena assim na história da Terra… Hã?!

— Sir Herman — falei.

— O que seria?

— Não há nenhuma chance de ter uma mulher escondida nesses carpetes, não é?

No momento em que falei isso, o rosto de Herman enrijeceu.

Espera, sério?!

Um dos tecidos da pilha começou a se contorcer. Uma assassina estava escondida lá? Os soldados e Aisha estavam tensos quando…

— Sem graça, sem graça! Seria a maior surpresa da sua vida! Por que tinha que descobrir isso?! — exclamou a voz de uma garota.

O tecido que estava se movendo se desenrolou e, de dentro, saiu uma garota que tinha idade para estar entre o ensino fundamental e o ensino médio. Seu cabelo longo estava amarrado na região de sua nuca, formando um tipo de rabo de cavalo dividido ao meio, e ela tinha feições normais e amáveis, além de olhos redondos e pequenos. Esse era o tipo de garota que ela era.

A jovem garota colocou sua mão direita em sua nuca e sua mão esquerda em seu quadril, balançando-as um pouco enquanto posava como uma modelo.

— Bem-vinda ou não, ela está aqui! Tãrãrãrãrãn…! É a Roroa! — E então ela deu uma risada provocadora e tentou agir de forma sexy.

Ela era ligeiramente mais baixa que Liscia e seu corpo tinha uma nítida falta de curvas, então ela aparentava ser uma jovem garota tentando muito parecer uma adulta. Mas, bem, isso era fofo de sua própria maneira, como um animal pequeno e… Espera, Roroa não era o nome da irmã mais nova de Julius?!

Enquanto eu a encarava extremamente surpreso com tudo isso, Roroa ficou brava.

— Ah, você não é engraçado, Sr. Souma.

— Sr. Souma?! — gritei. Nunca fui chamado de Sr. Souma antes… Espera, não! Hã? Quê?

Gaius e Julius haviam sido pessoas assustadoras que transbordavam sede de sangue, então por que essa garota era tão amigável? A família principesca de Amidônia não deveria odiar a família real de Elfrieden?

Enquanto eu ainda estava perdido, Roroa começou a dar socos em meu ombro.

— Ainda assim, não posso dizer que aprovo você prever a surpresa. Fiquei enrolada lá por mais ou menos uma hora, sabia? É, foi mais quente do que imaginei…

Bem, sim, se ficasse enrolada em um carpete, então seria…

— Mas, então, como descobriu? — demandou. — Eu estava bem confiante de que não descobriria, sabe?

— Bem, no mundo que eu vivia havia uma mulher que fez algo parecido, sabe?

— Ugh, meu truque coincidiu com o de outra pessoa, então? — reclamou ela. — Que vacilo.

— Mas a pessoa aparentemente estava nua quando o fez — falei. (As opiniões variavam sobre isso.)

— Qual é o problema dessa mulher? — falou Roroa. — Ela era pervertida?

Dei de ombros.

— É dito que ela era tão boa que, se seu nariz fosse um pouco menor, os rostos de todos no mundo seriam diferentes… — (As opiniões variavam sobre isso também.)

Olhei para Roroa, a qual estava abraçando seus peitos um pouco escassos, como se quisesse escondê-los. Ela suspirou.

Roroa, a propósito, estava vestida. Se ela estivesse nua, não seríamos capazes de ter uma conversa tão descontraída assim. Minhas duas noivas estavam bem atrás de mim, assistindo tudo, afinal.

— Erm… Se importa se eu te chamar de Roroa? — perguntei. — Você é a princesa da Amidônia?

— Pode apostar que sim — disse ela. — Esses traços bem definidos, esse charme e astúcia, ah, e, claro, a beldade deslumbrante da Amidônia; Roroa, essa sou eu.

— Ah, caramba, não sei nem mesmo qual buraco começar a tapar nisso tudo…

— Tapar buracos, né? — perguntou ela. — Qual dos meus buracos você planeja tapar? Cora — disse ela.

— Não diga que corou! Além disso, tira essa ideia da cabeça!

— De jeito nenhum! Você e eu, nós dois acabamos de nos conhecer, não foi? Vamos começar como marido e mulher, tá? — disse ela.

— Já está pulando vários degraus! — gritei. — Deveríamos começar como amigos!

— Vocês dois… Como estão se dando tão bem mesmo que tenham acabado de se conhecer? — perguntou Liscia.

Enquanto eu estava diligentemente agindo como uma pessoa séria para as brincadeiras de Roroa, Liscia me olhava friamente.

Opa! Agora que ela tinha falado, era verdade!

Roroa riu.

— Você é bom nisso, Sr. Souma. É um bom respondão.

— Por que você é tão maleável? — perguntei. — Realmente é uma princesa Amidoniana?

— Claro que sou. Se quiser, posso fazer uma apresentação formal e tudo mais. — Após dizer isso, Roroa parou o seu sorriso brincalhão e fez um reverência respeitosa. — Sou Roroa Amidônia, filha de Gaius VIII, do antigo Principado da Amidônia.

Quando ela agiu dessa maneira, misteriosamente começou a parecer uma princesa.

— E o que, exatamente, a Princesa Roroa está fazendo aqui…? — perguntei.

— Aah, eu tenho um bom motivo para isso.

— Já voltou a falar casualmente?!

— Não é nada demais. Quero dizer, até porque…

Com o seu melhor sorriso em seu rosto, ela soltou a notícia mais chocante do dia.

— Eu vim aqui para nos casarmos.

— Espera! — gritou Liscia.

Enquanto meu cérebro ainda estava travado, processando a afirmação repentina da Roroa de que iria ser minha noiva, Liscia caminhou rápido em direção a ela, agitada.

— Você é a princesa da Amidônia, não é?! O que está dizendo?!

— Somente estou fazendo o que você fez, irmãzona — disse Roroa.

— “Irmãzona”?!

Roroa estava calma perante Liscia.

— Irmãzona, você é a princesa de Elfrieden, não é? Quando concordou em casar com o Sr. Souma, foi tudo a fim de dar a ele uma justa causa para governar o reino, não foi?

— Como você sabe disso?! — gritou Liscia.

Era natural que Liscia ficasse surpresa. Roroa tinha uma noção precisa de como era a nossa situação.

— Jamais subestime a rede de informações de uma mercadora — disse Roroa. — Bem, de toda forma, é o mesmo para mim. Se eu me casar com ele e levar meu país comigo, o Sr. Souma irá obter o Principado da Amidônia e uma justa causa para governá-lo. Isso acontecendo, as reparações que o principado precisava pagar iriam ser anuladas e, além disso, também receberíamos suporte alimentício do reino. Não acha que seria um casamento benéfico para ambos?

Roroa estava enfatizando o quanto era benéfico para ambas as partes do acordo com seu raciocínio, mas Liscia apenas parecia mais relutante.

— Mas isso… Quero dizer, sim, nosso noivado foi arranjado para beneficiar o país no começo. Mas, agora, eu sinceramente quero apoiar o Souma. Sinto afeição por ele também. Aisha, Juna e eu, todas nós escolhemos ficar ao lado do Souma por vontade própria! — Ela praticamente gritou uma confissão amorosa no final.

Eu fiquei surpreso. Existia alguém que sentisse algo tão forte por mim. Ouvir ela falar tão intensamente fez minhas bochechas queimarem.

As bochechas de Roroa também ficaram um pouco vermelhas com a declaração de Liscia, mas ela imediatamente revelou um sorriso.

— Aah, então não tem nenhum problema. Eu também me sinto atraída pelo Sr. Souma.

Após ela falar tão francamente, foi a vez da Liscia ficar perplexa.

— Se sente atraída…? Mas essa é a primeira vez que se veem, não é?

— Eu já tinha visto o rosto dele antes — disse Roroa. — Quando eu estava me escondendo, ele fez o programa musical. Realmente foi uma maneira revolucionária de usar aquilo. Eu também consigo pensar em outras aplicações. Dependendo de como ela for utilizada, você vai conseguir fazer um bom dinheiro. — Roroa estalou seus dedos alegremente. — Já sei! As famílias da realeza e principescas têm um sistema de alvará real, certo? É um sistema onde presentes de alta qualidade que ganhamos recebem a nossa aprovação oficial. É uma garantia sobre a qualidade do produto, mas também é uma propaganda de que é bom o suficiente para garantirmos isso. Então, que tal você utilizar um pouco do tempo da Transmissão de Voz da Joia para que, por um preço, você mostre propagandas dos produtos das pessoas? Se tiver uma empresa que está buscando promover tanto ela mesma quanto seus produtos, não acha que ela pagaria uma boa quantia por isso?

— Entendi — falei. — Passar comerciais, né? Acabei esquecendo disso…

Devido à Transmissão de Voz da Joia estar sendo utilizada para a transmissão pública, eu não tinha nem considerado a ideia de passar comerciais. Eu nem havia imaginado que alguém desse mundo sem televisão fosse ter a ideia de passar comerciais nela. Mas, como Roroa havia dito, existiam mercadores que gostariam de se promover como fornecedores da família real. Se construíssemos um local para eles fazerem as propagandas, a renda começaria a aumentar. Se essa quantia cobrisse os custos de fazer os programas, conseguiríamos um espaço maior na verba nacional.

Enquanto eu pensava nisso, Roroa colocou uma mão em seu quadril e sorriu.

— Creio que você consegue unir o reino com o principado e nos guiar para uma era mais próspera, sabe? Além disso, se eu estiver com você, provavelmente conseguirei ver mais coisas legais; e eu sempre pensei que, se fosse para casar com alguém, seria melhor que fosse alguém interessante.

— Entendi o seu raciocínio, mas… Está bem em relação a isso, Roroa? — Eu olhei nos olhos de Roroa e perguntei: — Eu sou… a pessoa que matou seu pai, Gaius VIII, entende?

No momento em que eu disse isso, uma onda de tensão se espalhou pelas pessoas que eram do reino.

O pai de Roroa, Gaius VIII, havia falecido na batalha contra o reino; e fui eu quem comandou aquele exército. Em outras palavras, para essa garota, eu era o assassino de seu pai.

Roroa deu de ombros, parecendo não se importar.

— Bom, se vamos falar disso, eu fiz o meu irmão ser exilado do país. Usei minhas conexões com os mercadores para organizar as revoltas e tudo mais.

— Quê?! Foi você?! — gritei.

Os únicos motins que o reino havia fomentado foram os que ocorreram ao redor de Van. Não nos envolvemos nas revoltas dos vassalos ou nas insurreições populares que haviam estourado nos outros lugares, mas quem iria imaginar que era ela por trás disso tudo…

Mas que garota.

Enquanto eu ainda estava tentando processar aquilo, Roroa balançou a mão.

— Não precisa se sentir mal pelo que aconteceu com o meu velho. Ou você preferiria se eu te falasse de forma vingativa: “como ousa matar o meu pai?!” Para que você me forçasse a submissão para você e a dizer: “Não acredito que terei que carregar os filhos do assassino do meu pai…”?

— Eu não tenho esse tipo de fetiche sádico! — gritei.

— Souma — sussurrou Liscia, parecendo perturbada. — Isso já é demais…

— Por que está agindo como se estivesse com nojo, Liscia?! Isso foi algo que a Roroa inventou sozinha, viu?!

Aah, eu não sabia mais o que dizer. Talvez fosse porque eu havia ficado levantando meu tom de voz muito mais do que estava acostumado, mas eu estava ficando tonto. Essa garota com o sotaque falso de Kansai estava me fazendo dançar no seu ritmo.

Soltei um suspiro.

— Escuta, Roroa…

— O que foi?

— Você realmente não guarda rancor de mim? Nem um pouco?

— Bom, falando dessa maneira, não é como se eu não sentisse absolutamente nada sobre isso. — Roroa cruzou seus braços em frente ao seu peito e fechou seus olhos. — Mesmo ele sendo daquela maneira, ainda era o meu velho. Mas ele estava tentando te matar também, não estava? No campo de batalha, é matar ou morrer. Não há muito que possa se fazer sobre isso. Aparentemente você retornou os restos dele apropriadamente, então não vai me ouvir reclamar.

Eu fiquei em silêncio.

— Bom… isso só significa que estávamos tão mal como pai e filha que eu consigo pensar assim. — Roroa parecia um pouco solitária. — Meu velho e meu irmão estavam tão obcecados em obter vingança contra o reino que não conseguiam ver nada além disso. A Amidônia é um país pobre. Nós temos recursos minerais valiosos, mas… é só isso. Nossa taxa de autossuficiência para a alimentação é baixa. Não é a Família Real de Elfrieden ou as pessoas do reino que estão fazendo as pessoas sofrerem. É a fome e a pobreza. Do que realmente precisamos é trabalho e comida. Colbert, os burocratas e eu pensávamos nisso quando trabalhávamos desesperadamente para juntar dinheiro. Mas o meu velho e o bando dele imediatamente pegavam tudo para o lado militar.

Enquanto Roroa falava sobre isso, seus olhos ficaram frios. O ar brincalhão de antes havia desaparecido e sua voz estava repleta de decepção com sua família e uma sensação de renúncia.

— Se eles tivessem usado corretamente, as pessoas famintas, as garotas forçadas a se vender, as crianças vendidas para que suas famílias passassem alguns meses sem fome; teríamos acabado com tudo isso — disse ela. — Gerar o ódio contra o reino e utilizar isso para evitar oposições não é saudável. Algum dia com certeza desmoronaria. Mas, ainda assim… meu velho não me ouviu quando tentei colocar ele nos trilhos. Me pergunto, de verdade, quando foi que… parei de vê-los como família…

— Roroa… — falei gentilmente.

Roroa balançou sua cabeça, se recompôs e, então, sorriu.

— Para mim, os únicos membros de minha família são o Vovô Herman, o Sr. Colbert, que é como um irmão mais velho para mim, e todos os homens e mulheres que vivem nos mercados do principado. Eu não quero proteger uma família que se baseia só no sangue. Quero proteger uma família com que eu me importo.

Uma família com que ela se importava à que tinha relações sanguíneas com ela, hein…

Durante as conversas pós-guerra, Julius havia desistido da Roroa porque ela podia se tornar uma inimiga política dele. E, agora, Roroa também havia virado suas costas para Julius.

Mesmo que tivessem feito a mesma coisa, por que eu sentia uma afinidade maior por Roroa? Provavelmente era porque, diferentemente de Julius, ela entendia a importância da família.

— Quero te perguntar mais uma coisa — falei. — No outro dia, houve uma revolta ao norte do país que foi reprimida por Julius, certo? Também foi algo instigado por você?

— Eu jamais faria aquilo! — Nesse momento, Roroa ficou indignada pela primeira vez. — Na verdade, eu planejei que as revoltas acontecessem todas ao mesmo tempo para prevenir uma situação como aquela! Para deixar meu irmão preso o suficiente para que não conseguisse oprimir a população! Eu jamais permitiria um motim que claramente encontraria um destino horrível como aquele!

Apesar de sua veemência, sua voz estava repleta de tristeza. Não parecia estar mentindo.

— Bem, então a revolta no norte foi uma ocorrência natural? — perguntei.

— Também não é isso — disse ela, balançando sua cabeça. — Olhe para a  geografia de lá. O que há ao norte, próximo de onde as revoltas eclodiram? Não tinha alguém agindo sorrateiramente por lá?

— Ah…! O Estado Papal Ortodoxo Lunariano!

A Amidônia fazia fronteira com o Estado Papal Ortodoxo Lunariano no norte. Além disso, o Estado Papal Ortodoxo Lunariano havia juntado suas tropas na fronteira com a desculpa de querer defender os professadores de sua fé.

Roroa assentiu com um olhar frustrado em seu rosto.

— Não há fronteiras quando se trata de religião. Aquela região é muito próxima do Estado Papal Ortodoxo, então deve haver muitos seguidores da Ortodoxia Lunariana. O Estado Papal Ortodoxo provavelmente fomentou seus seguidores de lá, dizendo que era uma ordem direta do papa ou algo assim. Tenho certeza de que planejavam enviar tropas para proteger esses seguidores.

— Mas o norte não é uma terra muito fértil — falei. — Quero dizer, já é ruim o suficiente que estivessem manipulando tudo, mas havia alguma razão para o Estado Papal Ortodoxo querer as terras de lá?

— Eles não querem as terras — disse ela. — São as pessoas. Crentes. Se eles são seguidores assíduos, não importa o quão difícil a vida deles seja, nunca irão abandonar a fé. Eles diriam que todos os problemas e as durezas que enfrentassem seriam testes concedidos por seu deus. É por isso que aquele país não precisa se preocupar com a vida das pessoas. Desde que performem os rituais certos, as pessoas irão continuar apoiando. É por isso que aquele país quer obter todos os seguidores possíveis.

— Isso é um problema… — murmurei. — Mas espera um pouco. Roroa, assim parece que você não gosta muito da Ortodoxia Lunariana.

— Não estou nem aí para a Ortodoxia Lunariana em si — repondeu. — O que eu odeio são as pessoas que usam a religião para aumentar seu poder político e depois fazer coisas radicais, ferindo as pessoas ao redor que não tem nada a ver com aquilo.

— É — falei. — Concordo com você nessa questão.

Aparentemente, misturar a política e a religião não dava certo, independentemente de em qual mundo estivesse. Normalmente, religião era algo que existia para tranquilizar o coração das pessoas, mas algumas delas a usavam como justificativa e desculpa para seus atos. As interpretações de uma doutrina mudavam de acordo com quem estivesse no poder na época; aqueles que não a obedecessem eram taxados de hereges e punidos em nome do deus. Honestamente, não tinha nada pior que isso.

— Se eu tivesse escolha, passaria o resto da minha vida sem me envolver com eles — falei.

— Que pena que não tem. — Roroa disse francamente. — Aquele país com certeza vai tentar entrar em contato com você.

— Por que? Eu não sou nem um pouco religioso, sabe? — falei.

— Aquele país odeia a Cordilheira do Dragão Estrela e o Império Gran Chaos. É por isso.

— Consigo entender, mais ou menos, do porque odeiam a Cordilheira do Dragão Estrela, mas por que o Império também? — perguntei, surpreso.

A Cordilheira do Dragão Estrela era, essencialmente, uma nação para dragões sencientes.

A fé que venerava a Mãe Dragão, que vivia lá, era a segunda maior religião desse continente, perdendo somente para a Ortodoxia Lunariana, por mais que eu não soubesse que tipo de crença era praticada no Domínio do Lorde Demônio. Então eu conseguia entender o porque do Estado Papal Ortodoxo odiar a Cordilheira do Dragão Estrela, o qual era o centro da adoração à Mãe Dragão. Mas por qual motivo também odiariam o Império Gran Chaos?

— Você sabe que a Imperatriz Maria é chamada de santa, não é? — disse Roroa. — Isso foi algo que as pessoas mais pobres que foram salvas pelas políticas dela começaram a dizer por conta própria. Porém, na Ortodoxia Lunariana, o papa é a única pessoa que pode reconhecer alguém como santo. Na verdade, há uma mulher na Ortodoxia Lunariana que é chamada de santa. Por isso, o Estado Papal Ortodoxo Lunariano vê a Madame Maria como uma vilã imperdoável que finge ser uma santa.

— Não entendo como isso seria culpa da Madame Maria, se as pessoas só começaram a chamá-la assim por vontade própria — falei.

— Eles não ligam para isso. — Ela deu de ombros. — Em uma teocracia, o que as pessoas mais procuram é uma liderança carismática. Geraria um impacto na credibilidade deles se reconhecessem uma santa que apareceu naturalmente. Por esse motivo, o Estado Papal Ortodoxo não vai te deixar de lado agora que Elfrieden cresceu por ter absorvido a Amidônia. Em algum lugar, de alguma forma, vão tentar entrar em contato. Pode ser que te ofereçam um título inventado como “Rei Santo” para te arrastar para o conflito deles com o Império.

Ugh… Isso soou tanto possível, quanto indesejável.

Devido à minha aliança com o Império ser secreta, outros países não podiam descobri-la. Na verdade, seria um problema se tivessem descoberto ela, então as agências de inteligência de ambos os países estavam se esforçando bastante para escondê-la. Isso significava que eu não poderia admitir abertamente que éramos aliados.

A igreja oferecer posições religiosas às pessoas no poder para que a influência dela não fosse abalada era algo que podia ser visto na história da Terra. Eles poderiam tentar nos transformar no Reino Sagrado de Elfrieden e fazer com que liderássemos a batalha contra o Império para eles.

Mas, mesmo assim, eu queria evitar um conflito com o Estado Papal Ortodoxo, o máximo possível. O que era problemático na religião era que, mesmo que matasse todos os líderes e os pilares dela, ainda restariam os seguidores. Quando os seguidores eram oprimidos, laços fortes se formavam entre eles e, quando seus líderes eram mortos, seriam ainda mais exaltados como mártires. Pior ainda, a maior parte dos seguidores eram pessoas comuns, sem conexão nenhuma com os esquemas de dentro da organização. Se eu tentasse eliminar todos os seguidores, me tornaria o principal culpado de um genocídio.

O Estado Papal Ortodoxo de Lunária… realmente era um grupo complicado de lidar, um com que eu preferia não cooperar nem me opor.

Enquanto eu estava me enchendo de pensamentos desagradáveis, Roroa juntou suas mãos, como se fosse um sinal para mudarmos de assunto.

— Bom, chega de falar do Estado Papal Ortodoxo por agora! Sobre o que você deveria estar se decidindo agora é o seu casamento comigo.

Roroa olhou fixamente para mim com aqueles seus olhos pequenos e redondos.

— Sr. Souma… Você me quer ou não?

— Ugh…

Eu não sabia o que dizer. Se ela me perguntasse daquele jeito, com certeza só teria uma resposta possível.

— Eu te quero… — falei.

Desesperadamente, naquele ponto. Não tinha dúvidas disso. Afinal, haveria muitos benefícios em tomá-la como minha esposa.

Primeiramente, um casamento com Roroa iria ajudar a enfatizar a minha legitimidade para governar a Amidônia anexada ao reino. Roroa era amada pelas pessoas do principado. Se vissem ela casada com alguém do reino e feliz, se sentiriam menos preocupadas em serem incorporadas ao reino.

Além disso, seus talentos eram atraentes. A visão econômica fora da curva, que havia a ajudado a pensar em usar os comerciais como uma fonte de renda, e a rede de mercadores que ela havia conseguido sozinha eram incríveis. Também porque ela parecia saber quaisquer truques desonestos que os nobres usariam e que poderiam passar despercebidos por mim ou por Hakuya. Ela era justamente o tipo de pessoa que eu estava querendo.

E, além de tudo isso… eu gostava do jeito que a Roroa pensava. Poderíamos dizer que tinha um espírito mercantil. Mesmo que tivesse uma visão realista de que “tudo é sobre o dinheiro”, ainda tinha uma visão honrada e empática. Ela havia tentado usar o dinheiro que tinha conseguido pelo bem das pessoas, por mais que Gaius e sua laia não tenham permitido que seu esforço gerasse resultados. Estava disposta a confrontar o próprio irmão pelo bem das pessoas que ela amava.

E, ainda por cima, ela era fofa; então eu não tinha motivos para não querer ela como rainha.

Se tinha um problema… seria como Liscia se sentiria sobre isso. Ela era uma princesa do país que havia sido inimigo deles por vários anos. Ela seria capaz de aceitá-la como uma rainha, como alguém da mesma posição que ela?

— O que você acha, Liscia? — perguntei.

— Se você decidiu que precisa dela, tudo bem. — Liscia me deu a sua permissão sem parecer nem um pouco incomodada.

Estava tudo bem para ela, me dar o seu “ok” fácil assim?

Enquanto eu mostrava minha surpresa, Liscia somente deu de ombros.

— Eu consigo ver que essa garota tem talento. Creio que valha a pena ter ela como rainha. Se você cuidar direito da questão da sucessão, não tenho nada mais a dizer.

— Liscia… hm… Obrigado.

— Só se certifique de cuidar apropriadamente da gente também, viu? — disse Liscia.

— Com certeza — falei na mesma hora.

Ela realmente era… uma garota incrível. Eu estava muito feliz… de ter Liscia como minha noiva, de verdade…

Enquanto estávamos no nosso momento emocionante, Roroa se intrometeu.

— Uhh, desculpa incomodar enquanto vocês dois estão no seu mundinho, mas não precisa se preocupar com isso. Não estou nem aí para o trono principesco da Amidônia.

— Não? — perguntei, surpreso.

— Não mesmo. Entretanto, em troca, eu tenho algo para te pedir, Querido.

Querido? Sério…? Pensei. Bem, tanto faz.

Enquanto ela parecia uma criança mimada e juntava todo o charme que conseguia, olhou para mim com os olhos virados para cima.

— Sabe… eu quero ter a minha própria companhia.

— Uma companhia? — perguntei.

— Isso. Olha, eu quero ver como o dinheiro que eu consigo com as minhas próprias habilidades muda esse país, Querido. Suas políticas mostram uma visão de futuro, mas nem sempre você tem os fundos para elas, não é? Elas podem ser arriscadas, então eu tenho certeza de que vai ser difícil para você usar o tesouro nacional com coisas que podem acabar sendo inúteis.

— Isso… Bom, é.

Agora que eu havia aumentado o meu poder como rei, quando se tratava de projetos como a expansão da rede de vias ou a construção de uma nova cidade, para esses que eram fáceis de mostrar o valor prático, eu conseguiria a verba relativamente fácil. Entretanto, se não tivesse um efeito imediato para mostrar, ou, na primeira impressão, o investimento parecesse inútil, seria difícil alocar os recursos para ele.

Fundos para pesquisa, por exemplo. Mesmo que um especialista soubesse que o segundo lugar não era bom o suficiente, não era algo que conseguiria explicar para um não-especialista e fazer ele entender.

— Então, era isso que eu estava pensando — disse Roroa. — Quando tiver uma política que quiser implementar, Querido, mas não conseguir pagar, peça para mim. Irei te ajudar usando o dinheiro que eu fizer com minha própria companhia.

— Isso é bem reconfortante, mas… tem certeza? — perguntei. — Se uma rainha for vista agindo como uma mercadora, não acho que a população respeitará sua autoridade.

— Vou agir pelas sombras, então não tem problema — disse ela. — Eu sei! Para a visão pública, vou deixar nas mãos do dono de um lugar que eu frequentava em Van, o Sebastian da Corça Prateada.

Sebastian da Corça Prateada… Espera! Aah! Esse foi o lugar que eu tinha visitado com Juna e Tomoe! Eu havia pensado que ele deveria ser um mordomo por causa de seu nome, então lembrei dele.

Então a cliente regular que ele havia dito que era “como um tanuki pequeno e adorável” era Roroa? Se eu me lembrava bem, Sebastian era um homem de meia-idade legal e que parecia ser um mercador capaz, então provavelmente serviria bem como o representante de uma companhia.

— Espera um pouco, você e o Sebastian tinham uma conexão? — irrompi. — Estava tentando me investigar?

— Bom, é; eu queria saber como o homem com quem eu pretendia casar era, né?

— Você não deixa nada passar, não é? — falei. — Quando vai até esse ponto, só posso ficar impressionado.

Ela realmente era um pequeno tanuki. Infantil, porém astuta. Senti como se tivesse me enganado completamente.

— Hm… Como alguém que estará encarregado do tesouro nacional, posso dizer algo? — interveio Colbert, parecendo preocupado.

— O que foi? — perguntei.

— Se tiver essa quantia de dinheiro, gostaria que colocasse no tesouro.

É… Eu entendia o sentimento de Colbert. O reino havia passado por todo tipo de medidas severas até recentemente, afinal.

Roroa e eu falamos em união:

— Mas eu recuso.

— Por que de repente entraram em sincronia?!

— Está tudo bem. — Roroa disse confiantemente. — Vou juntar o dinheiro sozinha, de qualquer maneira.

— E, com a verba extra, eu posso prosseguir com políticas internas com mais liberdade — falei.

— Mas, senhor…

— Calma, calma. Não vamos desperdiçar o dinheiro como o meu velho fazia — disse Roroa, balançando sua mão. — Considere isso uma divisão de tarefas. Eu consigo o dinheiro e você segura nossas rédeas, Sr. Colbert. Assim fica tudo bem.

— Se gastar demais, irei fazer tudo dentro do meu alcance para te parar, entendeu? — Mas Colbert cedeu relutantemente.

Ele ia ficar de olhos abertos comigo e com Roroa a partir daquele momento para ter certeza de que não estávamos gastando descuidadamente. Era importante ter pessoas que conseguiriam ganhar dinheiro como Roroa, mas pessoas que conseguiriam guardar dinheiro como Colbert também eram preciosas.

Roroa caminhou até mim e passou seus braços ao meu redor.

— Além disso, se nós tivermos uma criança, Querido, eu quero que ela herde a companhia. Acho que, provavelmente, nenhuma de nossas crianças vai querer governar o país.

Bom, isso era verdade. Se a criança herdasse a minha personalidade de “eu quero viver em paz” e a “não quero ficar entediada” de Roroa, não iria querer a dor de cabeça que seria ser um rei ou uma rainha.

Na verdade, seguindo a mesma lógica, as crianças que herdassem o senso de dever de Liscia não seriam as únicas opções para suceder o trono…? A personalidade de Aisha não serviria para um governante e Juna tinha pedido para ser uma rainha secundária dizendo: “Eu gostaria de agir mais livremente.”

Se continuasse desse jeito… ao invés de ocorrer uma guerra sobre quem sucederia o trono,  ocorreria uma sobre quem não teria que o fazer?

Eu tinha que pedir para que Liscia trabalhasse duro para criar um herdeiro com um senso de responsabilidade. Mas, se eu a pedisse isso, ela com certeza diria “Não fale como se fosse o problema de outra pessoa!” e ficaria brava.

— Sebastian teve uma garotinha recentemente, pelo que ouvi — disse Roroa. — Se tivermos um garoto, podemos casar ele com ela. Se tivermos uma garota… eu vou pensar no que fazer na hora.

— Está se apressando demais! — gritou Lisicia — E, ei, se afaste do Souma de uma vez!

Liscia começou a tentar afastar ela de mim à força, mas Roroa usou meu corpo como escudo, trocando do meu braço esquerdo para o direito e se grudando toda em mim novamente.

— Não seja tão mesquinha — disse Roroa. — Você teve tempo de sobra para flertar com ele até agora, não teve, irmãzona? O que tem de errado em eu ter um pouco mais de tempo?

— Eu não tive esse tempo! — disse Liscia, brava. — Estivemos muito ocupados para esse tipo de coisa!

Roroa olhou para ela surpresa.

— Não me diga que vocês dois ainda não…

— Ainda não! Tem algum problema com isso?!

Quando Roroa ouviu aquilo, ela se virou para mim com um olhar frio.

— Querido, isso já é demais…

— Eu que estou sendo criticado agora?!

— Sim! Porque não está cuidando “apropriadamente” de mim! — gritou Liscia, brava.

— Isso aí! — Roroa estava sorrindo como se fosse uma criança travessa.

Por que essas duas estavam tão sincronizadas?!

Aisha, que havia ficado assistindo tudo isso de trás de mim, segurou a manga da minha roupa.

— Hm… eu espero, uh… também gostaria que fizesse as coisas “apropriadamente” comigo.

 

 

Ugh… Em algum momento, eu havia sido cercado pelas três noivas. Enquanto eu não parava de suar frio, meus vassalos assistiam com sorrisos irônicos e viradas de olhos.

Alguns dias depois, o Reino de Elfrieden, tendo anexado o Principado da Amidônia, formou o Reino Unido de Elfrieden e Amidônia. (Popularmente conhecido como Reino da Friedônia.)

A partir desse momento, como um rei magnífico que havia expandido o território do país em menos de um ano após ascender ao trono, comecei a ser chamado de o Grande Rei da Friedônia.

Mas, aquele nome de “Grande Rei”; eu não gostava muito. Me fazia lembrar de lulas gigantes, isópodes gigantes e, também… do Dedede.3Arqui-inimigo do Kirby na série de jogos dele. Todos que tinham “Grande Rei” em seus nomes japoneses.

Além disso, devido a eu ter concordado em tomar a Princesa Roroa do Principado da Amidônia, que havia sido anexado, como minha esposa, havia rumores de que “o Rei Souma fica mais poderoso e seu território expande a cada esposa que ele passa a ter” ou de que “ele é um depravado que invadiu e destruiu um país inimigo somente para saciar seu desejo pela Princesa Roroa.“

Sério, como chegou a isso…?

 

— E isso foi que aconteceu… — terminei.

— Bom… eu não sei o que dizer… Pff! — Do outro lado do receptor simples, Maria estava segurando seus ombros que estavam balançando. Alguma coisa havia caído em seu senso de humor, aparentemente. Isso deveria ser uma reunião, então ela parecia estar tentando segurar a risada, mas eu me sentiria melhor se ela risse alto nesse ponto.

— He he hee… Parece que essa série de eventos foi completamente inesperada para você também. — Ela riu.

— É — murmurei. — Sinto como se tivesse usado um camarão como isca para pescar uma brema do mar, mas tivesse pescado um tubarão ao invés disso.

— Tenha certeza de cuidar apropriadamente do que pegou — disse ela.

— Não posso soltar agora… não é? — perguntei.

Maria continuou dando risadinhas por um tempo, mas ela eventualmente retomou uma expressão séria.

— Agora, sobre o que o Estado Papal Ortodoxo Lunariano fez por baixo dos panos…

— Roroa disse que eles te odeiam por ser chamada de santa.

— Isso é verdade — disse ela. — Recebi um pedido para parar de me proclamar santa… aliás, uma queixa formal sobre isso. Mas eu nunca me proclamei uma, então não há nada que eu possa fazer sobre isso.

— É um pouco estranho te pedir para não deixar as massas te chamarem de santa — concordei. — Mas, sendo esse o caso, o Estado Papal Ortodoxo irá continuar sendo um inimigo em potencial do Império. Eles podem tentar entrar em contato conosco, como Roroa sugeriu que fariam.

— Sir Souma… você quer a autoridade que o Estado Papal Ortodoxo pode lhe dar? — Maria me perguntou com um olhar investigativo.

Balancei minha cabeça firmemente.

— Não seja boba. Estou tentando progredir para uma nova era. Não tenho interesse em dar um passo para trás e voltar para uma era da permissão divina para governar. — Nosso país não precisava de um Girolamo Savonarola4Padre dominicano e pregador na Florença renascentista. Ficou conhecido por supostas profecias, pela destruição de objetos de arte e artigos de origem secular e seus apelos de reforma da igreja católica.

Minha rejeição forte à ideia pareceu ter aliviado Maria.

— O Estado Papal Ortodoxo é uma dor de cabeça para o Império. Existem diversos seguidores da Ortodoxia Lunariana no Império e a Declaração da Humanidade é inútil contra uma entidade religiosa. Além disso, tem o risco de que fariam uso da falha que você apontou.

Talvez fosse algo como juntar seus seguidores em um lugar para fazê-los declarar a independência? Uma vez que um grupo de seguidores fosse formado, seria difícil erradicá-los. Religião era algo que crescia o quanto mais tentasse erradicar. A única contra medida seria prender aqueles que pretendessem declarar a independência um por um antes que conseguissem formar um grupo.

A bandeira chamada de Declaração da Humanidade reunia as pessoas pela causa, mas também tinha grandes falhas nela.

— O Império não abandonará sua posição de líder da Declaração da Humanidade? — perguntei.

— Exatamente — disse Maria. — Precisamos nos unir em torno da Declaração da Humanidade. Se é necessário que alguém erga essa bandeira, o Império fará essa função. Até mesmo o Estado Papal Ortodoxo deve entender isso. Se a humanidade for incapaz de lidar com a ameaça invasiva do Domínio do Lorde Demônio por causa de briga interna, tudo terá sido em vão. Não acho que irão tentar algo estranho por enquanto.

— Me pergunto sobre isso… — murmurei.

Eu senti como se esse não fosse um problema que pudéssemos olhar de forma tão otimista. Quanto mais caótica a era, mais a religião mostrava seu verdadeiro valor. Conseguia criar raízes nos corações das pessoas que buscavam salvação. O desespero da sociedade ou a era em que vivessem levariam os corações das pessoas em direção à religião.

Agora, na era em que havia a ameaça do Domínio do Lorde Demônio, algumas pessoas estavam achando que era o fim de tudo. Se o desespero continuasse a se espalhar pela sociedade, o Estado Papal Ortodoxo se alimentaria disso e eventualmente se tornaria uma grande potência. Para parar isso… precisávamos mostrar às pessoas uma luz de esperança.

Precisávamos que as pessoas acreditassem que o mundo não seria destruído, que o amanhã sempre chegaria e que o futuro seria ainda mais incrível que o presente. A fim de alcançar isso…

— Madame Maria.

— Sim? — disse ela.

— Enquanto o seu Império Gran Chaos continuar com o ideal de unir a humanidade, nós do Reino da Friedônia andaremos ao seu lado.

Eu precisava que o Império… que Maria… fosse a luz de esperança para a humanidade. Durante esse tempo, o reino caminharia em direção a uma nova era. Uma em que as pessoas não se desesperariam e que, mesmo que se desesperassem, conseguiriam se recuperar sem depender de deuses.

— Se nossos países se apoiarem, acredito que conseguiremos enfrentar qualquer situação — falei.

— Sim. Que nosso pacto dure para sempre.

Se os olhos dela estivessem sempre focados em seus alto ideais, ela poderia muito bem tropeçar nas pedras em seu caminho.

No entanto, se eu sempre ficasse focado nos detalhes realísticos do chão, eu poderia perder de vista os nossos objetivos.

Era por isso que tínhamos que caminhar juntos.

Nós dois olhamos para a tela e assentimos um para o outro.

Lições Históricas e Idiomáticas de Elfrieden: Número 5

“Usar Camarão como Isca para Pescar Brema do Mar, mas Pescar um Tubarão.”

Tipo: Expressão Idiomática.

Significado: (1) Tentar alcançar grandes resultados com um esforço mínimo, mas ser surpreendido por um desfecho inesperado. (2) Quando algo que, inicialmente, deveria ser uma decepção acaba se tornando uma vantagem surpreendente. (Isso surgiu do fato de que, mesmo que a carne de tubarão não seja muito gostosa, suas nadadeiras são altamente valiosas.)

Origem: Essa frase foi falada pelo Grande Rei Souma, o qual havia tentado anexar somente Van, a capital do Principado da Amidônia, e ficou desapontado quando o resto daquele país empobrecido veio junto. No caso, no significado (2), a barbatana seria a Princesa Roroa.

Sinônimos: “Contar com o tanuki antes dele ser capturado” e “Uma joia jogada aos porcos.”

 


 

Tradução: Jeagles

 

Revisão: Sonny Nascimento

 

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