Uma vassoura carregando duas garotas voou sobre as planícies primaveris.
Ela balançava fracamente de um lado para o outro enquanto era impulsionada para a frente.
— Tem certeza de que estamos indo na direção certa?
Um robe preto e um chapéu pontudo. A bruxa com um broche em forma de estrela preso ao peito fez a pergunta para a garota sentada ao seu lado. Conforme indicado no mapa que abria com as duas mãos, se continuassem nessa direção por bastante tempo, a Cidade Santa, Esto, apareceria à frente. Mas não estava em absolutamente nenhum lugar a ser visto.
A garota sentada ao lado da bruxa olhou para o mapa.
— Hmm… será? Está circulado com uma nota que diz “Por Aqui!” Viu? Isso resolve tudo!
— Resolve o quê?
Claro, o mapa tinha uma nota que dizia “Por Aqui!”, mas as garotas tinham certeza de que já estavam na área circulada. Em outras palavras, já tinham chegado? Sério? Mas era tudo um campo vazio. Não havia nada – apenas o céu azul e planícies infindáveis. Mas será que estamos lá? Você é idiota?
— Bem, por enquanto, vamos seguir um pouco mais adiante e então vamos reavaliar a nossa situação… — A bruxa controlou a vontade de dizer algo maldoso e respondeu de forma adulta, fingindo calma e compostura.
Quem diabos poderia ela ser?
Isso mesmo. Euzinha.
— Suponho que sim — disse a pessoa ao seu lado, aquela chamada Amnésia. — Bem, vai de alguma forma dar certo. De qualquer jeito, parece que estamos perto.
— …
Ela tem uma personalidade irremediavelmente descontraída e despreocupada.
Estávamos viajando juntas há cerca de uma semana, mas como Amnésia perdia as memórias sempre que dormia, eu não conseguia sentir nenhum progresso no nosso relacionamento.
A vassoura abaixo de nós, por outro lado, continuou progredindo… em direção à Cidade Santa, Esto.
— Mmph.
Fui pega de surpresa quando Amnésia de repente me abraçou.
A vassoura deu um pulo, ameaçando nos derrubar.
— O que é isso, assédio sexual? Não se atreva a continuar com isso. — repreendi depois de endireitar a vassoura de novo. Acho que eu a cada minuto parecia mais irritada.
— Não, é porque a vassoura estava balançando. Achei melhor me segurar.
Como pode dizer isso com a cara séria?
— Se você segurar em mim, vai balançar mais ainda.
— Então vou ter que te abraçar com mais força, hein? Entendi!
Você está ouvindo o que está falando?
— Se fizer isso, a vassoura vai ficar fora de controle.
— O quê? Sua vassoura fica com raiva quando começamos a flertar?
— A vassoura não. Sou eu quem fica com raiva.
— Ah, vai dizer que está envergonhada? Que fofa!
— …
Levei alguns dias para perceber que, embora tivéssemos que nos encontrar diariamente pela primeira vez, sua disposição alegre fazia parte da sua natureza. Apesar de repetir o ciclo de encontro e despedida todos os dias, ela não parecia nada incomodada.
…
Portanto, embora nosso relacionamento não tivesse feito nenhum progresso, senti como se estivéssemos, de qualquer forma, começado a ficar bem próximas.
— Elaina, você é tão quente!
— Uff…
Certo, tanto faz. Mas por quanto tempo planeja ficar se agarrando a mim?
Soltei um suspiro e fixei meu olhar além da ponta da vassoura.
E então entramos em uma floresta.
— Hmm…? Está frio.
Tínhamos viajado pela floresta por algum tempo quando Amnésia se afastou de mim e falou com um tom intrigado.
Logo após o calor do seu corpo se dissipar, o vento passou pela abertura entre nós, e seu calor sumiu de vez.
Era o início da primavera. Até um momento atrás estávamos curtindo o bom clima, mas antes que percebêssemos, o vento nos esfriou com um sopro forte e invernal. Uma sombrinha dificilmente seria o suficiente para criar esse tipo de frio.
— Parece que isso não é só frio…
Eu estava apenas começando a sentir frio e já estávamos perdidas em outra dimensão.
Começou a nevar.
Nossa respiração adotou uma tonalidade branca e turva, e os pequenos flocos gelados esvoaçavam enquanto passavam por nós. Qualquer neve que caía em nossas bochechas derretia e sumia, virando gotinhas e escorrendo.
Estávamos nos movendo por uma pitoresca floresta invernal.
— Mas que diabos…? Não é meio demais, mesmo para condições climáticas extremas? É esse tipo de coisa que costuma acontecer?
— … — Lentamente balancei a cabeça. — Não, você não costuma ouvir sobre isso…
Olhamos para o cenário que passava por nós. O estranho nisso tudo era que estava tudo coberto de neve branco-azulada que brilhava mesmo com a pouca luz do sol que a alcançava. Não havia qualquer sinal de que a neve tivesse sido remexida, nenhuma trilha. Bem de vez em quando, as árvores que cresciam sob o manto de neve se inclinavam, parecendo até que tinham lembrado de algo, e depositavam a neve no chão. Os flocos caindo começariam a cobrir o novo verde mais uma vez de branco.
Em uma seção da floresta primaveril, o inverno chegara.
— Suponho que seria possível criar este fenômeno com um feitiço, mas…
Quanto mais eu pensava nisso, mais estranho ficava.
Um feitiço para mudar o clima exigiria uma significativa quantidade de energia mágica. Qual seria a motivação para isso? Não entendi os méritos por trás da ação.
— Será que gostam do inverno? — Amnésia estava vagamente olhando para o céu.
— Ah…! — Quando eu estava a ponto de responder, avistei a orla da floresta. Pude ver a luz brilhando entre as brechas das árvores. — Bem, suponho que podemos perguntar depois — falei com otimismo.
Conversando alegremente enquanto observávamos a paisagem, emergimos da floresta na minha vassoura – e logo percebemos que tudo o que havíamos imaginado a respeito do lugar estava errado.
— O que é isso…? — resmungou Amnésia confusa enquanto descia da vassoura, que eu já havia parado.
— … — Fiquei ao lado dela.
Além da floresta – em um terreno limpo – havia uma cidade.
Ou pelo menos um lugar que já fora uma cidade.
— Acho que é seguro dizer que não eram grandes fãs do inverno…
Havia uma terra onde todos os humanos e os edifícios – tudo, sem exceção – estava congelado no lugar.
Se a floresta era branca, a cidade era azul.
O solo estava completamente coberto por uma espessa camada de gelo. Parecia que um passo em falso faria com que escorregasse. Havia neve caindo, mas quaisquer flocos que grudassem no gelo logo se fundiam a ele e desapareciam. Talvez graças a isso, o gelo estava ligeiramente úmido, o que significava que o solo estava bem escorregadio e era bem difícil de andar.
Na grande avenida, flanqueada por enormes prédios, as pessoas ainda pareciam estar cuidando dos seus negócios, porém, estavam todas completamente envoltas em gelo.
— Será que estão vivos… — disse Amnésia enquanto batia na testa dos pedestres congelados no meio da rua.
— Se foram congelados por um feitiço, existe a chance de que ainda estejam vivos. Feitiços de gelo costumam incorporar magia que suspende o tempo, sabe.
— Hmm… ou seja?
— O que significa que provavelmente estão vivos por dentro.
— Sério…? A magia não é meio conveniente demais?
— É magia. Não se resume tudo a conveniência?
— É assim que é?
— É assim que é.
A cidade congelada estava muito mais fria do que a floresta. Até mesmo o ar parecia estar congelado.
Como era de se esperar, não poderíamos simplesmente passar por uma cidade sob um feitiço tão estranho sem parar para dar uma olhada e, além disso, não poderíamos afastar a sensação assustadora de que o ponto principal era que podia se tratar da Cidade Santa, Esto. Iniciamos uma investigação completa pela cidade.
— Mas está tudo congelado… Não tem nada aqui!
Minha companheira começou a reclamar cerca de dez minutos após o início da operação. Incidentalmente, nesses mais ou menos dez minutos, ela escorregou e caiu não menos do que dez vezes.
— A minha bunda vai quebrar — disse ela, mas deixei isso passar.
— Vamos, recomponha-se. Certo, levante-se. — Ela estava no chão e a puxei para cima.
— Ai… — gemeu Amnésia.
— Por que está gemendo? Você não é uma cavaleira ou coisa do tipo?
De qualquer forma, ao menos é o que sua roupa dá a entender.
— Cavaleiras sentem dor! — Ela ficou séria. — Além disso, não lembro nem se eu era uma cavaleira ou não.
— Realmente não sei como responder a isso. Vamos mudar de assunto…
— Você não precisa segurar as suas palavras por minha causa. Aposto que falei a mesma coisa ontem, não foi?
— Não foi só ontem. Você diz isso todo santo dia.
— Amanhã também vou falar isso. Obrigada por me suportar.
Gostaria que ela me poupasse dessa gratidão.
Suspirei.
— Mas por que alguém na sua situação está vestida como uma cavaleira…?
Amnésia deu de ombros, exasperada.
— Nunca saberemos até perguntar à minha versão que vestiu essas roupas.
Ela, de alguma forma, não parecia tão interessada, apesar de estarmos falando de suas próprias circunstâncias. Suponho que se ela está tão alegre depois de perder a memória, então deve ter vivido em um mundo rosa antes de isso tudo acontecer.
— Por enquanto, vamos para o palácio — falei, me curvando para tirar um pouco da sujeira que havia grudado no traseiro dela.
— Tem alguma coisa lá?
— Sempre que não sei o que está acontecendo, costumo descobrir ao ir até o palácio.
Me endireitei de novo.
Por sorte, o palácio estava situado adiante na estrada em que estávamos.
Estava, igual a todo o resto, envolto em gelo, mas proporcionava uma visão panorâmica de toda a área circundante.
— De qualquer forma, as pessoas deste país são meio estranhas, hein? — disse Amnésia depois de seguirmos pela estrada durante algum tempo, enquanto ela traçava o dedo por uma das pessoas congeladas. — Todo mundo parece sentir medo de alguma coisa.
Ela estava certa. Os pedestres – suspensos no gelo – exibiam todos expressões distorcidas, parecendo exatamente como se tivessem testemunhado algo horrível. Havia uma pessoa congelada no meio de um pulo. Outra estava se prostrando. Uma em específico estava calmamente mantendo a posição. Outra estava se encolhendo de desespero.
Estava claro que não tinham se fechado no congelamento permanente por vontade própria.
Isso eu entendi só por andar pela estrada.
— Mas, ei, olha isso. O gelo não derrete. — Amnésia me mostrou a ponta esbranquiçada do seu dedo; totalmente seca, sem uma única gota de umidade nela. — Mais cedo, fiquei um pouco curiosa e tentei acertar isso com a minha espada, mas não consegui fazer nem um arranhão. Está menos para gelo e mais para cristal.
— Mas é frio.
— Tudo bem, é como um cristal frio.
— …
Imitando-a, tracei meu dedo sobre o gelo. Um calafrio correu pelo meu dedo na mesma hora. Entretanto, foi a única coisa que senti. O gelo não derreteu nem um pouquinho, e não havia nada preso na ponta do meu dedo. Quando afastei o meu dedo, só o frio continuou comigo.
— Certo.
Como teste, puxei a minha varinha e fiz chover fogo no gelo.
O resultado foi o mesmo. O fogo com certeza queimou o gelo, mas não o derreteu.
Continuava lá, congelado, inalterado.
Parece ser um gelo que não derrete…
Por que alguém se incomodaria em fazer isso…?
— Esperava que isso fosse tudo falso — admitiu Amnésia.
— Sim, eu também…
Porém, era tudo elaborado demais para ser falso. Além do mais, isso não explicava o clima extremo.
Eu tinha certeza de que havia algo acontecendo, algo que não tínhamos descoberto.
No entanto… À nossa espera no palácio havia apenas ainda mais deste mundo congelado.
— Não há realmente nada aqui, não é?
Com o prédio em si congelado, não podíamos sequer entrar. Em outras palavras, não havia nada a dizer, exceto que não sabíamos de nada.
— Vou tentar ver a cidade por cima com a minha vassoura.
Peguei a vassoura e olhei para Amnésia. Se tudo na cidade estivesse completamente coberto de gelo, saberíamos que não havia mais nada no lugar. Se houvesse algum lugar descongelado, poderíamos pensar sobre o que fazer.
De qualquer forma, eu estava pensando que seria melhor desistirmos rapidamente e mudar o curso de volta para a Cidade Santa.
No entanto…
— Espera… há alguém ali.
Naquele momento, a expressão de Amnésia mudou. Seu olhar caiu sobre as sombras de uma casa congelada. Ela levou a mão à espada, ainda olhando intensamente para um único ponto.
Também puxei a minha varinha um segundo depois. Eu estava segurando a minha vassoura com a mão direita e a varinha com a esquerda.
— Você aí, quem é você?
Quando ela falou pela segunda vez, a coisa emergiu de seu esconderijo.
— …
Isso é difícil de descrever.
Tinha a forma de uma garota. Cabelos pretos balançando frouxos sobre o seu rosto, e nas lacunas entre os cabelos estavam olhos sem vida. Estava usando trapos imundos e rasgados.
Provavelmente já tinha sido uma bruxa. Em sua cabeça estava um chapéu pontudo, em seu peito um broche em formato de estrela e em sua mão uma varinha.
Mas o mais estranho de tudo era que havia pontos em seu corpo com cristais de gelo brotando. Podíamos vê-los pelas brechas nos pedaços de tecido que costumavam formar o seu robe. E em seu rosto e pernas. O gelo crescia igual cogumelos parasitas em uma árvore.
— …
Arrastando as pernas, a coisa caminhou lentamente em nossa direção.
— Não venha aqui! — Ela devia ter imediatamente percebido o perigo para sua pessoa. Amnésia já tinha sacado o sabre que mantinha ao quadril. — Não sei de onde você é, quem ou o que é, mas… se chegar mais perto, vou te fatiar!
— …
Suas palavras não pareceram chegar aos ouvidos da coisa.
Lentamente arrastando a perna, a criatura não parou.
— Parece que não me ouve…
— …
— Foi você quem fez isso?
— …
Suas palavras chegavam à criatura de forma unilateral. Não havia resposta. Aquilo simplesmente continuou caminhando.
Aos poucos fechando a distância existente. Amnésia se afastou.
— Qual é o problema dessa garota…
— …!
A mão daquilo se contorceu. Com um movimento repulsivo e não natural, igual um inseto rastejante, a coisa preparou a própria varinha e apontou para Amnésia.
Um jato de gelo saiu da varinha.
— Cuidado!
Tirei Amnésia do caminho com um feitiço e, na mesma hora, um pingente de gelo se formou no lugar onde ela estivera.
— O qu…?
Se o feitiço tivesse acertado, Amnésia com certeza teria terminado como todas as outras pessoas do lugar.
— Estou começando a achar que ela é a culpada por congelar a cidade!
— Parece que é. — Voltei a preparar a minha varinha.
Porque a coisa já havia mudado o alvo de seu ataque, de Amnésia para mim.
— …
Voltou a balançar a varinha, lançando mais gelo.
Eu tinha certeza de que um único acerto seria poderoso o suficiente para me congelar da cabeça aos pés. Enquanto me esquivava de feitiço após feitiço, balancei a minha própria varinha, enviando bolas de energia mágica para manter os ataques sob controle.
Mas…
— É como se não tivessem efeito sobre você…
A criatura nem mesmo estremeceu quando a bombardeei repetidas vezes com energia mágica. Me senti tão impotente, era como se estivesse lançando feitiços em uma árvore enorme.
— …
A coisa continuava olhando fixamente para mim. Seus olhos foscos eram negros como o abismo e não demonstravam a menor emoção.
Quem tinha sido essa coisa? E qual era o seu propósito no local?
Isso era um mistério, mas uma coisa estava clara como cristal – a criatura diante de nossos olhos estava tentando nos matar, sem dúvidas.
— …
De novo, preparei a minha varinha.
— Isso deve funcionar…
Disparei um raio de calor. O fluxo único de energia escaldante, quente o suficiente para derreter sangue, carne, terra, gelo, ar e qualquer outra coisa que encontrasse, engolfou a coisa em forma humana em um instante.
Os raios de luz eram cegantes, cintilando em todas as superfícies da cidade congelada.
Eu tinha certeza de que nem mesmo minha oponente distorcida poderia resistir a um feitiço dessa magnitude.
Foi o que pensei.
Achei que isso com certeza acabaria com a ameaça.
Estava convencida.
— …
Porém…
— Não pode ser…
Ah, isso é ruim, pensei.
De repente, ficou bem claro que nunca tive esperanças de derrotar a coisa.
Meu raio de calor escaldante foi congelado. O gelo estava fluindo acima do monstro humanoide em minha direção, cobrindo o meu raio de calor. Conseguiu congelar até mesmo o calor.
Até mesmo os pedaços do raio de calor que se espalharam. Até mesmo o ataque saindo da minha varinha. O gelo engoliu até a minha mão esquerda.
— Tch… — Estalei a língua, frustada. Não conseguia mais mover a minha mão esquerda.
— …
Além disso, eu podia ver o monstro além do raio de calor congelado, parecendo completamente ileso. Nada poderia ter me irritado mais.
Achei que teria causado ao menos um pouco de dano.
Mas não teve efeito nenhum. O que é aquela coisa?
— Elaina…! — Amnésia estava com uma expressão miserável quando começou a correr em minha direção. — Espera! Vou te ajudar!
Do que você está falando?
Não há nada que você possa fazer. Nossa oponente glacial não é afetada nem mesmo por um raio de calor.
— Foi mal. Parece que eu já era.
Soltei a vassoura na minha mão direita e a deixei flutuar.
Peguei outra varinha.
— Sinto muito.
Nessa situação terrível, mesmo em meu estado atual, me sentia tão calma quanto poderia estar.
Lancei um feitiço na minha vassoura, flutuando, com a varinha em minha mão direita.
— Tome conta dela. — A enviei voando.
A vassoura obedeceu fielmente às minhas instruções, cortando caminho pelo céu em direção a Amnésia.
— Hã…? — Ela se prendeu nas roupas de Amnésia e a levou para longe de mim. — Elaina…? O que você está… fazendo?
— Você precisa escapar. Acho que não vou conseguir fazer isso.
Não parece que posso me mover daqui. Estou presa no lugar.
— …
E aquela coisa está vindo atrás de mim.
Xeque-mate.
— Mas, se você fizer isso, então…
— Está tudo bem.
— Mas…!
Como se para interrompê-la, a vassoura saiu zunindo, carregando-a pelas roupas. Não demorou muito para que desaparecesse de vista.
— …
A coisa observou sua partida como se estivesse admirando algo curioso.
Suponho que está pensando em ir atrás dela. Parece motivada a perseguir qualquer coisa que se move. Isso, e acho que está me registrando como alguém que não consegue continuar lutando.
Isso me dá nos nervos.
Apontei meu único braço livre para a coisa.
— Suponho que acha que já me derrotou?
Aquilo se virou. Parecia ter acabado de lembrar da minha existência.
— …
— Por que não diz alguma coisa?
Bom. Tanto faz.
— Não vou desistir, sabe… Odeio a ideia de terminar com tudo congelado.
Se eu congelar… Se for permanecer eternamente como o resto da cidade – como todas aquelas pessoas…
Gostaria de, no mínimo, dar um bom show.
— Vou lutar de verdade, então se prepare…
Lancei alguns feitiços.
Deixo o resto com você, implorei silenciosamente a qualquer um que pudesse estar escutando.
— Espera…! Me deixa! Solta! Se sairmos assim, a Elaina vai…!
Vaguei pelo céu, arrastando uma bagagem superdimensionada.
No ar frio, ela chutava e se debatia no meu aperto, com seu robe puxado ao redor da nuca. Ela parecia uma gatinha sendo levada pelos pais.
— Porquê, sua…! Ser arrastada por uma simples vassoura…! Gah! — Ela estava batendo as mãos, tentando soltar o robe de mim, então continuei restringindo seus movimentos enquanto virava de um lado para o outro em zigue-zague.
Me chamar de “simples vassoura” é extremamente rude. Quem você pensa que é?
As mudanças no meu corpo começaram a acontecer depois de voarmos para um pouco longe e criamos bastante distância entre nós e a Senhora Elaina.
No momento exato, eu disse:
— Por favor, acalme-se, Senhora Amnésia.
Depois de ter jogado a Senhora Amnésia no chão, pousei. Ela caiu de costas, e eu bem calmamente apontei minha escova para baixo e fiquei de pé.
Logo depois, minha silhueta mudou de uma vassoura comum para uma forma diferente.
— Hein…? Elaina? — A Senhora Amnésia olhou para mim com os olhos marejados, estupefata.
— Sou uma vassoura.
— Hein? Não, mas…? O quê? Ah, bem, a cor do seu cabelo é… diferente. — Eu podia quase ver os pontos de interrogação flutuando acima da sua cabeça enquanto ela era tomada por um estado de choque.
Claro, meu cabelo era rosa, o da Senhora Elaina era cinzento – mas, fora isso, éramos quase idênticas, então não era de se surpreender que me confundisse com ela.
— A Senhora Elaina lançou um feitiço em mim mais cedo e me deu esta forma. Ela usa um feitiço que transforma objetos em humanos — expliquei, mas ela parecia continuar confusa.
— Hein…? Mas o que…? — perguntou.
Isso é perda de tempo, então vamos acabar com a explicação…
— Sou uma vassoura. Recebi essa forma da Senhora Elaina. Assim sendo, tenho esta aparência. E agora, estamos no meio de uma fuga daquele monstro lá atrás.
— …! — Nesse ponto, a expressão de Amnésia mudou e ela se endireitou. — Isso mesmo…! Temos que ir ajudar a Elaina!
— Não.
Agarrei a Senhora Amnésia pela nuca enquanto ela tentava fugir. Por mais estranho que pareça, estávamos da mesma forma de quando estávamos voando, mesmo comigo tendo mudado de forma.
— Tch… me solta! — Ela fez careta para mim.
— Como pretende lutar contra um oponente contra o qual nem a Senhora Elaina é párea?
— Isso…
— Embora eu fique tocada pelo seu senso de obrigação e responsabilidade, gostaria que você considerasse por que ela poderia tê-la mandado para longe.
— … — Seu puxão insistente no meu braço diminuiu.
— Já se recompôs?
Ela se virou para mim, parecendo que poderia chorar a qualquer momento.
— Tenho que ajudar a Elaina… mas não posso fazer nada…
— …
— Diga, Senhorita Vassoura…? A Elaina me mandou embora para eu procurar ajuda?
— …
— Amanhã não vou lembrar nem do rosto dela, você não sabe…? Mesmo se eu fosse pedir ajuda, é certeza que se eu dormir, não vou lembrar nada sobre a Elaina ou este lugar. Mesmo se eu deixar um bilhete para mim, não tem como saber se amanhã vou levar a sério ou não.
— …
— Estou com medo de esquecê-la…! É por isso que…
Ela não lembra de uma manhã sequer sem a Senhora Elaina. Ela não conhece um dia sem que sua amiga lhe conte sobre si mesma logo ao abrir os olhos.
Para essa garota sem memórias, ter a Senhora Elaina na sua vida deve ser incrivelmente importante. Ela tem alguém que vai voltar a dizer quem ela é. Só isso já deve servir como uma incrível paz de espírito.
Deve ser por isso que depende mais do que o necessário da Senhora Elaina. Deve ser por isso que essa garota pode ser tão despreocupada.
Porém, sei quanto trabalho a Senhora Elaina tem para lhe dar essa paz de espírito. Como ela espera pelo seu despertar em todas as manhãs, como fica com ela constantemente enquanto viajam, como a observa durante a noite até que adormeça e tudo mais.
Mas a Senhora Elaina agora está envolta em gelo. E todo o medo que a Senhora Amnésia empurrou para o fundo da sua mente deve estar voltando e a dominando.
Suponho que quebrar a sua compostura seja algo normal.
— Se quer partir para a autopiedade depois de ser esmagada pelo seu senso de obrigação e responsabilidade, a escolha é sua. Mas, por favor, considere por quê a Senhora Elaina pode ter me dado uma forma humana.
— …?
— Desde o começo, ela não tinha a menor intenção de deixar esse assunto para amanhã.
Enquanto enxugava as lágrimas que se acumulavam nos olhos da Senhora Amnésia, apontei com o dedo.
Lá estava uma enorme mansão.
Entre as pessoas e edifícios que estavam todos envoltos em gelo, a Senhora Elaina devia ter pensado: Se aqui não há nada além de gelo, então talvez devêssemos ouvir o que o gelo tem a dizer.
Deve ser por isso que me transformou em humana e me confiou a tarefa de desvendar os mistérios deste lugar.
Sua intuição acabou se provando correta.
— Olhe para a frente.
— O prédio adiante.
— Vai lá.
— Anda logo.
— Para a frente.
— Entenda as circunstâncias.
Desde o momento em que entramos na cidade, estive as ignorando – as palavras errantes do gelo que nos cercava eram terrivelmente altas.
— Tenho certeza de que se formos lá, entenderemos tudo.
Era um edifício bem grande, uma mansão, e a única coisa na cidade congelada que permanecia livre de gelo.
Talvez porque os outros prédios ao redor estivessem todos congelados, a mansão parecia terrivelmente fria, mesmo por dentro.
Quando exalamos, nosso hálito saiu branco e turvo antes de se espalhar e desaparecer no ar frio. A luz que brilhava pelas janelas balançava suavemente, parecia até com cortinas.
— O nome da dona desta mansão é Grande Bruxa Rudela… ou é o que parece.
A moça vassoura que caminhava ao meu lado podia ouvir as vozes do vento ou coisa do tipo e, de vez em quando, de repente inclinava a cabeça e dava algumas informações que tirava sabe-se lá de onde. Isso era misterioso, mas pensei que, mesmo se pedisse para que me contasse os detalhes, provavelmente não entenderia, então fiquei quieta e concordei com tudo. Afinal, para falar a verdade, essa ocasião de uma vassoura de pé e andando por aí era muito desconcertante, e eu estava com problemas para acompanhar isso.
— É o cômodo mais distante aos fundos. — A Senhorita Vassoura puxou minha manga com força.
Seguimos por um enorme corredor.
Sem hesitar, ela abriu as portas ao final e me deixou passar.
— Certo, vá em frente.
— O que tem aqui…?
Ao que tudo indicava, era um quarto privado que poderia estar em qualquer lugar e pertencer a qualquer pessoa. Estava ligeiramente mobiliado com acessórios rústicos – uma escrivaninha e uma cama, além de uma estante de livros.
A Senhorita Vassoura não respondeu à minha pergunta e se moveu como se não fosse a sua primeira vez no lugar. Como se estivesse sendo guiada pela voz de outra pessoa, dirigiu-se à escrivaninha e pegou uma carta que estava sobre ela.
— É isto. — Então me entregou a carta.
Estava coberta de poeira e parecia muito antiga.
— E isto é?
— Bem, parece ser algo escrito pela Grande Bruxa Rudela.
— …
Como você sabe disso…?
— Consigo ouvir vozes de objetos, sabe. E isso é um objeto.
Como se visse através de mim, a Senhorita Vassoura soltou uma risada silenciosa.
Ela também consegue ouvir os meus pensamentos…?
— Se eu ler isso, saberei como fazer a Elaina voltar ao normal…?
— … — Ela não me respondeu.
De qualquer forma, parecia ser eu quem devia ler.
Peguei a carta das suas mãos. Olhando de soslaio para a Senhorita Vassoura, que já estava se afastando de novo, como se guiada por outra pessoa, abri a carta.
O cheiro empoeirado de mofo flutuou pelo ar.
Na folha estava a história do país.
Olá. Sou a Grande Bruxa Rudela.
Escrevi esta carta com o propósito único de você a ler. Não sei de onde você é ou quem pode ser, mas fiz isso porque quero que salve o povo desta cidade.
Para ser mais clara, sou a razão pela qual a cidade está congelada. A culpa é minha.
Mas, por favor, entenda que surgiram circunstâncias atenuantes que me levaram a tomar essas ações. Apesar dos meus desejos, não tive outra escolha além de fazer isso, temporariamente, para salvar a cidade.
Tudo começou há um ano – embora eu diga isso, não sei quando é que você pode estar lendo, mas suponho que já vai ter passado mais de um ano.
De qualquer forma, um ano antes de eu escrever esta carta, uma praga começou a se espalhar por esta terra.
É uma doença terrível que causa inflamações na pele e uma febre ardente no corpo. A partir do começo, precisa de apenas alguns dias para o infectado morrer.
A origem disso é desconhecida. Depois que a primeira pessoa adoeceu, houve um surto repentino. A praga chegou ao interior com uma velocidade assustadora.
Fui contratada pelo rei para inventar uma cura, e rápido.
Fiz várias visitas aos doentes, colhi amostras de sangue e criei medicamentos. Dia após dia, repeti esse exercício.
Mas, não importa a origem da doença, nunca sequer entendi como curá-la. Não importa que tipo de remédio fazia, não surtia efeito algum.
Muitos cidadãos morreram, sofrendo até o amargo fim.
E como a praga continuou se espalhando, um boato começou a correr.
Um boato de que Rudela, a Bruxa, podia ter causado a praga…
Suspeitei que os cidadãos começaram a desconfiar de mim porque nunca fui pega pela doença, apesar de sempre visitar os enfermos em meio a uma pandemia que abalava o país.
Os rumores em si se espalharam como se fossem uma segunda praga. Rumor gera rumor e, em pouco tempo, torna-se a opinião popular. Os cidadãos pararam de me cumprimentar e, quando eu ia às suas casas para tentar curá-los, proibiam a minha entrada.
Tornei-me uma espécie de pária.
Porém, não me importei muito com isso.
Para ser honesta, eu não gostava muito das pessoas daqui. Digo, nunca fui uma pessoa sociável. Sempre as odiei, sério. Costumo manter uma aparência amigável, é claro, mas realmente só me preocupo com as interações mais básicas. É esse tipo de pessoa que eu sou.
De qualquer forma, não parei de estudar a doença.
Isso é graças ao meu senso de patriotismo.
Amo a minha terra natal, onde nasci. Posso até odiar as pessoas, mas o que me levou a estudar uma cura para a praga foi o simples senso de obrigação e dever. Era por isso que eu não iria desistir, de forma alguma.
A praga eventualmente cravou seus dentes no rei em pessoa.
O tempo acabou e, se eu não fosse capaz de resolver o mistério em alguns dias, estava claro que o país cairia em ruínas.
Eu já não aguentava mais. As pessoas me olhavam com desconfiança; sequer uma boa alma confiava em mim. Atiravam pedras em mim enquanto eu caminhava pela rua, e algumas pessoas que perderam os parentes para a praga me atacavam até mesmo com facas.
Ah, isso é impossível, pensei.
Nesse ponto, tive que tomar uma decisão.
Eu não tinha tempo.
Tenho certeza de que o cenário ao seu redor parece estar congelado. Estritamente falando, o que você está vendo não é gelo.
Para salvar a cidade, era fundamental que eu ganhasse tempo. Assim sendo, preservei a cidade toda, suspendendo-a no tempo após a propagação da praga.
Tenho certeza de que as pessoas locais me viam como uma figura assustadora, enquanto circulava congelando tudo o que via pela frente. Mas não quiseram ouvir qualquer palavra que eu tinha a dizer, por isso não tive muitas escolhas.
Depois que congelei tudo pela cidade, pude me dedicar ao estudo da doença, sozinha.
Mesmo que ganhasse tempo congelando tudo, não adiantaria de nada caso não pudesse resolver o problema.
Minha pesquisa continuou por um bom tempo, mas finalmente consegui desvendar o mistério da doença que começou a se espalhar tão repentinamente.
A origem está em um país próximo – a Cidade Santa, Esto.
Parece que aquele país está fazendo testes com alguma magia questionável e, como um subproduto, a energia mágica corrompida se transformou em uma toxina e poluiu a água lançada no rio. Provavelmente foi isso que fez com que meus compatriotas caíssem, um após o outro, enquanto eu era poupada. Tenho certa resistência à energia mágica, eles não. E isso não é tudo.
Assim que entendi a causa, foi fácil de solucionar.
Imediatamente dediquei a minha energia ao desenvolvimento de uma vacina.
Mas surgiu um problema.
Passou cerca de um ano desde que congelei a cidade e, apesar da minha resistência mágica, a corrupção finalmente começou a me consumir. Cada vez que uma parte do meu corpo era infectada, eu a congelava para interromper o progresso da doença e continuava trabalhando incansavelmente na vacina.
A cura finalmente foi concluída.
A propósito, está vendo neve caindo pela janela?
Essa neve é a vacina que eu criei. A neve se combina com o gelo, e derrete enquanto adere a ele, então deve acabar curando a doença que assola essas pessoas.
Porém, já é o fim para mim.
Congelar o meu corpo aos poucos deve ter resultado em alguns efeitos colaterais negativos. Ou então devo ter usado energia mágica demais para fazer a vacina.
A neve não curou a minha doença, embora ela também não tenha progredido. Tudo o que foi desaparecendo, mesmo que aos poucos, é a minha humanidade.
Já posso sentir a minha mente desvanecendo. Minha cabeça parece vazia e está ficando difícil controlar o meu corpo. Até escrever essas palavras requer todo o meu esforço.
Estou feliz por ter durado o suficiente para fazer a vacina. Mas não tenho energias para derreter o gelo. Temo que meu amado lar permanecerá preservado em gelo por toda a eternidade.
Só existe uma forma de derreter isso. Se eu morrer, a fonte da energia mágica que congelou a cidade morrerá comigo, e o gelo deve sumir.
Não há outro jeito.
Então imploro.
Por favor, me mate…
A carta acabou aí.
A nota extremamente perturbadora parecia menos com palavras e mais com o arranhar de símbolos desconhecidos. Na verdade, era uma súplica desesperada a qualquer um que pudesse lê-la.
Ela queria que a matássemos.
A carta terminou com aquelas palavras pesadas.
— Senhora Amnésia.
A Senhorita Vassoura voltou exatamente quando terminei a leitura. Em sua mão, segurava um enorme pedaço de pano.
— O que é isso…?
— Estava no outro quarto.
Ela abriu o tecido. Parecia uma capa feita de trapos. Ela olhou para aquilo com toda a seriedade do mundo.
— É possível que a Senhora Rudela tenha previsto algo a respeito da nossa situação atual. Isso parece ser uma capa que pode anular a magia dela.
— …
Como você sabe? Eu não tinha mais energias para perguntar. Tinha certeza de que era algo que ela tinha ouvido dos objetos.
— Senhorita Vassoura, você sabe o que estava na carta?
— Mais ou menos.
— Entendo…
— Sim.
Peguei a capa das suas mãos.
— Então temos que matá-la…
— … — Ela desviou o olhar. — No momento, é seguro dizer que não existe outra forma.
— Parece ser o caso…
— Sinto muito mesmo… Esse trabalho sujo é algo que eu deveria assumir, e não um ser humano, acho. Mas… — Ela olhou para as próprias mãos.
O feitiço que Elaina tinha lançado já estava chegando ao fim, já que seu corpo estava começando a sumir e ela estava ficando translúcida. Eu podia ver o outro lado do quarto através dela.
A Senhorita Vassoura não tinha muito tempo restando.
— Está tudo bem. Não precisa se preocupar com isso. — Segurei as minhas mãos trêmulas. — Na verdade, esse tipo de tarefa é ideal para mim, sabe?
Porque amanhã já vou esquecer…
— Senhora Amnésia. — De repente, uma sensação de calor envolveu o meu corpo. A voz da Senhorita Vassoura vinha de algum lugar muito próximo, e quando ela continuou falando, percebi que estava me abraçando. — Você não tem nenhuma razão para sentir qualquer responsabilidade ou senso de dever. Mesmo se fugisse, não há ninguém que te julgaria.
— …
— Então, por favor. Siga o seu coração e faça como achar melhor… já que se não fizer isso, com o tempo, com certeza perderá a capacidade de agir por conta própria.
Ela me abraçou com ainda mais força. Parecia que desapareceria a qualquer momento, mas ela estava tão quente que achei que eu poderia derreter. Estava quente. Queimando.
Levei meus braços frouxos ao seu redor.
— Obriga…
Entretanto, naquele momento, a Senhorita Vassoura desapareceu.
Ela escorregou pelas minhas mãos e uma vassoura comum caiu no chão. Deixou para trás apenas a mais leve sensação da sua presença.
Fui deixada para trás como a única pessoa nesta cidade congelada.
Eu não tinha escolhas.
A neve continuava caindo lá fora, lenta e sem parar.
Cobrindo o meu corpo, a capa absorveu a neve e ficou ligeiramente tingida pela umidade.
Não importava onde eu andasse pela cidade coberta de gelo, o cenário não mudava, e eu não sabia há quanto tempo havia ficado do lado de fora nem por quanto tempo teria que continuar vagando.
— …
Do outro lado da cidade congelada, a criatura que antes era Rudela apareceu, arrastando a perna. Era certo que não restava qualquer humanidade dentro dela.
Quando ela me viu, a mulher com cristais de gelo crescendo dentro de seu corpo apontou sua varinha em minha direção e imediatamente me atingiu com um frio gélido.
— Tch…!
O gelo se estilhaçou quando acertou a capa que eu tinha pego com a Senhorita Vassoura, e o frio se dissipou no ar. Ah, ainda bem, funcionou mesmo. Sentindo-me um pouco aliviada, dei um passo firme à frente, um pé de cada vez.
Lutando sob o ataque mágico de gelo, minhas pisadas pareciam muito, muito pesadas. Parecia que eu entraria em colapso no momento em que eu parasse de fazer isso.
Muitas vezes, sentindo como se estivesse prestes a escorregar, levei a mão ao meu sabre, no local onde ele repousava sob a capa.
Ele sacudia ruidosamente com o meu tremor.
Antes de perder a memória, eu provavelmente não era estranha a batalhas. Está tudo bem.
Se eu não fizer isso, não terei a Elaina de volta. Não tem outro jeito.
Rudela está preparada para morrer. Não há nada de triste nisso.
Repetindo essas desculpas na minha mente, diminui a distância entre nós, um passo de cada vez.
— …
E assim…
— Sinto muito.
A apunhalei.
Meu sabre perfurou a capa e o peito da criatura que costumava ser Rudela. A lâmina foi bem fundo nela, deslizando suavemente pela abertura entre seus ossos.
Meu peito doeu. Era quase como se fosse eu quem estava sendo golpeada.
O sangue que vazou do peito dela desceu pela minha lâmina e gotas grossas caíram no gelo. A magia gélida fluindo de sua varinha cessou, e ela a largou assim que sua mão ficou mole.
O corpo de Rudela desabou sobre mim. A sua cabeça bateu no meu ombro.
Ela era pesada.
— Obrigada…
Pesadas foram também as palavras que ela soprou ao meu ouvido.
Foram as suas últimas palavras e não voltou a se mover.
Não consegui dizer nada.
Tinha certeza de que eu nunca contaria essa parte da história. Para quem? Para Elaina.
De forma alguma poderia dizer a ela… que matei alguém pelo seu bem.
— Ah, Madame Bruxa, me sinto realmente muito mal por isso. — Enquanto eu restaurava a cidade, o rei se aproximou de mim com uma risadinha.
Balancei a minha cabeça e continuei o meu trabalho.
— Não, não. É a minha forma de me desculpar por destruir a sua cidade.
— Mas você derrotou aquela mulher por nós. Mesmo que os prédios estejam um pouco surrados, está claro que foi um sacrifício necessário. Você com certeza não precisava fazer isso tudo!
— Não ficarei satisfeita a menos que faça. E, de qualquer forma, fico feliz que ninguém tenha se ferido — respondi e voltei ao trabalho.
A coisa humanoide. Acabei congelada durante a minha luta com a criatura que era difícil de descrever. Quando voltei ao normal, descobri que os prédios ao meu redor estavam completamente destruídos.
Ah, merda, pensei, e comecei a consertá-los na mesma hora.
Enquanto eu fazia isso, as pessoas da cidade ao meu redor começaram um burburinho:
— Você derrotou aquele monstro por nós, Senhorita Bruxa?!
Chegamos à situação atual, na qual o rei veio especialmente para me cumprimentar.
Não é como se eu tivesse derrotado aquela coisa sozinha…
Mesmo depois que terminei o meu trabalho, o rei continuou tentando me agradar.
— Você realmente nos ajudou! Estávamos presos em um longo pesadelo por causa daquela bruxa má. Se não tivesse nos salvado, poderíamos ter ficado no gelo por toda a eternidade…
— É…?
Ele continua despejando elogios, mas não é como se eu tivesse salvo todos sozinha.
Eu, na verdade, também estava congelada.
— …
Amnésia, aquela que realmente salvou o país, ficou o tempo todo atrás de mim, de cabeça baixa, sem dizer qualquer palavra, sem sequer se mover.
Eu não fazia a menor ideia do que foi que aconteceu.
Em meio aos alegres cidadãos, encantados por conseguirem a liberdade de volta, só ela estava para baixo. Parecia tão inconsolável que não consegui nem me forçar a dizer qualquer coisa.
— Queremos mostrar nossa gratidão às bruxas que derrotaram aquele demônio por nós, o que acha? — perguntou o rei. — Devíamos comemorar este dia. Vamos registrá-lo eternamente como o dia em que o demônio da nossa terra foi derrotado.
— …
— O que acha? Não vai permitir que mostremos a nossa gratidão? Gostaríamos de te dar um tesouro ou qualquer outra coisa que quiser. Ah, e você tem algum tempo sobrando? Se estiver disposta, mandarei preparar um banquete de primeira para você no nosso palácio!
— …
Ele está com um humor bem festivo. É mesmo uma ocasião tão alegre?
Não entendo o que está realmente acontecendo.
— O que acha? — perguntou-me de novo, com bastante insistência, o rei bem-humorado.
— Não podemos… — disse alguém em voz baixa enquanto puxava meu robe com firmeza. Quando me virei, me deparei com Amnésia, de olhos baixos e balançando a cabeça suavemente.
Foram as primeiras palavras que ela disse desde que o gelo derreteu.
Eu não fazia a menor ideia do que havia acontecido. Entretanto, entendi que havia acontecido algo terrível com ela, algo que não conseguia nem expressar em palavras.
Me virei para encarar o rei.
— Por favor, não se dê ao trabalho. Estamos com pressa para seguir em frente. Afinal, somos viajantes.
Já havia parado de nevar pela cidade que fora libertada do gelo. As rajadas de neve pela floresta também, no final das contas, deviam ser resultado do clima criado por magia.
— …
Mesmo eu não entendia como que tudo havia voltado ao normal.
Saímos do país e seguimos a pé pela floresta. Simplesmente não estávamos com vontade de andar na vassoura, então continuamos andando por todo o caminho.
Por fim, mais ou menos quando a sombra da cidade desapareceu completamente de vista, me virei e olhei para Amnésia.
— …
Ela ficou o tempo todo com a mesma expressão, desde que fui libertada do gelo – silenciosa e taciturna.
— Você está bem? — perguntei.
Ela assentiu de leve.
— Sim. Vou esquecer disso, então… — disse ela em desespero, sua voz muito, muito trêmula.
As pontas de seus dedos tremiam, seus ombros chacoalhavam, até mesmo sua boca estremecia. Era como se estivesse tremendo graças a um insuportável frio.
“Sim”? Mesmo com você parecendo tão perturbada?
Isso era lamentável.
Pensando que isso poderia lhe trazer algum alívio – embora não soubesse se teria mesmo algum efeito – a abracei.
— Por favor, não diga algo tão triste…
— …
Os braços da garota trêmula na mesma hora me apertaram. Ela apertou com cada vez mais força, como se quisesse se certificar de que eu era sólida ao toque, agarrando-se a mim enquanto seus braços corriam pelas minhas costas. Eu mal conseguia respirar.
— Sinto… muito. Sinto muito…! Sinto muito…!
A garota enterrou a cabeça no meu ombro. Ela estava me pedindo desculpas Continuou se desculpando enquanto soltava enormes soluços e encharcava o meu robe com as suas lágrimas.
Esfreguei as suas costas. Apesar da sua aparência de cavaleira, eram as pequenas e indefesas costas de uma garotinha solitária.
Acariciei o seu cabelo. Era macio e quente, o cabelo de uma garota viva.
— Assim que terminar de chorar vamos continuar com a nossa jornada.
Pude sentir ela acenando de leve.
Continuei segurando-a, sem soltá-la, pelo tempo que precisou para se acalmar.
— …
Não tinha como eu perguntar… o que foi que aconteceu.
Tradução: Sahad
Revisão: Kana
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