A cidade central do Ducado Carmine, Landel.
No centro daquela cidade, na sala de reuniões do Castelo Landel, no castelo de residência do Duque Georg Carmine, no exato momento, os três duques que controlavam as forças terrestres, marítimas e aéreas deste país haviam se reunido.
Primeiro, à cabeceira da mesa, estava o lorde do castelo, Georg Carmine.
O homem-fera com cara de leão tinha uma constituição robusta e musculosa que se tornava evidente até mesmo através de seu uniforme militar. Ele tinha a aparência de um guerreiro que resistiu a muitas batalhas. Homens-fera não viviam mais que os humanos, mas mesmo aos cinquenta anos, ele não mostrava sinais de enfraquecimento. Sua presença já bastava para tornar a atmosfera tensa.
Sentada à direita de Georg estava a Almirante da Marinha, Excel Walter.
Vestindo um quimono de estilo semelhante aos usados no Japão, era uma bela mulher serpente marinha com chifres saindo por seus cabelos azuis. Serpentes marinhas eram uma raça que podia viver por mais de mil anos, e ela mesma já havia atingido a idade de mais de quinhentos, mas ainda parecia ter não mais do que vinte e poucos. Porém, ao contrário da sua aparência, seu comando mostrava toda a experiência que advinha com aquela idade.
Sentado à sua frente estava o General da Força Aérea, Castor Vargas.
Ele parecia um jovem galante, mas os dois chifres parecidos com os de um oni1Oni são criaturas da mitologia japonesa. O termo Oni é equivalente ao termo “demônio” ou “ogro”, porque tais podem descrever uma variedade grande das entidades. Onis são criaturas populares da literatura, arte e teatro japonês. que cresciam em seu cabelo vermelho, as asas membranosas que cresciam em suas costas e a cauda de lagarto marcavam-no como um meio-dragão, um dragonato. Tinha quase cem anos, mas como membro de uma raça que vivia até os quinhentos, ainda era tratado como um jovem. Ele também parecia estar de mau humor.
Olhando para os outros dois, Excel suspirou.
— Tive a impressão de que estávamos aqui para evitar um conflito desnecessário.
— O quê? Duquesa Excel, você tem medo daquele filhote? — Castor assumiu um tom agressivo com Excel. — A outrora temida serpente marinha Duquesa Excel envelheceu?
— Ah, eu? E quem foi que tentou seduzir esta vovozinha há cinquenta anos, hein? — perguntou Excel.
— Urkh.
— Além disso, quando você se dirige a mim, não é “Duquesa Excel”, deveria ser “Mãe”, não deveria?
— Certo…
Com essa refutação brincalhona, ela fez Castor murchar.
Excel foi, na verdade, o primeiro amor de Castor. Talvez por não ter sido capaz de esquecê-la mesmo após as magníficas falhas de suas tentativas, quando mais tarde conheceu Accela, a filha dela que tinha uma idade semelhante à sua, apaixonou-se à primeira vista e se casaram. Resumindo, Castor era genro de Excel. Ela não era alguém com quem pudesse discutir e vencer.
— Castor, você ainda pretende se opor ao rei? — perguntou ela.
— É claro! Não me importa se ele é um herói, ou seja lá como o chamem, aquele falso rei usurpou o trono, forçou a Princesa Liscia a um noivado e injustamente tomou o poder deste país! Como eu poderia servir a um sujeito assim?!
— Os únicos que falam isso são os nobres sendo investigados por corrupção — corrigiu ela. — O Rei Albert abdicou em favor do homem que sentiu que seria um bom sucessor por vontade própria. A relação do rei com a Princesa Liscia também é próxima.
— Não sei quanto a isso! Ele pode estar apenas fazendo que pareça assim! Se quisesse mesmo reconstruir este país, poderia ter feito isso como um vassalo! Havia algum problema com o reinado do rei anterior? — vociferou ele.
Excel sabiamente não disse nada.
Não havia problemas nele, mas também não havia pontos positivos, e isso era um problema, pensou, mas dizer isso seria muito desrespeitoso com o rei anterior, então ela se conteve.
Excel achou a velocidade com que Albert abdicou suspeita, mas todos os sinais desde então apontavam para a sua decisão como correta. Ela não lembrava de Albert como um governante que poderia tomar tal decisão, mas isso talvez só significasse que ele havia crescido como pessoa.
— Além disso, nós, os três duques, protegemos este país por muitos anos. Não suporto a forma como ele está nos menosprezando! — disparou o homem. — A carta que ele me enviou assim que recebeu o trono foi “Sirva-me ou não, faça a sua escolha”, sabe?
— Foi “Se cooperar com as minhas reformas, irei fornecer ajuda alimentar e construir estradas para você”… Certo? — perguntou ela.
Os três ducados tinham uma população inferior à da coroa e, como tinham exércitos para abastecer, tinham reservas, de modo que não sentiram toda a gravidade da crise alimentar. Entretanto, quando a crise alimentar chegou, os três ducados usaram as suas reservas e começaram a racionar, então todos os comerciantes que negociavam alimentos faliram devido à falta de demanda. Depois, graças ao aumento do desemprego, as lojas fecharam por não conseguir vender os seus produtos. Então, numa reação em cadeia, aqueles que faziam trabalhos manuais para eles também foram abaixo.
Nesse ponto, Souma superou a crise ao fornecer subsídios apenas aos pobres, não distribuindo mais do que o necessário, incentivando as pessoas a comer coisas que antes não eram comuns e aumentando a capacidade de transporte do país com a construção de estradas. Ao fazer isso, ele conseguiu minimizar o grau de contração da economia. Além disso, dos três ducados, apenas o Ducado Walter tinha rotas comerciais marítimas independentes, e ainda assim mal conseguiu interromper o ciclo de retorno negativo ao vender suas mercadorias em excesso para outros países.
Mas isso é algo que fui capaz de fazer porque meu ducado tem uma cidade portuária, pensou Excel. Nem o Ducado Carmine nem o Ducado Vargas têm rotas de comércio interior. Com seu enorme exército, junto com os nobres em fuga e suas comitivas pessoais para cuidar, o Ducado Carmine deve estar sofrendo com sérios problemas econômicos. Se for esse o caso, por que Georg está tão inflexível ao se opor ao rei?
Enquanto ela pensava nisso, Castor rugiu:
— “Vou alimentá-lo como um animal de estimação, então me obedeça” é basicamente isso que diz! Ele está nos desprezando!
— Se for para o benefício do seu povo… o que mais há para ser feito? — perguntou Excel.
— Não gosto disso! Ele acha que pode nos amansar com qualquer isquinha?!
— Duvido que o rei precise de um mascote com orgulho em excesso — disse Excel.
Castor bateu com as duas mãos na mesa.
— O que há com você hoje…?! É como se estivesse defendendo o rei! Eu sei que você também não gosta dele. É por isso que ignorou os pedidos de ajuda que ele fez!
— Por favor, não aja como se fôssemos iguais — disse ela com aspereza. — O que a raça das serpentes marinhas deve priorizar acima de tudo é a paz e segurança da nossa amada Cidade Lagoon. Se ele me garantir isso, estou preparada para servi-lo.
A raça das serpentes marinhas, liderada por Excel, tinha um sistema de valores único.
Elas sempre pensavam nas necessidades de sua cidade, a Cidade Lagoon, em primeiro lugar. Seus ancestrais viveram em uma ilha no arquipélago Kuzuryu, mas após perder uma luta pelo poder dentro daquelas ilhas, foram expulsos para o mar, tornando-se piratas errantes.
Então, no final de seus longos anos como errantes, seus ancestrais finalmente construíram uma base de operações no que era agora a Cidade Lagoon. As serpentes marinhas protegiam esta terra que por fim conquistaram para si com amor e orgulho. A única razão pela qual participaram da guerra de fundação deste estado multirracial, o Reino Elfrieden, foi para proteger a Cidade Lagoon.
— Se isso for beneficiar a Cidade Lagoon, abanarei o rabo para qualquer um e, se ameaçarem a Cidade Lagoon, irei eliminá-los, não me importa quantos sejam. Este é o orgulho das serpentes marinhas — explicou Excel.
— Hmph, e abanar o rabo é motivo de orgulho? — bufou ele.
— Sim. Luto para proteger as coisas que preciso. Não sou uma criança que fica fazendo birra porque não gostou de alguém. Se isso pode ser resolvido com conversa, não há nada melhor a se fazer. Começar a lutar entre nós agora seria um absurdo, ainda mais quando nossos vizinhos estão de olho em uma oportunidade para nos atacar.
— O Principado da Amidônia, hein…? — murmurou ele.
Estava se referindo ao país que ficava na fronteira oeste de Elfrieden.
Quando se viram vítimas das políticas expansionistas do rei anterior a Albert, o Principado da Amidônia havia perdido quase metade das suas terras. Agora, estavam observando de perto, esperando por qualquer chance de recuperar o território perdido. A Amidônia parecia ansiosa para intervir na disputa entre o Rei Souma e os três duques, já tendo enviado uma carta e dizendo: “Se pretendem depor o falso rei, estamos preparados para enviar tropas de apoio”.
— Fala sério, que bando de cabeçudos — bufou ele. — Suas intenções são tão óbvias.
— Tenho certeza de que também enviaram uma carta ao rei — disse Excel. — E duvido que o rei vá chamá-los, mas eles podem enviar “reforços” do mesmo jeito. Vocês entendem o que quero dizer? Discutirmos agora é tolice.
— Hmph. Certo, então por que simplesmente não vai logo para o lado do rei?
— Há uma série de coisas que quero ver e julgar por mim mesma, e então planejo fazer exatamente isso. Coisas a respeito do rei, e de vocês.
Excel lançou um olhar silencioso para Georg Carmine. Ela foi levada à sala após algumas breves gentilezas e, desde então, ele fechou os olhos e não disse nada. Estava ouvindo Excel e Castor defenderem seus pontos de vista, ou estava pensando em algo? Ela não achava que ele estivesse dormindo, mas… Excel estava começando a ficar irritada com o seu comportamento.
— Georg, no que você está pensando? — vociferou ela.
— O que quer dizer com isso…?
— Minha nossa. Então você estava acordado — disse ela. — Claro que quero saber por que você, o mais patriota e leal a este país, dentre todos nós, está assumindo uma postura hostil ao novo rei.
— Duque Carmine, você também não gosta daquele rei falso, não é? — demandou Castor.
— Eu não estava falando com você, Castor — disse Excel. — Responda, Georg. Deixando a legitimidade de lado, o reinado está sendo estável. Por que você sairia do seu caminho para causar uma turbulência destas?
Com Excel pressionando por respostas, Georg abriu a boca.
— Eu o julguei incapaz de governar este país. Isso é tudo.
— E porque isso? O que te deixa insatisfeito com as suas habilidades, com as quais em breve irá superar a crise alimentar e as dificuldades econômicas que estavam empurrando este país à beira do precipício?
— Para conseguir isso, aquele rei descartou coisas demais sem nem hesitar. — Georg abriu os olhos. Apenas isso já foi o suficiente para tornar a atmosfera local tensa.
Excel e Castor engoliram em seco. Ele era o mais jovem dos presentes, mas, em aparência e mentalidade, era o mais maduro de todos. Esta era a imponente presença do maior guerreiro do país.
— Ouvi dizer que aquele rei foi convocado de outro mundo — disse ele. — Por causa disso, não tem apego às coisas e não hesita em descartá-las. Se considerar qualquer coisa ineficiente, seja a história, tradição, soldados ou vassalos, ele descartará. Estou errado, Duquesa Excel?
— Isso é… — Excel se viu sem palavras. Era verdade, ela podia ver que o reinado do Rei Souma tinha esse lado.
— Vassalos que serviram este país por muitos anos foram abandonados por aquele rei — continuou ele.
— Sim, mas isso porque eram corruptos.
— Você vai continuar dizendo isso, mesmo com eles se rebelando como resultado? Acredito que você mesma acabou de falar que colocar o país em perigo neste momento é loucura. E foi o rei quem semeou as sementes para isso.
— Você diz isso, mas é você quem está protegendo esses nobres — disse ela.
— Aqueles com rancor contra o rei serão úteis para derrotá-lo — respondeu ele. — Claro, não tenho intenção de reintegrar essas pessoas após a guerra.
Excel estremeceu com a forma como os cantos da boca de Georg se ergueram enquanto ele falava essas palavras. Este homem pretende usar os nobres corruptos em uma guerra até a morte?!
Ele derrubaria o rei, mataria os nobres corruptos e, mesmo que não pudesse se livrar de todos eles dessa forma, encontraria alguma desculpa para executá-los após a batalha. Inúmeras razões poderiam ser encontradas para isso.
Então, com a facção do atual rei e os nobres corruptos sumindo da capital, restaria apenas um lote vazio com o qual poderia fazer o que bem entendesse. Ele poderia restabelecer o Rei Albert como o seu fantoche, se fosse o que desejasse. Ou poderia até mesmo se tornar o rei.
Excel se levantou.
— Você enlouqueceu com a ambição pelo trono?!
— E-ei, acalme-se — interviu Castor, tentando suavizar as coisas. — É do Duque Carmine que você está falando. Tenho certeza de que ele não está planejando usurpar o trono, não é?
Georg acenou com a cabeça.
— Claro que não. Assim que o Rei Souma for removido, farei com que o Rei Albert volte a assumir o trono, e então o apoiaremos.
— Não estou convencida… — Excel abaixou a sua postura. Ela estava fingindo calma, mas estava na verdade bastante nervosa.
A situação está pior do que eu imaginei. Este é o pior cenário possível… Talvez precise agir supondo que Georg já tenha laços secretos com a Amidônia. Ugh, se castor soubesse julgar um caráter, poderíamos trabalhar juntos para dominar o Duque Carmine… Excel amaldiçoou o seu genro por sua falta de visão.
Sua filha se casou com a casa dele e desde então deu à luz a seus dois netos. Ela estava preocupada com o que poderia acontecer caso deixasse o Duque Carmine vencer, mas se Excel fosse a única se juntando à facção leal ao Rei Souma e vencesse, como a esposa e crianças do traidor Castor, o que seria de Accela e seus filhos? Segundo as leis deste país, quando um crime grave era cometido, aqueles com até terceiro grau de parentesco eram culpados do mesmo crime. Se ela cortasse laços com a Casa de Castor, a Casa de Walter evitaria essa cadeia de acontecimentos, mas se fizesse isso, Accela e as crianças iriam…
— Castor — disse ela.
— O quê?
— Corte seus laços com Accela, Carl e Carla.
— Está tentando dizer que vamos ser derrotados por aquele filhote?! — gritou ele.
— Isso é para o caso de o pior acontecer. Se você pretende enfrentar o rei, então ao menos esteja preparado para todas as possibilidades.
Excel olhou para Georg, mas seus olhos estavam fechados, como se dissesse que ele não tinha intenção de intervir. Mesmo com ela discutindo o que aconteceria se ele perdesse… Será que isso era uma demonstração de confiança?
Castor, que foi convidado a cortar os laços com sua esposa e filhos, por outro lado, tinha uma expressão preocupada no rosto.
— Accela e Carl, talvez… Mas Carla, não posso.
— Por que não?! — exigiu saber Excel.
— Porque ela nunca vai me escutar…
Naquele momento, as portas da sala de conferências foram abertas.
Pela porta aberta, entrou uma linda jovem. Seu cabelo ruivo flamejante e olhos dourados brilhantes eram bastante distintos. Ela tinha dezesseis ou dezessete anos. Usava uma armadura pesada de cor vermelha metálica, e de suas costas e traseiro saíam as asas e cauda de um dragão.
— Carla… — murmurou Excel.
Era a filha de Castor, Carla.
Ela tinha herdado os traços faciais de Excel e era uma bela jovem, mas ao se tratar de seu temperamento, era o sangue purinho de Castor. No lugar de fazer alguma coisa feminina, juntou-se à unidade da força aérea liderada por seu pai e treinou dia após dia.
Graças ao seu belo rosto, muitas crianças da alta nobreza e da nobreza rural procuravam chamar a sua atenção, mas ela dizia em termos inequívocos que “Nunca aceitarei um homem mais fraco do que eu como marido”.
Na verdade, ela era a segunda mais forte da força aérea, atrás apenas de Castor, e por isso havia facilmente derrotado cada um de seus pretendentes. Como pai, Castor ficava aliviado, mas, também como pai, seus sentimentos eram complicados e ele temia que ela pudesse gastar tempo demais e nunca mais conseguir se casar.
Vendo a aparição de Carla, Excel teve um mau pressentimento a respeito do que aconteceria.
E, conforme esperado, ela disse:
— Vó! Se meu pai decidiu lutar, então também lutarei!
Excel gritou de volta, com uma veia pulsando em sua testa:
— Não, você não deve fazer isso! Quer se tornar uma traidora na sua idade?!
— Não posso perdoá-lo por destituir o Rei Albert e tentar se impor à minha amiga, a Princesa Liscia! — declarou ela. — Vou pessoalmente puni-lo pela insolência!
— Você entendeu mal! — gritou Excel. — O Rei Souma…
— Ah… Não adianta, Mãe. Depois que ela fica assim, a Carla não cede em nada. — Castor encolheu os ombros, resignado.
— Vocês… Sinceramente…
Mesmo enquanto Excel segurava a cabeça, consternada, Georg permaneceu em silêncio.
A capital do Principado da Amidônia, Van.
No território do Principado da Amidônia, que era mais longo no mapa do que largo, esta cidade ao oeste era a capital.
Alguns achavam que era perto demais do Reino Elfrieden para ser uma capital, mas a escolha provavelmente era uma manifestação da determinação ininterrupta de recuperar o território roubado.
No escritório de assuntos governamentais do castelo no centro de Van, um homem de meia-idade com um bigode guidão2 Este tipo de bigode. examinava alguns documentos.
Sua silhueta encapuzada parecia um tanto rechonchuda, mas isso era só por possuir ombros largos. Ele não era obeso de verdade. Aliás, sob sua capa, era extremamente musculoso.
O homem era o Príncipe Gaius VIII da Amidônia.
— Oh ho… — disse ele.
— O que foi, Pai? — questionou um jovem na casa dos vinte anos que estava ao seu lado. Ele tinha um rosto bonito, mas os seus olhos tinham um brilho frio que congelava aqueles que o encaravam. Era o príncipe coroado e provável herdeiro do Principado da Amidônia, Julius Amidônia.
Gaius entregou o documento que estivera lendo para Julius.
— É de Georg Carmine. Parece que ele está pronto para “se mover”.
— Entendo — disse Julius. — Finalmente. Já ouvi falar dos ataques rápidos e severos que ele fazia quando era mais jovem, nunca dando algum tempo para recuperarmos o fôlego. Para alguém com tanta habilidade, é terrivelmente lento para agir.
— Ele está velho, tenho certeza — disse o pai. — Se sua mente ainda estivesse aguçada, jamais aceitaria a nossa oferta.
— Verdade…
Depois que Julius devolveu o documento, Gaius levantou-se.
— Partiremos quando o novo rei declarar guerra. Envie “reforços” para o reino.
— Eh…? Mas para qual lado?
— Qual? Ao lado do rei, diremos que “Estamos com os três duques”, e ao lado dos três duques, diremos que “Estamos com o novo rei”.
— Entendo — disse Julius. — Não temos razão para apoiar nenhum dos lados.
— Heh heh heh. Exatamente.
Gaius e Julius se entreolharam e compartilharam um sorriso sombrio.
Ao lado deles, observava um par de olhos frios.
Pelos céus… Às vezes, simplesmente não sei o que devo fazer com esse velhote e meu irmão idiota.
Os olhos frios pertenciam a uma jovem.
Ela tinha dezesseis ou dezessete anos. Possuía um rosto atraente, assim como o de Julius, mas não o seu ar de crueldade. Como semelhança, seus olhos pequenos e redondos, e seu rosto arredondado, ela tinha a adorabilidade de um bicho de pelúcia inspirado em algum cão-guaxinim3Cão-guaxinim ou tanuki. Veja um clicando aqui.. Seu cabelo estava preso em duas tranças na nuca.
Essa garota, que ficava bem com essas maria-chiquinhas trançadas, era a primeira princesa deste país, Roroa Amidônia. Entretanto, ao contrário das aparências, sua voz interior era de língua afiada (e falava em dialeto mercantil).
Desse jeito este país não vai durar muito. Esses idiotas estão tentando encurtar o pouco tempo restante? pensou ela.
A Amidônia era um país montanhoso. Possuía muito metal como recurso, mas, por outro lado, possuía pouca terra arável, então sempre enfrentava a escassez de alimentos. A crise alimentar em Elfrieden era ruim, mas nada comparada com o que este país enfrentava. Mesmo uma colheita pouco pobre resultaria em pessoas morrendo de fome.
Entendo por que o velhote está tentando conseguir um pouco mais de terra fértil, claro que entendo, mas ele está desperdiçando cada centavo que trabalhei tão duro para conseguir e economizar, jogando tudo no orçamento militar. Roroa cerrou os dentes, frustrada.
Enquanto Roroa era uma princesa, ela também tinha um senso financeiro extraordinário e apoiava as políticas financeiras deste país pelas sombras. Depois de colocar a economia em movimento por meio do comércio com o exterior, limitou as exportações de recursos e incentivou a exportação de produtos, tudo para proteger e desenvolver as suas indústrias. A razão pela qual este país à beira da falência não viu a sua economia entrando em colapso era quase que exclusivamente graças ao senso monetário de Roroa.
Entretanto, Gaius não tinha conseguido usar toda a capacidade de arrecadar dinheiro da sua filha.
Se estivessem usando os fundos que consegui para desenvolver a indústria, poderiam conseguir juntar ainda mais fundos, mas esses idiotas mercenários loucos por guerra e sem senso econômico vão e torram tudo com as forças armadas. O que torna tudo ainda pior é que realmente acreditam que “se fortalecermos os militares, podemos tomar tudo o que precisarmos”. São retardados? O dinheiro deve ser gasto para conseguir mais dinheiro, e esse ciclo que é importante. Se vão ficar só jogando tudo na mesma coisa, então isso é chamado de desperdício! Mas, mesmo se eu gritasse isso no ouvido deles, provavelmente não me escutariam…
— Você também concorda, não é, Roroa? — disse o irmão dela.
— Sim, Irmão. — Quando a conversa de repente pendeu para o seu lado, Roroa respondeu com um enorme sorriso amarelo. Embora, na verdade, não tivesse ouvido nada do que falaram…
O fim deste país deve estar próximo… Ah, como invejo o Reino Elfrieden. Com a grande população, devem ter tantas receitas fiscais para usar e, o melhor de tudo, o rei deles faz o tipo que seria capaz de entender do que eu estou falando. Sinceramente, sinto tanta inveja da carteira do nosso vizinho… Da carteira?
Naquele momento, Roroa percebeu.
Se estou com inveja da carteira do vizinho… Por que simplesmente não junto ela com a minha? O mais legalmente possível… Será que posso fazer isso? É, talvez possa… Nesse caso, posso entrar em contato com o encarregado pela guarda de Nelva…
Roroa começou a formular o seu próprio plano. Alto risco, alto retorno.
Dizem que quando ela embarcou na maior intriga da sua vida, seu sorriso parecia um pouco com o de seu pai e seu irmão.
Na capital do Reino Elfrieden, Parnam…
Eu estava no escritório de assuntos governamentais do Castelo Parnam, ouvindo o relatório final sobre a crise alimentar.
— Como pode ver nos materiais fornecidos, podemos esperar bons resultados da colheita de outono. Além disso, a malha de transporte que você estabeleceu acelerou o movimento de pessoas, e agora as mercadorias se espalharam por todos os lados, sem superabundância ou escassez em qualquer local. Claro, isso também se aplica aos alimentos. A partir desses fatos, acredito que podemos tratar a crise alimentar como, em geral, resolvida.
— É ótimo ouvir isso — falei. — Faz todo o trabalho duro valer a pena.
Foi uma longa estrada, mas eu finalmente podia respirar e relaxar. Como a pessoa que lutou o tempo todo contra esse problema, era um momento especialmente emocionante para mim. Enfim…
— Sim. Com isso, agora podemos avançar com segurança para o próximo estágio — disse Hakuya, sem se importar com o meu momento especial.
O próximo estágio, hein…
— Nós… vamos ter mesmo que fazer isso, não é? — perguntei.
— Acha isso pesado? — perguntou ele.
— Bem, sim. Mas entendo a necessidade nisso…
Sim. Era necessário.
Maquiavel, o teórico político, mencionara isso em O Príncipe.
— Se um príncipe manchar as mãos com crueldades, mesmo em tempos de paz, ele terá dificuldade em manter o estado. Entretanto, alguns tiranos, mesmo após infinitas crueldades, vivem muito e em segurança em seus países, defendendo-se de inimigos externos e nunca sendo vítimas de conspirações de seus próprios cidadãos. Acredito que isso depende de como as crueldades são usadas, bem ou mal.
“As que podem ser chamadas de bem utilizadas são as aplicadas de uma só vez na hora em que é necessária para a segurança. Se, depois, o príncipe não persistir com elas, governando de forma que beneficie o povo da melhor maneira possível, pode até mesmo ser lembrado como um grande governante. Entretanto, aquele que não consegue eliminar a raiz do problema desde cedo, arrastando as coisas e infligindo crueldade contínua, a usa mal.”
Essa passagem era uma das razões pelas quais O Príncipe de Maquiavel foi, por muito tempo, criticado pelos humanistas da igreja Cristã. Entretanto, as crueldades que ele mencionava não se referiam ao massacre das pessoas comuns. Estava falando sobre usar truques para se livrar de forma permanente dos oponentes políticos.
Se puder estabilizar o controle do poder por um ato de crueldade e depois disso governar bem, será uma coisa feliz para o povo. Por outro lado, se passar o tempo todo se preocupando com o que os oponentes políticos pensam e não avançar com nenhuma política válida, não arrancar a raiz do problema de uma só vez, precisando expurgar os traidores várias vezes, perderá a confiança das pessoas.
César Bórgia4César Bórgia, foi um príncipe, cardeal e nobre italiano da Renascença europeia. defendeu Maquiavel como o seu ideal, e massacrou os nobres influentes que o acolheram durante uma festa, garantindo poder absoluto para si mesmo.
Oda Nobunaga5Oda Nobunaga foi um grande daimiô do período Sengoku da história japonesa. Filho de Oda Nobuhide, um guerreiro de menor importância e poucas terras na província de Owari. Nobunaga viveu uma vida de contínuas conquistas militares até conquistar quase todo o Japão, quando foi assassinado em 1582. havia usado muito bem a sua severidade, levando a Família Oda dos daimiôs6Daimiô ou dáimio é um termo genérico que se refere a um poderoso senhor de terras no Japão pré-moderno, que governava a maior parte do país a partir de suas imensas propriedades de terra hereditárias. No termo, “dai” literalmente significa “grande” e “myō” vem de myōden, que significa “terra particular”. rurais para os grandes daimiôs de uma só vez. Entretanto, no final, por Nobunaga persistir com a sua severidade, encurtou a sua própria vida, acabando por morrer diante da traição de um dos seus vassalos.
Em outras palavras, a “crueldade” era como a espada preciosa de um príncipe e poderia cortar qualquer coisa, mas se ele ficasse viciado em seu uso, também era como a espada amaldiçoada que acabaria por destruí-lo.
— Como eu já disse — falei —, considerei o seu plano uma crueldade.
— Sim — concordou ele. — Você também disse que “Se vamos fazer isso, que seja de uma só vez”.
— E você pode fazer assim, suponho eu — mencionei.
— Os preparativos já estão prontos.
— Muito bem…
Eu poderia dizer que era por este país, mas não era tão apegado assim ao lugar.
Eu não tinha uma causa justa, ou mesmo boa. Mas, quando me perguntei por que estava fazendo isso, o rosto de Liscia e das outras de repente me vieram à mente. Aquelas que viviam, sorrindo, neste país: os rostos de Liscia, Aisha, Juna e Tomoe.
Pensei nos laços do meu velho mundo que perdi. Pensei nos laços que havia formado neste novo.
Já pensava nas garotas como a minha família.
“Kazuya, construa uma família. E, uma vez que você a tenha, proteja-a, custe o que custar.”
Eu sei, Vovô… Protegerei a minha família até o fim, não importa o que aconteça pelo caminho.
Para fazer isso, apenas desta vez, me tornarei um rei cruel.
— Agora vamos começar a subjugação.
Tradução: Taipan
Revisão: PcWolf
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