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Bruxa Errante, a Jornada de Elaina – Vol. 4 – Cap. 10 – O Regresso Esquecido de Amnésia

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Uma nuvem tênue flutuando pelo ar parecia seguir a estrada enquanto parecia rastejar pelo solo abaixo. O caminho estava cercado por um prado coberto de flores silvestres, com uma brisa fresca soprando através de tudo, fazendo as flores balançarem à medida que passávamos. Bem longe, podíamos ver um pequeno rio fluindo no mesmo ritmo relaxado que nós. A cena era permeada pelo barulho da água.

— …Isso é tão bom!

Senti uma cabeça tocando no meu ombro. Amnésia estava aninhada contra mim, confortavelmente fechando os olhos.

— Não vá cair no sono, viu? — respondi, voltando a olhar para a frente. — Acho que já estamos chegando.

Mais adiante na estrada estava uma cidade cercada por uma muralha. A Cidade Santa. De alguma forma, entendi que era isso mesmo.

CIDADE SANTA , ESTO, À FRENTE.

……

Com isso quero dizer, estava escrito bem ali. Em uma placa.

— Hm, seu cabelo está me incomodando… — murmurou Amnésia ao meu ouvido. Meu cabelo acinzentado e seus cachos brancos estavam entrelaçados, e alguns dos meus fios roçavam a ponta do seu nariz. Com os olhos ainda fechados, ela franziu o rosto graças à coceira e, por fim, espirrou. — Ah… atchim!

— Espero que você não esteja resfriada.

— Acho que não… — disse ela, deixando um suspiro escapar enquanto falava. — Quanto tempo acha que levaremos para chegar?

— Não mais do que uma hora, acho.

— Huh…

— …Está nervosa?

Afinal, estaríamos logo chegando à sua cidade natal.

— Hmm… não sei. Não acho que estejamos enganadas, a Cidade Santa é a minha casa, mas realmente não… Meio que sinto que conseguimos, sabe? Estou surpresa por estar tão indiferente. — E ela então disse: — Mas eu me sinto diferente em relação a você, Elaina.

— …? A mim?

Ela encostou a cabeça no meu ombro.

— Te conheci só nesta manhã, mas… mas, como posso dizer? Isso é estranho? Sinto que quero que este momento dure para sempre.

— ……

— Nem eu entendo os meus sentimentos. Mas uma parte de mim deseja que nunca cheguemos à cidade…

— Já chega — falei, interrompendo. — Quando suas memórias voltarem, você ficará terrivelmente envergonhada.

— …… — Depois de ficar em silêncio por um momento, ela riu. — Você deve ter razão.

— …Sim.

Não é como se eu não estivesse me afogando nos meus sentimentos a respeito do fim da nossa jornada, sabe…

Minha vassoura estava flutuando ali acima da estrada enquanto a brisa soprava por nós. Não era só para balançar Amnésia para ela dormir, nem para atormentá-la com o que estava por vir.

Nós duas provavelmente estávamos nutrindo as mesmas emoções.

Mesmo assim, a vassoura precisava avançar.

Tínhamos que continuar na mesma estrada, seguindo em direção à Cidade Santa.

A Cidade Santa era uma grande cidade cercada por uma enorme muralha externa. O portão, entretanto, era bem pequeno, uma coisinha largada que parecia permitir a passagem de uma carruagem de cada vez, e isso na melhor das hipóteses. Pensei que ele parecia bem gasto. Era tão pequeno que eu não conseguia ver de longe e mesmo de perto, era difícil acreditar no que estava vendo.

Ficamos na frente daquele portão.

— Com licença!

Amnésia bateu nele – toc, toc!

Alguns momentos passaram até que as portas de madeira fossem abertas de um jeito bem instável.

— ……

A pessoa que saiu era, obviamente, uma maga. Usava um capuz puxado sobre a cabeça, mas não disse nada. Só ficou lá, imóvel.

— …Hmm, me chamo Amnésia. Sou deste país, e… — Ela voltou a olhar para a pessoa.

— ……

Parando para pensar nisso, na verdade não tínhamos qualquer prova de que Amnésia era desta cidade. Ela sequer se lembrava da sua própria vida. Era possível que fosse tudo um simples mal-entendido e que ela não tivesse qualquer tipo de conexão com o lugar.

A apreensão pairou sobre nós junto com o silêncio.

— Quem é a bruxa com você? — A pessoa parada diante de nós estava olhando para mim. — Você é a companheira de viagem da Amnésia?

Ah, essa pessoa parece ter uma boca.

Após uma pausa momentânea, balancei a cabeça.

— Sim.

— Sério?

— Sim.

— …Pois bem, você pode entrar. Permita-me dar as boas-vindas à nossa cidade.

A pessoa afastou-se do portão, embora parecesse que o movimento fosse direcionado a mim e a mais ninguém. Não houve qualquer reconhecimento para a parte de Amnésia.

Havia algo de estranho nisso.

— …Hm.

— Madame Bruxa. Gostaríamos de te agradecer. Faça a gentileza de ir direto para o palácio.

— Agradecer exatamente pelo que…? É…?

Fiquei perplexa e troquei um olhar com Amnésia, cujos olhos estavam arregalados. Ela estava claramente tão confusa quanto eu.

— Gostaríamos de agradecer por trazer esta criminosa até nós — disse a pessoa antes de apontar uma varinha para Amnésia.

Era um feitiço de amarração. Fios de luz branco-azulada saíram da varinha como se fossem cobras, circundando a garota.

— Huh…! Mas o… o que você está fazendo?! Calma aí…

Ignorando os protestos da perplexa Amnésia, a pessoa usuária de magia puxou as restrições branco-azuladas com força, prendendo-a por completo.

Depois, puxou a varinha e a forçou a se ajoelhar. Amnésia ergueu os olhos, assustada, enquanto era encarada por quem a capturou.

— Fugitiva Amnésia, estou prendendo você.

Fomos até o palácio, mas parecia não haver qualquer monarca por lá. Não havia qualquer monarquia neste país.

Assim que cheguei, fui conduzida a uma sala nos recessos mais profundos do edifício. Havia mesas em formato de leque alinhadas e um palanque, nada mais. Ali estavam vários adultos vestindo robes, tantos que eu não conseguia contar quantos eram.

De uma forma ou de outra, entendi que este era um lugar onde aconteciam sérias discussões.

A pessoa no palanque olhou para mim com indiferença.

— Bem-vinda à Cidade Santa. Seu nome é?

— Me chamo Elaina, a Bruxa Cinzenta. Sou uma bruxa — respondi também com algum distanciamento, olhando para todos.

Surgiram vagos murmúrios de admiração.

— Você é tão jovem — comentou a pessoa ao palanque, não parecendo muito interessada. — Quando foi que se tornou bruxa?

Pelo que pude ver, essa mulher indiferente era a única outra bruxa presente.

— Três ou quatro anos atrás — respondi.

— …Quantos anos você tem?

— Dezoito.

— …Tão jovem.

Parecendo cada vez menos interessada, ela semicerrou os olhos. Mesmo que ela não fosse tão jovem quanto eu, ainda parecia bem jovem, embora pudesse já ter deixado seu auge para trás.

Embora usasse um vestido vermelho, algo pouco característico a um mago, em seu peito estava um broche em forma de estrela, igual ao meu.

Nesta cidade, parecia que usar robe e chapéu pontudo não estava na moda. Não havia uma única pessoa presente que estivesse usando um chapéu semelhante ao meu.

Suponho que não há necessidade de se vestir como mago quando todos os moradores também são.

— Ficamos gratos por trazer aquele monstro — acrescentou a bruxa.

— ……

— Está curiosa para saber por que ela está sendo tratada como uma criminosa?

— Está tão óbvio?

Ela balançou a cabeça.

— Todos os companheiros de viagem do monstro têm a mesma preocupação. Assim como você neste momento.

— ……

— Mas depois que ouvem a situação, todos passam a desprezá-la. Passam a odiá-la do fundo de seus corações. Quando deixam este país, ficam felizes por esquecer tudo sobre o lugar, principalmente sobre ela. Imagine ter que possuir memórias horríveis de uma jornada com uma terrível criminosa pelo resto da vida. Isso não te assombra?

— …… — Não ofereci afirmação nem negação. — O que diabos ela fez?

Eu só queria confirmar a verdade.

Ela já devia esperar pela resposta, já que a bruxa apertou os lábios e sorriu um pouco.

— Quanto a isso… acho melhor que você faça suas próprias pesquisas. Assim será mais fácil processar tudo, em vez de tentar ouvir nossas explicações. Você verá por si mesma as más ações cometidas por aquela mulher.

— Então está dizendo que não vai se dar ao trabalho de me explicar?

— Não precisa se irritar comigo… Não é este o caso. Se fôssemos explicar, você duvidaria de nós. Iria se perguntar se ela não está sendo falsamente acusada dos crimes e se não estamos apenas a incriminando, entende. Você parece ser o tipo de pessoa que faz isso — disse a bruxa.

— …Como você pode ter tanta certeza?

— Simplesmente sei. — A bruxa acenou com a cabeça. — Eu, pelo menos, sei sobre todos os companheiros que a criminosa teve em suas viagens até aqui. É por isso que é melhor que você investigue por conta própria do que ouça de nós.

Entendi.

— Então… está dizendo que assim que eu souber sobre o crime dela, vou desprezá-la de todo o coração? Que vou detestá-la, assim como seus companheiros anteriores?

— Sim. Suponho que sim. Especialmente porque o crime dela é tão grave que nunca poderá ser perdoado. Aposto que está pensando que isso não pode ser verdade.

 A bruxa encolheu os ombros em resignação.

Então, disse:

— Bem, estamos profundamente gratos por você trazer aquela mulher de volta. E não esqueça: Você é como uma heroína para a nossa cidade, já que trouxe aquele monstro de volta. E, assim, como sinal de nossa gratidão, permita-nos oferecer um quarto e uma refeição de primeira classe.

Balancei um pouco a cabeça.

— Fico grata por isso.

Não era como se estivesse feliz com isso.

Afinal, eu iria esquecer de tudo no mesmo instante em que partisse. Não lembraria de nada.

E se passasse a desprezar ou odiar qualquer coisa – ou pessoa – bem, isso também seria esquecido.

A cidade cercada pela muralha era espaçosa, mas alguém dificilmente saberia que todos os residentes eram magos só por bater o olho.

Os prédios aninhados perto da estrada eram altos, todos pintados de uma cor branco-pura. Quando perguntei, descobri que os edifícios ficavam amarelos à noite, só para dar um ar de misticismo à cidade… ou algo do tipo. O homem mais velho em uma barraca à beira da estrada onde comprei pão ficou bastante entusiasmado ao compartilhar detalhes sobre a sua cidade.

Tangencialmente, também disse algo como:

— Foi você quem trouxe aquele monstro, Amnésia. Ah, obrigado! Vou te dar esse pão de graça! É o mínimo que posso fazer para agradecer por fazer sua parte na execução dela.

Sem aceitar meu dinheiro, ele pressionou o pão que eu queria comprar em minhas mãos. Imaginei exatamente quando foi que ele descobriu que fui eu quem trouxe Amnésia.

— ……

Desconcertada com a sua gratidão, perdi o apetite.

Depois de caminhar um pouco, senti olhares direcionados a mim, como se estivesse sendo observada por alguém ou visada por algo. Quando me virei para olhar, uma cidade em tumulto apresentou-se diante de mim. As pessoas chegavam para me agradecer ou mantinham distância e diziam a quem estava ao lado: “Foi essa bruxa que trouxe a Amnésia”, ou então só me lançavam olhares de inveja. Parecia que todos os olhos estavam em minha direção.

— ……

Não pude evitar, acabei sentindo que isso era um tanto quanto conspícuo, e não no bom sentido.

Passeei um pouco pela cidade antes de avistar uma loja de cristais. Todos os tipos de pedras, grandes e pequenas, estavam alinhadas na vitrine que dava para a rua.

— Olá, pessoal. Hoje, tenho boas notícias.

Todos os cristais estavam, claro, exibindo a mesma cena. A bruxa que me cumprimentou mais cedo no palácio estava do outro lado da reprodução, gesticulando grandiosamente e com uma expressão alegre enquanto dava algum tipo de discurso.

— Imagino que todos estejam cientes que uma grande criminosa finalmente retornou a esta cidade.

— Hm, o que é isso?

Os residentes que me observavam de longe se moveram quase rápido demais, formando um círculo ao meu redor.

— Ah, Senhorita Bruxa, está curiosa a respeito dessas pedras?

— Chamamos isso de cristais-espelho. Ou seja, podem exibir imagens e sons distantes, igual um espelho!

— Incrível, hein? Esta tecnologia mágica é o nosso maior orgulho e alegria.

— Outros lugares não conseguem fazer algo tão bom assim!

— Aham… é mesmo…? — perguntei.

— Os cidadãos transferem um pouco de energia mágica para o país todos os meses, tudo para manter as coisas funcionando.

— Bem, é como se pagássemos energia mágica no lugar de impostos.

— Fazemos isso e, em troca, recebemos uma tecnologia incrível!

— Isso não é sensacional?

— Será que os outros países têm coisas assim?

— Claro que não, babaca.

— Uh, já chega — falei em seguida.

— A propósito, a bruxa falando do outro lado dos cristais é a Bruxa Rosa, Elimia.

— Ela é a nossa única bruxa.

— Os poderes dela são completamente incríveis!

— A criação dos cristais-espelho também é uma das grandes conquistas dela!

— Ninguém sabe qual é a idade dela. E ela está trabalhando a serviço da cidade há muito tempo. De qualquer forma, é uma bruxa incrível, e…

— Eu disse que já chega. Que persistente.

Mesmo quando os afastei, os moradores da cidade continuaram tagarelando.

Qual é o problema deles? Vão morrer se pararem de falar? Tagarelas estúpidos.

Fiquei tentada a colocá-los em seus devidos lugares, mas o povo excessivamente falante da cidade estava me dizendo muita coisa que eu queria saber.

— Quanto à mulher que você trouxe… Amnésia.

— Ela matou as bruxas desta cidade. Todas elas, exceto por Lady Elimia.

— Além disso, veja só, ela foi a causa de uma crise em outro país, usando o veneno dela.

— Ela merece ser executada! Precisamos de justiça!

— Mas, de qualquer forma, quanto a maravilhosa Lady Elimia… Ela capturou a fugitiva e…

E assim por diante.

Eu tinha ouvido muita coisa que seria difícil de acreditar, tudo direto da boca dos cidadãos – mas, apesar do que diziam, eu simplesmente não conseguia imaginar a Amnésia que eu conhecia fazendo essas coisas.

Determinamos a data e hora da execução de Amnésia — anunciou a Bruxa Rosa, Elimia, brilhando nos cristais-espelhos da loja. — Amanhã de manhã, aquela mulher será decapitada na praça em frente ao palácio. Todos os cidadãos devem comparecer, então certifiquem-se de não se ausentar.

A multidão ao meu redor explodiu em aplausos.

Como se soubesse que eu estava ali, Elimia acrescentou algumas outras palavras:

É claro, todos os não-cidadãos também são incentivados a comparecer.

Em seguida, as projeções sumiram e os cristais tornaram-se espelhos comuns.

Deixada apenas com meu reflexo, fiquei lá, minha expressão atordoada.

Qual era o melhor lugar para investigar alguma coisa?

Isso mesmo. A biblioteca.

— …Vamos.

Assim que Elimia terminou de falar através dos cristais-espelho, perguntei aos habitantes locais onde ficava a biblioteca e na mesma hora segui naquela direção.

A instituição parecia ter sido bem construída. Era cavernosa, com uma enorme escada em espiral que girava e girava conforme se estendia em direção ao teto alto, e as fileiras de estantes pareciam não acabar nunca.

Porém, eu não estava no lugar para visitar aquelas pilhas bem organizadas.

— Por favor, mostre-me os arquivos dos jornais. Quero ver cada um deles.

Eu estava ali para fazer uma investigação. Não foi necessária qualquer explicação adicional.

Fiz meu pedido à bibliotecária, que rapidamente separou as edições anteriores do jornal, datando de cerca de um ano.

— Obrigada — falei e fiz uma reverência superficial, então me sentei em uma cadeira que estava por perto.

— ……

Examinei cada uma das páginas, procurando qualquer coisa relacionada à minha investigação – procurando por qualquer coisa que parecesse estar conectada ao que quer que tivesse tomado a memória de Amnésia.

Começou tudo há pouco mais de um ano.

Uma a uma, quatro das cinco bruxas da cidade desapareceram. A única que sobrou, a Bruxa Rosa, Elimia, havia proclamado que isso era “traição contra a Cidade Santa!” e desesperadamente procurou pelo responsável. A Ordem dos Cavaleiros Sagrados, responsável pela segurança pública, juntou forças com Elimia e, juntos, caçaram o criminoso que matou as estimadas bruxas.

Entretanto, não encontraram pistas, muito menos prenderam qualquer suspeito.

Por que elas desapareceram? Por que seus restos mortais não foram encontrados? As descobertas, conforme a investigação continuava, levava apenas a mais questões, e tudo parecia conduzir ao palácio.

A cortina parecia estar prestes a fechar, o caso ficando sem solução. Do jeito que as coisas estavam, parecia que os espíritos das quatro bruxas assassinadas jamais alcançariam a paz. Tanto a bruxa Elimia quanto os Cavaleiros Sagrados estavam ficando impacientes.

Foi então que aconteceu: a Bruxa Elimia pegou a pessoa culpada.

A criminosa que matou as quatro bruxas fazia parte dos Cavaleiros Sagrados, uma garota chamada Amnésia.

Ela era uma cabeça-dura que mal conseguia usar magia, apesar de pertencer à Ordem dos Cavaleiros Sagrados. Ela era uma parasita. Não conseguia nem voar em uma vassoura. A garota tinha um complexo de inferioridade que a levou a atos de brutalidade, assassinando as bruxas e roubando a energia mágica delas – supostamente.

Elimia fez a seguinte declaração ao jornal:

“Nesta cidade, temos um sistema no qual pagamos energia mágica no lugar de impostos para o uso do governo, certo? Fui eu quem formulou esse sistema, mas… um dia, como parte da minha investigação, estava trabalhando ao lado de Amnésia quando a vi usando um pouco de magia. Ela me disse que estava praticando, mas todo mundo sabe como é difícil melhorar a magia com apenas um ou dois dias de treinamento. Quando vi aquilo, percebi que ela havia adotado um sistema que copiava o meu. Parecia, de alguma forma, que havia roubado a energia mágica das bruxas e as assassinado.”

Poderia dizer que Amnésia sempre teve dificuldades em seus relacionamentos.

Sem um bom manuseio de magia, era evitada até pelos seus próprios pais. Ela ainda não tinha alcançado a maioridade quando foi expulsa de casa. Ela não tinha muita gente para considerar amiga e sempre trabalhava sozinha.

Ela não podia usar magia, mas sua habilidade com a espada lhe rendeu algum reconhecimento, e por isso foi admitida na Ordem dos Cavaleiros Sagrados. Entretanto, mesmo entre a ordem, era considerada pouco mais do que um incômodo. E, para piorar, ela foi rapidamente ultrapassada por sua irmã mais nova, que entrou na Ordem depois dela, e acabou sendo designada a trabalhar como subordinada dela.

Com isso, devia ter desenvolvido algum complexo de inferioridade.

Os restos mortais das quatro bruxas foram encontrados por Elimia, a Bruxa Rosa. Seus cadáveres foram cortados em pedaços, e o formato das feridas batia com a espada de Amnésia.

E esse não foi seu único crime.

Quando Amnésia desenvolveu sua versão do sistema que Elimia criou para sugar energia mágica, um subproduto tóxico foi despejado no sistema de esgoto subterrâneo. Essa poluição devastou o meio ambiente de uma terra vizinha, e Amnésia foi responsabilizada por isso.

O assassinato de quatro bruxas. E a propagação da poluição mágica.

Os crimes de Amnésia eram graves.

O Conselho Superior de Esto levou o assunto muito a sério, e Amnésia foi condenada a um “regresso esquecido”.

Era uma sentença dada apenas aos piores criminosos.

Minha pesquisa revelou a natureza da punição – o condenado era amaldiçoado a perder a memória todos os dias e depois era exilado da cidade. Mas isso não era tudo.

O que faria o exilado, levado para o mundo exterior, incapaz de lembrar até mesmo do próprio nome? As pessoas desse lugar sabiam muito bem.

Primeiro, o condenado sairia em busca de pistas sobre sua identidade. Contando com as roupas que vestia e com tudo o mais que possuía, tentaria saber de onde era e para onde deveria ir.

Então, em busca de sua cidade natal, o condenado começava a caminhar.

Poderia demorar um mês. Poderia demorar dois meses. Talvez até um ano. Mas com certeza retornaria. Voltaria enquanto se encontrava e se separava de outras pessoas e de si mesmo, de novo e de novo, diariamente.

A maldição acabaria assim que o condenado voltasse à cidade, bem a tempo da sua execução. Recuperaria suas memórias no caminho para o bloco de decapitação.

Que tipo de memória o condenado teria do tempo que passou fora? Muitos provavelmente tratariam o amnésico com gentileza. Não aconteciam muitos distúrbios de ordem pública na região, então os cidadãos o receberiam calorosamente em suas casas. Devia haver pessoas preocupadas com esses criminosos que viajavam sem lembranças.

Mesmo que o motivo para sua perda de memória não fosse claro, caminharia pelo mundo exterior com um aperto no coração. No final, as memórias felizes só seriam reveladas enquanto estivessem a caminho do bloco de decapitação.

Lá, o condenado morreria, sufocando de pesar e desespero.

Essa era a sentença de um retorno esquecido.

A mesma sentença que seria dada à Amnésia na manhã seguinte.

— ……

Quando terminei de ler até esse ponto, senti olhos mais uma vez em mim.

Disfarçadamente espiei os jornais e pilhas de materiais complementares sobre as políticas de execução da Cidade Santa. Desta vez, não havia ninguém por perto, ao contrário de quando estive na cidade.

Não há razão para sentir o olhar de alguém, mas…

— …Hmm?

Espera aí. Há um tipo de caixa.

Havia uma caixa entre as estantes, exatamente do tamanho certo para que uma pessoa se enfiasse dentro.

— …O que é isso?

Era muito suspeita.

Pensando bem, não lembrava de haver nada parecido na cidade. Se estivesse no meio da rua não passaria de uma simples caixa, e eu não levantaria suspeitas, mas estava em uma biblioteca, sabe? Por qual motivo? Para servir de banquinho?

— …… — Levantei, me agachei diante daquilo e fiquei encarando.

— ……Gh! — A caixa sacudiu e rangeu.

Isso não é um banquinho.

— Hm, o que você está fazendo?

— ……

— Estou falando com você. Está me ouvindo?

Toc, toc. Bati em cima da caixa.

— …… — Houve um silêncio. — Ah, não se importe comigo.

Ah, então consegue falar.

— O que você está fazendo?

— Não se importe comigo. Isso é, hm… meu hobby?

Então, por que terminou com um ponto de interrogação? Enfim…

— Que tipo de hobby requer que você fique dentro de uma caixa?

— Isso… hm… é meu hobby de seguir bruxas e, assim sendo, acho que…?

— Como é que é? — Quer dizer que gosta de perseguir os outros?

Fiquei chocada e a garota dentro da caixa continuou:

— Você é Elaina, a Bruxa Cinzenta. É a pessoa responsável por trazer a condenada para cá.

— …Você sabe das coisas. — Imaginei que ela tivesse descoberto sobre mim pelos cristais-espelho.

— Só porque estou te seguindo desde que você chegou nesta cidade.

— Você é uma perseguidora?

— Não! — A pessoa caixa parecia zangada. — Eu estava tentando decidir se posso confiar em você.

— Uhum. — Eu já tinha decidido que essa pessoa caixa não era o tipo de pessoa em quem poderia confiar. — E? O que acha? Minha humilde pessoa é digna de sua confiança? Não que eu me importe.

Falei as coisas que eu tinha para falar e pedi para não me incomodar mais. Depois me levantei.

— Espera, por favor!

A pessoa também se levantou. Parecia que era um par de pernas vestindo uma saia feita de caixa. Uma visão bem peculiar.

— Você não acha que as acusações contra Amnésia parecem um pouco suspeitas? Não é por isso que está investigando?

Mesmo que o rosto da garota estivesse escondido por uma caixa, sua voz estava desesperada o suficiente para que eu pudesse facilmente dizer o quão sombria devia estar a sua feição.

— …… — Eu estava prestes a voltar para o meu lugar, mas parei e respondi. — Mas e daí?

— Você gostaria de… colaborar comigo?

— …Hm, antes disso, quem é você?

Era uma pergunta simples e clara.

Como espera que eu confie em alguém antes mesmo de ver seu rosto? Especialmente quando esse alguém acabou de admitir que está me perseguindo?

— Ah, d-desculpa! Eu devia ter dito antes! — gaguejou a garota, jogando a caixa de lado e revelando longos e macios cabelos brancos. Havia uma fita enrolada nele.

A julgar por sua feição jovial, imaginei que era cerca de um ou dois anos mais nova do que eu.

Olhando melhor, notei que estava trajando um robe branco e vestida da mesma forma que Amnésia.

Algo em seu rosto também me lembrava a outra garota. Seriam idênticas se cortasse o seu cabelo e trocasse a fita por uma tiara.

— Você é…

Ela balançou a cabeça.

— Meu nome é Avelia.

Quando a caixa caiu com um baque oco, acrescentou:

— Amnésia é minha irmã mais velha.

Depois disso, fui à casa de Avelia a seu convite.

Ela, por algum motivo, continuou usando a caixa. Ou seja, eu estava seguindo uma caixa ambulante. Notei que estava fazendo parte de uma cena ridícula enquanto caminhávamos pela cidade. De acordo com Avelia, “Todo tipo de coisa ruim acontecerá se descobrirem que nos encontramos, Elaina”, e por isso ela não se livrou do disfarce.

Não acha que se esconder em uma caixa só deixará tudo pior? Você está chamando muita atenção.

— Está tudo bem. Desse jeito as pessoas só verão uma caixa em movimento.

Sério?

— Ah, se não é a doce Avelia.

— O que você está fazendo hoje, já que vestiu sua caixa? Seguindo alguém, suponho?

— Você com certeza trabalha duro!

— Essa ao seu lado é a Bruxa Cinzenta?

— O que diabos aconteceu?

— ……

fomos descobertas.

Isso significa que você sempre usa a caixa? Você é burra?

— Carambaaaa! — Ela, frustrada, jogou a caixa de lado enquanto caminhávamos pela cidade.

A garota respondeu ao povo da cidade, dizendo:

— Estou levando Elaina à minha casa para perguntar os detalhes sobre como foi trazer minha irmã condenada! Não há motivo para se preocupar!

— ……

Sério?

Logo chegamos à casa dela. Pelo visto, os Cavaleiros Sagrados, ou o que quer que fossem, recebiam uma boa grana. Sua casa era luxuosa.

— Não ligue para a bagunça.

Na espaçosa sala havia tantos livros e documentos, artigos e papéis, além de todo tipo de outra coisa, que não havia lugar para ficar. Estava cheia de todos os tipos de coisas, todas relacionadas ao seu trabalho. De certa forma, era uma sala privada que parecia inabitada. O enorme cômodo estava uma completa bagunça.

Depois de olhar em volta, a encarei.

— Hm, onde devo sentar?

— Bem ali.

— ……

Ali onde…?

Depois de um momento constrangedor, pisei nas pilhas de papel espalhadas e me sentei no chão com as pernas cruzadas. Havia cadeiras e uma mesa na sala, mas há muito tornaram-se inúteis devido à montanha de documentos sobre elas.

— …Então tá bom, vamos bater um papo — disse Avelia, jogando-se diante de mim. — …Elaina, como você se sentiu quando viu o estado desta cidade? — Ela inclinou a cabeça curiosamente.

Difícil de dizer…

— Sinto que é um lugar estranho, para não dizer muito. Os boatos parecem se espalhar na velocidade da luz, vocês têm invenções estranhas, igual aquele cristal-espelho, e, além disso…

Além disso, vocês consideram Amnésia uma criminosa.

— Ela é mesmo um monstro? Não consigo acreditar nisso.

Eu não podia acreditar. Mesmo que as reportagens dos jornais e a opinião popular a condenassem à sentença de um retorno esquecido. Mesmo que sua própria jornada não tivesse passado de uma marcha rumo à morte. Mesmo que suas viagens comigo tenham sido em vão.

Isso continuava sendo um mistério para mim.

Eu não podia acreditar que aquela garota, aquela que era despreocupada, mesmo tendo perdido a memória, que nunca ficava chateada e continuava impiedosamente alegre, pudesse possuir um passado no qual matava pessoas e tentava roubar a energia mágica delas.

— Para ser sincera, eu menti lá na cidade — disse Avelia para mim. — A verdade é que eu queria saber se você ainda acredita na minha irmã, mesmo depois de trazê-la até aqui.

— ……

— Você está do lado dela?

— …… — Encarei seus olhos verde-jade. — E quanto a você?

Fiquei surpresa por ela ter a ousadia de me interrogar sem antes revelar qualquer coisa sobre si mesma. Era como se ainda estivesse se escondendo naquela caixa.

Por um momento, ela me olhou fixamente, como se chocada com algo.

— Claro — falou a garota, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Continuei trabalhando no palácio como Cavaleira Sagrada, movendo-me pelos bastidores para um dia ajudá-la.

— Mas, aos olhos do público, você trata a sua irmã como uma criminosa.

— Ah, se eu não fizesse isso, não seria capaz de ganhar a confiança dos outros.

Justo.

— …Então sua irmã foi falsamente acusada?

Avelia humildemente balançou a cabeça.

— Não existem dúvidas. Foi tudo organizado por aquela bruxa.

— …Aquela bruxa. — Eu estava prestes a perguntar qual, mas lembrei que só restava uma neste país. — A Bruxa Rosa?

— Sim.

— …Então está dizendo que Elimia armou para Amnésia. Que ela é responsável pelo exílio dela?

— Isso, isso.

— …E que a Amnésia vai morrer por causa da Elimia.

— Isso, isso, isso.

— …… — Esses “isso” todos estão ficando irritantes.

— Sei que foi repentino e que você provavelmente não confia em mim, mas essa é a verdade.

— …Bem, não é que eu realmente não possa acreditar em você.

Estou estranhamente satisfeita com essa explicação. Acho que era isso que esperava.

Digo, poderia dizer que aquela bruxa era suspeita mesmo com um único olhar de relance. E qual era a daquela fala arrastada e preguiçosa? Ela é definitivamente sombria, com certeza.

— Mas, nesse caso, qual diabos é a verdade? Por que Amnésia foi incriminada? — perguntei.

Avelia respondeu:

— Essa é uma longa história.

— Seja breve, por favor.

— Humph. — Ela estufou as bochechas, deixando claro que a magoei. — É impossível encurtar a história da minha irmã. — Ela começou a contar uma história.

…Mas, a propósito…

— Você realmente ama a sua irmã.

Como esperado, Avelia me respondeu em um tom que sugeria que isso era bem natural.

— É óbvio.

Depois de ouvir tudo o que havia para se saber sobre Amnésia pela boca de sua irmã mais nova, Avelia, deixei o cômodo por um momento e me agachei enquanto me apoiava em minha vassoura.

— ……

Foi uma história infeliz que fez meu peito ficar apertado.

Era a história de uma garota que não foi muito abençoada na vida.

O que foi que fiz para merecer isso? Por que tinham que tratá-la assim, só por ser uma das raras pessoas neste país sem a habilidade de usar magia?

Mesmo com ela sendo uma pessoa tão legal…

— O que acha? — Perguntei à vassoura em meus braços.

Ela, desta vez, não estava em forma humana. Estava só ali, preguiçosamente parada, só uma vassoura normal, mas, da mesma forma, respondeu em minha mente com uma atitude indiferente.

— O que eu acho? …Por que está me perguntando isso? É para saber se deve colaborar com a Senhora Avelia? Ou está tentando determinar se a história dela é confiável?

— As duas coisas.

— Em outras palavras, não pretende cooperar com a Senhora Avelia até que tenha averiguado a verdade.

— Sim.

— Nesse caso, não sinto necessidade de responder.

Palavras cortantes.

— …Parece que alguém está de mau humor hoje.

— Estou farta de agir como uma boa vassoura, já que você só me chama quando está com problemas.

— ……

— Só estou brincando.

Se ela estivesse em sua forma humana, imaginei que estaria sorrindo.

— No que me diz respeito, acho que a história que a Senhora Avelia contou é verdade. É nisso que acredito.

— Hmm.

— Sabe como é que eu sei?

— ……

Mesmo com nós duas tendo feito a mesma jornada, minha vassoura aparentemente possuía algumas informações que eu não tinha e que lhe deram algumas pistas a respeito da história de Avelia. Ficou claro que havia acontecido algo enquanto eu não estava por perto.

Como, por exemplo, um incidente na cidade que estava toda congelada, ou algo do tipo.

— …Por favor, diga. O que aconteceu enquanto eu estava congelada?

Depois que deixamos aquele lugar – depois que vi Amnésia desanimada, vi seu pânico, medo e perplexidade – nunca consegui me forçar a falar sobre aquilo.

Hesitei porque pensei que iria chorar se descobrisse sobre a cruel verdade.

É claro. — Achei que podia imaginar o seu sorriso. — Mas, primeiro, posso perguntar uma coisa?

— …O quê?

— Senhora Elaina, você também já não estava inclinada a resgatar a Senhora Amnésia? Antes mesmo de pedir minha ajuda com o incidente naquela outra cidade? Mesmo antes desta sequência de eventos?

— Não faço ideia do que você está falando.

Encolhi os ombros, fazendo parecer que ela estava dizendo bobagem.

Minha vassoura ignorou a minha atitude. Na verdade, eu não tinha certeza se ela poderia me ver em seu estado atual.

— Você me convocou na minha forma de vassoura precisamente porque já decidiu cooperar com a Senhora Avelia. Foi porque, nessa forma, pode conservar a sua magia.

Sem chances. Escute a si mesma.

— Te deixei nessa forma porque se as pessoas ao nosso redor vissem uma vassoura de repente se transformando em humana, ficariam chocadas.

— Acho que você começou a chocar as pessoas assim que começou a conversar com uma vassoura.

— ……

— Não tem ninguém por perto.

— …… — Soltei um suspiro. — Hoje você está de mau humor.

Minha vassoura respondeu sim em um tom que sugeria que isso era óbvio. “Porque sou a humilde posse da minha senhora.”

Eu, o tempo todo, sabia da resposta.

Prometi cooperar totalmente com o plano de Avelia.

Desde o começo, não houve necessidade de deliberar ou verificar os fatos.

Era óbvio que eu iria ajudá-la.

— A execução da minha irmã mais velha está marcada para às dez da manhã de amanhã. Quanto ao local, será, de acordo com o anúncio de Elimia pelos cristais-espelho, na praça em frente ao palácio.

Quando voltei para dentro e disse que iria colaborar com ela, Avelia me deu um abraço.

— Ah! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Com a sua ajuda, sei que podemos salvá-la!

Ela então recuperou a compostura e se afastou.

— Ah, foi mal. Sou apenas dedicada à minha irmã. — Depois disso, compartilhou sua estratégia comigo.

Qual é a das mudanças extremas de humor?

— Só podemos tentar o plano uma vez. Primeiro, vou ficar na praça enquanto espero pelo momento exato em que a memória de minha irmã voltará. Elaina, você vai entrar furtivamente no palácio e lidar com Elimia.

— O que te dá tanta certeza de que Elimia estará dentro do palácio?

— É ela quem está organizando a decapitação da minha irmã. Imagino que ficará dentro do edifício até que isso aconteça… uh, no salão do conselho ao qual você foi ontem. Ela deverá estar esperando naquela sala. Eu acho.

Uhum.

— Então, seu plano é ganhar algum tempo antes da execução? E depois? Como diabos está pensando em salvar a sua irmã?

Parece um plano descuidado.

— Quando Elimia não aparecer no momento designado para a execução, será confiada a mim a tarefa de cortar a cabeça da minha irmã.

— …Por que isso?

— Porque o dever da decapitação é repassado por aquelas pessoas que compartilharam um vínculo profundo com o condenado antes de perder as memórias.

Elimia tinha publicamente desempenhado um papel bem ativo na captura de Amnésia.

Avelia se dava publicamente mal com a irmã.

Certo. Portanto, seus laços são profundos.

— A memória dela vai voltar ao normal assim que subir ao bloco de decapitação. Isso significa que será a nossa melhor chance. Se a resgatarmos da execução no momento exato, poderemos escapar com as memórias dela intactas.

— E depois?

— Deixamos o país. Vou te dar um sinal depois que resgatar a minha irmã, e então você pode deixar Elimia de lado e seguir o fluxo.

— …E depois?

— Hein? O plano era basicamente isso.

— Mas se seguirmos isso à risca, há cerca de um milhão de formas de acabar sendo um desastre.

Hm, oi? Todos desta cidade são magos. Mesmo que pudéssemos fugir, todos os que deixam a cidade têm suas memórias de Esto apagadas. Esqueceu do fato de que ninguém de fora sabe como realmente é a Cidade Santa?

— Certo. O que você sugere?

— Uh, não precisa ficar de mau humor.

Avelia voltou a estufar as bochechas. Parecia que, se espetadas com o dedo, poderiam estourar.

— Trabalhei tão duro para preparar esse plano…

— …Tenho a sensação de que a sua Ordem dos Cavaleiros Sagrados não vai ser enganada por isso.

Já que ela se gabava do seu trabalho no palácio, presumi que havia bolado uma estratégia que empregava seu conhecimento da estrutura do prédio, seus contatos profissionais, seus relacionamentos pessoais e até mesmo as técnicas mágicas locais.

Mas parecia que ela estava tentando se forçar a cuidar de tudo apenas com força.

— …Nesse caso, o que faremos? Elaina? — Avelia semicerrou os olhos para mim.

— O que devemos fazer? — Eu a imitei. — Se pudermos derrubar a Elimia, será o fim de tudo.

Essas são as minhas memórias – todas as minhas memórias fugazes.

— Irmã, olha! Esta caixa! Se eu usar isso, vou poder me disfarçar!

Minha irmã menor, Avelia, ergueu uma caixa de tamanho estranho, quase grande o bastante para enfiar uma pessoa lá dentro. Ela sorriu com orgulho. Aquilo foi exatamente no mesmo dia em que ela foi aceita na Ordem dos Cavaleiros Sagrados, acho.

Ela de repente apareceu na minha casa, fazendo uma coisa realmente bizarra…

— Realmente não fazemos nenhum serviço secreto entre os Cavaleiros Sagrados.

— Sério?

— Fazemos principalmente trabalhos estranhos no palácio. E não existem criminosos nesta cidade.

Os deveres da Ordem dos Cavaleiros Sagrados são muito, muito simples e basicamente restritos ao palácio. Incluíam o gerenciamento dos cristais-espelho, a preparação de materiais para as reuniões de assembleia e a limpeza e manutenção do palácio. Além disso, envolviam escoltar pessoas importantes, guardar o palácio e  etc. Se alguma vez acontecesse um incidente ou acidente, seríamos enviados para investigar, mas não aconteciam batalhas chamativas nem nada do tipo.

Era algo normal. Totalmente normal.

— Então… o que devo fazer… com… esta caixa…?

— Bem, você não terá a chance de usá-la.

— Mas, olha, se eu usar isso o tempo todo, pode ser útil para lançar ataques surpresa! Alguém pode ficar tipo, “Hmm? O que há com essa caixa?” e aí eu saio de dentro. Ou podem pensar A Avelia dos Cavaleiros Sagrados está ali na caixa, enquanto eu me esgueiro por trás. Ou algo assim.

— Mas, para começar, não haverá qualquer ocasião para usá-la…

— …Hmm…

Ela estava olhando para mim como se precisasse de mim para encontrar um uso para a caixa. Eu gostaria que ela não fizesse isso.

— Ah, a propósito, Irmã. Eu saí de casa.

— Hein? — Do que essa garota está falando?

— Você saiu de casa quando se juntou aos Cavaleiros Sagrados, certo? Então pensei em também sair por conta própria.

— ……

Eu fui embora porque não gostava de ser tratada como um fardo, mas Avelia sempre foi adorada por nossos pais, então não achei que existia necessidade de fazer isso.

— Não lembro de ter comprado uma caixa quando saí de casa. — Gargalhei.

Avelia fez beicinho.

Parando para pensar nisso, é apenas uma boa memória.

Avelia virou minha superiora cerca de um ano depois.

— A partir de amanhã, ela será sua chefe. Obedeça-a direito.

Foi essa a instrução que recebi, e então promoveram minha irmã mais nova. Eu mal conseguia usar magia, e qualquer tipo de promoção parecia um sonho vazio e distante.

Em vez de magia, aperfeiçoei minhas habilidades com a espada, mas um membro da moderna Ordem dos Cavaleiros Sagrados raramente precisava desses tipos de talentos, então eu ainda era considerada só uma perdedora.

Dessa vez, foi como se eu tivesse levado um tapa na cara da Ordem.

— Irmã… — Avelia estava me olhando com preocupação.

— …Tudo bem. Não precisa se preocupar com isso.

Dei um jeito de responder e acariciei seus cabelos.

A verdade é que meu estômago estava embrulhado e eu queria gritar. Até este ponto, eu culpava à mim mesma e à minha falta de habilidade mágica pelo tratamento inadequado que recebia. Entretanto, era imperdoável que os Cavaleiros Sagrados estivessem usando minha irmã mais nova para me envergonhar.

A partir daquele dia, meu relacionamento com ela ficou mais distante.

Avelia estava sempre atordoada, muitas vezes cometendo erros descuidados, mas também era um gênio em magia e disparou entre as posições dos Cavaleiros Sagrados.

Como ela estava crescendo no centro das atenções, minha existência nos bastidores estava perdendo mais valor a cada dia.

Após cerca de um ano desde que minha irmã menor se juntou à Ordem dos Cavaleiros Sagrados, nem mesmo fazíamos mais contato visual.

Ninguém nos forçou a isso. Não era algo que realmente tínhamos decidido. Olhar no rosto uma da outra era simplesmente doloroso demais para qualquer uma de nós. Acho que me ver presa na mesma posição entre os Cavaleiros Sagrados era ruim para a moral dela.

Porém, eu sabia que se pendurasse o uniforme não teria mais nada, então continuei no meu posto, dia após dia. Mesmo enquanto sofria, fingi que não havia nada de errado e mantive as aparências enquanto sorria.

Então, um dia, aconteceu.

— …Hein?

Recebi a tarefa de processar cartas chegando de fora da cidade como parte de minhas tarefas de rotina. Dito isso, como eu não tinha interesse pelo mundo do lado de fora do país, basicamente recebi a ordem de “Abrir os envelopes e separar o conteúdo na pilha de armazenamento ou de lixo”, e isso era exatamente o que eu estava fazendo, nada além disso.

Bem, encurtando a história, encontrei algo estranho misturado naquele maço de cartas.

Relatório de Danos da Poluição Proveniente da Cidade Santa…? O que é isso?

Era uma carta de alguém nomeada como Grande Bruxa Rudela, algo assim, que vivia em uma cidade próxima.

Resumindo, era um apelo direto ao nosso governo, afirmando que “A poluição tóxica está vindo da sua cidade. Está arrasando nosso meio ambiente e causando caos em nossa cidade. Esta questão é urgente! Por favor, tome medidas imediatas!”

Poluição tóxica – essa frase chamou a minha atenção.

A Cidade Santa era extremamente isolacionista e fazia de tudo para evitar disputas com estranhos. Se a cidade fosse a fonte desses problemas, isso seria algo muito sério. Era o tipo de coisa contra a qual a cidade deveria se precaver.

Claro, investigações desse tipo seriam confiadas aos Cavaleiros Sagrados.

De qualquer forma, a propagação da poluição tóxica era uma questão que não poderia passar despercebida. E então imediatamente relatei à minha supervisora direta.

— …Sinto muito, Mana. Agora estou sem tempo para isso.

Minha chefe – ou seja, minha irmã mais nova – disse que estava ocupada com outro assunto. Em suma, ela obviamente não poderia perder tempo analisando algo tão trivial.

Isso só pode ser brincadeira.

Eu não sabia onde estavam os sentimentos verdadeiros da minha irmã. Em seu coração, eu tinha certeza de que ela queria me ajudar. Mas quando mostrei a carta à minha irmã, havia outros subordinados ao seu redor e gritaram insultos para mim.

— Avelia está atualmente ocupada com a investigação de um assassinato.

— Ela não é só uma ladra de salários igual você, separadora de cartas!

— Isso aí, sua vagabunda.

— Pode, por favor, não passar ainda mais trabalho desnecessário para ela?

Estavam tentando obter uma reação de mim. Eu não sabia como ela realmente se sentia.

— …Tudo bem, entendo. Vou voltar à classificação das cartas — falei após o relatório a Avelia, ignorando seus subordinados.

Eu menti.

Se ninguém ia fazer nada, eu pretendia cuidar de tudo sozinha. Iria apenas investigar do meu próprio jeito.

— …Sinto muito.

Ignorando Avelia enquanto ela sussurrava um pedido desculpas com a cabeça baixa, me afastei.

Para ser sincera, a investigação foi surpreendentemente simples. Assim que me decidi, ficou tão fácil que terminei em um só dia, trabalhando sozinha, com tempo de sobra.

A Grande Bruxa Rudela, quem quer que fosse, parecia ter decidido que, se as pessoas desta cidade não percebiam que eram a causa da poluição, deveriam ser um bando de idiotas. Ela havia convenientemente anexado algumas tiras de papel misteriosas à sua carta, que mudavam de cor apenas na presença de substâncias tóxicas.

— Muito bem. Basicamente, vou procurar pelos esgotos e, depois, seguir a trilha até a fonte.

Com isso, me enfiei na parte baixa da Cidade Santa.

Estava tudo sombrio, tão escuro que eu não seria capaz de ver um centímetro à frente do meu rosto sem uma lanterna. As paredes e o teto eram feitos de tijolos carmesim. Ao lado da passagem estreita, os dejetos da cidade fluíam em um riacho lento. Talvez porque a minha luz fosse fraca, ou talvez porque refletia o vermelho escuro dos tijolos, a cor da água estava muito turva e parecia com sangue.

— …Nnh.

Eu queria sair logo dali, então imediatamente coloquei uma tira de papel na água corrente e olhei para a sua cor.

— Ah, ficou azul!

Apenas a parte molhada do papel branco mudou de cor. De acordo com Rudela, “Se ficar azul, é porque o lugar tem toxina, então, por favor, tome providências.” Devia ser esse o caso no local.

Depois disso, continuei verificando a cor enquanto avançava riacho acima pelo esgoto. Todas as tiras ficaram azuis. Foi o suficiente para me fazer pensar que toda a água saindo da cidade devia estar poluída.

Mas a verdade era outra.

— …Hein?

Cerca de uma hora depois de começar a minha investigação.

A cor do papel que enfiei na água não mudou. Eu tinha uma simples tira de papel encharcado e murcho na minha mão.

— ……

Levantei a cabeça e, quando me virei para olhar para trás, me deparei com uma porta perto de mim.

No esgoto. Em um lugar onde as pessoas não deveriam ir e vir. Bem no esgoto.

O que é isso? Confusa, enfiei um pedaço de papel na água que corria logo abaixo da porta.

Ficou azul.

Mas se eu subisse o riacho, a cor não mudava.

— …Sério?

Parecia que não restava dúvida de que a substância tóxica estava fluindo de tudo o que estava por trás da porta incrivelmente suspeita.

Olhei para a porta delineada.

Fiquei muito indecisa a respeito de entrar ou não. Mas nada seria feito se eu continuasse ali.

Depois de alguma hesitação, finalmente abri a porta.

E um mundo ainda mais sombrio que o esgoto, um abismo negro, abriu sua boca.

— ……O que… é isso…?

Encontrei cadáveres. Muitos cadáveres.

Estavam cercados pelo que parecia ser equipamento de laboratório, produtos químicos estranhos e potes de vidro contendo órgãos internos que supus terem sido retirados dos cadáveres.

IMORTALIDADE. JUVENTUDE ETERNA. MAGIA ETERNA.

Entre os potes havia pilhas de papel espalhadas com palavras que pareciam ter saído de um sonho febril.

Um momento depois, percebi que o fedor de decomposição envolvia toda a sala. Também notei que os cadáveres que reconheci pertenciam a bruxas.

Encontrei um problema que não poderia resolver sozinha.

— Ah, não… você passou dos limites. Uma voz calma ecoou atrás de mim – bem atrás de mim.

— O que…? — gritei enquanto tentava me virar.

— Já sei. Como você está aqui, posso muito bem te usar como bode expiatório para os meus crimes…

Eu conhecia aquela voz.

Pertencia à Bruxa Rosa, Elimia…

E, então, perdi a consciência.

No dia seguinte, o boato de que minha irmã mais velha matou quatro bruxas e roubou a magia delas se espalhou como fogo.

O esboço do incidente seguia as matérias que Elaina leu na biblioteca. No entanto, não pude deixar de achar isso misterioso.

Realmente pensavam que ela poderia fazer algo assim?

Pelo que eu sabia, minha irmã mais velha tinha a mão ruim para a espada, mas ela servia para matar alguns insetos. E também só usava sua lâmina para assustar potenciais criadores de problemas.

E não querendo ser rude, mas ela poderia mesmo matar aquelas bruxas, sendo que só tinha sua espada que poderia usar?

Achei improvável.

Entretanto, ela foi levada e julgada no palácio, condenada a um regresso esquecido.

Claro, ela manteve sua inocência durante o julgamento. Minha irmã mais velha, que raramente chorava na frente das outras pessoas, começou a chorar, olhando feio para Elimia, como se quisesse dizer: “Não fui eu! Foi você quem as matou!

Porém, a bruxa produziu uma evidência contundente após a outra e silenciou qualquer discussão.

Os juízes e magistrados presentes prontamente aceitaram a prova de Elimia e logo proferiram a sentença de um regresso esquecido.

Mesmo assim, acho que foi uma completa farsa.

Todos os presentes já haviam decidido que as palavras de minha irmã eram simples ilusões vazias e nem se deram ao trabalho de ouvir seu testemunho. Todos, exceto eu.

Em algum lugar do meu coração, acreditei que suas palavras eram verdadeiras.

Eu tinha certeza de que tudo tinha sido arranjado por Elimia.

E não me importava com a prova.

Minha irmã foi investigar os esgotos sozinha após eu me recusar a escutá-la. E, lá, viu algo que não devia ter visto. Era por isso que estava sendo considerada uma assassina. Só podia ser isso.

Era por isso que eu precisava salvar ela.

Minha chance estava chegando – quando minha irmã subisse ao bloco de execução e sua memória voltasse. Seria a única oportunidade.

Depois que eu disse a verdade, Elaina falou: “Hm, preciso respirar um pouco” e saiu de casa. Eu podia ouvi-la falando de forma ininteligível com alguém. Quando dei uma olhada para fora, a vislumbrei conversando com sua vassoura.

E quem é ela? Uma garota maníaca que sonhava com fadas?

Espera, calma aí. A vassoura está respondendo. Mas a voz é igual à dela… Isso é ventriloquismo? A garota maníaca que sonha com fadas, confirmado.

Depois de voltar para dentro e me dizer que cooperaria, Elaina categoricamente descartou o meu plano. “Hm… O quê? Nunca resgataríamos a sua irmã assim. Você é uma idiota, uma tola ou só incompetente mesmo?”

Droga!

Além disso, ela me surpreendeu ao agir com compostura.

— Se pudermos derrubar a Elimia, será o fim de tudo.

Não seja absurda, por favor.

Balancei a cabeça.

— Ela é uma bruxa poderosa. Além disso, tem sido uma figura importante nesta cidade. E é assim já faz um bom tempo. Não tem como você vencer.

Honestamente, o verdadeiro problema com a Bruxa Rosa, Elimia, não tinha nada a ver com suas habilidades. É que ela sempre era protegida por um leal quadro de Cavaleiros Sagrados.

Enfrentá-la de forma direta seria como também enfrentar todos eles.

— É por isso que tornei o resgate da minha irmã em prioridade.

— Precisamos tirar Elimia do poder — disse Elaina. — Caso contrário, mesmo que salvássemos Amnésia, não existiria garantia de que conseguiríamos deixar a cidade.

Elaina estava estranhamente confiante.

E ela, então, ergueu o dedo indicador.

— Só falta uma peça do quebra-cabeça para seguir com este plano. Preciso que você me diga uma única coisa. Assim que tivermos isso, o resto vai dar certo.

Falei para Elaina o que ela queria saber, então passamos um bom tempo trabalhando e reformulando o plano de resgate. Depois disso, caímos no sono. Foi o primeiro bom descanso que tive em muito, muito tempo.

Imaginei se era porque seríamos capazes de salvar minha irmã.

— Acho que isso é por eu ter limpado o seu quarto.

— ……

— Finalmente chegou a hora!

Um cristal-espelho exibia a alegre multidão reunida para testemunhar a execução de Amnésia. Estavam cobrindo-a com todos os tipos de insultos, e suas zombarias soavam como gritos de alegria enquanto ela cruzava a praça em direção ao bloco de decapitação, um passo de cada vez, atordoada e confusa.

Quando ela chegasse às escadas e começasse a subir, suas memórias retornariam.

— Já era hora, suponho. — Elimia, que estava sozinha olhando para um cristal-espelho na sala de conferências, levantou-se com calma, como se conduzida pelos quadris, e pegou sua varinha.

Ela começou a andar, mas não foi muito longe.

— Para onde você está indo?

Ela ficou bastante surpresa quando, de repente, apareci de um canto da sala, mas ainda assim conseguiu manter a calma.

— Por quanto tempo você esteve aí?

— Desde que você se sentou, parecendo toda entediada.

— …Fiquei o tempo todo sentada.

— Estou dizendo que cheguei aqui logo no começo.

Embora eu não ache que você tenha me reconhecido, já que me transformei em um rato.

— Você não devia criar o hábito de emboscar as pessoas.

— Diz aquela que está incriminando uma garota inocente.

— Suponho que esteja falando de Amnésia. — Olhando para o cristal-espelho, Elimia inclinou a cabeça, parecendo entediada. — Está insinuando que ela não matou ninguém?

— Ela não é o tipo de pessoa que faria algo assim.

— Me pergunto como você pode ter tanta certeza, visto que só conheceu a Amnésia sem memórias.

A Amnésia que eu conhecia era alguém que priorizava o bem-estar alheio acima do seu, mesmo não sabendo quem ela era. Ela era como uma criança superprotegida, fraca e bem ciente de suas próprias deficiências, mas trabalhava duro para nunca revelar isso a ninguém. Era alegre e tinha a tendência de suportar coisas dolorosas sozinha. Talvez fosse meio despreocupada e, para dizer isso de forma menos sensível, meio boba, mas fazia suas escolhas de modo a não prejudicar ninguém, mesmo em situações desesperadoras. Tratava-se de uma pessoa incrível.

Imaginar que estava secretamente construindo um dispositivo estranho para absorver a energia mágica de quatro bruxas assassinadas, tudo pelos seus próprios motivos egoístas… Bem, isso era impensável. Obviamente.

— …Você é a única responsável pela decapitação programada para Amnésia hoje, na praça.

Ela balançou a cabeça.

— Sim. Sou a última bruxa que restou, então isso é adequado. Devo vingar todos os rancores de minhas irmãs caídas.

Eu estava parada no meio do caminho, bloqueando sua passagem enquanto ela falava daquele jeito arrastado de sempre.

— Receio não poder deixar que faça isso — falei. — Devo humildemente ficar no seu caminho.

E então peguei a minha varinha.

Elimia olhou para mim por um momento, como se não tivesse certeza do que eu estava fazendo. Depois de uma pausa, arregalou os olhos e bufou para mim.

— Bem que suspeitei que você apoiaria Amnésia. — Ela estendeu a varinha e caminhou para frente – como se não estivesse prestando a menor atenção ao fato de que eu estava no seu caminho. — Você andou muito preocupada com aquela garota, desde que chegou. Quem diabos colocou essa ideia na sua cabeça? Que eu de alguma forma incriminei Amnésia por essas coisas? Será que foi a própria condenada?

— Não tenho a obrigação de te responder.

Suponho que, se eu contar, você tentará matar a pessoa assim que terminar comigo.

— …Bem, eu não me importo. — Elimia parou na minha frente, me encarando com um par de olhos frios e sem emoção.

— Não tenho tempo para brincar. No momento, tenho uma tarefa que não posso deixar de cumprir. Poderia fazer a gentileza de se afastar?

— Por que não tenta me obrigar?

— ……

— Claro, não vou me afastar com tanta facilidade. Sou uma bruxa, assim como você. Estou preparada para, na pior das hipóteses, lutar até conseguir um empate. Embora ache provável que eu vá ganhar.

— …… — Ela suspirou uma vez, como se estivesse totalmente assombrada. — Mas que pena. Mesmo tão jovem você já é uma bruxa, pensei que devia ser algo especial… mas parece que é só uma idiota sem noção.

— É assim que você me vê?

— Digo, você está apoiando uma criminosa, não está? — Elimia, que ainda mantinha a ilusão de que Amnésia era uma criminosa e que estava fazendo justiça, estalou os dedos. — …Mas, permita-me alterar os nossos termos de compromisso.

Magos surgiram de todas as partes, todos trajando o uniforme da Ordem dos Cavaleiros Sagrados.

Deviam ter se escondido por todo o tempo – desde quando?

— Desde ontem, quando te encontrei nesta sala pela primeira vez, pensei que poderia mostrar suas presas para mim. Afinal, você parece confiar muito na Amnésia.

Era isso que parecia? Mas eu estava tentando manter o rosto mais inexpressivo possível.

— E você me emboscou. — Ela sorriu, parecendo pela primeira vez feliz de verdade. — Eu tinha certeza de que você viria atrás de mim, afinal, também sou uma bruxa, e você pensou que poderia me vencer em uma luta igual. Mas o que vai fazer nesta situação?

Uniformes brancos até onde a vista alcançava.

Os magos usavam seus capuzes puxados para baixo sobre a cabeça, de modo que até mesmo seus gêneros eram um mistério. Eles me cercaram, varinhas empunhadas.

A pressão estava insuportável, como se um único passo em falso fosse o suficiente para atormentar um ninho de vespas.

Ah, entendo – é por isso que ela ficou tagarelando por tanto tempo. É por isso que manteve seus verdadeiros motivos ocultos e continuou com sua farsa contra Amnésia.

Entendi.

— Então…? — Bati no chão com a minha varinha.

Na mesma hora, gelo se espalhou a partir daquele ponto, envolvendo tudo da sala nele. Exatamente como em certa cidade. Até onde eu pude ver, estava tudo pintado de branco e azul – até mesmo os magos, com seus uniformes brancos, estavam cobertos por uma segunda camada de gelo branco.

Tudo menos eu e Elimia.

Além de nós, estava tudo branco puro.

Ela ficou boquiaberta, estupefata, e eu respondi com um suspiro. Enquanto meu hálito branco turvo dançava pelo ar como fumaça, simplesmente continuei olhando para a bruxa à minha frente.

— Foi um contra um desde o começo. Não consegue ver os arredores?

Será que sua visão está tão ruim, já que você se veste igual jovem mesmo sendo tão velha?

Sugiro óculos de leitura.

Naquele momento, lembrei de tudo.

O que eu tinha visto nos esgotos. Como fui enquadrada por Elimia. Como ninguém ouviu o meu lado da história. Como ninguém havia interferido para me salvar. Como fui expulsa do país. Como continuei perdendo a memória todos os dias depois disso.

Lembrei dos dias vagando por aí, sem saber quem era. Dias passados sem conseguir dormir, temendo a chegada do sol da manhã. Lembrei de dormir de qualquer jeito, depois de andar por aí procurando pistas da minha identidade e rabiscando no meu caderno.

Lembrei de ter me encontrado com Elaina.

Lembrei de trazê-la para a cidade; contando sobre a minha esperança de entender tudo, assim que chegasse à minha cidade natal.

— Ah… ahhh… ah…!

Tudo, tudo, tudo. Tudo. Tudo – lembrei de tudo.

Sou a Amnésia, membro dos Cavaleiros Sagrados, que tem uma irmã mais nova, e eu… e eu… eu…

Lembrei disso tudo.

Fiquei ali parada, atordoada, com as mãos e pés amarrados, olhando para uma enorme guilhotina.

Eu não tinha certeza se minha dor de cabeça dilacerante era causada pela confusão repentina das memórias caóticas ou dos aplausos da multidão que lotava o espaço.

Eu não poderia dizer.

— Tudo certo, a Amnésia recuperou as memórias! Arranquem a cabeça dela!

Parecia um festival.

Havia um oficial do governo parado ao meu lado, comandando o evento. Foi a primeira vez que vi um deles com uma expressão tão feliz.

— E-espera…

Espera!

Comecei a dizer algo, mas o monte de gritos da multidão me interrompeu.

— Ah, nãoo… eu realmente queria que Lady Elimia viesse, mas… parece que hoje ela está descansando. Devemos chamar um substituto?

Substituto? Quem?Olhei em volta, como se isso fosse problema de outra pessoa.

Logo após isso ser sugerido, um nome foi gritado por toda a multidão.

Avelia.

Minha irmã mais nova.

— Avelia! Onde está Avelia? — gritou o oficial, que estava atuando como mestre de cerimônias. — Ela deve executar a condenada!

Ela, entretanto, não apareceu.

Era quase como se ela estivesse mantendo o suspense deles.

A multidão, em pouco tempo, se dividiu. A multidão se separou, revelando uma caixa, quase do tamanho certo para caber uma pessoa.

Todos sabiam quem estava ali.

— Ah, Avelia! É aí que você estava!

Desde o dia em que entrou na Ordem dos Cavaleiros Sagrados, Avelia carregou aquela caixa idiota consigo. Ela sempre dizia bobagens como: “Enquanto eu estiver na caixa, ninguém descobrirá a minha verdadeira identidade.”

O oficial do governo desceu da guilhotina, correndo para o camarote enquanto rebolava para lá e para cá.

— Você não precisa tornar isso em algo tão elaborado assim.

O comportamento dele era agradável. Seria difícil imaginar que alguém tão feliz estava liderando uma execução.

— Venha, está na hora de acabar com essa criminosa.

O oficial então levantou a caixa.

— …?

Não havia ninguém dentro.

Esqueça a minha irmã, não havia ninguém.

A caixa estava vazia.

— Hiyaaaaah!

Aconteceu enquanto verificavam.

Primeiro, sua voz desencarnada cortou o ar; então, um segundo depois, perceberam que ela havia aparecido de um lugar totalmente diferente.

Nesse ponto, eu já estava no ar.

— Ah, espera… hein? O que está acontecendo…?

— Irmã, fique quieta e segure firme! Se não fizer isso, pode acabar caindo! — avisou ela.

Avelia olhou para a frente enquanto eu olhava para a cidade. Ela ativou sua varinha e continuou pilotando a vassoura, desamarrando as cordas que prendiam minhas mãos e pés. Livre dos nós, a corda caiu, parecendo que estava sendo sugada pela cidade.

— Avelia…

Eu me agarrei à vassoura.

— Embora ninguém no país acreditasse em você, Irmã, eu continuei acreditando. Estive sempre esperando por este momento.

Foi então que ela se virou para olhar para mim.

— Então, acho que encontrei um uso para aquela caixa.

Avelia mostrou um sorriso travesso.

Espadas, lanças e todos os tipos de outras armas estavam espalhadas pela sala agora coberta de gelo. Estavam espalhadas no chão, não presas a nada.

Mesmo que os cavaleiros as empunhassem com poder, mesmo sendo tantos, todos caíram, assim como suas armas.

Conjurei um gelo mágico que não derretia – algo que tinha visto em outra cidade. Porém…

— …Você não parece preocupada com a vida de seus amigos.

Olhei para Elimia, que continuava com sua expressão fria em um canto do cômodo.

— Suponho que não — disse ela enquanto deixava um sorriso escapar. — Eu já estava planejando jogar toda a culpa em você, assim que nossa luta acabasse. Então não importa se você for imprudente… embora pareça que não há necessidade para se preocupar com isso.

— ……

— Mais importante, onde você descobriu que eu incriminei a Amnésia? Pode, por favor, ter a gentileza de contar? — disse Elimia, expelindo um fogo infernal de sua varinha.

— Isso é segredo. — Congelei o jato de chamas furiosas a tempo e conjurei uma parede feita de ainda mais gelo que não derretia.

— Que tal eu tentar adivinhar?

Algo nas margens da minha visão se moveu. Fazendo barulho, inúmeras lanças voaram zunindo em minha direção. Mal as notei antes que pudessem me acertar.

— Se acha que consegue, então siga em frente.

Derrubei as lanças em pleno ar.

Elimia lançou outro feitiço em minha direção enquanto eu saía de trás da parede de gelo que havia conjurado, como se ela soubesse para onde eu iria.

— …Tch!

Gravidade extra. Eu tinha certeza de que foi com isso que ela me atacou. A dor se espalhou pelo meu corpo, era como se um enorme peso tivesse caído sobre mim.

— Ah… finalmente te peguei, hein? — murmurou ela, parecendo bem entediada, e caminhou lentamente em minha direção.Tak, tak, tak – seus calcanhares bateram no gelo. — Foi Avelia quem te contou sobre o meu plano. A irmã mais nova de Amnésia.

— ……

Na mosca.

Eu não iria confirmar, então fiquei em silêncio.

— Aquela irmãzinha dela parecia estar sempre se esgueirando pelos bastidores, não é de se admirar que faria um movimento agora, já que Amnésia está prestes a ser executada.

— …… — Ajoelhei-me, lutando contra aquele peso esmagador, e consegui colocar algumas palavras para fora. —  …Se você já sabia… por que… a deixou em paz?

— Porque não tenho tempo livre para sair do meu caminho e monitorar cada inseto que aparece pela frente.

E porque você não é do tipo que se irrita com uma oponente que é a própria imagem da bênção da ignorância, o tipo de garota que usa uma caixa sobre si, independentemente da situação.

Isso mesmo. Por mais que eu odeie admitir.

— Além disso, os residentes idiotas confiam em mim, do fundo de seus coraçõezinhos estúpidos. Nesse ponto, ela não pode mais mudar o futuro. A punição de Amnésia acabou e continuarei com minha pesquisa sobre a juventude eterna.

Elimia de repente ficou estranhamente falante. Era óbvio que ela estava se deixando levar pelo som da sua própria voz.

Suponho que ela esteja convencida da própria vitória. Acho que imagina que me derrotou.

…Dito isso, não consigo mover sequer um músculo, tudo por causa desse peso.

Ela se agachou ao meu lado e acariciou a minha bochecha.

— Sua pele é adorável. Sinto tanta inveja… Qual é a sua rotina de cuidados com a pele?

— ……

— Ah, não faça cara feia. Que assustadora!

— …Por que você incriminou a Amnésia?

A mão tocando o meu rosto parou onde estava.

— Se descobrissem que matei quatro bruxas enquanto buscava a juventude eterna, a fé do povo em mim despencaria. Isso é tão difícil assim de entender?

— ……

— Você não sabe? O sangue das bruxas é supostamente uma fonte de juventude eterna. É por isso que as matei — disse ela com uma atitude calma.

— …Você matou quatro pessoas só por isso?

— Não espero que uma criança como você entenda. A juventude é o bem mais difícil de substituir. Você não sabe como é terrível ver seu brilho desvanecendo conforme os dias passam.

— …Talvez, mas acho que nunca estaria disposta a cometer assassinato só para continuar jovem.

— Você vai mudar de ideia em alguns anos.

Acho que eu podia tê-la irritado.

Seu tom de voz ficou completamente diferente. Ficou frio e cortante. Eu podia sentir a gravidade aumentada me pressionando com ainda mais força.

— E você sabe que não pode continuar tagarelando para sempre.

Eu tinha certeza de que ela interpretaria minha resposta como um blefe.

— Por quanto tempo você pretende continuar com essa charada? — perguntou ela, parecendo triunfante.

As portas da sala de conferências de repente foram abertas e um incontável número de Cavaleiros Sagrados entrou correndo. Pisaram no gelo fazendo barulho, cada um segurando uma varinha.

— …… — Elimia estava relativamente composta, mesmo com esses intrusos repentinos.

Seu comportamento mudou completamente.

— Ora. Qual o problema? Suponho que vieram me ajudar? Mas já está tudo bem. Capturei a idiota que ficou do lado da Amnésia.

Os soldados não responderam.

Eles se espalharam para cercá-la.

Não eu – cercaram Elimia.

— …O que vocês pensam que estão fazendo?

As varinhas dos soldados estavam todas apontadas para ela.

— …Como você explica o que disse antes? — perguntou alguém. — Você entende o que você fez?

— …?

Com base em sua expressão, parecia não entender.

— Estamos te prendendo com a acusação de ser responsável por quatro assassinatos.

Uma luz branco-azulada então jorrou das varinhas dos Cavaleiros Sagrados.

— O quê…?

Precisaram de um único momento para contê-la. Seus braços e pernas foram completamente amarrados por correntes de luz surgindo de todas as direções, e sua varinha caiu no chão.

— Haah…

Por fim, eu também recuperei a minha liberdade.

Meus ombros pareciam incrivelmente rígidos. Me levantei. Quando tentei mover os meus braços, a dor correu por todo o meu corpo.

— Você… O que… o que diabos você…

A voz de Elimia ficou mais baixa, parecia que estava sendo pressionada por um feitiço de gravidade extra. Ela olhou para mim.

Ah, como a situação mudou.

— Pedi para que ela me ensinasse.

Revelei tudo o que foi feito assim que bati minha varinha no chão.

Em um instante, o gelo que cobria a sala derreteu e tornou-se nada, libertando os subordinados de Elimia que ficaram congelados no tempo. Eles olharam uns para os outros. Eu podia quase ver os pontos de interrogação pairando sobre suas cabeças. O feitiço de fogo de Elimia também voltou a se mover, então convoquei um pouco de água para apagá-lo.

Eu tinha congelado apenas este cômodo. Esta sala e todos dentro dela.

Nem eu nem Elimia fomos congelados.

Nem o cristal-espelho.

Pedi para Avelia me ensinar a usar os cristais-espelho.

— Bom trabalho com a confissão.

Quando levei a mão ao seu ombro, mostrei um sorriso atrevido para ela.

Elimia tinha contado toda a sua história enquanto tagarelava, sem fazer a menor ideia de que o cristal-espelho ainda estava ativo. É desnecessário dizer que ela foi julgada por seus concidadãos.

Quanto ao tipo de sentença que reservaram para ela – bem, eu não precisava saber o que aconteceria. Afinal, sou uma viajante, e ficar muito tempo em um único país não é da minha natureza.

Amnésia foi inocentada de todas as acusações e colocada em liberdade.

As feridas que ela suportou por ser presa pelo povo de sua cidade natal e Elimia, entretanto, não seriam tão facilmente curadas.

Mesmo que ela recebesse um pedido de desculpas oficial da cidade, continuaria tudo igual.

A Cidade Santa não sabia o que fazer com Amnésia, já que ela foi repentinamente transformada de grande criminosa em alvo de piedade.

Os cidadãos não a detestavam, mas também não sentiam qualquer simpatia real por ela. Simplesmente a observavam com cuidado, mesmo que de longe. E assim passaram-se vários dias.

Eventualmente, o governo de Esto prometeu conceder a ela todos os seus desejos. Até mesmo admitiram que isso era o mínimo que poderiam fazer.

— …Qualquer coisa, hein? Hmm…

Na frente das pessoas importantes reunidas na sala de conferências, ela pendeu pra lá e pra cá, batendo os dedos na bochecha enquanto pensava.

— Nosso país poderia apoiá-la para que possa viver a vida toda sem sentir falta de nada. Podemos fazer com que você nunca mais seja discriminada. Vamos atender aos seus desejos, não importa quais sejam — disse um representante do conselho da cidade.

Ela, eventualmente, balançou a cabeça.

— Certo. Nesse caso, posso fazer um pedido?

E então sorriu.

Um sorriso tão lindo quanto uma flor desabrochando.

Ela, no dia seguinte, deixou a Cidade Santa, Esto. Não tinha mais negócios na cidade e, de qualquer forma, o isolacionismo não era uma maneira muito interessante de manter a vida.

Os campos verdes nos cumprimentaram, tendo a mesma aparência de alguns dias antes.

Nós…

— …Tem certeza de que está satisfeita com o seu pedido? — Olhei para Amnésia, parada ao meu lado.

Ela então assentiu com entusiasmo.

— Digo, isso é bom, não é?

Ela fez um único pedido.

Que Amnésia, eu e sua irmã menor, Avelia, pudéssemos deixar a Cidade Santa com nossas memórias intactas.

Era isso.

— Bem, também consegui algo com isso, mas…

Como continuava com as minhas memórias, ainda sabia um pouco sobre a vida na Cidade Santa.

Devo ser capaz de fazer bons negócios… Acho que fazer e vender aqueles cristais-espelhos poderia ser lucrativo.

No final, Amnésia decidiu deixar sua cidade natal para trás.

Suponho que tenha sido por ter considerado todas as suas memórias da época em que vagou por aí como uma viajante como felizes. Além disso, podia ser porque todas as suas memórias envolvendo a Cidade Santa eram tristes e dolorosas.

— …Sabe, eu, particularmente, não odeio esta cidade — admitiu ela, semicerrando os olhos para a enorme muralha, parecendo até cega pela visão. — Tenho certeza de que se eu fosse capaz de usar magia, e se houvesse alguém que não pudesse, provavelmente me comportaria como a maior parte da população.

“E se a opinião pública alegasse que essa pessoa matou quatro bruxas e espalhou poluição mágica, tenho certeza de que teria acreditado, assim como todo mundo”, acrescentou ela. — Isso é por as pessoas aceitarem explicações óbvias. É assim que são os humanos. Não posso ir contra a minha natureza — continuou, derrotada.

“Bem, é melhor se apressar e esquecer as coisas tristes. É assim que vivi até hoje. É assim que consigo ficar tão despreocupada.”

Algo em seu rosto parecia aliviado.

— Além disso, recentemente, enquanto eu constantemente perdia as memórias, fiz tanta gente se preocupar comigo… Devo desculpas a todos. É por isso que quero voltar para o mundo, mas desta vez com as minhas memórias.

— ……

— Depois de fazer o que preciso fazer, devo ser capaz de procurar por uma nova casa!

— ……

— Aliás. — Avelia interrompeu a conversa, ao nosso lado, depois de ficar o tempo todo em silêncio. Ela estava com as bochechas extremamente inchadas. — Irmã, posso ir com você?

— Hein? Sim. Digo, viajar com uma vassoura vai ser mais fácil.

— …Você é tão má.

— …B-Brincadeira. Eu estava brincando… Não fique tão chateada…

Uma sombra caiu sobre Avelia e Amnésia começou a entrar em pânico.

Meu palpite era de que as duas acabariam passando por algumas aventuras interessantes.

Eu tinha certeza de que não importava o que acontecesse, ficariam bem, desde que estivessem juntas.

— …Ei, Elaina? — Amnésia de repente se virou para mim. — O que você vai fazer agora?

— Vou continuar as minhas viagens.

Afinal, sou uma viajante.

— …Então isso é um até logo, não é?

— ……

Eu não respondi.

Ela não esperou pela resposta.

— Ei, Elaina. Vou encontrar uma nova casa e, quando fizer isso, vou escrever para você. Você vai me visitar? Definitivamente vou morar em um lugar incrível e levar uma vida espetacular, uma que vai te deixar com muita inveja.

E então complementou:

— Então, até logo.

Não era como se nunca mais fôssemos nos ver. Não vou me sentir só, já que vamos voltar a nos encontrar.

Quase pude ouvi-la dizendo isso… ou talvez fosse isso que eu queria ouvir.

— …Certo. — Balancei a cabeça.

— ……

— ……

Aqueles poucos segundos de silêncio pareceram uma eternidade. Olhamos uma para a outra por um longo, longo tempo enquanto uma brisa suave roçava por nossas bochechas, nos incitando a continuar.

Era hora de nos separarmos.

— …… — Neste momento, Amnésia soltou uma risadinha. Ela parecia um pouco envergonhada. — Se seguiremos por caminhos separados, esta seria a parte em que eu lhe daria algum tipo de presente, suponho.

— …Na verdade não preciso de nada.

Meu tom provavelmente saiu um pouco mais áspero do que eu queria.

— Sinto muito. Não tenho nada para te dar agora.

Ela me abraçou.

E me apertou, como se para lembrar da minha sensação, e passou os braços pelas minhas costas, colocando ainda mais força.

— …Isso de novo?

— Você não gosta?

— …Não exatamente.

Ah, ótimo.Envolvi meus próprios braços ao redor dela, como se não tivesse escolha. Quando lancei um olhar rápido para além de Amnésia, vi Avelia resmungando consigo mesma.

— …Nada justo.

O que não é justo?

Amnésia devia ter escutado Avelia, já que soltou uma risadinha silenciosa.

— Obrigada por acreditar em mim, mesmo quando ninguém mais acreditou — disse ela. — Obrigada por vir comigo até aqui.

— Claro — respondi.

Não se preocupe com isso.

— Obrigada por me salvar.

— …Claro.

— Obrigada por ser minha amiga.

— ……Claro.

— Eu te amo.

— Cla… hein?

O que ela disse?

Enquanto eu ficava ali, confusa, ela me deu as costas e se afastou.

— Bem, já está na hora de eu ir.

Pude ver suas orelhas brilhando de tão vermelhas entre as mechas de seu lindo cabelo branco.

Tenho certeza de que meu peito estava quente, já que o corpo dela também estava. Tenho certeza de que meu rosto estava quente por causa do hálito dela.

— Ei, Elaina? — disse ela com as costas ainda viradas para mim. Sua voz tremeu um pouco. — Nunca vou te esquecer, viu?

Virei as costas para ela enquanto eu respondia.

— Também não vou te esquecer. Eu prometo.

Uma nuvem tênue flutuando pelo ar parecia seguir a estrada enquanto parecia rastejar pelo solo abaixo. O caminho estava cercado por um campo coberto de flores silvestres, com uma brisa fresca soprando através de tudo, fazendo as flores balançarem. Bem longe, era possível ver um pequeno rio fluindo naquele mesmo ritmo relaxado. A cena era permeada pelo barulho da água.

E avançamos lentamente.

Cada uma em sua jornada.

 


 

Tradução: Milady

Revisão: Gabs

 


 

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