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Calmaria Divina – Vol. 01 – Cap. 05 – Dúvidas

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Arthur, Vale Cinza, Noite.

— Não fui eu.

A porta se abriu e Galileu deu um salto para trás. Um homem-tigre de pelagem branca olhava para nós, especialmente para Galileu, com uma expressão que alternava entre surpresa e curiosidade.

— O que diabos fazem aqui? Sabiam que posso prendê-los por isso?

— Precisamos de mais informações sobre uma missão, urgentemente — Thorian tomou a frente.

— Tão urgente que precisaram vir até aqui, derrubar dois guardas e se rastejar até minha sala? Que missão seria essa?

— Um procurado, Thane — me adiantei.

— Essa não é uma missão financiada pela guilda, tudo o que sei está no cartaz.

O bestial se virou para os soldados, ainda desacordados — Eles vão me perguntar sobre o que aconteceu e eu como responsável não posso deixar que simplesmente saiam daqui, mas como vocês não causaram grandes danos, e por meu respeito a você, Elfo, vou deixar passar com apenas uma multa. 10 moedas de ouro.

Cada um pagou uma parte da quantia e Gilan nos acompanhou até a saída.

— Que isso não se repita — disse logo antes de fechar a porta.

— O que aconteceria se não pagássemos? — perguntei.

— Nossa licença da guilda seria revogada, não poderíamos mais fazer missões. Isso no melhor dos casos. — Galileu respondeu enquanto íamos até a pousada para recuperar os equipamentos de Thorian e Jack.

Um contrato não financiado pela guilda, sem mais informações do contratante.

— Ele nos deixou ir muito fácil.

— Não foi nada fácil para nossos bolsos. — o Elfo respondeu enquanto eu pensava em voz alta.

— Ele provavelmente não queria perder alguém como você, Galileu. Os equipamentos que você pode oferecer são únicos.

Jack apenas ouvia, quando olhei em sua direção, ele me deu um aceno de cabeça, então sua voz soou através de seu capacete.

— Ele estava nos esperando. Sua surpresa parecia forçada, uma fachada familiar que já observei muitas vezes antes. Nada justifica sua presença a essa hora da noite, a menos que ele já soubesse de algo.

Ao chegarmos na pousada tudo estava quieto, algumas pessoas estavam na taverna, mas a chama na lareira já havia se reduzido a brasas. Atravessamos o salão em direção às escadas que levavam aos dormitórios e então nos separamos.

Rolei na cama, sem sono durante o que pareceu uma hora, até que imagens de um sonho começaram a se formar em minha mente escurecida.

Um choque percorreu minha espinha. Me vi no covil dos lobos, aquela pedra em minhas mãos. Outro arrepio me atingiu.

Uma voz desconhecida, mas familiar, inundava meus pensamentos com palavras que eu não podia entender.

Senti um aperto repentino em minha garganta. Thane estava em minha frente, logo antes de eu ser empurrado por Thorn em sua direção.

Mais um choque.

Quando abri meus olhos o sol terminava de nascer.

Me levantei, juntei minhas coisas e saí do quarto.

O quarto de Thorian ficava a algumas portas de distância do meu, então tropecei até lá e comecei a bater.

— Thorian! Tá acordado? Precisamos conversar, todos nós.

 

***

 

Estávamos todos reunidos em meu dormitório, então comecei.

— Sei que está cedo, e não é fácil pensar de barriga vazia, mas eu tenho uma sensação de que temos que ver o Thane hoje a noite.

— Por que exatamente? — Thorian perguntou.

— Eu não sei dizer, mas confiem em mim.

Talvez o que eu vi tenha sido um simples sonho, mas era real demais.

Todos pareceram refletir por um curto tempo, até que Jack quebrou o silêncio.

— Sabemos onde ele vai estar durante a noite. Talvez consigamos algumas respostas melhores.

— Todos nós devemos ir? — ponderou Galileu.

O Golias se remexeu na parede onde estava apoiado.

— Se algo sair errado, não seria bom estarmos divididos.

— Não sou a favor de nos separarmos, mas podemos decidir isso enquanto comemos, a taverna já deve estar aberta.

Enquanto tomávamos nosso café, um jovem entrou no salão com um jornal em mãos.

— Tá aqui o de hoje, chefe. E a guilda mandou colocar um desses em cada mural da cidade.

O garoto correu até o responsável pelo bar e entregou o jornal a ele. O homem o desenrolou e retirou dele outra folha que estava solta. Seus olhos se arregalaram, e ele devolveu o cartaz para o jovem.

— Você pode pendurá-lo ali.

Então o jovem foi até a porta por onde entrou, onde havia um pequeno mural com os valores de estadia e refeições, e pendurou com um grampo o folheto.

“Procurado Vivo ou Morto: Thane

Descrição: Cabelos curtos e escuros, medindo pouco menos de um metro e oitenta. Geralmente veste roupas simples e é facilmente identificado pela presença constante de uma espada grande. Acompanhado por um corvo, é procurado por ações terroristas por toda Vantrol e declarado de extrema periculosidade.

Recompensa: 100 moedas de ouro.”

 

***

 

Quando a noite caiu, todos voltamos até a viela onde ficava a taverna da noite anterior. Os três esperavam lá.

— É uma boa noite, exceto pelas más notícias. Não parecem ter voltado para uma revanche.

— Viemos ouvir o que tem a dizer — comecei, me perguntei se ele sabia que o contratante de missão seria desconhecido, então decidi arriscar — descobrimos algo sobre o financiador de sua recompensa, por isso queremos saber de você o que pretende fazer.

Os outros dois bestiais se mantinham calados, diferente da noite anterior.

— Já que estão falando sobre o contratante, vou começar por aí, mas em um lugar mais privado.

No instante seguinte, nos vimos em uma grande sala, semelhante ao hall de entrada de uma mansão, com uma grande mesa circular no centro. Thane sentou-se em uma cadeira e seus companheiros o seguiram.

Quando todos estavam prontos para a conversa, ele retomou.

— Um grupo está agindo pelas sombras, eles pretendem derrubar o rei de Vantrol. Rumores dizem que ele planeja fazer uma aliança com os anões, por isso muitos estão insatisfeitos. Nós fazemos parte de uma organização aliada ao Rei, e estamos caçando esse grupo. Por isso eles colocaram um prêmio pela minha cabeça, mas recentemente descobri algo sobre o plano deles e acredito que isso não vá ficar barato para mim, as 100 moedas são um simples começo. Existe uma arma que eles buscam, uma que está dividida em partes, uma ferramenta com consequências catastróficas caso caia em mãos erradas. Por isso busco alguém para me auxiliar nessa busca. Vocês apresentam potencial e não tem alvos nas costas, por isso seriam de grande ajuda.

Se isso for verdade, é algo grande. Algo em que não devemos nos intrometer, então…

Meu pensamento foi interrompido por uma sensação, uma presença como a que senti ao tocar aquela pedra no covil dos lobos. Como um choque

— Que tipo de coisa teríamos que encontrar? — perguntei, meus companheiros olharam para mim, Thorian tinha uma expressão incerta estampada no rosto, Galileu deixava sua curiosidade escapar — não só pela minha iniciativa, mas aparentemente pela arma. Eu quase podia ouvir sua mente trabalhando —, Jack usava seu capacete e se mantinha em silêncio, então não sabia dizer o que estava pensando.

Senti um nó na garganta quando Thane mostrou uma pedra como a que encontrei no covil dos lobos. A gravura era diferente, mas era com certeza semelhante à outra.

O homem pareceu notar meus olhos pregados no artefato

— Individualmente elas não são perigosas, mas não podemos deixar que os inimigos obtenham todas, ou não será somente o Rei que estará em perigo. Se aceitarem nos ajudar, forneceremos informações e cobriremos as despesas que forem necessárias, além de uma compensação sempre que conseguirem um novo fragmento.

— Podem nos dar um tempo para pensar? — Jack disse, se apoiando na mesa para se levantar — Por agora precisamos discutir sobre isso.

— Mas é claro — Thane levava uma das mãos ao seu bolso lateral, retirando uma espécie de amuleto no formato de uma tocha que cabia na palma da mão e o colocando no centro da mesa. — quando decidirem, e sempre que precisarem, toquem nesse símbolo e me chamem que eu irei até vocês.

Peguei o amuleto, tanto por curiosidade de observá-lo com cuidado, quanto por vontade de deixar esse lugar.

— Aguardo sua resposta, imagino que sejam inteligentes o suficiente para saber que não é seguro passar as informações que descobriram aqui para qualquer um.

Assim como aparecemos naquela sala, ou ela apareceu em volta de nós, ressurgimos na viela que levava até o bar.

— Eu preciso de uma bebida, uma boa — suspirou Galileu — e um bom alaúde.

Deixamos o local, sem sinal de Thane ou dos outros e fomos em direção à taverna.

Assim que entramos, podíamos ouvir Sanir cantando alguma coisa, mas eu não me preocupei em prestar atenção.

A conversa se seguiu com perguntas e opiniões sobre o suposto grupo terrorista, os riscos ao Rei e ao reino, e principalmente sobre a proposta. Parecia que a cada vez que tentávamos chegar a uma resposta, mais dúvidas surgiam. Até que nossa conversa foi interrompida por uma senhora que se aproximava batendo sua bengala no chão. Ela olhava para Galileu quando ofereceu-lhe um pedaço de pergaminho que tirou de seu bolso.

— Senhor, essa chegou ao entardecer.

— Muito obrigado — respondeu, removendo a cera do pergaminho.

Seus olhos se arregalaram e um sorriso ameaçou surgir em seus lábios, mas logo se fechou.

— Eu sinto muito, mas não poderei seguir viagem com vocês, é chegada minha hora de retornar para casa. Um assunto de urgência máxima requer minha atenção, mas pretendo reunir informações sobre nosso atual problema enquanto estiver fora. Assim que possível, encontrarei vocês. Partirei de imediato.

Suas grandes sobrancelhas esvoaçavam enquanto se levantava e corria até a porta da taverna.

Assim que eu abria a boca para questioná-lo — pude ver que meus companheiros estavam prestes a fazer o mesmo —, me senti tonto.

Minha mente e visão ficaram turvas.

O alaúde não tocava mais. O som de copos se quebrando estavam abafados.

Não consigo respirar.

Todos pareciam estar sendo sufocados, assim como eu. Cambaleei até a saída da taverna. Os outros me seguiram.

Procurei pela fonte de tal presença esmagadora que parecia espremer meu peito e garganta.

Um grande olho brilhava no céu. Um olho roxo e triangular.

Um monstro?

A morte?

Quando o mundo girou eu percebi, centenas, senão milhares de destinos estavam selados.

Um estrondo percorreu toda Vale Cinza.

 

 Sanir Galho-Negro, Vale Cinza, ao mesmo tempo.

— “…e mais uma caneca!”, gritava o bêbado, antes de se afogar em… em… em… Fodeu.

A letra da canção escapou da minha mente ao mesmo tempo em que minhas mãos tremiam segurando o alaúde, que não ousava emitir uma única nota.

As pessoas que ainda se mantinham em pé estavam nitidamente em pânico enquanto corriam para a saída ou tentavam se esconder.

Esse poder é insano, a cidade inteira tá sentindo isso.

Vi o grupo de antes indo lentamente para fora, enquanto Arthur olhava para o céu noturno.

Segurei firme em meu alaúde e tropecei até eles. Fiquei paralisado ao ver o olho acima de nós. Uma última onda de adrenalina percorreu meu corpo enquanto olhava para meu belo instrumento feito à mão.

Eu já tinha aceitado meu fim quando meu estômago se revirou e o chão abaixo de nós desabou.

Essa sensação de novo não, qualquer coisa menos isso.

 


 

Autor: Halt

Revisão: Bravo

 

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